Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A744
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
Nº do Documento: SJ2008042207446
Data do Acordão: 04/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Num contrato de empreitada resolvido por incumprimento parcial por parte do empreiteiro, a restituição da parte do preço respectivo entregue pelo dono da obra, não abrange a parte correspondente ao valor da obra realizada, se o dono da mesma não tiver interesse na demolição daquela.
II. A subtracção do valor da obra efectivamente realizada à condenação do empreiteiro na devolução da parte do preço recebido do dono da obra, não carece de prévia formulação de pretensão nesse sentido por parte do empreiteiro.
III. A resolução desse contrato com base no não cumprimento do empreiteiro por abandono da obra, apenas parcialmente realizada, obriga o empreiteiro a reparar os interesses contratuais negativos, ou seja, o prejuízo que a parte que resolveu teve com o facto de se ter realizado o contrato, ou ainda, por outras palavras, o prejuízo que ela não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado.
IV. As despesas necessárias à reparação dos defeitos existentes na obra realizada não se integram na reparação dos interesses contratuais negativos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA e BB vieram instaurar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário, no 4º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, contra CC e DD.
Alegaram, em síntese, ter celebrado um contrato de empreitada com o Réu marido cujo objecto era a construção de uma moradia; tal moradia foi parcialmente edificada pelo Réu com muitos e graves defeitos, que discriminaram e que punham em causa a própria estabilidade da obra; o Réu marido no seguimento de desavenças havidas, retirou do local da obra todos os seus trabalhadores, as ferramentas, os materiais e outros utensílios próprios da construção civil e que eram usados diariamente na obra e nunca mais lá voltou a colocá-los; em consequência os AA. sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais que discriminaram e cuja indemnização pedem no pedido que efectuaram.
Terminaram pedindo que a acção seja julgada totalmente procedente, por provada, e consequentemente:
i) Declarar resolvido pelos Autores, o contrato de empreitada sub judice.
ii) Condenar os Réus a reconhecerem que o contrato de empreitada foi resolvido por justa causa, e a restituírem aos AA. o valor de trinta e quatro mil novecentos e quinze euros e oitenta cêntimos (34.915,86 €).
iii) Condenar os Réus no pagamento a favor dos Autores da quantia de mil noventa e oito euros (1.098 €) a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da despesa assumida com pagamento dos peritos que elaboraram o relatório técnico junto como documento n.º 14 desta P.I.
iv) Condenar os Réus no pagamento a favor dos Autores da quantia de onze mil, setecentos e vinte e sete euros e oitenta e nove cêntimos (11.727,89 €) a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da necessidade de realizar as obras de reabilitação das fundações referidas no item 61.
v) Condenar os Réus no pagamento a favor dos AA. da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da realização das obras de correcção dos defeitos referidos no item 63.
vi) Condenar os Réus no pagamento a favor dos AA. da quantia de vinte e nove mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros (29.854 €) a título de indemnização pelo excesso de preço que terão de pagar para obter a conclusão da empreitada, calculado nos termos descritos nos item 64 a 67.
vii) Condenar os Réus no pagamento a favor dos AA da quantia de duzentos euros (200 €) por cada mês que a obra estiver parada, a título de reembolso dos juros que se vencerem no contrato de mútuo hipotecário que celebraram para financiar a empreitada.
viii) Condenar os Réus no pagamento a favor dos AA. da quantia de dez mil euros (10.000€) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais referidos no item 69.
E ainda no pagamento dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento (consoante ampliação de pedido efectuada na réplica e admitido a fls. 114).
Citados os RR. vieram invocar a excepção de ilegitimidade da Ré esposa e impugnar grande parte dos factos alegados pelos AA., e requerer a intervenção acessória provocada do Engenheiro ..., alegando ter direito de regresso sobre este, caso venham a ser condenados nesta acção.
Terminaram pedindo a improcedência da acção.
O pedido de intervenção acessória provocada veio a ser deferido consoante despacho de fls. 114.
Citado, o interveniente veio apresentar articulado próprio, a fls. 118 e segs.
Dispensada audiência preliminar foi proferido despacho saneador onde se conheceu da excepção de ilegitimidade da Ré esposa, julgando-a improcedente.
Condensou-se a matéria de facto assente e elaborou-se base instrutória, realizando-se audiência de discussão e julgamento, com decisão da matéria de facto.
Seguiu-se a prolação da sentença que julgou o pedido parcialmente procedente.
Inconformados os autores vieram apelar tendo na Relação do Porto tal recurso sido julgado improcedente.
Mais uma vez inconformados vieram os autores interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.
Contra-alegaram os réus defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões dos aqui recorrentes se deduz que estes, para conhecer neste recurso, levantam as seguintes questões:
a) A compensação efectuada entre o valor do preço pago pelos recorrentes com o valor das obras realizadas pelo réu e com os materiais pelo mesmo fornecidos, só poderia ser concedida se o recorrido tivesse manifestado interesse em ser reembolsado de tais obras e materiais, pois de outro modo violar-se-iam os princípios processuais do dispositivo e do pedido e da contradição, constituíndo tal decisão sentença-surpresa?
b) As obras de reforço da estrutura do imóvel e as destinadas a eliminar defeitos graves da estrutura são de atender por integrarem o interesse contratual negativo ou dano de confiança ?

Mas antes de mais, há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada e que é a seguinte:
A) Na Conservatória do Registo Predial de Penafiel encontra-se descrito sob o nº 0644/09072001 um prédio como urbano, sito no lugar de Vale Pereiro, freguesia de Rio Mau, composto de terreno para construção, e aí inscrito a favor do Autor marido, por apresentação de 21/01/2000.
B) Esse prédio encontra-se descrito na matriz predial urbana, sob o art. 741º, da freguesia de Rio Mau, Penafiel.
C) Os Autores contraíram matrimónio em 21/07/2001, sem convenção antenupcial.
D) O Autor marido requereu à Câmara Municipal de Penafiel o licenciamento para construção nesse terreno de uma moradia unifamiliar destinada a fim habitacional edificada em dois pisos, sendo um deles abaixo da cota de soleira.
E) A Câmara Municipal de Penafiel deferiu a referida construção pelo alvará de licença de construção nº 543/2001, emitido em 22 de Agosto de 2001.
F) Para execução da construção e de algumas alterações aditadas ao projecto, o Autor marido propôs e o Réu marido aceitou, encarregar este da construção da referida obra.
G) Para esse efeito os mesmos redigiram e subscreveram o documento junto a fls. 25 a 27 dos autos.
H) Conforme acordado o Réu marido assumiu a obrigação de realizar os seguintes trabalhos da especialidade de pedreiro:
lintel de fundação com sapatas e pilares;
cave em toda a extensão da casa em betão armado na parte não visível;
toda a cave cerzitada e isolada com “flitcoat” e com “wall-mate”/tela;
meia-cana em toda a volta da cave, e tubos de saída para escoamento de águas;
chão da cave com rachão e malha-sol;
isolamento projectado nas paredes exteriores do rés-do-chão e no telhado;
isolamento do chão com “floormate”;
caixa-de-ar e divisões em tijolo de 11 cm;
vigas de travação de todas as paredes;
padieiras das janelas em betão armado;
fornecimento e assentamento das padieiras e peitoris das janelas e portas;
laje de piso, de tecto e de telhado;
vigas em betão a toda a volta dos alpendres para suportar a laje de tecto e de telhado;
assentamento de telha vidrada com terminal de beirada em canelão;
fossa, poço sumidouro e respectivas caixas.
I) E os seguintes trabalhos da especialidade de trolha:
chão de cave em fino;
paredes da cave areadas e pintadas;
tecto da cave areado e pintado;
todo o interior da casa com as paredes e os tectos estanhados;
tecto dos alpendres areados e pintados;
molduras dos tectos e centros das salas, da biblioteca e dos quartos;
molduras e centros dos corredores;
chão de toda a casa pronto (fino), incluindo os alpendres;
pintura de toda a casa;
juntas do granito cerzitadas e areadas;
aplicação do produto isolante e do verniz no granito;
assentamento de azulejos (ou outros materiais) nas casas de banho e na cozinha;
assentamento de granitos (ou outros materiais) no chão das salas, cozinha e casas de banho;
assentamento de granitos (ou outros materiais) no hall, corredor principal, escadaria de acesso à cave e no chão dos alpendres.
J) E acordaram que a obra deveria ser construída “de acordo com as especificações legais, designadamente com o projecto de construção e as respectivas especialidades aprovadas”
K) Mediante o pagamento pelo autor marido de uma retribuição no valor de 11.500.000$00.
0L) O interveniente, EE é engenheiro civil e era o técnico responsável pela direcção da obra.
1º O Autor marido contratou os serviços de uma pessoa a quem incumbiu de modelar o terreno circundante da edificação.
2º Quando a construção estava já realizada ao nível das fundações, cave, rés-do-chão e cobertura.
3º Estando já colocadas todas as lajes de piso, tecto e telhado.
4º E as divisões internas estavam a começar a ser rebocadas com o início do reboco a começar pelas paredes da cave.
5º E construídas as paredes exteriores em granito amarelo.
6º E realizado o assentamento parcial de telha vidrada.
7º Nessa ocasião, depois de ter sido removida alguma terra, o Autor marido constatou que algumas das sapatas dos pilares de sustentação do alpendre virado a nascente e da cozinha virada a sul, estavam a uma profundidade diminuta.
8º E assentes em terra sem qualquer consistência
9º E tinham espessuras inferiores aos valores normais e necessários para garantir a segurança mínima ao punçoamento.
10º Já antes das obras referidas em 1º, o Autor marido havia constatado a existência de um toro de madeira contíguo a um dos pilares.
11º Quando se procedia à abertura da ranhura destinada à instalação de um tubo de exaustão de fumos/vapores da caldeira.
12º No seguimento deste conhecimento em data não concretamente apurada do início de Fevereiro de 2003, o autor marido dirigiu-se à obra e questionou o Réu marido se a obra tinha ferro.
13º Perante a reacção do Réu marido, o Autor muniu-se de uma máquina de corte e começou a cortar o reboco junto a um pilar.
14º Entretanto, nessa altura, o Réu marido e o autor discutiram por causa de umas chapas que deviam ser colocadas no telhado.
15º No seguimento dessa discussão o autor e o Réu marido agarraram-se um ao outro e andaram assim agarrados até caírem ao chão.
17º A solicitação do Autor a sociedade “FL...., Engenharia, Lda” realizou em 10/02/2003 uma visita à obra e o estudo e avaliação do estado e estabilidade da estrutura resistente da edificação.
18º Nessa altura constatou-se que nas fundações as sapatas visíveis apresentavam espessuras de cerca de 15 cm.
19º Sendo os mínimos de espessuras das sapatas necessários para garantir a segurança ao punçoamento de cerca de 30 cm.
20º E constatou-se que o muro da cave, muro perimetral que suporta o piso térreo, em betão armado fôra executado com betão de muito má qualidade.
21º E que 14 dos pilares de reforço previstos no projecto não tinham sido executados.
22º E que a sapata de fundação do muro da cave não existia.
23º E que um pilar do muro da cave se encontrava executado com armadura inferior à mencionada no projecto.
24ºE que uma sapata de fundação deste pilar tinha uma espessura inferior ao mínimo de 30 cm de altura.
25º E que a armadura vertical e horizontal da parede só existia no extradorso da parede (face exterior).
26º E que o afastamento vertical medido rodava os 40 cm, quando o valor previsto no projecto era de 15 cm.
28º Ao nível do rés-do-chão não foram construídos 12 pilares previstos no projecto.
29º E os pilares de canto que foram construídos apresentavam dimensões médias de 0,12 x 0,12 m2.
30º Quando de acordo com o projecto estava prevista a dimensão de 0,30 x 0,30 m2 para as mesmas.
31º Ao lado dos pilares existiam troncos de madeira com o diâmetro aproximado de 60 mm, com finalidade desconhecida.
32º Existe descontinuidade entre as armaduras dos pilares do rés-do-chão e do muro da cave.
33º O que fragiliza a estabilidade da ligação entre os dois pisos.
34º A varanda sobre a entrada para a garagem apresentava à data da perícia, patologias graves, nomeadamente deformação e fissuração.
35º Incluindo a possível ruína de parte da mesma.
36º Para garantir a segurança global da estrutura da edificação será necessário a realização de estruturas adicionais de reforço da estrutura.
37º Com a adopção de uma solução que deverá ser estudada.
39º E para reforço da varanda existente sobre a entrada da garagem, uma das soluções possíveis será a construção de uma viga e respectivos pilares de apoio em betão armado.
40º Estes trabalhos de reforço mostram-se necessárias atenta a má qualidade do betão empregue na execução da obra.
41º O chão não foi isolado com “floormate”.
42º As padieiras das portas não são em betão.
43º Não foram realizadas vigas de travação de todas as paredes.
44º Os tarugos nas lajes de piso, de tecto e de telhado, não respeitam as distâncias recomendadas pelo fabricante.
45º Foram feitos pilares em granito nos alpendres.
46º Nem existem vigas e cinta de travação a toda a sua volta.
47º A beirada da laje do telhado não tem uma saliência de 1 m, como consta do projecto.
48º A escadaria não está construída conforme consta do projecto.
49º Não foi executada uma viga de 40 cm prevista no projecto para a entrada da garagem e no resto do alpendre dos quartos.
50º Falta malha-sol no chão da sala de estar e no alpendre maior.
51º Não foram executadas as vigas de travação nas paredes de sustentação do telhado.
52º O telhado foi executado de forma diferente à prevista no projecto.
53º E ficou com inclinações diferentes.
54º E com um cume mais curto do que a beirada.
55º Na sequência do descrito em 14º e 15º, o Réu marido retirou do local da obra todos os seus trabalhadores, as ferramentas, os materiais e outros utensílios próprios da construção civil e que eram usados diariamente na obra e nunca mais lá voltou a colocá-los.
56º É possível corrigir a anomalia resultante de falta de construção de 24 pilares. Para o efeito torna-se necessário realizar trabalhos de reforço da estrutura existente.
57º Para executar a solução estrutural prevista em projecto é necessária a demolição.
58º E construir tudo de novo.
59º Os Autores entregaram ao Réu marido a quantia de 7.000.000$00.
60º Com a contratação de técnicos para avaliarem a segurança e estabilidade da estrutura resistente da edificação os Autores gastaram 1.098 Euros.
61º Para corrigir a construção das fundações os Autores terão que mandar executar obras de reabilitação das fundações.
62º Essas obras são necessárias para suprir a falta de segurança das sapatas dos pilares situados no perímetro exterior da edificação.
63º E uma solução possível é construir uma viga de reforço e respectivos pilares de apoio no perímetro exterior da varanda sobre a entrada da garagem.
64º Qualquer que seja a solução de reforço a adoptar o valor de 11.727,89€ será sempre insuficiente.
66º Para correcção das situações descritas em 41º a 54º será necessária a realização de obras.
67º Para conclusão da obra os Autores terão ainda de mandar executar os trabalhos de conclusão da obra que tinham acordado com o Réu.
68º e 69, As paredes da cave devem ser impermeabilizadas, pelo lado exterior de acordo com o contratado.
70º E executar a drenagem da cave, conforme contratado.
70º-A E aplicar isolamento na cave.
70º-B E concluir assentamento do telhado e beiradas, bem como aplicar caleiros.
70º-C E fazer os telhados das chaminés.
70º-D E construir poço sumidouro, fossa e respectivas caixas.
70º-E E rematar a pedra pilares e juntas.
70º-F E rematar a parte inferior das telhas acima da cornija.
70º-G E fazer portais, padieiras e soleiras.
70º-H E regularizar os pavimentos nas varandas.
70º-I E construir a gola para remate dos tectos exteriores.
70º-J E limpar toda a alvenaria de pedra exterior.
70º-L E aplicar isolante na pedra.
70º-M E fornecer e colocar soleiras e peitoris de granito em todos os vãos.
70º-N E colocar reboco estanhado em tectos interiores do rés-do-chão e nas paredes.
70º-O E colocar betonilha afagada em todo o pavimento do rés-do-chão.
70º-P E colocar cerâmica ou outros materiais nas paredes da cozinha, das casas de banho do rés-do-chão e nos pavimentos da sala de jantar, cozinha, corredores, escadaria interior e hall de entrada.
70º-Q E fazer molduras e centros em gesso em todo o rés-do-chão.
70º-R E fazer reboco areado nos tectos e paredes da cave, lavandaria, casa das máquinas e aproveitamento debaixo da cozinha.
70º-S E colocar betonilha afagada no pavimento da cave.
70º-T E colocar cerâmica na casa de banho.
72º E pintar todos os tectos e paredes interiores de toda a edificação.
73º O Custo aproximado para a execução dos trabalhos constantes dos artigos 68º a 70º (s) e 72º é de 50.000€.
74º Os Autores pediram dinheiro emprestado a uma instituição bancária para financiarem a construção da obra.
75º Pagando a essa instituição bancária como valor de juros da prestação mensal, em Outubro de 2004, a quantia de 136,74€.
76ºEm consequência da situação descrita o Autor marido teve que se deslocar à obra por diversas vezes.
77º E teve que manter reuniões com técnicos e outros empreiteiros.
78º E teve que reunir com o seu advogado.
79º E que consultar repartições públicas.
80º O que determinou que os Autores passassem a ter menor disponibilidade para a família e para a profissão.
81º E que vissem a sua vida diária perturbada.
82º Os Autores sentiram angústia por força dos atrasos da obra e pela incerteza quanto à futura fiabilidade e segurança da sua casa de habitação.
83º Os Réus são casados entre si.
84º A Ré mulher não trabalha nem tem rendimentos.
85ºOs rendimentos que o Réu marido obtém no exercício da sua profissão de empreiteiro são destinados à satisfação das necessidades comuns do casal.
87º Desde o início da execução da obra na arte de pedreiro, o interveniente, mediante prévio acordo com o autor marido, indicou ao Réu marido algumas alterações à execução da obra a saber:
- Ampliação da cave e supressão de um pilar, previsto a meio da meia cave.
- Redimensionamento da estrutura em função da ampliação da cave e da retirada do pilar, com fornecimento de desenho e novos cálculos.
- Alteração da configuração da cobertura do telhado.
- Execução de paredes divisórias na cave.
90º A execução das alterações referida em 87º foi aprovada pelo interveniente e pelos AA.
96º No seguimento do referido nos artigos 13º a 15º, o autor marido e o seu pai imobilizaram o Réu marido no chão.
97º Um empregado do Réu marido apartou este do autor marido e do seu pai.
108º A beirada da laje do telhado foi executada pelo outro empreiteiro, com cornijas em granito, conforme decidido pelo Autor marido.
110º O telhado foi executado e transformado várias vezes pelo Réu marido. A configuração da cobertura do telhado foi alterada pelo interveniente a pedido do Réu marido.

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso.

a) Nesta primeira questão, os recorrentes pretendem que a consequência resultante de resolução do contrato de empreitada consistente na devolução do preço pago pelos recorrentes como donos da obra, deve ser concedida sem qualquer compensação com o valor das obras e materiais que o empreiteiro realizou ou colocou no desempenho da mesma obra empreitada, por não terem os recorridos manifestado a vontade de os receber.
Esta pretensão já foi formulada no recurso de apelação onde foi rejeitada fundamentadamente, sem que se nos ofereça censurar aquela decisão, o que nos permitiria remeter para aquela decisão a fundamentação para a improcedência desta pretensão.
Mas sempre iremos apreciar a mesma, sem a pretensão de dizer nada de novo.
Tratam os presentes autos de uma acção em que é pedida a resolução de um contrato de empreitada com base no incumprimento definitivo por abandono por parte do réu empreiteiro, sendo os demais pedidos consequências da referida resolução.
Está assente pelas instâncias a verificação do incumprimento e da consequente resolução, sem que tal decisão tenha sido impugnada.
Por isso, apenas há aqui que curar de saber se entre as consequências da resolução cabe a devolução da parte do preço da empreitada paga pelo dono da obra sem a compensação daquela com o valor das obras e materiais suportado pelo empreiteiro na execução da obra empreitada, por falta da dedução do respectivo pedido por este.
Tal como entenderam as instâncias sem impugnação das partes, a resolução do contrato de empreitada de construção de imóvel em terreno do dono da obra dá lugar à aplicação do disposto no art. 434º, do Cód. Civil, no sentido de que se o dono da obra não tiver interesse na demolição da mesma e não sendo possível a devolução em espécie dos materiais empregues e da mão de obra incorporada pelo empreiteiro, deverão estes ser substituídos pelo respectivo valor.
A única discordância dos recorrentes consiste em não dever ser atendido este direito do empreiteiro por este não ter manifestado de forma processualmente admissível o interesse no exercício desse direito.
Ora, a lei - art 289º, aplicável por força do art. 433º do Cód. Civil - manda em caso de resolução do contrato em causa, devolver o que cada parte tiver entrado para a execução do mesmo contrato e, sendo impossível, como no caso dos autos, a devolução em espécie por parte do dono da obra, terá de ser efectuada a compensação no valor dos mesmos materiais e trabalhos empregues pelo empreiteiro no valor da prestação - preço ou sinal - efectuada pelo dono da obra.
Daqui decorre que este, ao pedir o valor do que prestou, tem de ver-lhe reconhecido apenas o excedente à referida compensação, por ser esse excedente que a lei lhe reconhece.
É que o valor do preço ou sinal prestado pelo dono da obra tem como correspectivo – pelo menos parcial - o valor dos materiais e mão de obra prestados pelo empreiteiro, não podendo ser a correspectiva parte do preço despendido abrangida pelos efeitos da resolução, nos termos do art. 434, nº 1, parte final, do Cód. Civil.
Tal como doutamente cita o acórdão recorrido, Vaz Serra ensinava, na RLJ, ano 102, pág. 169, que se “não pode exagerar o alcance da retroactividade (...) a retroactividade da resolução só tem lugar até onde a finalidade desta a justificar: as coisas não podem passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, pois este existiu de facto e dele podem ter surgido obrigações, direitos e situações não abrangidos pela razão de ser da resolução, e que esta portanto, não elimina, subsistindo não obstante ela”.
Destes ensinamentos resulta que tendo a resolução do contrato se baseado no abandono da obra pelo empreiteiro, e na ausência de interesse do dono da obra na demolição da parte da obra efectuada, esta parte da prestação contratual do empreiteiro tem como correspectivo o respectivo preço, não podendo a resolução abranger essa parte do contrato cumprida, por a tal se opor a finalidade da resolução – esta apenas se baseou no abandono da obra, mantendo intacta a parte da prestação do empreiteiro cumprida, com o correspectivo preço.
Logo, os efeitos da resolução decorrentes da lei apenas abrangem a restituição pelo empreiteiro do preço – ou sinal pago – que não teve correspectivo com a parte da obra realizada.
Por isso, mesmo sem o empreiteiro ter manifestado a vontade de receber o valor da obra efectuada, o julgador só pode conceder, em virtude da resolução do contrato, ao dono da obra a devolução do preço pago na parte excedente ao valor da prestação parcial efectuada pelo empreiteiro.
É que a prestação prestada não pode ser afectada pela resolução, por esta não poder desconhecer que parte da obrigação do empreiteiro foi cumprida e é irrepetível, pelo que a parte do preço necessário para solver a parte a prestação parcial efectuada pelo empreiteiro se não pode repetir, pois tal implicaria um injustificável enriquecimento do dono da obra em prejuízo do empreiteiro.
E nem pode dizer-se que tal decisão constitui uma decisão surpresa porquanto aquela resulta directamente da lei como consequência legal da resolução que os autores peticionaram, apenas sendo-lhe restringido o montante que peticionaram por aplicação directa dos critérios legais acima enunciados.
Por outro lado, também os recorrentes não têm razão quando pretendem terem sido violados os princípios processuais do dispositivo e da contradição.
Com efeito, o princípio processual do dispositivo consiste em a adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete, em princípio às partes.
Ora os factos que a decisão recorrida utilizou para a decisão da questão aqui em apreço foram introduzidas em juízo pelas partes, nomeadamente, foram as partes que alegaram os factos de onde se deduziu a falta de interesse dos autores na demolição da obra realizada, antes estes sempre alegaram o interesse em aproveitar aquela construção com a reparação dos defeitos apontados e o facto de o terreno onde a obra foi levada a cabo pelo réu ser pertença dos autores, além de decorrer da normalidade das coisas a natureza das mesmas obras como insusceptíveis de serem devolvidas em espécie ao empreiteiro – cfr. art. 514º do Cód. de Proc. Civil onde se prevê excepção ao referido princípio processual.
Por outro lado, o princípio da contradição, mais conhecido por princípio do contraditório consiste tanto em à parte contrária dever ser sempre dada a possibilidade de ser ouvida – sentido meramente formal -, como no sentido material, de os interesses das partes serem interesses contrapostos.
Ora aqui, os recorrentes tiveram oportunidade de serem ouvidos sobre a impugnação feita pelos réus do direito daqueles decorrente da resolução do contrato de empreitada de restituição do preço pago que sendo impugnado na totalidade na contestação, permitiu aos autores tomar conhecimento desta impugnação total, pelo que a procedência parcial do mesmo pedido não tomou aqueles de surpresa, pois estavam já a par da pretensão de ser aquela totalmente improcedente e tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre ele na réplica que apresentaram.
Além disso, como dissemos já, a consequência de o preço pago pelos recorrentes ser devido apenas em parte resulta directamente da aplicação dos preceitos legais que regem os efeitos da resolução dos contratos.
Desta forma improcede, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda pretensão os recorrentes defendem que se integram nos interesses contratuais negativos ou no dano de confiança os pedidos referentes às despesas destinadas ao reforço da estrutura do imóvel e a eliminar os defeitos da mesma estrutura.
Antes de mais, há que precisar que os aqui recorrentes no corpo das suas alegações ainda defendem que em caso de resolução do contrato em causa também são ressarcíveis os interesses contratuais positivos, ao contrário da decisão adoptada pelas instâncias.
Porém, nas conclusões das alegações, os mesmos recorrentes omitem tal pretensão pelo que tal não será aqui considerado pois, como dissemos já, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Desta forma ou as referidas indemnizações ou danos se integram no interesse contratual negativo ou dano de confiança ou não serão reconhecidos aos recorrentes.
Com efeito, as instância entenderam que em caso de resolução de contrato apenas serão ressarcíveis os interesses contratuais negativos ou dano de confiança e não também os interesses contratuais positivos.
Tal como doutamente defenderam as instâncias, seguindo a opinião maioritária da doutrina e da jurisprudência, em caso de resolução do contrato, a indemnização devida refere-se ao dano da confiança ou o interesse contratual negativo, ou seja, o prejuízo que a parte que resolveu teve com o facto de se ter realizado o contrato, ou, ainda, por outras palavras, o prejuízo que ele não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado.
Defendem os recorrentes que nesses interesses se integram os danos pedidos como despesas decorrentes das obras de reforço das estruturas da obra e destinadas a eliminar os defeitos da mesma estrutura.
Ora estas despesas integram-se nos interesses contratuais positivos, ou seja, são prejuízos que decorrem da não realização da prestação contratual pelo recorrido, ou por outras palavras, decorrem da realização defeituosa da obra contratada, pelo que só seriam devidas se os recorrente não tivessem recorrido à resolução do contrato, como se socorreram.
Dito de outra forma, diremos que a realização dessas despesas decorre do interesse dos recorrentes em aproveitar as obras, embora defeituosas, realizadas pelo recorrido e não decorrem da necessidade de colocar os recorrentes na situação em que se encontrariam se não tivessem celebrado o contrato em causa.
Estão assim integradas nos interesses contratuais positivos, ou seja, destinam-se a colocar os recorrentes na situação em que estariam se não tivesse havido o incumprimento – e referindo-se não ao incumprimento decorrente do abandono da obra que fundamentou a resolução, mas da efectivação desta com defeitos.
Estas despesas decorrem, como dissemos, do interesse dos recorridos em aproveitar as obras feitas pelo recorrido e têm correspondência no valor das mesmas obras que terá de ser obtido considerando a necessidade de para o aproveitamento daquelas ser necessário efectuar as mesmas despesas.
Desta forma improcede mais este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de Abril de 2008.

João Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque.