Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
990/10.5T2OBR.C3-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CONTRA-ORDENAÇÃO
AMBIENTE
COIMA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: PROCEDÊNCIA DO RECURSO - VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 437.º, 438.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 17.º, 23.º, N.º 2, E 27.º, 72.º.
LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO, ALTERADA PELA LEI N.º 89/2009, DE 31 DE AGOSTO (RECTIFICADA PELA DECLARAÇÃO DE RECTIFICAÇÃO N.º 70/2009, DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 191, DE 1 DE OUTUBRO DE 2009, QUE REPUBLICOU A LEI N.º 50/2006) - RGCO: - ARTIGOS 2.º, 9.º, 10.º, 12.º, 13.º, 16.º, 18.º, N.º3, 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-2-1963, BMJ N.º 124, P. 633; DE 25-5-1965, BMJ N.º 147, P. 250; DE 08-02-1966, BMJ N.º 154, P. 263; E, DE 21-02-1969, BMJ N.º 184, P. 249.
-DE 15-11-1966, PROCESSO N.º 61.536, BMJ N.º 161, P. 354.
-DE 23-5-1967, PROCESSO N.º 61.873, BMJ N.º 167, P. 454.
-DE 13-10-1989, IN AJ, N.º 2.
-DE 26-9-1996, PROCESSO N.º 47.750, CJSTJ 1996, TOMO 3, P. 143, DE 23-1-2003, PROCESSO N.º 1775/02-5.ª; DE 12-3-2008, NO PROCESSO N.º 407/08-3.ª, IN CJSTJ 2008, TOMO 1, PÁG. 253 (5); DE 19-3-2009, PROCESSO N.º 306/09-3.ª.
-DE 11-07-1991, PROCESSO N.º 42043; DE 26-02-1997, PROCESSO N.º 1173, SASTJ, N.º 8, P. 102; DE 06-03-2003, PROCESSO N.º 4501/02-3.ª, IN CJSTJ 2003, TOMO 1, P. 228; DE 28-09-2005, PROCESSO N.º 642/05-3.ª, IN CJSTJ 2005, TOMO 3, P. 178; DE 18-10-2006, PROCESSO N.º 3503/06-3.ª; DE 23-11-2006, PROCESSO N.º 3032/06-5.ª; DE 10-01-2007, PROCESSO N.º 4042/06-3.ª; DE 06-02-2008, PROCESSO N.º 4195/07-3.ª; DE 27-02-2008, PROCESSO N.º 436/08-3.ª; DE 27-03-2008, PROCESSO N.º 670/08-5.ª; DE 16-09-2008, PROCESSO N.º 2187/08-3.ª; DE 03-04-2008, PROCESSO N.º 4272/07-5.ª, IN CJSTJ 2008, TOMO 2, P. 194; DE 02-10-2008, PROCESSO N.º 2484/08-5.ª; DE 08-10-2008, PROCESSO N.º 2807/08-5.ª; DE 12-11-2008, PROCESSO N.º 3541/08-3.ª CJSTJ 2008, TOMO 3, P. 221; DE 12-02-2009, PROCESSO N.º 3542/08-5.ª; DE 15-04-2009, PROCESSO N.º 3263/08-3.ª; DE 01-10-2009, PROCESSO N.º 107/07.3GASPS-B.C1-A.S1-3.ª; DE 10-02-2010, PROCESSO N.º 583/02.0TALRS.L1-A.S1-3.ª, DE 18-02-2010, PROCESSO N.º 12323/03.2TDLSB.L1-A.S1-5.ª; DE 03-03-2010, PROCESSO N.º 6965/07.4TDLSB.L1-A.S1-3.ª; DE 24-10-2013, PROCESSO N.º 1/03.7PILSB.CS1-5.ª.
-DE 25-09-1997, PROCESSO N.º 684/97-3.ª, IN SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ, GABINETE DE ASSESSORIA, N.º 13, PÁG. 142.
-DE 13-02-2008, PROCESSO N.º 4368/07-5.ª.
-DE 03-04-2008, DE 02-10-2008, DE 08-10-2008 E DE 12-02-2009.
-DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 669/08-5.ª E DE 25-03-2009, PROCESSO N.º 477/09-5.ª; DE 3-07-2008, PROCESSO N.º 1955/08-5.ª.
-DE 12-03-2009, PROCESSO N.º 576/09-5.ª; DE 25-03-2009, PROCESSO N.º 477/09-5.ª; DE 15-04-2009, PROCESSO N.º 3263/08-3.ª; DE 10-09-2009, PROCESSO N.º 458/08.0GAVGS.C1-A.S1-5.ª E DE 10-09-2009, PROCESSO N.º 183/07.9GTGRD.C1.S1-3.ª.
DE 28-10-2009, PROCESSO N.º 326/05.7IDVCT-B-3.ª E PROCESSO N.º 536/09.8YFLSB-A.S1-3.ª, DE 05-05-2010, PROCESSO N.º 61/10.4YFLSB-3.ª.
-DE 13-01-2010, PROCESSO N.º 611/09.9YFLSB.S1-3.ª.

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ASSENTO N.º 9/2000, DE 30 DE MARÇO DE 2000, PUBLICADO IN DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE - A, DE 27 DE MAIO DE 2000.

ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 5/2006, DE 20 DE ABRIL DE 2006, PUBLICADO IN DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE - A, DE 6 DE JUNHO DE 2006.
Sumário :

I - No recurso para fixação de jurisprudência, para além dos requisitos de ordem formal, como o trânsito em julgado de ambas as decisões, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso e a identificação do acórdão-fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado, é necessária a verificação de outros pressupostos de natureza substancial, como a justificação da oposição entre os acórdãos, que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.
II - No caso dos autos, em ambas as situações está em causa a prática de contra-ordenação ambiental. No caso do acórdão recorrido, no recurso interposto de decisão proferida em reenvio antes determinado, a arguida fundamentou o recurso em nulidade da sentença por alteração substancial da acusação, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, inexistência de dolo ou negligência, pedindo a substituição das coimas aplicadas por pena de admoestação e em via subsidiária, a atenuação especial das coima, impostas, sem indicação de qualquer norma que apoiasse esta última pretensão. No caso do acórdão fundamento, a arguida fundamentou o recurso exclusivamente na atenuação especial, invocando o art. 2.º da Lei 50/2006, os arts. 18.º e 32.º do RGCC e art. 72.º do CP.
III -Esta diversa forma de colocar perante o tribunal de recurso exactamente o mesmo problema, demanda a aplicação do mesmo quadro normativo, entendido na sua globalidade e não de modo sectorial, pelo que é de afirmar a identidade da questão de direito.
IV - Está em causa a aplicação ou não do instituto de atenuação especial a coima aplicada por prática de contra-ordenação ambiental.
V - O acórdão recorrido teve em atenção um regime mais amplo com a consideração da cláusula geral do art. 72.º do CP, enquanto o acórdão fundamento se cingiu aos casos especiais previstos no RGCC, e que mais não são do que especificações dos casos previstos para o erro ilicitude, a tentativa e cumplicidade no âmbito criminal, respectivamente, previstos nos arts. 17.º, 23.º, n.º 2, e 27.º, do CP. O acórdão recorrido ficou-se pelo texto da decisão recorrida, olvidando por completo o regime geral do art. 72.º do CP.
VI - É patente que em ambos os acórdãos foram abordadas, não obstante a diversidade das contra-ordenações ambientais em equação, situações de facto com contornos muito semelhantes. De igual modo claro é que as soluções preconizadas no que ao específico ponto concreto importa são absolutamente antagónicas. Assim, considera-se verificada a invocada oposição de julgados.



Decisão Texto Integral:

      ... – Comércio de Automóveis e Peças, Lda., veio, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Novembro de 2013, proferido no Recurso Penal registado sob o n.º 990/10.5T2OBR.C3, da 5.ª Secção, emergente do recurso de impugnação da decisão da Inspecção Geral do Ambiente, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro - Comarca do Baixo Vouga, complementado por acórdão de indeferimento de aclaração de 19 de Março de 2014, cuja certidão se encontra de fls. 37 a 43 e a fls. 44 e verso.

       Invoca oposição entre a solução deste acórdão e a preconizada pelo acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, datado igualmente de 27 de Novembro de 2013, proferido no Recurso Penal n.º 2198/12.6TBVIS.C1, da mesma 5.ª Secção, emergente de recurso de impugnação de decisão administrativa proferida pelo Inspector-Geral da Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território, que correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu (certidão de fls. 2 a 9 – fax - e de novo de fls. 18 a 25), sobre situação alegadamente similar, o que expõe ao longo da motivação, nos termos e com os fundamentos seguintes:

     “A questão que ora se submete a apreciação do Pleno das Secções Criminais desse Colendo Tribunal é a de saber da admissibilidade da aplicação do instituto da atenuação especial da coima no domínio da Lei 50/2006 de 29 de Agosto.

 É que, pelo menos que se conheça, existem já as duas decisões supra referenciadas oriundas da mesma Secção do mesmo Tribunal da Relação, cujos sumários rezam o seguinte:

ACÓRDÃO FUNDAMENTO: proc.º n° 2198/12.6TBVIS.C1 - Tribunal da Relação de Coimbra:

2198/12.6TBVIS.C1

N° Convencional:                   JTRC

Relator:                                  ...

Descritores:                             CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA

Data do Acórdão:                   27-11-2013

Votação:                                 UNANIMIDADE

Tribunal Recurso:                   TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU (2.° JUÍZO)

Texto Integral:             S

Meio Processual:                     PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL

Decisão:                                  REVOGADA

Legislação Nacional:               ARTIGO 72.° DO C.P; ARTIGO 32.° DO RGCO
Sumário:                    É subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no art. 72.° do CP, ex vi dos artºs 2.° da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.° do RGCO.

ACÓRDÃO RECORRIDO: proc.º n° 990/10.5T2OBR.C3 - Tribunal da Relação de Coimbra:

        No que concerne à pretendida atenuação especial da pena, só podemos acompanhar o que diz a decisão recorrida: «Dispõe a referida norma (artigo 18°, n°. 3, do RGCOC) que "Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade". Compulsado o RGCOC verifica-se que a lei prevê a atenuação especial da coima nos casos de erro sobre a ilicitude (artigo 9on°2) tentativa (artigo 13°, n°2) e cumplicidade (artigo 16°, n°3).

       Ora, no caso concreto, não está em causa nenhuma dessas situações, pelo que não pode haver lugar à atenuação especial da coima».

 

     Conforme se acaba de deixar exposto, ambas as decisões, no domínio da mesma questão de facto e de direito, estão em manifesta oposição.

      Na verdade, enquanto no Aresto fundamento a mesma Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, pela mão da Exma. Senhora Drª. Juiz Desembargadora Relatora entende aplicar, sem qualquer restrição, às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no art. 72° do C.P., ex vi dos arts. 2.° da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.° do RGCO, no Aresto recorrido, pela mão do Exmº. Senhor Dr°. Juiz Desembargador Relator Paulo Valério, entende não aplicar e, a aplicar, estriba-se no disposto no Art°. 18° do RGCOC, que não nas aludidas normas convocadas no Acórdão Fundamento.

      De tal entendimento, apresentou a recorrente aos autos um requerimento, dado a questão não admitir recurso ordinário, onde pugnou pela existência de um lapso na determinação da norma, contudo, entendeu o Tribunal tal não se verificar e, concluindo pela extinção do seu poder jurisdicional, indeferiu ao requerido, de entre o mais, até, por a recorrente não ter invocado a pretendida norma no recurso.

       Eram, para o que importa neste segmento, as seguintes as conclusões da recorrente para o Tribunal da Relação:

É manifesta a enorme desproporção entre o valor das coimas aplicadas (ainda que pelos limites mínimos) e a infracção cometida, pois que a arguida, confrontada com as contra-ordenações que lhe eram imputadas, informou e provou nos autos que se encontrava em processo de licenciamento, que foi deferido, sendo, desse modo, sua preocupação exercer a sua actividade em obediência os cânones legais, pois que, além do mais, não tem capacidade económica para se sujeitar ao pagamento de coimas tão elevadas, encontrando-se ciente dos deveres e cuidados que lhe são exigidos;

A censura que lhe foi feita com a aplicação da coima única de € 39.250,00 é totalmente desproporcionada, submetendo-se ao Colendo Tribunal a possibilidade de revogação da decisão recorrida na parte relativa às sanções aplicadas, afigurando-se-nos que com a aplicação de uma admoestação ficam perfeitamente acauteladas as necessidades de prevenção, não sendo necessário, para o efeito, lançar-se mão da aplicação da coima em que foi sancionada ou, assim não se entendendo, a atenuação especial das coimas impostas, apelando a V. Exas. que atentem na difícil situação económica da vida empresarial da arguida/recorrente, o que se evidencia do ponto 7. dos factos provados constantes da decisão recorrida;

Quando, assim se não entenda, atentos esses mesmos factos, sempre se mostram verificados os requisitos para que a coima possa ser especialmente atenuada, nos termos do Art° 72° do Código Penal e Art.°s 32° e 18° n° 3 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas e, desse modo, serem reduzidos os limites mínimo e máximo para metade;

Na verdade, como resulta dos autos, atento o carácter negligente inconsciente e mesmo o facto de se encontrar pendente o licenciamento, que veio a ser concedido, não deverá a coima, em concreto, ultrapassar metade do seu limite mínimo, encontram-se provados factos que demonstram, exatamente, a preocupação da recorrente em buscar o seu licenciamento”.

     Ora, a recorrente na sua motivação de recurso expôs de forma clara a alegação e os fundamentos factuais tendentes à aplicação do instituto ora em análise, apenas, não alegou expressamente a norma ou normas que o permitem. Mas, o direito carece de ser invocado.

     Com efeito, a nosso ver e, salvo o devido respeito, inexistirão dúvidas que a jurisprudência expressa no Aresto fundamento é a única que encontra correspondência com a letra da lei, no sentido de às contra-ordenações ambientais ser de aplicar, sem quaisquer condicionantes, o instituto de atenuação especial previsto no art. 72.° do CP,

ex vi dos arts. 2.° da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.° do RGCO.

EM CONCLUSÃO:

É de aplicar às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no Artº 72.° do CP, ex vi dos Artºs 2° da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto, e 32° do RGCO”.

      Defende que deverá ser fixada jurisprudência no sentido apontado pelo Acórdão Fundamento, por ser esse o entendimento correcto e legal do artigo 2.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto.

                                                           *******

      Cumprido o disposto no artigo 439.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Penal, o Ministério Público apresentou resposta a fls. 35/6, defendendo que os dois acórdãos versam a mesma questão, assentam em soluções opostas, no domínio da mesma legislação, sem que tenha havido entre a prolação de um e doutro qualquer alteração legislativa, o proferido neste autos não admite recurso ordinário, e ambos transitaram em julgado, e afirmando parecem preenchidos os fundamentos exigidos pelo artigo 437.º do CPP para que seja admitido recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

      Mostram-se juntas certidões do acórdão recorrido - fls. 37 a 43, incluído o acórdão de indeferimento de correcção, a fls. 44 e verso - e  do acórdão fundamento – fls. 2 a 9 e de novo, de fls.18 a 25

                                                           *******

  

       Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emissão de douto parecer pelo de fls. 51 a 53, pronunciando-se no sentido de “em bom rigor, o acórdão recorrido, pese embora não tenha, contrariamente ao acórdão fundamento, aplicado a norma do artigo 72.º do CP, contudo não chegou sequer a perspectivar a possibilidade da eventual aplicação da referida norma aos casos de condenação pela prática de uma contra-ordenação ambiental.

      Não se pode, pois, concluir que os mesmos preceitos tenham sido aplicados e interpretados diversamente, de modo a que uma das decisões tenha estabelecido de forma expressa doutrina contrária à outra”.

      Termina concluindo que o presente recurso deve ser rejeitado.

                                                           *******

      Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *******

     O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

     Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1996, processo n.º 47.750, CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143, face à natureza excepcional do recurso, a interpretação das normas que o regulam deve fazer-se apertis verbis, ou seja, com o rigor bastante para o conter no seu carácter extraordinário e não o transformar em mais um recurso ordinário na prática. Ou, como se refere no acórdão de 23 de Janeiro de 2003, proferido no processo n.º 1775/02-5.ª, que citámos no acórdão de 12 de Março de 2008, no processo n.º 407/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253 (5) e no acórdão de 19 de Março de 2009, processo n.º 306/09-3.ª, a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras deste recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade.

  

      Os pressupostos de prosseguimento do recurso decorrem, no essencial, do disposto nos artigos 437.º e 438.º do CPP.

      Estabelece o artigo 437.º do Código de Processo Penal, na redacção dada ao preceito pela 15.ª alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e intocado nas subsequentes alterações:

1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2. É também admissível recurso, nos termos do numero anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em

julgado.

5. O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

      Nos termos do n.º 1 do artigo 438.º do mesmo Código, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

      O n.º 2 do mesmo preceito contempla a necessidade de observância de determinados requisitos, como o recorrente identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, devendo justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

      O “Assento n.º 9/2000”, de 30 de Março de 2000, publicado in Diário da República, I Série - A, de 27 de Maio de 2000, fixou jurisprudência no sentido de que, no requerimento de interposição de recurso deveria constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 438.º, o sentido em que deveria fixar-se a jurisprudência cuja fixação era pretendida.

       O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado in Diário da República, I Série - A, de 6 de Junho de 2006, que reputou ultrapassada a jurisprudência assim fixada, procedeu ao seu reexame,  e fixou-a no sentido de que no requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência o recorrente ao pedir a resolução do conflito não tem de indicar o sentido em que deve fixar-se jurisprudência.

       Sendo basicamente necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas, o artigo 437.º do Código de Processo Penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos e o artigo 438.º identifica o tempo, o modo e o efeito da interposição do recurso.

                                                                     *

      Verifica-se no caso em apreciação a legitimidade da recorrente, nos termos do n.º 5 do artigo 437.º do Código de Processo Penal.

     O acórdão fundamento foi proferido em 27 de Novembro de 2013 e transitou em julgado.

     O acórdão recorrido foi proferido em 27 de Novembro de 2013, tendo sido proferido em 19 de Março de 2014 a indeferir pedido de correcção de lapso, o qual foi notificado à recorrente em 24 de Março de 2014, conforme certificado a fls. 37.

      O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência foi apresentado em 8 de Abril de 2014, conforme fls. 1 e 31-32.

      Sendo fundamento do prosseguimento dos autos a interposição nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, tal requisito mostra-se preenchido, pois o recurso deu entrada com observância daquele período temporal.

       Para além dos requisitos de ordem formal, como o trânsito em julgado de ambas as decisões, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso e a identificação do acórdão - fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado, é necessária a verificação de outros pressupostos de natureza substancial, como a justificação da oposição entre os acórdãos, que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.                 

       Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1989, in AJ, n.º 2, «É indispensável para se verificar a oposição de julgados:

a) – que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes (e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações) para a mesma questão fundamental de direito;

b) – que as decisões em oposição sejam expressas (e não implícitas);

c) – que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.   

       A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos».

       Segundo o acórdão de 25 de Setembro de 1997, processo n.º 684/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 13, pág. 142, são pressupostos da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência na oposição de acórdãos da mesma Relação:

- existência de soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento;

- relativamente à mesma questão de direito;

- no domínio da mesma legislação;

- identidade das situações de facto contempladas nas decisões em confronto; e

- julgados explícitos ou expressos sobre idênticas situações de facto.

      No que respeita aos requisitos legais (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora - requisitos resultantes directamente da lei) a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma uniforme e pacífica, aditou, de há muito e face ao disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil, a incontornável necessidade de identidade dos factos contemplados nas duas decisões e de decisão expressa, não se restringindo à oposição entre as soluções ou razões de direito.

      Segundo o acórdão de 15 de Novembro de 1966, processo n.º 61.536, BMJ n.º 161, pág. 354, não há oposição que legitime o recurso para o Tribunal Pleno quando o acórdão invocado em oposição só implicitamente se pronunciou sobre a questão controvertida.

      Como se extrai do acórdão de 23 de Maio de 1967, processo n.º 61.873, BMJ n.º 167, pág. 454, de entre os requisitos de seguimento de um recurso para o Tribunal Pleno, era “indispensável, ainda, segundo a orientação deste Supremo Tribunal, que sejam idênticos os factos contemplados nos dois acórdãos e que em ambos sejam expressas as decisões”. Neste sentido podem ver-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1963, BMJ n.º 124, pág. 633; de 25 de Maio de 1965, BMJ n.º 147, pág. 250; de 08 de Fevereiro de 1966, BMJ n.º 154, pág. 263 e de 21 de Fevereiro de 1969, BMJ n.º 184, pág. 249.

      Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, processo n.º 4368/07-5.ª, a exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas. 

     A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante neste sentido ao longo do tempo - cfr. acórdãos de 11-07-1991, processo n.º 42043; de 26-02-1997, processo n.º 1173, SASTJ, n.º 8, pág. 102; de 06-03-2003, processo n.º 4501/02-3.ª, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 228; de 28-09-2005, processo n.º 642/05-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 178; de 18-10-2006, processo n.º 3503/06-3.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3032/06-5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4042/06-3.ª; de 06-02-2008, processo n.º 4195/07-3.ª; de 27-02-2008, processo n.º 436/08-3.ª; de 27-03-2008, processo n.º 670/08-5.ª; de 16-09-2008, processo n.º 2187/08-3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 4272/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 194; de 02-10-2008, processo n.º 2484/08-5.ª; de 08-10-2008, processo n.º 2807/08-5.ª; de 12-11-2008, processo n.º 3541/08-3.ª CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 221; de 12-02-2009, processo n.º 3542/08-5.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3263/08-3.ª; de 01-10-2009, processo n.º 107/07.3GASPS-B.C1-A.S1-3.ª; de 10-02-2010, processo n.º 583/02.0TALRS.L1-A.S1-3.ª, de 18-02-2010, processo n.º 12323/03.2TDLSB.L1-A.S1-5.ª; de 03-03-2010, processo n.º 6965/07.4TDLSB.L1-A.S1-3.ª; de 24-10-2013, processo n.º 1/03.7PILSB.CS1-5.ª.   

       Explicitam os citados acórdãos de 03-04-2008, de 02-10-2008, de 08-10-2008 e de 12-02-2009, todos do mesmo relator, que a expressão “soluções opostas” «pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos; se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP».

      Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, processo n.º 4368/07-5.ª, a exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas. 

      E de acordo com o acórdão de 10 de Julho de 2008, processo n.º 669/08-5.ª e de 25 de Março de 2009, processo n.º 477/09-5.ª, o recurso tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas, sendo necessário, como requisito prévio, que tenha havido decisões jurídicas fundamentadas e expressas sobre o mesmo ponto de direito, por dois tribunais superiores e em sentido oposto, sendo necessário, na explicitação do acórdão de 3 de Julho de 2008, processo n.º 1955/08-5.ª, que ambos se debrucem especificamente sobre a questão jurídica que esteve na base da decisão diferente.

      Podem ver-se ainda os acórdãos de 12-03-2009, processo n.º 576/09-5.ª (interessa pois que a situação fáctica tenha os mesmos contornos, no que releva para desencadear a aplicação das mesmas normas) e n.º 477/09-5.ª (o recurso para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas); de 25-03-2009, processo n.º 477/09-5.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3263/08-3.ª; de 10-09-2009, processo n.º 458/08.0GAVGS.C1-A.S1-5.ª (interessa que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas) e de 10-09-2009, processo n.º 183/07.9GTGRD.C1.S1-3.ª, onde se refere: «Situação de facto idêntica para efeitos de recurso de fixação de jurisprudência é apenas a que consta dos acórdãos legitimados à fixação, no caso a matéria de facto fixada respectivamente em cada acórdão da Relação. (…).

      Se a matéria de facto provada nos acórdãos da Relação é diferente, implicando consequência jurídica também diferente, é óbvio que não pode dizer-se que houve soluções divergentes que conduziram a soluções opostas relativamente a mesma questão jurídica. (…) Somente após a fixação da matéria de facto provada se pode definir e decidir o direito, pois que é sobre a matéria de facto, definitivamente estabelecida, que incide depois o direito constante da lei aplicável.

       É a matéria de facto que gera a questão de direito e convoca à aplicação da lei e não o contrário.

       E somente depois de fixada a questão de facto é que surge a questão de direito.

       Por isso se compreende que somente perante situações jurídicas decididas de forma oposta perante matéria de facto idêntica é que pode configurar-se recurso de fixação de jurisprudência, verificados os demais pressupostos».

     

      No mesmo sentido ainda os acórdãos de 28-10-2009, processo n.º 326/05.7IDVCT-B-3.ª e processo n.º 536/09.8YFLSB-A.S1-3.ª, de 05-05-2010, processo n.º 61/10.4YFLSB-3.ª.

      Ainda de acordo com o acórdão de 13-01-2010, processo n.º 611/09.9YFLSB.S1-3.ª, a oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e não apenas sobre os seus fundamentos, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

     

      Revertendo ao caso concreto.

      A recorrente funda o recurso na oposição entre o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Novembro de 2013, complementado pelo acórdão de 19 de Março de 2014 e um acórdão da mesma 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, datado do mesmo dia 27 de Novembro de 2013, indicado como fundamento, proferidos ambos no domínio da mesma legislação reguladora do instituto da atenuação especial de coima aplicada em procedimento por contra-ordenação ambiental.

  

      A questão a abordar é a de saber se se verifica efectivamente a invocada oposição entre os dois citados acórdãos.

      A questão central em debate num e noutro dos processos em confronto gira em torno da questão de saber se é possível a atenuação especial de coima por contra-ordenação ambiental nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 50/2006 de 26 de Agosto. 

        O acórdão recorrido, face à pretensão de atenuação especial das coimas impostas

à recorrente, afirmou: «No que concerne à pretendida atenuação especial da pena, só podemos acompanhar o que diz a decisão recorrida: «Dispõe a referida norma (artigo 18°, n.º 3, do RGCOC) que “Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade”. Compulsado o RGCOC verifica-se que a lei prevê a atenuação especial da coima nos casos de erro sobre a ilicitude (artigo 9º, n°2) tentativa (artigo 13°, n° 2) e cumplicidade (artigo 16°, n°3).

       Ora, no caso concreto, não está em causa nenhuma dessas situações, pelo que não pode haver lugar à atenuação especial da coima».

       E ao indeferir a reclamação da recorrente que entendeu haver erro na determinação da norma aplicável, no acórdão de 19 de Março de 2014 após repetir o texto da decisão recorrida adiantou: “Se de facto há outra norma aplicável, ela não foi invocada no recurso, e, ao não ser aplicada, poderá ter havido erro de julgamento, e não lapso.”, concluindo não poder conhecer de tal questão por extinção do poder jurisdicional.

   O acórdão fundamento, por seu turno, entendeu ser de aplicar a atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal, e concedendo provimento ao recurso aplicou a coima mínima especialmente atenuada.


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     Vejamos o que estava em causa em cada um dos acórdãos em confronto e o modo como foi abordada a questão colocada.

     Começando pela situação de facto.

     No caso do recurso de impugnação oriundo do Juízo de instância criminal de Oliveira do Bairro - Comarca do Baixo Vouga onde foi proferido o acórdão recorrido, a arguida foi condenada pela prática de uma contra-ordenação pela falta de licenciamento para as operações de tratamento de VFV, cometendo a infracção p. p. artigos 20.º, n.º 1 e 24.º, 1, d) do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 8-08 e de uma contra-ordenação pelo incumprimento do dever de separar os resíduos na origem de modo a promover a sua valorização por fluxos e fileiras, p. p. artigos 7.º, n.º 3 e 67, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5-09.   

     No recurso de contra-ordenação do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, donde emergiu o acórdão fundamento, a arguida foi condenada pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave , prevista e punível pelo artigo 18.º, n.º 1 do DLei n.º 46/2008, de 12 de Março e art 22, 4, a) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações da Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.    

     Vejamos.

     Em ambos os casos em causa a prática de contra-ordenação ambiental.

     No caso do acórdão recorrido, no recurso interposto de decisão proferida em reenvio antes determinado, a arguida fundamentou o recurso em nulidade da sentença por alteração substancial da acusação, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, inexistência de dolo ou negligência, pedindo a substituição das coimas aplicadas por pena de admoestação e em via subsidiária, a atenuação especial das coima, impostas, sem indicação de qualquer norma que apoiasse esta última pretensão.

      No caso do acórdão fundamento, a arguida fundamentou o recurso exclusivamente na atenuação especial, invocando o artigo 2.º da Lei n.º 50/2006, os artigos 18 e 32 do RGCO e artigo 72.º do Código Penal

     Esta diversa forma de colocar perante o tribunal de recurso exactamente o mesmo problema, demanda a aplicação do mesmo quadro normativo, entendido na sua globalidade e não de modo sectorial, pelo que é de afirmar a identidade da questão de direito.

     Em causa a aplicação ou não do instituto de atenuação especial a coima aplicada por prática de contra-ordenação ambiental.

    O regime aplicável às contra-ordenações ambientais encontra-se estabelecido na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, Diário da República, 1.ª Série, n.º 191, de 1 de Outubro de 2009, que republicou a Lei n.º 50/2006), modificando os artigos 2.º, 8.º, 11.º, 22.º, 25.º, 30.º, 31.º, 44.º, 49.º, 54.º, 63.º, 67.º e 73.º e aditando o artigo 49.º - A (redução da coima) e 52.º - A (preclusão da impugnação), revogou o artigo 72.º e republicou em anexo a Lei 50/2006.

    Estabelece o artigo 2.º (Regime):

1 – As contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.

    Relativamente ao regime geral, estabelece o artigo 18.º, n.º 3, do RGCO: 

     “Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.

     No RGCO estão previstos os seguintes casos de atenuação especial:

     Artigo 9.º - Erro sobre ilicitude

2 - Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.

     Artigo 13.º -  Punibilidade da tentativa

2 - A tentativa é punível com a coima aplicável à contra-ordenação consumada, especialmente atenuada.

     Artigo 16.º -  Comparticipação

3 - É aplicável ao cúmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada.

   

   Estabelece o artigo 32.º -  (Do direito subsidiário)

   Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita á fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.

     O acórdão recorrido teve em atenção um regime mais amplo com a consideração da cláusula geral do artigo 72.º do Código Penal, enquanto o acórdão fundamento cingiu-se aos casos especiais previstos no RGCO, e que mais não são do que especificações dos casos previstos para o erro ilicitude, a tentativa e cumplicidade no âmbito criminal, respectivamente, previstos nos artigos 17.º, 23.º, n.º 2 e 27.º, do Código Penal.

    O acórdão recorrido ficou-se pelo texto da decisão recorrida, olvidando por completo o regime geral do artigo 72.º do Código Penal.

     O acórdão recorrido parece desconhecer a existência de outra norma aplicável (para além do art. 18.º), desde logo a cláusula geral do falado artigo 72.º do Código Penal e as disposições próprias e específicas constantes na Lei 50/2006, correspondentes aos mencionados artigos 9.º, 13.º e 16.º da Lei quadro e que são os artigos 10.º (punibilidade da tentativa), 12.º (erro sobre a ilicitude) e 16.º, n.º 2 (cumplicidade), intocados na alteração de 2009.     

     Conclui-se assim estarmos perante soluções antagónicas relativas à mesma questão de direito.

     No caso do processo da Comarca do Baixo Vouga, a Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso da arguida que para além do mais pedia atenuação especial das coimas.

     No caso do processo do 2.º Juízo de Viseu, o Tribunal da Relação de Coimbra concedeu provimento ao recurso e atenuou a coima aplicada à arguida.

    

     Concluindo.

     É patente que em ambos os acórdãos foram abordadas, não obstante a diversidade das contra-ordenações ambientais em equação, situações de facto com contornos muito semelhantes.

     De igual modo claro é que as soluções preconizadas no que ao específico ponto concreto importa são absolutamente antagónicas.

     Decisão

     Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça, na procedência do recurso em julgar verificada a oposição de julgados entre o acórdão do Tribunal da Relação do Coimbra de 27 de Novembro de 2013 complementado pelo acórdão de 19 de Março de 2014 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Novembro de 2013, devendo o processo prosseguir.

     Sem custas.

     Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

                                              Lisboa, 9 de Julho de 2014

 


Raul Borges (relator)
Armindo Monteiro