Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
403/10.2TBMR.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
BEM PRÓPRIO
BENFEITORIAS ÚTEIS
DETERMINAÇÃO DO VALOR
LIQUIDAÇÃO
EDIFICAÇÃO
EDIFICAÇÃO URBANA
Data do Acordão: 07/05/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / OBJECTO DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª Edição, 2000, Coimbra, p. 516.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 479.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10-01-2013, PROCESSO N.º 1346/10.5TBTMR.C1.S1;
-DE 29-04-2014, PROCESSO N.º 1071/10.7TBABT.E1.S1, TODOS IN , WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Estando em causa contribuições financeiras prestadas pelo pai dos autores para o pagamento de empréstimos bancários destinados a suportar a edificação, durante o casamento, de uma casa em terreno que era propriedade exclusiva da ré, a medida da obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa (art. 479.º do CC) não corresponde necessariamente ao incremento do valor desse bem (esse é somente o limite superior da obrigação), já que este pode exceder os montantes entregues pelo empobrecido e só estes devem ser restituídos.

II - Não reunindo os autos elementos que permitam aferir em que medida o pai dos autores contribuiu para a amortização dos empréstimos bancários mencionados em I e, bem assim, para a amortização de empréstimo bancário destinado à aquisição de mobiliário, não há que censurar o acórdão recorrido por ter determinado que o processo deveria seguir para liquidação, a fim de ser apurada a medida da contribuição do empobrecido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA, por si e como tutor de seu irmão BB, propôs contra CC uma acção pedindo que a ré, segunda mulher de seu pai, falecido, fosse condenada a “reconhecer que o prédio [prédio urbano composto de casa de casa de habitação, garagem e logradouro, descrito na petição inicial] foi adquirido por si e pelo pai dos autores em vida deste e em regime de compropriedade, tendo a quota do pai dos autores sido adquirida por acessão e, por conseguinte, faz parte do acervo hereditário da herança aberta por morte do mesmo, devendo a (…) ré ser compensada pela herança em metade do valor do prédio antes das obras de construção da casa, em montante equivalente a 1.247.00 (…);”, que o registo fosse rectificado; que, a não se entender assim, que a ré seja condenada a restituir à herança (…) a quantia correspondente a metade do valor das benfeitorias que consistiram na construção da casa de morada de família e que não deverá ser inferior a metade do valor real actual do prédio, ou seja, € 200.000,00”; que, “cumulativamente à procedência de qualquer dos pedidos”, a ré seja condenada “na restituição à herança aberta por óbito do pai dos Autores de metade das quantias por ele pagas mensalmente a título de amortização de cada um dos empréstimos contraídos por ambos, mas que só ele pagou, quantia a ser liquidada em posterior incidente de liquidação (…)”.

Em síntese, os autores alegam que, na constância do casamento, a ré e seu pai construíram uma habitação, que passou a ser a casa de morada de família, num terreno da ré; que, para o efeito, contraíram três mútuos sucessivos, com hipoteca; mas que foi sempre o pai dos autores a suportar as despesas com o pagamento das prestações e demais encargos dos mútuos.

A ré contestou, impugnando os factos alegados pelos autores e concluindo no sentido da improcedência de todos os pedidos.

Pela sentença de fls. 697, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada a pagar aos autores a quantia de €105.000,00, “a título de indemnização por benfeitorias, referentes à construção da casa de morada de família e habitação própria do casal” em terreno da ré.

Entendeu-se na sentença não ser aplicável o instituto da acessão, que “não ocorre quando o proprietário do terreno tenha comparticipado na realização da obra, do mesmo modo que sendo cônjuges, nem poderia afirmar-se que o pai dos autores não tinha qualquer relação jurídica com ele, ademais, tratando-se da construção da casa de morada de família (…)” e que a construção da casa dos autos “constituiu uma benfeitoria necessária, cujo levantamento é impossível”. Assim, tem aplicação o regime do enriquecimento sem causa (artigos 1273º e 437º do Código Civil); ora, € 105.000,00 corresponde a metade do “valor acrescentado que a construção da casa trouxe ao imóvel, resultante da diferença entre o valor do terreno, antes da construção e aquele com que o prédio ficou, após a incorporação da obra”, uma vez que se concluiu que o dinheiro utilizado pertencia a ambos os cônjuges, já que ambos contribuíram para a amortização dos empréstimos contraídos.

A sentença foi parcialmente alterada pelo acórdão do Tribunal da Relação de … de fls. 827, que a revogou “na parte em que fixou o quantitativo indemnizatório referente às benfeitorias, condenando-se a ré/recorrente a pagar aos autores a indemnização que se liquidar posteriormente, pelas benfeitorias que foram realizadas no prédio (…), tendo em conta a contribuição do falecido (…)”.

Em primeiro lugar, a Relação veio qualificar como útil (e não como necessária) a benfeitoria: “A construção da casa deve ser qualificada como benfeitoria útil, sendo notório (face à natureza da obra) não poder ser levantada sem detrimento da coisa benfeitorizada, pelo que tendo o autor contribuído para a sua edificação assiste-lhe o correspondente direito de crédito”. Em segundo lugar, entendeu que, “não se sabendo qual o efectivo valor da comparticipação do pai dos autores para a construção da moradia”, havia que “relegar a quantificação para incidente posterior conforme estabelece o artº 609º nº 2 do Código de Processo Civil, já que a indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotadas as possibilidades de apuramento com base nas quais haja de ser determinado, mesmo em sede de liquidação posterior, sendo aparente a contradição entre a norma do art. 566 nº 3 do CC e a do art. 609º nº2 do CPC". A Relação observou que vinha provado que “as benfeitorias realizadas no prédio valorizaram-no em € 210.000,00”; que “os empréstimos feitos pelo pai dos autores e pela ré/recorrente para pagar essas benfeitorias totalizaram € 154.698,00”; que “as prestações mensais dos três empréstimos eram debitados na conta de depósitos solidária (…), no montante mensal que ascendia globalmente a € 1.243,37”,  acrescendo ainda diversos custos; que “em Junho de 2013, ainda se encontrava em dívida o montante de € 67.029,15”; que, a partir da morte do pai dos autores, as prestações foram pagas apenas pela autora. Mas que não estava provado, nem “qual o montante em dívida à data da morte do pai dos autores”, “nem qual o montante em concreto” com que a ré e o pai dos autores contribuiram para o pagamento dos empréstimos.


2. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:

1 - Nestes autos coloca-se a questão do quantitativo indemnizatório devido aos Autores pelas benfeitorias úteis realizadas e pagas em conjunto pela Ré e pelo falecido pai dos Autores em terreno propriedade exclusiva da Ré.

2 - Está provado que, "as obras feitas no terreno por DD pela Ré valorizaram-no em €210.000,00."

3 - O referido valor de €210.000 da valorização que as benfeitorias trouxeram ao terreno é o resultante da diferença entre o valor do terreno antes da construção e aquele com que o prédio ficou após as incorporação das benfeitorias, ou seja, a tal montante já não há que descontar o valor inicial do terreno.

4 - Está provado que A Ré e o pai dos Autores contraíram, em conjunto, empréstimos bancários, no valor de €154.698,00 para custear a construção das benfeitorias e ainda na aquisição de mobiliário e, desde o início do débito das prestações mensais de cada um dos empréstimos, tanto a Ré nuns meses, como o pai dos Autores noutros meses, depositavam o valor global das mensalidades referentes aos empréstimos.

5 - Não se apurou quanto foi pago por cada um deles.

6 - Não se apurou se, na data do óbito do pai dos Autores, o empréstimo por ambos contraído, estava pago e se o não estava, quanto faltava pagar e quem o pagou.

7 - A indemnização devida pelas benfeitorias úteis é calculada segundo, as regras do enriquecimento sem causa.

8 - Quando a restituição em espécie não seja possível, como é o caso dos autos, a indemnização devida ao benfeitorizante é apurada pelo incremento de valor trazido ao prédio onde as benfeitorias foram incorporadas, que no caso é de €210.000.

9 - Uma vez que, tanto a Ré, como o pai dos Autores pagaram os empréstimos usados nas benfeitorias incorporadas no prédio da Ré, o valor acrescentado que as benfeitorias incrementaram ao imóvel correspondente à participação do pai dos Autores na sua formação corresponde a metade do valor da valorização do imóvel, ou seja, €105.000 = €210.000:2.

10 - A indemnização devida aos Autores, não carece de ser liquidada em posterior incidente de liquidação, uma vez que o provado nestes autos permite aquilatar tal indemnização, no correspondente a metade do valor que a casa e a piscina construídas no prédio da Ré, por ela e pelo pai dos Autores trouxe ao imóvel, ou seja, €105.000 (€210.000x1/2).

11 - Ainda que assim se não entenda, sempre se chegaria ao mesmo valor indemnizatório pelas benfeitorias em causa, com recurso à equidade, uma vez que tal montante corresponde a metade do valor que as benfeitorias, realizadas em conjunto pela Ré e pelo pai dos Autores, incrementaram ao prédio da Ré.

12 - Na parte do acórdão recorrido, o tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 1273.°, n.° 2, 479.° e 566.° do Código Civil e no artigo 607.°, n.° 4, ex vi artigo 663.°, n.° 2, e 609.°, n.° 2 do Código de Processo Civil.

Nestes termos, deve ser julgada procedente a presente revista e, em consequência, a parte do acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que fixe a indemnização a pagar pela ré aos Autores pelas benfeitorias, no montante de €105.000 (cento e cinco mil euros), repondo o que foi decidido em primeira instância.»

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a manutenção do acórdão recorrido.


3. Vem provado o seguinte, conforme se transcreve do acórdão recorrido:

1. Os Autores são os únicos filhos de DD (alínea A) da matéria assente);

2. DD celebrou casamento civil com a Ré, CC, no dia 25 de Novembro de 1997 (alínea B) da matéria assente);

3. O casamento foi celebrado com convenção antenupcial, tendo sido estipulado o regime de separação de bens (alínea C) da matéria assente);

4. Durante a constância do casamento foi construída uma casa de habitação unifamiliar que passaria a constituir a casa de morada de família e se destinaria à habitação própria do casal (alínea D) da matéria assente);

5. Tal casa foi construída num terreno destinado a construção urbana, sito em …, freguesia de …, concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 1061 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 1081, terreno que a Ré adquiriu em 1998 por escritura de divisão de coisa comum, na qual foram outorgantes EE e mulher FF (alínea E) da matéria assente);

6. Para financiar a construção da casa, DD e a Ré contraíram junto do Banco GG (GG) dois mútuos com hipoteca, o primeiro dos quais em 18 de Dezembro de 1998 e o segundo em 18 de Agosto de 1999 (alínea F) da matéria assente);

7. No primeiro contrato, celebrado por escritura pública no dia 18 de Dezembro de 1998, na Secretaria Notarial de Tomar, os Primeiros Outorgantes, qualidade em que nele «figuravam DD e a Ré, declararam o seguinte:

8. "Que ela, primeira outorgante é dona e legitima possuidora de um terreno para construção urbana com a área de três mil setecentos e quarenta metros quadrados, sito em …, freguesia de …, concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o número mil e sessenta e um (nº 1061), cuja aquisição se encontra registada a favor dela primeira outorgante, pela inscrição G-Um, ainda na situação de divorciada, encontrando-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 1.081.

9. Que, no referido terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos ( ... ) vai construir-se uma moradia unifamiliar, ocupando a área de trezentos e quarenta e cinco metros quadrados, que se destina a Habitação Própria dos primeiros outorgantes, de harmonia com o projeto aprovado pela Câmara Municipal de Tomar, fixando-se o custo das respetivas obras em dezoito mil e quatrocentos contos, que terão o seu termo até vinte e quatro meses após a data desta escritura. (sic).

10. Que, por esta mesma escritura, eles primeiros outorgantes, se confessam devedores ao Banco GG, S.A., da importância de quinze mil contos, que o mesmo Banco lhes concede ao abrigo das normas para o crédito à habitação." (alínea G) da matéria assente);

11. DD e a Ré, por escritura pública designada "Mutuo com Hipoteca", celebrada no dia 18 de Agosto de 1999, na Secretaria Notarial de Tomar, contraíram novo empréstimo junto do GG, no valor de dez mil contos para pagamento das obras, como declararam - (alínea H) da matéria assente);

12. DD e a Ré obrigaram-se - nos termos da cláusula 11 a do documento complementar que faz parte integrante de cada uma das escrituras que supra referidas - a contratarem e manterem um seguro de vida pelo prazo e montante dos empréstimos, para garantir, em caso de morte ou invalidez, a liquidação do montante em dívida de capital e juros (alínea I) da matéria assente);

13. No ano de 2003, e com vista a realizar no imóvel obras de beneficiação, DD e a Ré voltaram a solicitar crédito bancário junto do GG no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros), tendo outorgado novamente escritura de mútuo, passando o prédio a estar onerado com hipoteca para garantia de pagamento do referido Empréstimo (alínea J) da matéria assente);

14. DD faleceu em 2 de Maio de 2009, no estado de casado com a Ré (alínea L) da matéria assente);

15. Sucederam-lhe, como seus únicos e universais herdeiros, a Ré e os Autores (alínea M) da matéria assente);

16. DD deu entrada de uma ação de divórcio litigioso no ano de 2008, a qual correu os seus termos no 2º Juízo desse Tribunal, sob o nº 475/08.0TBTMR (alínea N) da matéria assente);

17. Na constância do casamento, DD e a Ré decidiram construir a habitação identificada em D) e E) (resposta ao nº 1 da base instrutória);

18. O terreno referido em D) adjudicado à Ré ascendia, no ano de 1998, a € 21.020,00 (resposta ao nº 2 da base instrutória);

19. A construção da casa iniciou-se em 1999 e foi concluída em 2000, altura em que DD e a Ré a passaram a habitar (resposta ao nº 3 da base instrutória);

20. A globalidade do capital mutuado, relativo a cada um dos empréstimos, foi transferida para uma conta solidária de DD e da Ré, aberta no GG com o nº 23…2 (resposta ao nº 4 da base instrutória);

21. As prestações mensais dos três empréstimos eram debitadas na conta de depósitos à ordem identificada no quesito 4° e ascendiam globalmente a € 1.243,37 (mil duzentos e quarenta e três euros e trinta e sete cêntimos), sem contar com o imposto de selo, comissão de liquidação de prestação e outros custos aplicáveis (resposta ao nº 5 da base instrutória);

22. O capital emprestado pelo GG foi completamente utilizado nas obras de construção e posterior beneficiação da casa de morada de família de DD e da Ré e ainda na aquisição do respetivo mobiliário (resposta ao nº 6 da base instrutória);

23. DD era coronel no exército, estava já aposentado desde 1996 e auferia mensalmente uma pensão de cerca de € 3.000,00 (três mil euros) (resposta ao nº 7 da base instrutória);

24. A Ré exercia profissionalmente a atividade de solicitadora (resposta ao nº 8 da base instrutória);

25. Desde o início do débito das prestações mensais de cada um dos empréstimos na referida conta de depósitos à ordem, que tanto DD em certos meses, como a ré, noutros meses, depositavam mensalmente o valor global das mensalidades referentes aos mesmos (resposta ao nº 10 da base instrutória);

26. DD efetuou parte dos pagamentos das prestações mensais de cada um dos empréstimos na referida conta de depósitos à ordem, convicto de estar a pagar um bem que também era seu (resposta ao nº 11 da base instrutória);

27. Em meados de 2006, começaram os desentendimentos entre DD e a Ré, que levaram a que, no ano de 2008, decidissem divorciar-se (resposta ao nº 12 da base instrutória);

28. Inicialmente, pensaram em divorciar-se por mútuo consentimento, tendo inclusive chegado a mandatar um advogado para em seu nome fazer seguir o procedimento e nessa ocasião, foi elaborada a relação de bens comuns do casal, da qual faziam parte apenas duas verbas:

29. – do lado ativo, um prédio urbano, composto de casa de habitação e garagem, com 215 m2 e logradouro com 3.525 m2, sito em …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … do concelho de Tomar sob o artigo 1214, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob a ficha n 001061/070898 – Carregueiros, com o valor patrimonial de € 11.016,00 (onze mil e dezasseis euros);

30. – do lado passivo, a dívida do casal ao Banco GG, S.A., relativa aos empréstimos de Crédito Habitação Própria Permanente com os nºs 2…6/2..5, 2…6/3…6 e 2..6/7..3, no montante (àquela data) de € 112.592,65 (cento e doze mil, quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e cinco cêntimos) (resposta ao nº 14 da base instrutória, sendo que não existe nº 13, como se pode verificar de fls. 137);

31. O requerimento de divórcio por mútuo consentimento não chegou a dar entrada na Conservatória do Registo Civil, por o casal ter entrado em desacordo (resposta ao nº 16 da base instrutória);

32. As obras feitas no terreno por DD e pela Ré valorizaram-no em € 210.000,00 (resposta ao nº 17 da base instrutória);

33. A casa está implantada em 223 m2 dos 7520m2 da área total que compõe o terreno (resposta ao nº 18 da base instrutória);

34. A parcela sobrante constitui o logradouro do prédio e não tem qualquer utilidade ou valor económico independentemente da parte urbana do mesmo (resposta ao nº 19 da base instrutória).

A estes factos importa acrescentar que da fundamentação da sentença e do acórdão recorrido decorre que as instâncias consideraram “provado, através dos documentos emitidos pelo GG (fls. 413, 414 e 415), a instituição bancária mutuante, que em Junho de 2013, ainda se encontrava em dívida o montante de € 67.029, 15”, “provado, através dos documentos emitidos pelo GG (fls. 403, 404 e 405), a instituição bancária mutuante, que declarou que o mutuário DD (pai dos ora autores) foi desassociado dos empréstimos em 30/12/2009, devido ao seu falecimento. A partir dessa data apenas a ré/recorrente ficou obrigada naqueles contratos, a pagar as prestações e que as tem pago” (transcrição do acórdão recorrido).

4. A única questão colocada neste recurso é a de saber se deverá manter-se a remessa para liquidação da determinação do montante a pagar aos autores a título de enriquecimento sem causa, como se entendeu no acórdão recorrido, ou se há elementos para o calcular desde já, como se decidiu na sentença, ainda que por recurso a critérios de equidade. Divergência que decorre do que se considera a medida do enriquecimento da ré, em resultado da contribuição do pai dos autores para esse enriquecimento: os recorrentes, bem como a 1ª instância, entendem que corresponde ao aumento de valor do terreno, propriedade da ré, dividido por dois, sendo, portanto, um valor certo; a recorrida e o acórdão da Relação consideram necessário apurar em que medida cada um (a ré e o pai dos autores) contribuíram para esse aumento de valor, o que implica saber, nomeadamente, quanto estava pago dos empréstimos à data da morte do pai dos autores, uma vez que a partir daí foram suportados apenas pela ré, e em quanto contribuíram cada um em vida do pai dos autores.

Não está em causa, portanto, nem que a construção da habitação, suportada por ambos os cônjuges, casados em regime de separação de bens, num terreno que era propriedade apenas da ré, seja juridicamente havida como uma benfeitoria realizada no terreno da ré, nem que tal benfeitoria não possa ser levantada e, portanto, que a morte do pai dos autores tenha desencadeado a obrigação de restituir aos autores o valor da benfeitoria, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (cfr, em especial, os artigos artigo 479º e 480º do Código Civil). Assim também se entendeu, por ex., nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 10 de Janeiro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 1346/10.5TBTMR.C1.S1, ou de 29 de Abril de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 1071/10.7TBABT.E1.S1).

Também não vem discutido pelas partes que, tal como se entendeu na Relação, se trate de uma benfeitoria útil, qualificação que se confirma, por ser manifesto que, não sendo indispensável à conservação do terreno, aumenta o respectivo valor (nº 3 do artigo 216º do Código Civil – cfr. o mesmo acórdão de 10 de Janeiro de 2013).

Neste recurso interessa portanto, apenas, saber qual a medida da obrigação de restituir, ou seja, calcular o valor que a ré obteve à custa do pai dos autores [o empobrecido], de acordo com o disposto no artigo 479º do Código Civil, limitado pela “medida do seu locupletamento” à data da sua morte, ou seja, da cessação da causa, o casamento (artigo480º).

Ora, como é bom de ver, estes dois valores (o que foi obtido à custa do empobrecido, no caso, o pai dos autores, e o correspondente ao enriquecimento da proprietária da coisa, no caso, a ré) não são necessariamente equivalentes; nem em abstracto, nem na situação concreta. O aumento do valor da coisa pode naturalmente ser superior à contribuição do empobrecido, sendo esta que deve ser restituída. Como escreve Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., 2000, Coimbra pág 516:“A diferença entre o custo das benfeitorias e o valor que elas acrescentam à coisa resultará, em regra, de factores (localização, natureza, qualidade da coisa, etc) que pertencem mais ao proprietário do que ao possuidor (…)”.

Não pode assim entender-se, como se decidiu na sentença, que a ré tenha enriquecido à custa do pai dos autores, necessariamente, em metade do aumento do valor do terreno, que vem provado ter sido de € 210.000,00. O aumento do valor do terreno – entenda-se, a proporção em que as contribuições do pai dos autores tenham causado esse aumento – há-de funcionar, no caso, como o limite superior à obrigação de restituição (nº 2 do artigo 479º).

Não se sabendo em quanto contribuiu o pai dos autores para a amortização dos empréstimos contraídos e demais despesas relacionadas – nomeadamente o pagamento dos prémios do seguro de vida a que se refere o ponto 13 dos factos provados –, empréstimos que foram integralmente gastos “nas obras de construção e posterior beneficiação da casa (…) e ainda na aquisição do respectivo mobiliário” (ponto 22. dos factos provados) – nada se discute nesta acção relacionado com o mobiliário –, não merece qualquer censura a solução adoptada no acórdão recorrido quanto à determinação de que o processo siga para liquidação, para determinar “a contribuição do falecido”, de acordo com o previsto no nº 2 do artigo 609º e nos artigos 358º e segs. do Código de Processo Civil (cfr., no mesmo sentido, o citado acórdão de 10 de Janeiro de 2013).


5. Nestes termos, nega-se provimento à revista.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 05 de Julho de 2018


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relator)

Salazar Casanova

Távora Victor