Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
236/14.7TBLMG.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: PERDA DE CHANCE
CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ADVOGADO
INDEMNIZAÇÃO
DANO
MANDATÁRIO
PRESUNÇÃO DE CULPA
CREDOR PREFERENCIAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO /FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / MANDATO / DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MANDATÁRIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, p. 98-99;
- Galvão Telles, Manual do Direito das Obrigações;
- Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2.ª Edição, p. 229;
- Paulo Mota Pinto, Perda de chance processual, RLJ Ano 145.º, Março-Abril de 2016, p. 174 e ss. e 186 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 799.º, 1157.º E 1161.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 665.º, N.º 2 E 679.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22/10/2009, PROCESSO N.º 409/09.4YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/ 07.0TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21/10/2010, PROCESSO N.º I2280/07.6TBVNG.P1.S1;
- DE 05/02/2013, PROCESSO N.º 488/09.4TBESP.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14/03/2013, PROCESSO N.º 78/09.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30/09/2014, PROCESSO N.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02/07/2015, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 11/2015, IN DR DE 18/09/2015;
- DE 09/07/2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30/11/2017, PROCESSO N.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1;
- DE 30/11/2017, PROCESSO N.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O contrato de mandato forense, com atribuição de poderes de representação, é regulado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aplicando-se subsidiariamente o regime do contrato de mandato civil dos arts. 1157º e segs. do Código Civil. Assim, além das obrigações gerais do mandatário enunciadas no art. 1161º do CC, deve ter-se em especial consideração as obrigações específicas resultantes do EOA, designadamente o dever de praticar os actos de execução do mandato com zelo e diligência, sendo que o não cumprimento de tais deveres pode gerar responsabilidade civil obrigacional.

II. A reparabilidade do dano de perda de chance encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência do STJ, que, em matéria de chance processual, tem seguido a orientação de que o dano daí resultante é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.

III. Assim, “desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo” (cfr. Acórdão do STJ de 30/11/2017, proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1).

IV. Ocorre a verificação de uma conduta ilícita e culposa do R., mandatário da A., no caso em que, notificado de que a p.i. por si apresentada, no âmbito de uma reclamação de créditos numa execução fiscal, havia sido recusada por estar endereçada a outro tribunal e não terem sido identificados os documentos que acompanhavam a petição, não veio apresentar nova petição corrigida, nem reclamar/recorrer da decisão da recusa da p.i., uma vez que tal configura uma violação dos deveres de diligência a que o R. se encontrava adstrito, violação que, por aplicação do art. 799º, n.º 1, do CC, se presume culposa.

V. Sabendo-se que a ora A., enquanto credora hipotecária teria direito a ver satisfeito o seu crédito pelo produto da venda do bem objecto da garantia, com preferência sobre os demais credores (salvo quanto ao crédito de IMI, assistido de privilégio creditório), não merece censura o juízo da Relação segundo o qual a A., “com grande probabilidade veria satisfeito, pelo menos em parte, o seu crédito” pelo que, no caso, se pode concluir pela verificação do dano de perda de chance processual, assim como do nexo de causalidade entre a conduta do R. e tal dano, havendo lugar a indemnização pelo valor correspondente à quantia pelo qual o imóvel foi adjudicado, deduzido do crédito de IMI e do montante das custas da execução.

VI. Tendo a Relação concluído, inversamente ao decidido na sentença, pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do R., ocorre nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, por não ter conhecido da excepção deduzida pela co-ré seguradora de exclusão dos factos da cobertura do seguro, considerada prejudicada pela 1ª instância, devendo os autos baixar à Relação para conhecer de tal questão (cfr. arts. 665º, nº 2 e 679º, do CPC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. Caixa AA da B . . ., CRL intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, advogado, e CC Company (Europe), representada em Portugal por DD - Corretores de Seguros, S.A., pedindo a condenação dos RR. (a 2ª até ao limite capital seguro), a pagarem à A. a quantia de € 177.571,14, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 39.102,25 e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, a A. alegou, em síntese: ter mandatado o 1º R. para intentar uma execução judicial por crédito incumprido garantido por hipoteca; o imóvel que garantia o crédito exequendo foi entretanto penhorado no âmbito de execução fiscal, tendo a A. sido citada para aí reclamar o seu crédito, a fim de ser graduado e pago pelo produto da venda do imóvel em causa, não tendo o crédito sido reclamado naquela execução fiscal por culpa exclusiva do 1º R., que não exerceu o mandato enquanto advogado de forma minimamente cuidadosa. Em virtude da incúria do 1º R., sofreu a A. danos que contabiliza em € 177.571,14. Alegou ainda que a responsabilidade civil profissional do 1º R. se encontrava transferida para a 2ª R., sendo esta responsável pelo pagamento da indemnização peticionada em virtude do contrato de seguro.

Ambos os RR. contestaram.

O R. BB defendeu-se alegando não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, por a A. não ter sofrido qualquer prejuízo, uma vez que vendeu o imóvel hipotecado e recebeu o preço respectivo. E invocou a excepção de ilegitimidade passiva por a responsabilidade civil se encontrar transferida para a 2ª R. Concluiu, pedindo a condenação da A. como litigante de má fé, e em indemnização ao A. de € 50.000,00.

A R. CC Insurance alegou que o capital indemnizatório tem como limite máximo € 150.000,00, com franquia de € 5.000,00, que os factos dos autos não se encontram abrangidos na cobertura do seguro e ainda que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar.

    Por requerimento de fls. 243, veio a A. requerer a intervenção principal de EE Seguros, S.A., para quem se encontrava transferida a responsabilidade civil do R. advogado à data da primeira reclamação da A., nos termos de contrato de seguro em que figura como tomador a Ordem dos Advogados.

Por despacho de fls. 306 foi admitida a intervenção principal provocada da EE, S.A., a par dos RR.

A interveniente contestou, por excepção, alegando que o sinistro está excluído da apólice, e por impugnação, alegando não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil do R. advogado.

A fls. 397 foi proferida sentença, cuja fundamentação concluiu nos seguintes termos:

“Do exposto, e sem necessidade de outras considerações, resulta a inexistência de responsabilidade civil do Réu e, consequentemente, da seguradora – mostrando-se inútil a consideração de qual o contrato de seguro aplicável (resultando óbvio, porém, que seria o da chamada EE).”

E decidiu:

“Face ao exposto, julga-se totalmente improcedente a acção, absolvendo os Réus do Pedido contra si formulado pela Autora”


Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 463 foi alterada a matéria de facto e, a final, decidido nos termos seguintes:

“Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revoga-se a sentença e condena-se os RR Dr. BB e EE – Seguros Gerais, SA, a pagarem à Autora Caixa AA da B..., CRL, a importância a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor que resultar da subtracção à importância de €85.000,00 do valor das custas da execução e do crédito por IMI, reconhecido no processo de execução fiscal nº 2003…89, deduzindo-se da responsabilidade da seguradora o valor da franquia.”


2. Vem a interveniente EE, S.A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … é nulo, por violação do disposto na al. d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, porquanto tendo o Tribunal “a quo" alterado a Decisão do Tribunal da Primeira Instância, incumbia-lhe conhecer da questão que este último apenas não conheceu por prejudicialidade.

2. O Tribunal "a quo" limitou-se à mera existência de um contrato de seguro, sem fundamentar ou conhecer da exclusão invocada pela Recorrida e constante do próprio contrato de seguro, o que determina a nulidade do Acórdão recorrido, por violação da al. b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC

3. Da aplicação do direito aos factos resulta que a responsabilidade decorrente dos factos alegados pela Recorrida na petição Inicial encontra-se excluída das garantias contratadas através do contrato de seguro celebrado com a Chamada.

4. Decisão que se impõe, sob pena de violação do disposto no n.° 1 do artigo 405.° do Código Civil, da alínea a) do Artigo 3.° e n.° 1 do artigo 8.° da Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional do contrato de seguro dos Autos (páginas 10 e 13).

Por outro lado,

5. Dos factos julgados provados não resulta o incumprimento do mandato por parte do 1.° R., porquanto os créditos da A. foram reclamados perante a entidade competente que a citou, é o Serviço de Finanças de …, e a quem aquele dirigiu, e bem, a sua reclamação.

6. Aos Tribunais Judiciais apenas incumbia graduar e verificar o crédito da Recorrida.

7. A conduta do 1.° R. não constitui um "ilícito" nos termos da responsabilidade civil profissional, porquanto não violou qualquer norma jurídica ou deontológica.

8. Desconhece-se por que razão não foi o crédito da Recorrida reconhecido pelo Serviço de Finanças competente para o efeito.

9. Assumir que foi a conduta do 1.°R.e não um erro do Tribunal ou uma falha do Serviço de Finanças que determinaram que o crédito da A. não fosse reconhecido e graduado constitui uma deturpação do nexo de causalidade e uma violação do ónus da prova que recaía sobre a A., ora Recorrida.

10. A A. também não logrou provar a existência de um dano, na medida em que, tanto quanto resulta dos Autos, existem outros meios dos quais a A. poderá lançar mão para ver o seu crédito pago, mormente a execução dos fiadores do crédito hipotecário concedido pela própria.

11. Ao Decidir como Decidiu o Tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 149.° e 151.°, n.° 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e o disposto no artigo 483.° do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:

A) Ser declarada a nulidade da Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de …, julgando-se procedente a exclusão da responsabilidade pelos factos imputados pela A. ao 1.° Réu da cobertura da apólice contratada com a Recorrente, e, em consequência, a Recorrida absolvida do pedido.

Subsidiariamente,

Ser revogada a Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de … e, em sua substituição proferido Acórdão que julgue a presente acção totalmente improcedente, por não provada.


A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

    Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1. A Autora é uma Instituição de Crédito sob a forma Cooperativa, cujo objectivo é o exercício de funções de Crédito Agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável, e ainda o exercício da atividade de agente da caixa central.

2. O 1º R. foi mandatário da A. durante vários anos, pelo menos desde 2000 a 2007.     

3. Em 04.02.2004, a A. mandatou o 1º R. para intentar uma execução judicial visando a cobrança do crédito concedido a “FF, LDA”, cujo crédito com capital e juros àquela data perfazia o montante de 224.878,95€.

4. A execução correu termos pelo tribunal de … com o nº 48/04.6TBCDR-

5. O empréstimo em causa estava garantido por uma hipoteca sobre o imóvel inscrito na matriz sob o art. 904º, e descrito na C.R.P de … sob o nº 83.

6. A penhora do referido imóvel, no âmbito da referida execução foi efectuada em 25 de Fevereiro de 2005.

7. Em 9 de Janeiro de 2007 a A. foi citada, no âmbito da execução fiscal n.º 203…89 e apensos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239º nº 1 do C.P.P.T, porquanto pendia penhora fiscal e a A. detinha garantia real sobre o imóvel penhorado.

8. A referida execução fiscal corria termos pela Secção de Finanças de …, Distrito de …, e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de LEIRIA sob o nº 2/2007.

9. Aquando da citação para a devida reclamação de créditos, a A. mandatou o R. para deduzir a competente reclamação de créditos.

10. O que o R. veio a fazer, apresentando no Serviço de Finanças de … a devida reclamação de créditos em 18 de Janeiro de 2007, reclamando o crédito no montante de 177.573,14€, e registado no serviço de Finanças em 14 de Maio de 2008.

11. Nesse mesmo dia, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no apenso de verificação e graduação de créditos, veio a notificar o A. do seguinte teor:

“A Reclamante Caixa AA de C…, CRL., remeteu a este tribunal uma P.I. para promoção de uma Reclamação de Créditos no PEF. nº 2003…89 e Aps.

Da análise da referida P.I., verifica-se que o pagamento de taxa de justiça inicial não corresponde ao valor da ação 177.573,14€ e está endereçada a outra entidade.

Assim, não tendo a Reclamante junto o documento comprovativo do pagamento correto da taxa de justiça inicial de acordo com a referida tabela (artº. 23º., n.º 1 do CCJ) não pode a petição inicial ser recebida neste Tribunal.

Pelo exposto recusa-se o recebimento da petição inicial nos termos das disposições combinadas dos artigos 2.º do C.P.P.T., 80º. Nºs 1 al.d) e 2 do C.P.T.A. e 474º. Als a) e f) do C.P.C..

Junto se devolve o NIP 00313974780, do valor de 480.00€, devendo ser remetida a este Tribunal uma autoliquidação de 624,00€, de acordo com a Portaria nº 42/04 de 14 de Janeiro, Capitulo I, nº 5.”.

12. Em 21.05.2008, o A. na sequência da notificação antecedente, veio a requerer a junção de “duplicados legais e taxa no valor de 624,00€.

13. Nesse mesmo dia, o TAF de Leiria, veio a notificar o R. do seguinte:

   “Sem prejuízo do disposto no art. 476 CPC, fica notificado, na qualidade de mandatário (a) que a Pi remetida pelo Serviço de Finanças acima identificado, foi recusada em conformidade arts. 2 CPPT e 474, als. a) e f) do CPC e ainda art. 78, nº 2 al. m) ex-vi art. 80, nº 1, al c) do CPTA, ie: a) Esteja endereçada a outro Tribunal ou autoridade; f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça Inicial ou a concessão de apoio judiciário. m) Identificar os documentos que acompanham a petição.

  Assim, junto devolvem-se os NIP´s 316.683.345 e 313.974.780, uma vez que a soma de ambos se revela insuficiente para pagamento da taxa de justiça inicial devida, a qual, por lapso foi indicada como sendo € 624,00, quando o montante será €936,00, de acordo com o valor atribuído à ação (€ 177.573,14) e em conformidade com art. 23, nº 1 do CCJ.”

14. Em 02.06.2008, o R. veio novamente a requerer a junção do seguinte: “A Caixa AA de C…, CRL, já identificada nos autos, vem requerer a Vª Exª que se digne mandar juntar aos autos a Guia com o valor de 336,00 euros, assim como as restantes, que se devolvem e que vão juntas a este (480,00 euros e 144,00 euros).”

15. De novo em 2 de Junho de 2008 o TAF de Leiria notificou o R. do seguinte: “Sem prejuízo do disposto no art. 476 CPC, fica notificado, na qualidade de mandatário (a) que a Pi remetida pelo Serviço de Finanças acima identificado, foi recusada em conformidade arts. 2 CPPT e 474, al. a) do CPC e ainda art. 78, nº 2 al. m), ex-vi art. 80, nº 1, al. c) do CPTA, ie: a) Esteja endereçada a outro Tribunal ou autoridade; m) Identificar os documentos que acompanham a petição.”

16. E em 06.11.2008, o TAF de Leiria, veio a notificar o R. do seguinte:

 “Fica V.Exª. notificado na qualidade de mandatário da reclamante e, no seguimento das notificações enviadas a 2008.05.14, 2008.05.21 e 2008.06.02 – cópias em anexo e, findo o prazo legal e não se mostrando a Pi sanada, informo V.Exa. que a mesma foi, nesta data, devolvida ao Serviço de Finanças acima identificado. Junto se devolvem também os talões das Taxas de Justiça.”

17. E, finalmente, de novo o TAF de Leiria, desta vez notificou serviço de Finanças de … de que a reclamação de créditos nº 2/2007 não foi recebida como se reproduz: “Para os devidos efeitos, comunico a V. Exª. que não foi recebida a Reclamação de Créditos acima identificada, pelos motivos expostos nas notificações cuja cópia se encontram junto à Pi remetida por esse serviço a este Tribunal, dado que findo o prazo legal esta não se mostra sanada. Nestes termos, remete-se a Reclamação de Créditos acima identificada, tendo o mandatário da Reclamante sido notificado deste ato, conforme cópia que se anexa.”

18. O imóvel dado de garantia à A. veio a ser vendido e a A. não recebeu qualquer montante pecuniário através da execução hipotecária e posteriormente da reclamação de créditos hipotecária.

19. O 1º R. não renunciou ao mandato na execução referida em 4, nem a A. lhe revogou a procuração.

20. No âmbito da execução fiscal referida, a A., representada no ato pelo 1º réu, apresentou proposta de aquisição do imóvel em causa nos autos pelo valor de € 85.000,00 (fls. 285), a proposta mais elevada, tendo-lhe o imóvel sido adjudicado, após pagamento do preço, € 85.000,00, e liquidação do imposto de selo no valor de € 690,00, em 4.8.2008 (fls. 289). [alterado pela Relação]

21. Nessa execução, foram graduados os créditos exequendo e reclamados, figurando em 1º lugar o crédito por dívida de IMI, no valor de € 773,41 (fls. 290-293 e 295).

22. Por escritura pública outorgada em 18.9.2008, a autora declarou vender a GG e mulher, HH, o prédio em causa nos autos, pelo valor de € 100.100,00, livre de ónus ou encargos.

23. A 2.ª R. celebrou com a Ordem dos Advogados contratos de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pelas apólices n.º DP/01…8/07/Y e DP/02…6/11/C, que vigoraram durante o período de 01 de Janeiro de 2007 até 31 de Dezembro de 2011, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional, cobrindo o risco decorrente de ação ou omissão dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, e que garante o pagamento de indemnizações que possam ser exigidas aos Segurados, a título de Responsabilidade Civil Profissional, nomeadamente com base em erro, omissão ou negligência no exercício da atividade profissional designada no Estatuto da Ordem dos Advogados, cujo capital por Advogado/sinistro é de: € 125.000 e tendo como franquia por sinistro: € 5000,00 – 45º a 47º PI, 1º a 4º cont. da 2ª ré.

24. Da cláusula 4ª das condições especiais de ambas as apólices referidas, consta que as mesmas são exclusivamente aplicáveis às “reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas i) contra o segurado e notificadas à seguradora, ou ii) contra a seguradora em exercício da ação direta” sempre “durante o período do seguro, ou durante o período do ocaso”

25. A reclamação foi apresentada à 2ª ré com a citação da sua corretora para a presente ação, em 7.5.2014.

26. Entre a interveniente “EE” e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo temporário e anual, do ramo responsabilidade civil titulado pela apólice n.º 6001…58, que segura a “responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária”, com um limite de € 150.000,00 por sinistro.

27. Nos termos do art. 2º das condições especiais, o seguro referido “tem por objectivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período do seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional…”..

28. Nos termos acordados, constitui “Reclamação” “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”, bem como “Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa: i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice; ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice”.

29. Nos termos do ponto 7 das condições particulares, “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou o tomador do seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, a ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade”.

30. Consta do art. 4º da Condição Especial: “É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:         

     a) Contra o Segurado e notificadas ao segurador; ou

    b) Contra o segurador em acção directa;

    c) Durante o período do seguro, ou durante o período do descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroactiva.”

31. Estipula o art. 3º que “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações:

    a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.

32. E o art. 8º, n.º 1: “O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:

    a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

    b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

    c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecido(a) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice”.

33. Acrescentando o n.º 2 que “As reclamações que tenham origem, direta ou indiretamente, em qualquer comunicação nos termos das alíneas b) e c) anteriores, são consideradas como notificadas durante o período de seguro que decorria à data daquelas comunicações”.

34. E o art. 10º que “O segurado, nos termos definidos no ponto 1 do artigo 8º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a reclamação” (n.º 1), comunicação essa que, “dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes”, deverá chegar ao conhecimento do segurador no prazo máximo e improrrogável de 10 dias (n.º 2).

35. Com data de 13.8.2013, a autora remeteu ao 1º réu uma carta com o seguinte teor:

“Vimos por este meio solicitar a V/Exa esclarecimento ou o que tiver por conveniente, sobre a reclamação de crédito referente ao processo de execução fiscal n.º 2003200501000489 – Serviço de Finanças de …, Carta Precatória n.º 2526200507000073 – Serviço das Finanças de …, executado FF, Lda., NIPC 50….1. Mais se informa, que até à presente data, a Caixa AA ainda não recebeu do Serviço das Finanças, o montante de €85.000 (oitenta e cinco mil euros), pago em 14.7.2008”.

36. Com data de 16.9.2013, a A. remeteu ao 1º réu uma outra carta com o seguinte teor:

 “Uma vez que até à data ainda não recepcionámos qualquer resposta, vimos muito respeitosamente solicitar a V/Exa comentários ou o que tiver por conveniente, à N/Missiva com a referência CE/106/2013 datada de 13.8.2013”.

37. O contrato de seguro referido foi celebrado pelo prazo de 12 meses, entre 1 de Janeiro de 2015 e 1 de Janeiro de 2016, tendo sido acordada uma franquia de € 5.000,00 por sinistro.

38. Este contrato de seguro resulta de renovação da apólice com o mesmo n.º, vigente para o período de 1.1.2014 a 1.1.2015.

39. Não foram comunicados pelo 1º réu à chamada EE os factos relatados na petição inicial, ou a possibilidade de tais factos poderem dar origem a uma reclamação.

40. A chamada só teve conhecimento dos factos alegados na petição inicial aquando da sua citação para os presentes autos.

41. A execução nº 46/04.TBCDR veio a ser extinta por inexistência de bens penhoráveis. [facto dado como provado pela Relação]


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos delimita-se pelas conclusões dos mesmos. Assim, no presente recurso, estão em causa as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação, ao não ter conhecido da excepção de não cobertura dos factos dos autos pelo seguro de grupo celebrado entre a Ordem dos Advogados e a interveniente EE, S.A., questão que ficou prejudicada pela decisão da 1ª instância;

- Não verificação de ilicitude da conduta do R. advogado no cumprimento das obrigações resultantes do contrato de mandato;

- Falta de prova do dano alegado pela A.


5. Antes de apreciar as questões objecto do recurso, importa fazer o enquadramento do mesmo.

A acção foi interposta contra o 1º R., advogado, e contra a 2ª R., seguradora, CC Insurance, pedindo a condenação dos RR. (a 2ª R. até ao limite capital seguro) a pagar à A. indemnização por danos patrimoniais causados pelo incumprimento dos deveres resultantes do contrato de mandato forense celebrado entre a A. e o 1º R.

Tendo a 2ª R. excepcionado a não se encontrarem os factos dos autos cobertos pelo seguro de grupo consigo celebrado pela Ordem dos Advogados, veio a A. requerer a intervenção principal da seguradora EE, S.A., que foi admitida.

Concluindo a sentença pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do R. advogado, considerou prejudicada a questão do contrato de seguro aplicável, ainda que acrescentando “resultando óbvio, porém, que seria o da chamada EE”.

O acórdão da Relação, concluindo inversamente pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do R. advogado, decidiu, a final, condenar o 1º R. e a interveniente EE a pagar à A. indemnização de montante a liquidar. Ao fazê-lo considerou, implicitamente, prejudicada a questão da responsabilidade da 2ª R., seguradora CC Insurance pelo sinistro dos autos.


6. Quanto à questão da alegada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação, ao não ter conhecido da excepção de não cobertura dos factos dos autos pelo seguro de grupo celebrado entre Ordem dos Advogados e a interveniente EE, S.A., questão que ficou prejudicada pela decisão da 1ª instância, conclui a Recorrente nos seguintes termos: “1. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … é nulo, por violação do disposto na al. d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, porquanto tendo o Tribunal “a quo" alterado a Decisão do Tribunal da Primeira Instância, incumbia-lhe conhecer da questão que este último apenas não conheceu por prejudicialidade. 2. O Tribunal "a quo" limitou-se à mera existência de um contrato de seguro, sem fundamentar ou conhecer da exclusão invocada pela Recorrida e constante do próprio contrato de seguro, o que determina a nulidade do Acórdão recorrido, por violação da al. b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.”

Vejamos.

Compulsada a contestação da interveniente EE, aqui Recorrente, verifica-se ter ela excepcionado que os factos dos autos se encontram excluídos da cobertura do seguro de grupo celebrado entre si e a Ordem dos Advogados. Ao ter a sentença concluído pela não verificação dos pressupostos de responsabilidade civil do R. advogado (aqui 1º R.), tal questão ficou prejudicada. Mas, tendo a Relação alterado a decisão da 1ª instância, reconhecendo a responsabilidade do 1º R., devia ter conhecido da questão prejudicada, conforme previsto no art. 665º, nº 2, do CPC.

Conclui-se, assim, pela verificação de nulidade por omissão de pronúncia.

Quanto ao procedimento a adoptar para suprir a nulidade, consideremos a orientação deste Supremo Tribunal (na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 11/2015, de 02/07/2015, publicado no Diário da República de 18/09/2015):


“Face ao estatuído na parte final do art. 679° do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para o recurso de apelação, no art. 665°, não podendo, deste modo, o STJ — não apenas, como sempre sucedeu (cfr. art. 684°), suprir a nulidade de omissão de pronúncia cometida pela Relação — mas tam­bém apreciar, pela primeira vez, questões que as instâncias deixaram de apreciar, por as terem por prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Saliente-se que, no velho CPC, ao prever o regime do julgamento da revista, o n° 1 do art. 726° apenas excepcionava da genérica remissão para as disposições relativas ao julgamento da apelação a norma constante do n° 1 do art. 715°, em que se mandava aplicar a regra da substituição ao tribunal recorrido ao caso em que a Relação, ao julgar a apelação, declarasse nula a decisão recorrida.

Daqui resultava inequivocamente que — como, aliás, decorria da expressa previsão legal há muito contida no n° 2 do art. 731o — a procedência da nulidade de omissão de pronúncia implicava que o STJ devesse mandar baixar o processo, para se fazer a reforma da decisão anulada, em princípio pelos mesmos juízes que a haviam proferido.

Não era, porém, perante a norma constante do citado art. 726° — que não ressalvava, ao menos explicitamente, a situação prevista no n° 2 do art. 715o do CPC — inteira­mente líquido se este regime limitativo da regra da substituição — determinado pela consideração que o STJ não deveria conhecer, simultaneamente em primeira e última instância, de questões de direito ainda nunca apreciadas no processo, eliminando irremediavelmente a possibilidade de funcionamento do duplo grau de jurisdição — se deveria transpor para os casos em que — inexistindo o vício de omissão de pronúncia — as instâncias deixaram (legitimamente) de conhecer e apreciar determinada questão, por a considerarem prejudicada pela solução dada ao litígio (veja-se a abordagem desta questão, por exemplo, no Ac. de 21/10/10, proferido pelo STJ no P. I2280/07.6TBVNG.P1.S1).

Sucede que o novo CPC, no art. 679°, tomou expressa posição sobre esta problemática, passando a prever e regular, para este efeito, em termos idênticos e indistintos, as situações em que existe efectiva nulidade por omissão de pronúncia (decorrente de o tribunal a quo ter indevidamente omitido a apreciação de certa questão relevante) — n° 1 do art. 665° — e de mera (e legítima) não pronúncia sobre questões, anteriormente suscitadas no processo, que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio — n° 2 do art. 665° do CPC em vigor.” [negrito nosso]


Assim – desde que o conhecimento da questão da excepção de não cobertura dos factos dos autos pelo seguro de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados com a interveniente EE não fique prejudicado pela resolução das demais questões do presente recurso – caberá, a final, determinar a remessa dos autos à Relação, nos termos do nº 2 do art. 665º, do CPC, para, após eventual cumprimento do preceituado no nº 3, ser suprida a nulidade do acórdão recorrido, conhecendo-se da questão da exclusão dos factos dos autos da cobertura do seguro de grupo celebrado entre a EE e a Ordem dos Advogados, que ficara prejudicada pela decisão dada ao litígio pela sentença, assim como das demais consequências que tal venha a ter no processo.


7. Antes de passar a apreciar as questões substantivas, recorde-se que a presente acção tem por objecto uma pretensão indemnizatória, a título de danos patrimoniais, resultante da perda de oportunidade (“chance”) da A. pelo facto de o 1º R., na qualidade de seu advogado, não ter reclamado o crédito da A. em processo de execução fiscal n.º 203…89, que correu termos pela Secção de Finanças de …., Distrito de …, e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria sob o nº 2/2007), no qual foi penhorado imóvel sobre o qual incidia hipoteca a favor da A. como garantia de satisfação de crédito da mesma A. sobre a executada.

Estamos perante um contrato de mandato forense, celebrado entre a A. e o 1º R., com atribuição de poderes de representação, o qual era, à data dos factos, regulado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, aplicando-se subsidiariamente o regime do contrato de mandato civil dos arts. 1157º e segs. do Código Civil. Assim, além das obrigações gerais do mandatário enunciadas no art. 1161º do CC, deve ter-se em especial consideração as obrigações específicas resultantes do EOA, designadamente o dever de praticar os actos de execução do mandato com zelo e diligência (art. 95º, alínea b), do EOA).

O não cumprimento de tais deveres pode gerar responsabilidade civil obrigacional pelos danos resultantes para a A., sendo esta o fundamento em que assenta a pretensão indemnizatória aqui em causa, cujo montante, em sede de recurso de revista, se encontra circunscrito aos termos da decisão da Relação (“importância a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor que resultar da subtracção à importância de € 85.000,00 do valor das custas da execução e do crédito por IMI, reconhecido no processo de execução fiscal nº 2003…89, deduzindo-se da responsabilidade da seguradora o valor da franquia”).


8. Passemos então a apreciar a questão da não verificação da ilicitude da conduta do 1º R. no cumprimento das obrigações resultantes do contrato de mandato.

Relevam os seguintes factos provados:

2. O 1º R. foi mandatário da A. durante vários anos, pelo menos desde 2000 a 2007.

3. Em 04.02.2004, a A. mandatou o 1º R. para intentar uma execução judicial visando a cobrança do crédito concedido a “FF, LDA”, cujo crédito com capital e juros àquela data perfazia o montante de 224.878,95€.

4. A execução correu termos pelo tribunal de … com o nº 48/04.6TBCDR-

5. O empréstimo em causa estava garantido por uma hipoteca sobre o imóvel inscrito na matriz sob o art. 904º, e descrito na C.R.P de … sob o nº 83.

6. A penhora do referido imóvel, no âmbito da referida execução foi efectuada em 25 de Fevereiro de 2005.

7. Em 9 de Janeiro de 2007 a A. foi citada, no âmbito da execução fiscal n.º 203200501000489 e apensos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239º nº 1 do C.P.P.T, porquanto pendia penhora fiscal e a A. detinha garantia real sobre o imóvel penhorado.

8. A referida execução fiscal corria termos pela Secção de Finanças de …, Distrito de …, e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de LEIRIA sob o nº 2/2007.

9. Aquando da citação para a devida reclamação de créditos, a A. mandatou o R. para deduzir a competente reclamação de créditos.

10. O que o R. veio a fazer, apresentando no Serviço de Finanças de … a devida reclamação de créditos em 18 de Janeiro de 2007, reclamando o crédito no montante de 177.573,14€, e registado no serviço de Finanças em 14 de Maio de 2008.

11. Nesse mesmo dia, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no apenso de verificação e graduação de créditos, veio a notificar o A. do seguinte teor:

“A Reclamante Caixa AA de C…, CRL., remeteu a este tribunal uma P.I. para promoção de uma Reclamação de Créditos no PEF. nº 2003…89 e Aps.

Da análise da referida P.I., verifica-se que o pagamento de taxa de justiça inicial não corresponde ao valor da ação 177.573,14€ e está endereçada a outra entidade.

Assim, não tendo a Reclamante junto o documento comprovativo do pagamento correto da taxa de justiça inicial de acordo com a referida tabela (artº. 23º., n.º 1 do CCJ) não pode a petição inicial ser recebida neste Tribunal.

Pelo exposto recusa-se o recebimento da petição inicial nos termos das disposições combinadas dos artigos 2.º do C.P.P.T., 80º. Nºs 1 al.d) e 2 do C.P.T.A. e 474º. Als a) e f) do C.P.C..

Junto se devolve o NIP 00313974780, do valor de 480.00€, devendo ser remetida a este Tribunal uma autoliquidação de 624,00€, de acordo com a Portaria nº 42/04 de 14 de Janeiro, Capitulo I, nº 5.”.

12. Em 21.05.2008, o A. na sequência da notificação antecedente, veio a requerer a junção de “duplicados legais e taxa no valor de 624,00€.

13. Nesse mesmo dia, o TAF de Leiria, veio a notificar o R. do seguinte:

“Sem prejuízo do disposto no art. 476 CPC, fica notificado, na qualidade de mandatário (a) que a Pi remetida pelo Serviço de Finanças acima identificado, foi recusada em conformidade arts. 2 CPPT e 474, als. a) e f) do CPC e ainda art. 78, nº 2 al. m) ex-vi art. 80, nº 1, al c) do CPTA, ie: a) Esteja endereçada a outro Tribunal ou autoridade; f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça Inicial ou a concessão de apoio judiciário. m) Identificar os documentos que acompanham a petição.

  Assim, junto devolvem-se os NIP´s 316.683.345 e 313.974.780, uma vez que a soma de ambos se revela insuficiente para pagamento da taxa de justiça inicial devida, a qual, por lapso foi indicada como sendo € 624,00, quando o montante será €936,00, de acordo com o valor atribuído à ação (€ 177.573,14) e em conformidade com art. 23, nº 1 do CCJ.”

14. Em 02.06.2008, o R. veio novamente a requerer a junção do seguinte: “A Caixa de Crédito AA de C…, CRL, já identificada nos autos, vem requerer a Vª Exª que se digne mandar juntar aos autos a Guia com o valor de 336,00 euros, assim como as restantes, que se devolvem e que vão juntas a este (480,00 euros e 144,00 euros).”

15. De novo em 2 de Junho de 2008 o TAF de Leiria notificou o R. do seguinte: “Sem prejuízo do disposto no art. 476 CPC, fica notificado, na qualidade de mandatário (a) que a Pi remetida pelo Serviço de Finanças acima identificado, foi recusada em conformidade arts. 2 CPPT e 474, al. a) do CPC e ainda art. 78, nº 2 al. m), ex-vi art. 80, nº 1, al. c) do CPTA, ie: a) Esteja endereçada a outro Tribunal ou autoridade; m) Identificar os documentos que acompanham a petição.”

16. E em 06.11.2008, o TAF de Leiria, veio a notificar o R. do seguinte:

“Fica V.Exª. notificado na qualidade de mandatário da reclamante e, no seguimento das notificações enviadas a 2008.05.14, 2008.05.21 e 2008.06.02 – cópias em anexo e, findo o prazo legal e não se mostrando a Pi sanada, informo V.Exa. que a mesma foi, nesta data, devolvida ao Serviço de Finanças acima identificado. Junto se devolvem também os talões das Taxas de Justiça.”

17. E, finalmente, de novo o TAF de Leiria, desta vez notificou serviço de Finanças de … de que a reclamação de créditos nº 2/2007 não foi recebida como se reproduz: “Para os devidos efeitos, comunico a V. Exª. que não foi recebida a Reclamação de Créditos acima identificada, pelos motivos expostos nas notificações cuja cópia se encontram junto à Pi remetida por esse serviço a este Tribunal, dado que findo o prazo legal esta não se mostra sanada. Nestes termos, remete-se a Reclamação de Créditos acima identificada, tendo o mandatário da Reclamante sido notificado deste ato, conforme cópia que se anexa.”

19. O 1º R. não renunciou ao mandato na execução referida em 4, nem a A. lhe revogou a procuração.


As instâncias avaliaram a factualidade provada em sentidos divergentes. A 1ª instância concluiu não ter o R. advogado desrespeitado os deveres de mandatário forense, enquanto a Relação, apreciando criticamente a sentença, decidiu em sentido contrário, nos termos que aqui se reproduzem:


“O facto ilícito que a Recorrente imputa ao Réu Dr. BB deriva de ter ele incumprido as notificações que lhe foram feitas pela administração fiscal para regularizar a reclamação de créditos, que por isso não foi atendida, levando a que Autora não visse reconhecido o seu crédito hipotecário.

Considerou a sentença, no entanto, que a matéria de facto apurada não permite imputar ao Réu qualquer omissão dos seus deveres de patrocínio, e não provado o requisito ilicitude, afastou desde logo a obrigação de indemnizar, fundamentando assim um tal entendimento:

“Perante estes factos, a questão crucial que se coloca é saber se o Réu demonstrou um desemprenho profissional descuidado, tendo sido por causa do réu que a reclamação de créditos mencionada não foi recebida pelo TAF de Leiria.

Ora, concorda-se com o entendimento de que, face à independência inerente ao exercício da profissão de advogado, para que uma sua conduta seja susceptível de gerar responsabilidade civil e obrigação de indemnizar o seu procedimento tenha de ser culposo, “no sentido de merecer censura deontológica, de constituir um indesculpável erro de ofício (…).

A segunda questão prende-se com o facto de inicialmente a recusa ter dois fundamentos, um dos quais a identificação do tribunal a que se dirigia encontrar-se incorreta, e a taxa de justiça estar errada; afirmando a própria Secretaria qual o montante correto.

Ora, encontrando-se a reclamação já pendente no tribunal correto, entende-se como normal que o réu não tenha junto novo articulado (sendo certo que poderia eventualmente vir a ser considerado intempestivo), no intuito de manter os efeitos do primeiro que apresentara. Assim, remeteu o réu ao TAF a taxa de justiça indicada. Após, a própria secretaria do TAF voltou a recusar a PI, afirmando ter havido lapso na indicação que efetuou da taxa de justiça devida, e acrescentando um novo fundamento: não se encontrarem os documentos juntos identificados.

Liquidou o réu a taxa de justiça indicada.

Ora, entendemos, em primeiro lugar, ser questionável a recusa efectuada pela secretaria da PI apresentada pelo réu, após liquidação da taxa de justiça efetivamente devida, por duas ordens de razões: em primeiro lugar, podendo encontrar-se ultrapassada a questão da indicação errónea do tribunal, uma vez que dera já entrada no tribunal correto. Por outro lado, a falta de indicação inicial da falha na não identificação dos documentos.

A jurisprudência proferida pelos tribunais superiores a propósito da recusa de articulados iniciais tem sido sempre no sentido do maior aproveitamento possível dos mesmos.

Assim, se alguma falha haverá a apontar ao autor será, eventualmente, a de não ter deduzido reclamação da recusa.

Porém, não foi notificado pela secretaria para o efeito.

Não se vê, assim, que da factualidade apurada se possa extrair ter o réu, enquanto advogado, incorrido em erro indesculpável, gerador de responsabilidade civil. Na verdade, segundo os elementos que tinha na sua posse, é compreensível que o réu tenha pensado encontrar-se regularizada a situação através do pagamento da taxa de justiça devida.”

Não acompanhamos a sentença nesta parte.

Conforme resulta da matéria de facto provada, o requerimento de reclamação de créditos apresentado no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria foi recusado inicialmente por i) estar endereçada a outro tribunal ou autoridade; e, ii) a taxa de justiça sido liquidada por valor insuficiente (nº 11 da matéria de facto);

Suprida a insuficiência da taxa de justiça, foi o Réu notificado em 02 de Junho de 2008, que “sem prejuízo do disposto no art. 476º do CPCivil, a petição de reclamação de créditos é recusada por estar endereçada a “outro tribunal ou autoridade” e “não identificar os elementos que acompanham a petição.”

Esta notificação, ao ressalvar o disposto no art. 476º do CPC, dava ao Réu a possibilidade de apresentar nova petição corrigida, o que o Réu não fez, motivo por que, em 06.11.2008, o TAF de Leiria recusou definitivamente a reclamação de créditos, remetendo-a ao Serviço de Finanças (nº 16).

Não se pode deixar de reconhecer que o Réu não agiu com a diligência que lhe era exigível, pois, ou aceitava a posição do TAF e apresentava uma nova petição, ou reclamava e/ou recorria daquele despacho.

Não fez uma coisa nem outra, o que teve como consequência que a reclamação de créditos não tenha sido aceite e a Recorrente não tenha visto reconhecido o seu crédito hipotecário na execução que corria termos no TAF de Leiria.

Agiu o Réu de forma ilícita e culposa, por contrária ao que seria de esperar de um mandatário cuidadoso e diligente (…)”. [negritos nossos]


   O juízo da Relação não merece censura. Tendo sido provado que “De novo em 2 de Junho de 2008 o TAF de Leiria notificou o R. do seguinte: “Sem prejuízo do disposto no art. 476 CPC, fica notificado, na qualidade de mandatário (a) que a Pi remetida pelo Serviço de Finanças acima identificado, foi recusada em conformidade arts. 2 CPPT e 474, al. a) do CPC e ainda art. 78, nº 2 al. m), ex-vi art. 80, nº 1, al. c) do CPTA, ie: a) Esteja endereçada a outro Tribunal ou autoridade; m) Identificar os documentos que acompanham a petição.” (facto 15), sem que o 1º R. tivesse apresentado nova petição corrigida como previsto no art. 476º do CPC (antigo) ou tivesse reclamado/recorrido da decisão de recusa da p.i., verifica-se uma violação dos deveres de diligência a que, enquanto mandatário da A., aquele R. se encontrava adstrito. Violação que, por aplicação do regime do art. 799º, nº 1, do CC, se presume culposa.

  Conclui-se, assim, pela verificação da conduta ilícita e culposa do 1º R.


9. Quanto à questão da falta de prova do dano suportado pela A. entende-se necessário começar por referir que o acórdão recorrido a enquadrou na perspectiva da perda de oportunidade (chance), traduzida num dano aferível pela probabilidade séria e real de a A. vir a obter a satisfação total ou parcial do crédito não reclamado. A respeito da problemática da reparabilidade do dano de perda de chance, considere-se a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 30/11/2017 (proc. nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt, proferido na mesma secção do presente acórdão:


“Tal entendimento [da admissibilidade do dano de perda de chance] encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Sobre a perda de chance na jurisprudência portuguesa, Paulo Mota Pinto [1 Artigo doutrinário intitulado Perda de chance processual, in RLJ Ano 145.º, Março-Abril de 2016, pp. 174 e segs. (186 e segs.).], dando uma panorâmica da evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça desde 2009 [2 Acórdão do STJ, de 22/10/2009, relatado pelo Juiz Cons. João Bernardo, no processo n.º 409/09. 4YFLSB, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj], refere que:

«A partir de 2012 e de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça passou (…) a aceitar o ressarcimento da perda de chance processual, atribuindo ao lesado uma indemnização mesmo em casos em que não conseguiu determinar a probabilidade de vencimento, fazendo uma avaliação equitativo do dano.»

E conclui que:

«A orientação dominante na nossa jurisprudência em matéria de chance processual passou, pois, a ser hoje da de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” (na expressão do acórdão do STJ de 29 de Abril de 2010 [3 Acórdão do STJ, de 29/04/2010, relatado pelo Juiz Cons. Sebastião Póvoas, no processo n.º 2622/ 07.0TBPNF.P1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj] que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida

Com efeito, não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados [4 Vide a este propósito, o acórdão do STJ, de 09/07/2015, relatado pelo aqui relator, no processo n.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj].

Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo. 

É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspetiva do resultado final para que tende.

Ora, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.    

Nesse conspecto, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo” [5 A este propósito, vide comentário do Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, in Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, pag. 98-99, citado no acórdão indicado na nota precedente].

Problemático será saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respetivo resultado final.

De qualquer modo, como se referiu no acórdão indicada na nota 1, afigura-se que, “traduzindo-se a perda de chance em situações ainda incipientes na nossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas na doutrina nem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são as situações dos lucros cessantes e dos danos futuros, para mais de ocorrência multifacetada, um método de análise que parta de uma definição dogmática de dano para a ela depois subsumir o caso concreto, não será, porventura, o método mais seguro, podendo mesmo mostrar-se redutor. Ao invés, uma metodologia que procure seguir uma pista mais casuística de modo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre a probabilidade suficiente para o reconhecimento da ressarcibilidade do dano pode ser mais promissora.”

Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.

Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.

De resto, mesmo a jurisprudência do STJ admite a relevância de situações muito pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Esta ressalva mais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir.

Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.

Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.

No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o 1.º R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano. 

Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir.

A determinação da perda de chance processual por via do julgamento dentro do julgamento encontra-se bem espelhada, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14/03/2013, proferido no processo n.º 78/09.5TVLSB.L1.S1 e de 30/09/2014, proferido no processo n.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1 [6 Todos estes arestos estão citados no artigo doutrinário acima referido de Paulo Mota Pinto, tendo sido relatados, respetivamente, pelos Juízes Conselheiros Hélder Roque, Maria dos Prazeres Beleza e Mário Mendes, acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj].

Mas tal apreciação inscrever-se-á, enquanto tal, nuclearmente, numa questão de facto que extravasa os fundamentos do recurso de revista [7 Neste sentido, vide Paulo Mota Pinto, artigo citado p. 190], embora se admita que possa, porventura, envolver erros de direito sobre a apreciação da prova ou em sede do quadro normativo aplicável, estes sim passíveis de serem sindicáveis em sede de revista.

O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).” [negritos nossos]


Acolhendo essencialmente esta orientação – e independentemente da qualificação ou não da determinação da chance processual como questão de facto (que não se afigura ser comum a toda a jurisprudência deste Supremo Tribunal) – ponderemos a sua aplicação ao caso dos autos.

Relevam os seguintes factos provados:

18. O imóvel dado de garantia à A. veio a ser vendido e a A. não recebeu qualquer montante pecuniário através da execução hipotecária e posteriormente da reclamação de créditos hipotecária.

20. No âmbito da execução fiscal referida, a A., representada no ato pelo 1º réu, apresentou proposta de aquisição do imóvel em causa nos autos pelo valor de € 85.000,00 (fls. 285), a proposta mais elevada, tendo-lhe o imóvel sido adjudicado, após pagamento do preço, € 85.000,00, e liquidação do imposto de selo no valor de € 690,00, em 4.8.2008 (fls. 289). [alterado pela Relação]

21. Nessa execução, foram graduados os créditos exequendo e reclamados, figurando em 1º lugar o crédito por dívida de IMI, no valor de € 773,41 (fls. 290-293 e 295).

22. Por escritura pública outorgada em 18.9.2008, a autora declarou vender a GG e mulher, HH, o prédio em causa nos autos, pelo valor de € 100.100,00, livre de ónus ou encargos.

41. A execução nº 46/04.TBCDR veio a ser extinta por inexistência de bens penhoráveis. [facto dado como provado pela Relação]


Consideremos a fundamentação do acórdão da Relação a este respeito:


“Agiu o Réu de forma ilícita e culposa, por contrária ao que seria de esperar de um mandatário cuidadoso e diligente, importando agora ver se estão preenchidos os demais pressupostos da responsabilidade civil, a saber, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Considerou a sentença que a acção sempre teria de naufragar, uma vez que:

“… a autora era credora da sociedade executada do montante de € 224.878,95, e tinha o crédito garantido com uma hipoteca sobre o imóvel até ao montante máximo de cerca de € 200.000 (fls. 67). Sucede que a própria autora solicitou a adjudicação do imóvel por € 85.000,00, resultando ter considerado ser este o seu valor, tendo-o posteriormente vendido por € 100.100 – ou seja, valor muito inferior ao peticionado nos autos. Por outro lado, ignora-se que graduação de créditos seria efetuada, caso a da autora tivesse sido apreciada, decorrendo da sentença de graduação proferida que pelo menos um crédito (o relativo a IMI) ficaria à frente do crédito hipotecário, nos termos legalmente aplicáveis. Tendo ocorrido, ao longo dos anos, várias alterações aos privilégios dos créditos do Estado e da Segurança Social, seria fator igualmente a ter em conta na sentença. Desta feita, nunca poderíamos concluir que, caso a reclamação de créditos da autora em causa nos autos tivesse sido apreciada, este teria visto satisfeito o seu crédito sobre a executada.”

Também neste particular não podemos acompanhar a sentença.

A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do art. 563º do CC.

É a chamada teoria da causalidade adequada, que o Prof. Galvão Telles formulou nos seguintes termos:

“Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção de certo resultado, havendo fortes probabilidades de o originar” (Manual do Direito das Obrigações).

No que tange à perda de chance, que consubstancia a perda da possibilidade de obter um resultado favorável, quando referida à perda de oportunidade de ganhar uma acção judicial, só haverá lugar a indemnização se a probabilidade de ganho for muito elevada (Acórdão do STJ de 14.03.2013 supra referido).

No caso que nos ocupa, por acto imputável ao Recorrido, a Recorrente não fez valer o seu crédito hipotecário numa execução em que se encontrava penhorado o bem hipotecado.

Como se sabe, a hipoteca é um direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – art. 686º do CC.

O credor hipotecário será, em princípio, aquele que obterá em primeira linha a satisfação do seu crédito pelo produto da venda do bem objecto da garantia (Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2ª edição, pag. 229).

No caso vertente, e como se vê da sentença de graduação de créditos proferida no âmbito do P. nº 577/08.2BELRA do TAF de Leiria, apenas o crédito por IMI seria pago com preferência ao crédito da Recorrente, o que significa que com grande probabilidade veria satisfeito, pelo menos em parte, o seu crédito, o que basta para reconhecer à Autora o direito a ser indemnizada pelo dano patrimonial que a conduta do Réu lhe causou.

E ao contrário do entendido pela sentença, a Autora sofreu um prejuízo patrimonial, pois viu-se obrigada a adquirir o imóvel pelo valor de €85.000,00, enquanto, como credora hipotecária, receberia parte substancial do produto da venda do imóvel.

Resta saber qual o valor da indemnização a atribuir à Autora.

Não pode ser no valor peticionado, nem na importância de €85.000,00. É que pelo produto da venda haveria que deduzir as custas da execução, que saem precípuas, e o crédito de IMI no valor de €772,71. Sendo desconhecido o montante das custas, não é possível liquidar desde já a indemnização, pelo que se profere condenação genérica, nos termos do nº 2 do art. 609º do CPCivil.

A responsabilidade da Companhia de Seguros EE – Seguros Gerais SA, que por contrato de seguro que celebrou com a Ordem dos Advogados, assumiu a responsabilidade civil dos advogados pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiro por dolo ou negligência, é responsável com o Réu Dr. BB, perante a Autora, salvo quanto à importância de €5.000,00, valor da franquia, que neste valor cabe em exclusivo ao segurado.” [negritos nossos]


Sabendo-se que o credor hipotecário teria direito a ver satisfeito o seu crédito pelo produto da venda do bem objecto da garantia, com preferência sobre os demais credores (salvo quanto ao crédito de IMI, assistido de privilégio creditório), não merece censura o juízo da Relação segundo o qual a A., “com grande probabilidade veria satisfeito, pelo menos em parte, o seu crédito” pelo que, no caso, se pode concluir pela verificação do dano de perda de chance processual.

Não procede aqui o argumento aduzido pela Recorrente de que o dano da A. não estaria provado por lhe ser possível demandar os fiadores do crédito hipotecário. Com efeito, o que está em causa na avaliação do dano de perda de chance processual é tão só a verificação da probabilidade de sucesso naquele processo concreto que, neste caso, foi tida como elevada. Tanto basta para dar como provada a existência de dano.

No que se refere ao quantum indemnizatório, tendo a Relação julgado procedente a impugnação da matéria de facto (dando como provado que, no âmbito da execução fiscal, o imóvel dos autos foi adjudicado à A. mediante pagamento da quantia de € 85.000,00, a título de preço - facto 20), aceita-se também como correcto o juízo da Relação no sentido de o dano corresponder a esse valor, deduzido do crédito de IMI, no montante de € 772,71, e das custas da execução.

Conclui-se estar provada a verificação do dano de perda de chance processual da A., assim como do nexo de causalidade entre a conduta do 1º R. e tal dano, devendo o quantum indemnizatório ser fixado em incidente de liquidação, dentro dos parâmetros fixados pela Relação.


10. Concluindo-se pela responsabilidade do 1º R. cabe, conforme apreciado no ponto 6 do presente acórdão, determinar a remessa dos autos à Relação, para, após eventual cumprimento do preceituado no nº 3, do art. 665º, do CPC, ser suprida a nulidade do acórdão recorrido, conhecendo-se da questão da exclusão dos factos dos autos da cobertura do seguro de grupo celebrado entre a EE e a Ordem dos Advogados, que ficara prejudicada pela decisão dada ao litígio pela sentença, assim como das demais consequências que tal venha a ter no processo.


11. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a) Mandar baixar os autos à Relação, para, se possível pelos mesmos Juízes Desembargadores, e após eventual cumprimento do preceituado no nº 3, do art. 665º, do Código de Processo Civil, ser suprida a nulidade do acórdão recorrido, conhecendo-se da questão da exclusão dos factos dos autos da cobertura do seguro de grupo celebrado entre a EE e a Ordem dos Advogados, que ficara prejudicada pela decisão dada ao litígio pela sentença, assim como das demais consequências que tal venha a ter no processo;

b) No mais, manter a decisão do acórdão recorrido.


Custas na acção e nos recursos a final.


Lisboa, 17 de Maio de 2018


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho