Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0554
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: FIRMA
PRINCÍPIO DA NOVIDADE
Nº do Documento: SJ200903250005542
Apenso:
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

1.O critério de distinção entre firmas, em qualquer dessas modalidades, radica-se, fundamentalmente, na eventualidade de indução em confusão ou erro.
2. Haverá susceptibilidade de confusão ou erro sempre que se verifique uma situação em que um sinal seja tomado por outro, o que implica que uma sociedade seja tomada por outra.
3. Haverá também susceptibilidade de confusão ou erro quando o público possa considerar que há identidade entre as realidades que os sinais visam distinguir ou que existe uma relação entre essas realidades - por exemplo, a existência e uma relação de grupo entre duas sociedades, quando tal relação não exista – podendo, assim, haver um beneficio do prestigio e crédito de uma por outra,
4. Firmas completamente distintas são, pois, firmas que não são idênticas, nem por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 04.07.15, no Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes – 2º Juízo – Fábrica de Moagens do Marco SA interpôs recurso de decisão do director geral dos Registos e do Notariado que manteve um despacho de 04.04.19, em que foi indeferido um pedido de certificado de admissibilidade para efeitos de alteração da sua denominação, no qual requeria, por ordem de preferência, uma das seguintes denominações: ALIMENTAÇÃO ANIMAL – NANTA SA; ALIMENTAÇÃO ANIMAL – NANTA PORTUGAL SA; FEED NANTA PORTUGAL SA.
O fundamento do indeferimento foi a confundibilidade das denominações pretendidas com a preexistente NANTA – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS Limitada, e ainda por a terceira denominação não dar a conhecer quanto ao possível objecto.

Em 06.11.13, foi proferida sentença, em que se julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida.

Inconformado, a requerente apelou, sem êxito, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 08.09.23, confirmado a decisão recorrida.

Novamente inconformada, a requerente deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Não houve contra alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única questão proposta para resolução consiste em determinar se qualquer das firmas-denomminação que a recorrente pretende serem admitidas se confunde com a firma-denominação preexistente.


Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
1. A recorrente apresentou no Registo Nacional de Pessoas Colectivas o pedido de certificado de admissibilidade de firma nº373895 para as seguintes firmas-denominação:ALIMENTAÇÃO ANIMAL NANTA SA, ALIMENTAÇÃO ANIMAL NANTA PORTUGAL, SA; FEED NANTA PORTUGAL, SA
2. Tal pedido veio a ser indeferido, invocando-se a sua confundibilidade com "NANTA- Investimentos Imobiliários,Lda".
3. Inconformada com tal entendimento a recorrente interpôs recurso hierárquico, tendo o Senhor Director-Geral dos Registos e do Notariado confirmado a decisão recorrida.
4.Dessa decisão interpôs a recorrente o presente recurso contencioso.
5. As aludidas firmas-denominação possuem um elemento comum: NANTA.
6. As sociedades Recorrente e "NANTA - Investimentos Imobiliários, Lda." têm objectos distintos: alimentação animal, quanto à recorrente, investimentos imobiliários, quanto à "NANTA - Investimentos Imobiliários, Lda.";
O CAE da Recorrente é o 15710, correspondente a fabricação de alimentos para animais de criação e o CAE da "NANTA _
7 . Investimentos Imobiliários, Lda." é o 70320, correspondente a administração de imóveis por conta de outrem.
8. A Recorrente exerce uma actividade industrial de produção de alimentação animal e a "NANTA - Investimentos Imobiliários, Lda." exerce uma actividade de prestação de serviços de administração de imóveis por conta de outrem.
9. A palavra NANTA que a Recorrente pretende usar na sua firma é uma sigla proveniente das iniciais da firma espanhola “Nueva Asociación para Nutrición y Técnicas Alimentícias, SÁ”, que posteriormente veio a registar não só como firma NANTA, S.A., mas também como marca NANTA (para rações compostas para gado e ganadarias), registo de marca este também solicitado para Portugal - Marca Registada
sob o nº225625, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
10. Este registo de marca a favor da sociedade espanhola NANTA SA, que pertence ao grupo internacional “NUTRECO”, a que também pertence a recorrente, levou a que esta a venha a utilizar há anos nas rações que fabrica e comercializa.
11. As sedes de ambas as sociedades são em locais distintos: no Marco de Canavezes, no caso da recorrente; e em Lisboa, no caso da NANTA – Investimentos Imobiliários Limitada.

Os factos, o direito e o recurso

No acórdão recorrido entendeu-se que, apesar de as firmas apresentadas pela recorrente respeitarem a ramos de comércio diferentes da firma preexistente, eram confundíveis com esta porque o elemento dominante em todas elas – o vocábulo NANTA – fazia com que, mesmo para uma pessoa medianamente sagaz, a distinção económico-juridica – a inexistência de uma relação de grupo – se tornava difícil.

A recorrente entende que as firmas não são confundíveis, atendendo ao seu todo, ao facto de as denominações se referirem a actividades totalmente distintas e sem qualquer actividade, ao facto de terem um público consumidor especializado, ao facto de a marca e firma NANTA estar registada em Espanha e ao facto de a firma preexistente respeitar a uma sociedade por quotas e as firmas que se pretende serem admitidas respeitarem a uma sociedade anónima.
Cremos tem razão.

Firma é o nome sob o qual o comerciante exerce o seu comércio e que, portanto, o individualiza e designa nas suas relações mercantis.
Dentro da figura geral de firma, pode-se distinguir duas categorias, ambas com o mesmo tratamento jurídico.
A firma “strito sensu”, firma nome ou firma pessoal, que não podia deixar de existir com nomes de pessoas, embora o comerciante possa aditar a espécie de comércio que exerça.
A firma-denominação, que não podia deixar de mencionar o objecto do comércio, muito embora pudesse conter nomes de pessoas.

A actual disciplina do licenciamento das firmas e denominações, incluindo os princípios gerais a que deve obedecer a respectiva composição da inscrição no ficheiro central das pessoas colectivas, consta do Decreto Lei 129/98, de 13.05, o qual revogou, entre outros, o Decreto Lei 42/89, de 03.02.
O disposto no artigo 10º do Código das Sociedades Comerciais, relativamente à firma das sociedades comerciais, continua a ser aplicável como direito especial, expressamente ressalvado pelo artigo 37º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, anexo ao citado Decreto Lei 129/98.
Em tais normativos procuraremos, pois, os critéros para a formulação de um juízo sobre a novidade, a retirar dos diversos índices descritos e enunciados nas normas a seguir transcritas.

Nos termos do nº1 do artigo 33º daquele Decreto Lei 129/98 “as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade (…)”.
O nos termos do nº2 do mesmo artigo “os juízos sobre a distinção ou a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas”.
Por outro lado, nos termos do nº2 do artigo 10º do Código das Sociedades Comerciais “quando a firma da sociedade for constituída exclusivamente por nomes ou firmas de todos ou alguns sócios deve ser completamente distinta das que já se acharem registadas
E no termo do nº3 do mesmo artigo “a firma da sociedade constituída por denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro, e deve dar a conhecer quanto possível o objecto da sociedade”.

Consagra-se, pois, o principio do exclusivismo ou da novidade, que impõe que a firma de cada comerciante seja distinta da dos outros comerciantes, assegurando-se assim a respectiva função distintiva, que consiste em individualizar ou distinguir o comerciante no exercício do seu comércio dos demais comerciantes.

Em relação à firma-nome, tal princípio reflecte-se no facto de a firma dever ser completamente distinta das que já se acharem registadas.
Em relação à firma-denominação, a reflexão reflecte-se no facto de a firma não poder ser idêntica à firma registada de outra sociedade ou por tal forma semelhante que posa induzir em erro.
A distinção entre esta duas modalidades de firmas não tem, no entanto, qualquer consequência prática.
Partindo-se, num caso, da firma em si e noutro, da reacção de terceiros, o certo é que o significado é o mesmo.

Na verdade, o critério de distinção entre firmas, em qualquer dessas modalidades, radica-se, fundamentalmente, na eventualidade de indução em confusão ou erro.
Haverá susceptibilidade de confusão ou erro sempre que se verifique uma situação em que um sinal seja tomado por outro, o que implica que uma sociedade seja tomada por outra.
Haverá também susceptibilidade de confusão ou erro quando o público possa considerar que há identidade entre as realidades que os sinais visam distinguir ou que existe uma relação entre essas realidades - por exemplo, a existência e uma relação de grupo entre duas sociedades, quando tal relação não exista – podendo, assim, haver um beneficio do prestigio e crédito de uma por outra,
Firmas completamente distintas são, pois, firmas que não são idênticas, nem por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão.

Para haver essa semelhança necessário é que a firma tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o público, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
A comparação que define a semelhança verifica-se, pois, entre um sinal e a memória que se possa ter de outro.
É que o cidadão médio – que não é um técnico do sector - quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento.
A comparação que entre eles pode fazer não é, assim, simultânea, mas sucessiva.

Na apreciação do risco de confusão há que ter em atenção a força distintiva dos sinais em causa, pois os sinais fortes estão, por natureza, especialmente vocacionados para perdurarem na memória do público.
Há que ter em conta também que os sinais distintivos devem ser contemplados numa visão de conjunto, sendo irrelevantes os respectivos elementos não distintivos.

Para haver imitação não é necessária a semelhança entre todos os elementos do sinal.
O que conta sobretudo é a impressão de conjunto, pois é ela que sensibiliza o público.
Desta forma, podem os vários elementos do sinal serem diferentes e no entanto, considerados em conjunto, induzirem em erro ou confusão.
Pode até haver apenas um elemento comum entre os sinais, mas esse elemento ser de tal forma predominante que dê lugar a confusão.
Quando existe o mesmo elemento preponderante, as firmas não só não são completamente distintas, como são completamente idênticas.

Ora, voltando ao caso concreto em apreço e com todo o respeito pelo entendimento contrário, não temos dúvidas em afirmar que as firmas-denominação ALIMENTAÇÃO ANIMAL – NANTA SA; ALIMENTAÇÃO ANIMAL – NANTA PORTUGAL SA; FEED NANTA PORTUGAL SA., que a recorrente pretende utilizar não são confundíveis com a firma-denominação NANTA – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS Limitada já admitida.

É evidente a identidade gráfica e fonética existente entre as denominações no que respeita ao sinal mais forte, ou seja, NANTA.
Na memória de um cidadão médio esse sinal, existente em ambas as denominações, não se distingue.
Mas existem outros sinais que, embora mais fracos, têm suficiente força para, apreciados em conjunto com aquele, permitem a esse cidadão essa distinção:
- “Alimentação Animal”
- “Portugal
- “Feed
- “Investimento Imobiliários”.
Na verdade, aquele sinal forte não pode ser desligado destes sinais mais fracos.
Será que a existência daquele sinal apaga os outros na memória de um cidadão médio?
Entendemos que não.

Trata-se, no caso das expressões “Alimentação Animal” e “Investimentos Imobiliários”, de expressões que numa visão de conjunto, se ligam manifestamente ao elemento preponderante atrás referido, em termos de poderem perdurar na memória de um cidadão médio.
E quanto à expressão “Feed”, não se pode deixar de considerar que praticamente está unida ao elemento preponderante, não podendo subsistir sem ele e vice-versa
Sendo assim, aquele cidadão médio, ao deparar-se com o conjunto de sinais constituído por cada um desses vocábulos, tinha possibilidade de, apelando à sua memória, fazer a distinção entre eles.
Ou seja, a impressão de conjunto que se retira do conteúdo global das denominações em confronto não cria qualquer confusão entre elas.

Acresce que não existe qualquer afinidade ou proximidade das actividades das sociedades em causa, sendo certo que quanto maior fossem essas afinidades, maior seria o perigo de confusão entra elas.
A recorrente exerce a actividade industrial de produção de alimentação animal e a “Nanta – Investimentos Imobiliários” a actividade de prestação de serviços de imóveis por conta de outrem.
Por aqui não há, pois qualquer possibilidade de confusão entre as firmas.
Ou seja, não há possibilidade de um homem medianamente diligente e informado, pretender a prestação de serviços de administração de imóveis se dirigir à recorrente, que apenas produz alimentação para animais.

Finalmente, o facto de a sede das sociedades em causa se situarem em cidades diferente e distanciadas por centenas de quilómetros, é elemento que indicia que um cidadão médio as pode diferenciar.
Na verdade e embora se saiba que as sociedades comerciais têm o direito de exercer a sua actividade comercial em todo o território nacional – cfr. artigo 37º do citado Decreto Lei 129/98 - o certo é que, consagrado que está no transcrito nº2 do artigo 33º deste Decreto Lei como elemento coadjuvante para o juízo sobre a distinção e da não susceptibilidade de confusão ou erro o âmbito territorial das sociedades, temos como relevante a localização da sede como elemento coadjuvante para distinguir as firmas.
Parece-nos evidente que para um cidadão médio uma firma localizada em Lisboa é diferente de uma firma localizada no Marco de Canavezes.
A não ser que se esteja perante filiais, o que não está demonstrado.

Assim e sem necessidade de mais considerações, entendemos ser de deferir o pedido de admissão da firma pretendida.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em conceder provimento à revista e, assim, em revogar o acórdão recorrido, admitindo-se ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) o firma “Alimentação Animal Nanta, SA”.
Sem custas.




Lisboa, 25 de Março de 2009


Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues