Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3747/13.8T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CASO JULGADO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
INFILTRAÇÕES
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
NEXO DE CAUSALIDADE
CASO JULGADO MATERIAL
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / NULIDADES DOS ATOS / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / RECONVENÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93.
-Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, p. 38, 39, 43, 44, 50 a 52;
-Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª Edição, 2008, p. 354;
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 304 a 306;
-Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª Edição, 1987, p. 204;
-Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572, 578 e 579.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 1, 186.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A) E B), 278.º, ALÍNEA B), 577.º, ALÍNEA B), 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 3 A 5 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 573.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-12-2007, PROCESSO N.º 07A3739;
- DE 06-03-2008, PROCESSO N.º 08B402;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 644/08.2TBVFR.P1.S1;
- DE 20-06-2012, PROCESSO N.º 241/07.0TLSB.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :   
I. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. 

II. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”

III. No caso em que, como na presente causa:

- a pretensão tem por objeto a condenação dos réus a pagar à autora indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de infiltrações de águas pluviais provocadas pelo desvio de uma canalização;

- quando, no âmbito de ação anterior - instaurada pela mesma autora contra os mesmos réus –, na qual se pedia a reparação da dita canalização e dos danos provocados por tais infiltrações, foi essa ação julgada improcedente, conforme decisão já transitada, por não se ter provado o nexo de causalidade entre o dito desvio da canalização e as alegadas infiltrações,

verifica-se o efeito de autoridade de caso julgado material de tal decisão absolutória do pedido, o qual é substantivamente impeditivo do reconhecimento dos direitos de indemnização peticionados na presente ação.

IV. Com efeito, a decisão absolutória do pedido proferida na ação anterior traduz-se em decisão de questão fundamental que constitui precedente lógico indiscutível das peticionadas extensões indemnizatórias do anteriormente invocado e negado direito à reparação da canalização e dos danos provocados na fração da autora.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em 11/02/2013, contra o Condomínio do Prédio Urbano sito na .... (1.º R) e BB (2.ª R.), alegando, no essencial, que:

. A A. é proprietária da fração autónoma correspondente ao 5.º andar esquerdo do prédio urbano sito …, n.º …, na …, Amadora;

. Por sua vez, a 2.ª R. é proprietária da fração localizada no último piso, correspondente ao 6.º andar direito, do mesmo prédio, constituída em atelier, mas que a aquela R. utiliza como sua habitação; 

. Em 1997, a 2.ª R. efetuou diversas obras na respetiva fração, nomeadamente a alteração das casas de banho e a construção de cozinha e de uma segunda instalação sanitária, estendendo aquela fração a espaço dantes ocupado pelos terraços existentes em parte comum;  

. A mesma R., com a ajuda e autorização da administração do condomínio (1.º R.), desviou o algeroz das águas pluviais do lado direito para o lado esquerdo, alterando os terraços;

. Por via disso, pelo menos desde 1997, a canalização de escoamento das águas da fração da 2.ª R. (6.º andar direito) ficou ligada à canalização e varanda da fração do 6.º andar esquerdo correspondente à “casa da porteira”, que é parte comum;

. Tais obras foram realizadas sem que a 2.ª R. tivesse obtido licença para tal:

. A referida alteração da canalização de escoamento das águas pluviais tem causado quer inundações nas áreas comuns, quer infiltrações abundantes na fração da A., de forma continuada e que se agravam de ano para ano;

. Dessas infiltrações tem resultado, na fração da A., a destruição do tecto, das paredes, das portas, do guarda-fato e do chão do quarto e do resto da casa, bem como dos móveis da cozinha;

. O mau estado da sobredita cozinha derivada daquelas infiltrações impede a A. de ali permanecer por muito tempo e nela confecionar as suas refeições, seja por causa do frio e da humidade, seja pelo risco de derrocada;              

. Em virtude da situação acima descrita, a A. encontra-se doente há anos, devido a problemas respiratórios e do foro nervoso;

. Pelo menos desde 13/04/2009, existe decisão final proferida no processo n.º 303/2007 instaurado na Câmara Municipal da Amadora no sentido de a 2.ª R. demolir a construção ilegal realizada na respetiva fração, mas esta R. nunca repôs a situação anteriormente existente;

. Por seu lado, o 1.º R. nada fez para evitar as referidas infiltrações ou reparar os seus efeitos;

. Assim, são ambos os R.R. solidariamente responsáveis pelas infiltrações verificadas na fração da A. e pelos danos patrimoniais delas decorrentes, em montante a liquidar ulteriormente;     

. A par disso, tem a A. direito a indemnização por danos não patrimoniais, devidos a todo o transtorno, receio, ansiedade, nervosismo, insónias, etc., por ela sofridos ao longo de, pelo menos, quinze anos, a fixar em montante não inferior a € 20.000,00.

  Concluiu a A. a pedir que os R.R. fossem condenados:

i) – a pagar-lhe a quantia que se viesse a liquidação para efeitos de execução de sentença, a título de reparação dos danos patrimoniais causados na sua fração;

ii) – a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, quantia não inferior a € 20.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação;

ii) – a localizar a origem das infiltrações, a remover as respetivas causas e a reparar os referidos danos na fração da A..

 2. A 2.ª R. BB apresentou contestação, em que, além de impugnar os factos alegados na petição inicial, invocou:

a) – Em primeira linha, a exceção perentória da prescrição do direito peticionado, ao abrigo do artigo 498.º, n.º 1, do CC, sustentando que:

     . Na versão da própria A., as alegadas obras que pretensamente causaram as ditas infiltrações na sua fração teriam ocorrido, segundo ela diz crer, em 1997, momento em que, portanto, a mesma teve conhecimento disso;

      . Assim, independentemente do conhecimento da extensão dos danos ou da sua continuação, atenta a data da propositura da presente ação, já decorreu o prazo de prescrição estabelecido no indicado artigo 498.º, n.º 1, do CC;

 b) – Em segundo plano, a exceção dilatória de caso julgado, considerando que:

 . O objeto da presente ação já foi decidido, por sentença transitada em julgado em 26/09/2005, no âmbito de uma ação declarativa instaurada pela ora A. contra os também aqui R.R., a qual correu termos no processo sumário n.º 4037/03.OPAMD do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Amadora, em que a causa de pedir ali alegada corresponde essencialmente à da presente causa – a realização das obras em 1997;

. Aquela ação foi então julgada improcedente por não se ter provado que as alegadas infiltrações derivassem das canalizações efetuadas nem que a eventual conduta da R. fosse causal das mesmas;

 . Não se tendo ali reconhecido o direito da A. à reparação dos danos patrimoniais, por parte da 2.ª R., a respetiva absolvição do pedido é extensiva aos demais danos que a mesma A. agora reclama.

        Nessa base, concluiu a 2.ª R. pela sua absolvição da instância com fundamento em exceção de caso julgado e, subsidiariamente, pela sua absolvição do pedido com fundamento na exceção de prescrição ou na própria improcedência da ação, pedindo ainda a condenação da A., como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 1.500,00, incluindo os honorários do mandatário.

 3. Por sua vez, o 1.º R., Condomínio do prédio sito na Avenida … n.º …, na Amadora, deduziu contestação, na qual, além de impugnar os factos alegados pela A., invocou também, em termos similares aos deduzidos pela 2.ª R.:

a) - A exceção de caso julgado, em face do decidido no processo n.º 4037/03.OPAMD;

b) – A exceção perentória prescrição do direito peticionado. 

Concluiu, assim, aquele R. pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, pela sua absolvição do pedido com fundamento na prescrição ou na própria improcedência da ação.

4. Respondendo as exceções deduzidas pelos R.R., a A. veio pugnar, no que aqui releva, pela sua improcedência, sustentando, em síntese, o seguinte:

. Embora a A. tivesse alegado que as obras, segundo crê, teriam ocorrido em 1997, nunca invocou que tivesse conhecimento delas ou dos seus efeitos naquela data;

. Não obstante isso, trata-se de uma ação ilícita continuada e de danos que se protelam no tempo, não se encontrando, por isso, alcançados pelas invocadas exceções de prescrição e de caso julgado.

5. Foi realizada audiência prévia em 29/05/2017, no decurso da qual, fixada o valor da ação em € 30.001,00, foi proferido o despacho saneador consignado a fls. 316/v.º-329, decidindo:

a) – julgar prescrito o direito que a A. pretendia fazer valer contra a 2.ª R. e, por via disso, prejudicadas as demais exceções contra esta invocadas;

b) – julgar verificada a exceção de caso julgado no que respeita aos dois primeiros pedidos e à parte final do terceiro pedido (reparação dos danos na fração da A.) formulados contra o 1.º R., absolvendo este de tais pedidos;

c) – julgar inepta a petição inicial quanto ao pedido de condenação na localização da origem das infiltrações e remoção das suas causas, absolvendo o 1.º R. da instância nessa parte.

 6. Inconformada com tal decisão, a A. veio interpor revista per saltum, formulando as seguintes conclusões:

   1.ª - Não se verifica a prescrição do direito da Recorrente.

  2.ª - Os factos constitutivos do direito da Recorrente não ocorreram em 1997.

  3.ª - A Recorrente alegou que julgava que a 2.ª R. fizera obras ilegais em 1997 e que desde essa data que a sua fração sofre de infiltrações;

  4.ª - A Recorrente nunca invocou o fim das mesmas, nem que delas conheceu, nem que conheceu ou conhece os efeitos das mesmas.

  5.ª - A Recorrente alegou que as infiltrações nunca cessaram;

  6.ª - As infiltrações e deterioração na fração e no recheio da Recorrente são atuais e ocorrem de forma continuada desde, pelo menos, 1997;

  7.ª - Após o trânsito em julgado da ação anteriormente intentada pela Recorrente continuam as infiltrações e danos na fracção da Recorrente.

  8.ª - A Recorrente depreende que tais infiltrações advenham das obras efetuadas pela 2.ª R. que alteraram o prédio, desconhecendo quais por não ter sido realizada a perícia requerida, vindo afetar a fração da Recorrente ou de irregularidades nas partes comuns, desconhecendo quais por não ter sido realizada a perícia requerida.

  9.ª - A Recorrente requereu a elaboração de perícia para aferição de alterações, deteriorações e análogos no prédio onde se encontra a sua fração, uma vez que pleiteia com apoio judiciário e não tem capacidades técnicas e financeiras para aferir por si ou ordenar elaboração de um relatório prévio para junção aquando da PI.

  10.ª - A Recorrente não tem competências técnicas para aferir da origem das infiltrações.

  11.ª - Não pode ser decidida a exceção de prescrição, sem a prévia realização da perícia requerida.

  12.ª - A Recorrente viu o seu direito a uma habitação condigna violado pelo facto da sua fração sofrer de infiltrações contínuas, desde, pelo menos, 1997, julgando serem decorrentes das obras ilícitas da 2.ª R., que provocaram danos permanentes e constantes no prédio, quer por rachas, excesso de águas, falta de escoamento de águas, desvio de águas, ou outros a aferir por perito, que são constantes e presentes, desconhecendo-as a Recorrente, ou decorrentes das partes comuns do edifício desconhecendo a Recorrente, na mesma medida, as causas e origem das infiltrações; porque desconhece é que veio a Recorrente demandar ambos os R.R.;

  14.ª - O direito da Recorrente não se encontra prescrito.

  15.ª - Este prescreveria no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e a extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o prazo a contar do facto danoso.

  16.ª - Mesmo que tivesse prescrito em relação aos factos alegadamente ilícitos produzidos, alegadamente, em 1997, e caso não se entendam como factos continuados, sempre os verificados desde 2010 e atento o facto da presente ação ter dado entrada em 2013, seriam sindicáveis.

 16.ª - Com relevância para a decisão da causa, o Acórdão proferido no processo 5108/08.1TBBRG.G1, do Tribunal da Relação de Guimarães refere que

   “Nas situações em que o lesado tem conhecimento do facto danoso (e, inerentemente, do direito que lhe compete) logo que o mesmo ocorre, começa de imediato a correr o prazo prescricional, caso o facto ilícito alegado tenha natureza instantânea.

   No entanto, se as omissões de que emerge a responsabilidade traduzem factos continuados e se prolongam no tempo, mantendo-se igualmente uma produção de danos, não sendo possível efectuar uma destrinça entre os diversos momentos temporais que desde tal altura ocorreram àqueles atinentes, o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva de todos os danos, uma vez que as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado.”

  17.ª - Também aqui os factos e os danos são continuados e, assim, o prazo de prescrição previsto no art.º 498.º do CC ainda não iniciou porque os factos e os danos deles decorrentes não cessaram até hoje;

  18.ª - Não se verifica a invocada exceção de prescrição, devendo a ação prosseguir;

  19.ª - Quanto ao caso julgado, a causa de pedir e o pedido nestes autos não são iguais aos da ação intentada em 2003 contra os aqui RR.

  20.ª - Em 2003 a causa de pedir cingia-se às obras ilegais da aqui 2.ª R. e a defeitos na canalização do prédio.

  21.ª - Na ação de 2003, peticionou a Recorrente a condenação do Condomínio a reparar a canalização do prédio e os danos na cozinha daquela.

 22.ª - Quanto à 2.a Ré, na ação de 2003, a Recorrente peticionou a regularização da fração daquela e reparação dos danos causados nas partes comuns do prédio.

  23.ª - Na ação proposta em 2003 apenas estavam em discussão os danos na cozinha da Recorrente.

  24.ª - Na presente ação, o que está em causa é a descoberta da origem dos danos existentes em toda a habitação da Recorrente;

  25.ª - Na presente ação, a Recorrente peticiona

  "Serem os RR condenados a pagar à A. a quantia que se vier a determinar em sede de execução de sentença para reparação dos danos patrimoniais causados na fração da A.;

  Serem os RR condenados em sede de danos não patrimoniais, em consequência dos danos na fracção, em valor nunca inferior a € 20000,00...;

 Serem os RR condenados na localização da origem das infiltrações, remoção das suas causas e reparação dos referidos danos na fração da A..."

 26.ª - Nos termos do artigo 580.º do CPC:

 "1 - As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado."

 27.ª - Nos termos do artigo 581.º do CPC

"1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

   2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

 28.ª - As partes são a única identidade das duas ações.

 29.ª – O n.º 3 do art. 581.º do CPC diz que

 “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.”

 30.ª - Nestes autos, a Recorrente não pretende a reparação de partes comuns ou legalizações de obras, como na 1.ª ação;

  31.ª - Na ação de 2003 apenas peticionou a reparação dos danos na sua cozinha.

  32.ª - A finalidade da exceção do caso julgado, de evitar que o Tribunal se coloque em alternativa de contradizer ou reproduzir ação anterior não é possível aqui uma vez que pela primeira e única vez pede a Recorrente a cessação das infiltrações e reparação dos danos em toda a sua fração;

  33.ª - Desconhece a Recorrente quais os factos que provocaram os danos cuja reparação foi peticionada em 2003 e se são os mesmos factos pelos quais se pede a reparação agora, porque nenhuma perícia foi autorizada.

  34.ª - Nunca, anteriormente, um Tribunal avaliou da responsabilidade por danos causados na totalidade da fração da Recorrente;

  35.ª - O critério formal assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação não se verifica aqui, nem a finalidade que se pretende acautelar pelo n.º 2 do art.º 580.º do CPC está posta em causa com a presente ação;

  36.ª - Entre a ação de 2003 e a presente não há identidade quanto aos pedidos e à causa de pedir.

 37.ª – O art.º 581.º, n.º 4, refere que

  “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico...”

  38.ª - Desconhece a Recorrente qual o facto jurídico de onde procede a sua atual pretensão - se das obras ilegais da 2.ª R. ou da falta de limpeza, falta de manutenção, danos, ou outra coisa qualquer, das partes comuns e da responsabilidade do 1.º R.;

  39.ª - Contrariamente ao constante do Despacho Saneador, a existência de facto ilícito pelos R.R. que originasse a sua responsabilidade pelos danos causados pelas infiltrações na fração da Recorrente, não é causa de pedir nas duas ações.

  40.ª - Nunca a Recorrente referiu comportamentos ilícitos e consequente responsabilidade por factos ilícitos por parte do R. Condomínio.

  41.ª - O Condomínio tem uma obrigação “propter rem”, de resultado, de vigiar o imóvel, decorrente do n.º 1 do art.º 493.º do CC que é uma obrigação em que a vinculação do sujeito passivo se dá em razão da titularidade de um determinado direito real.

 42.ª - A responsabilização do R. Condomínio resulta de uma obrigação “ex lege”, que é uma verdadeira obrigação aplicando-se em caso de incumprimento as regras do regime geral das obrigações.

  43.ª - O R. Condomínio tem a obrigação de ressarcir a Recorrente dos prejuízos por ela sofridos em consequência da omissão do dever de efetuar reparações necessárias e referentes às partes comuns do imóvel, aplicando-se as regras constantes da responsabilidade civil contratual, dada a violação de uma obrigação “propter rem”, à qual o condomínio se encontra vinculado - artigos 1430.º, 1436.º, alínea f), 562.º e ss, 798.º, 799.º, todos do CC;

 44.ª - Existe um " ... especial dever de vigilância” que impõe a inversão do ónus de prova, tanto mais que o faz recair sobre aquele que, pelas suas obrigações de vigilância e maior proximidade da canalização, melhor está preparado para descrever o que se passou”;

  45.ª – “Não sendo elidida essa presunção pela administração do condomínio, a quem compete zelar pelas condições das partes comuns do prédio, nomeadamente das tubagens de escoamento das águas comuns, é aquela responsável pelos danos causados numa das frações pela inundação resultante do entupimento dessas tubagens”, cfr. Acórdão do TRP proferido no processo n.º 5691/12. 7TBMAI.P1, de 16/12/2015.

  46.ª - O artigo 493.º do CC refere que "quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua".

  47.ª - O R. Condomínio tem o dever de vigilância sobre as partes comuns do edifício assente numa presunção de culpa.

  48.ª - A exceção do caso julgado é impossível se verificar porque os danos são continuados.

  49.ª - Na ação de 2003 não poderiam ter sido julgados fatos de 2003 a 2017;

  50.ª - Na presente ação, visa-se determinar factos e danos nunca antes invocados e julgados.

  51.ª - Deve ser declarada a não verificação da exceção do caso julgado e a acção prosseguir.

  52.ª - Quanto à ineptidão da PI o Tribunal “a quo” julgou o pedido de serem os RR condenados na localização da origem das infiltrações e remoção das suas causas, é este "substancialmente incompatível com a causa de pedir invocada" porque "... terá sempre que pressupor a existência da violação de um direito por parte dos Réus que, com a procedência das duas excepções ... ficou, neste caso, desprovido de conteúdo."

  53.ª - Tal exceção deve-se ter por não verificada;

  54.ª - A ação ao ser convolada num ação para a prática de ato deveria a Recorrente ter sido notificada para aperfeiçoar a PI;

 55.ª - Nesse sentido, o Acórdão TRE, no processo 60592/14. 4YIPRT.E1, de 17-11-2016, considerou que:

“1. No requerimento de injunção o requerente não está dispensado de indicar, ainda que sinteticamente, os factos integrantes da causa de pedir, com as limitações próprias do impresso-modelo.

 II Tendo em conta a forma sucinta de narração dos factos exigível ao requerente do procedimento de injunção, e tendo este identificado o contrato em causa, as obrigações dele decorrentes para as partes, os montantes em dívida, a data dos respectivos vencimentos e o período em questão, entende-se que a causa de pedir está suficientemente especificada no procedimento em causa.

  III. Verificando-se que tal factualidade, sendo suficiente para o procedimento de injunção, já não o é, convolado que foi tal procedimento em acção declarativa, constituindo agora esse requerimento um articulado deficiente, deve o juiz convidar a parte a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, e não indeferir liminarmente a petição."

  56.ª - Quando em resultado de uma alteração ou convolação, os factos constitutivos da causa de pedir deixaram de ser suficientes deve a parte ser convidada a aperfeiçoá-los.

  57.ª - O Tribunal a quo veio, ainda, erradamente dizer que:

  “(…) estamos perante um pedido que é substancialmente incompatível com a causa de pedir invocada, uma vez que terá que ser a A. a alegar factos ilícitos praticados pelos RR violadores do seu direito e não o contrário, o que não resultou alegado nomeadamente que os Réus tenham de alguma forma dissimulado a origem das alegadas infiltrações.”

 58.ª - Sendo a causa de pedir a matéria de facto alegada, nestes autos a causa de pedir é um facto ou factos, que desconhece ao certo, mas que sabe que provocou e provoca infiltrações e danos em toda a habitação da Recorrente;

  59.ª - A Recorrente só poderia saber objetivamente quais são os factos se tivesse sido admitido e feita a perícia requerida.

  60.ª - O pedido de “localização da origem das infiltrações e remoção das suas causas” é compatível com a causa de pedir.

  61.ª - O tribunal “a quo” decidiu que a Recorrente tinha que “alegar factos ilícitos praticados pelos RR violadores do seu direito e não o contrário”, o que não é verdade quanto ao Réu Condomínio.

  62.ª - Condomínio tem o dever de vigilância sobre as partes comuns do edifício e contra ele existe uma presunção de culpa.

  63.ª - O ónus da prova está invertido.

  64.ª - É o Condomínio que tem que invocar factos que o isentem de culpa quanto às infiltrações e danos da Recorrente.

  65.ª - A mera invocação das infiltrações e danos em toda a fracção da Recorrente, por parte desta, em relação ao Réu Condomínio basta para que a ação prossiga.

  66.ª - Deve este pedido prosseguir contra o Réu Condomínio.

  67.ª - Quanto à R., deveria o Tribunal “a quo” notificar a Recorrente para aperfeiçoar a PI.  

      Pede a Recorrente que se revogue a decisão recorrida e se ordene o prosseguimento do processo.        

 7. Só o 1.º R. apresentou contra-alegações, em que começa por questionar a vastidão das conclusões recursórias, pedindo que a Recorrente seja convidada a sintetizá-las, pugnando, no mais, pela confirmação do julgado, ainda que, subsidiariamente, deduza a ampliação do objeto do recurso, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.a - Tendo os factos alegadamente ilícitos ocorridos em 1997 e inexistindo qualquer facto interruptivo do prazo de prescrição, em 12/02/2013, data em que foi instaurada a presente ação, estava consumado o prazo de prescrição de três anos, nos termos do n.º 1 do art.º 498.º do CC;

2.ª - O pedido de “serem os RR condenados a pagar à A. a quantia que se vier a determinar em sede de execução de sentença para reparação dos danos patrimoniais causados na fração da A”, embora novo, é uma substituição do pedido de «reparação» deduzido na acção anterior;

3.ª - Mesmo excluindo agora a “reparação nas partes comuns ou a legalização de obras”, como a A. refere sob o ponto 44 das suas alegações, o pedido deduzido na presente ação não é substancialmente diferente do de «reparação» deduzido na ação anterior;

4.ª - O pedido de “indemnização por danos não patrimoniais, em consequência dos danos na fração” é consequente de danos patrimoniais em relação aos quais a autora não logrou provar o nexo de causalidade e a culpa dos R.R., estando, por isso, abrangidos pela exceção de caso julgado, como foi referido na sentença impugnada;

5.ª - O pedido de condenação aos R.R. “na localização da origem das infiltrações e remoção das suas causas”, sem que lhes seja imputado qualquer facto ilícito, nomeadamente que tenham escondido ou dissimulado a origem das infiltrações, determina a ineptidão da petição inicial por ser substancialmente incompatível com a causa de pedir, nos termos do artigo 186.º, n.ºs 1, 2, al. c), e 4, do CPC;

6.ª – A questão colocada sob as conclusões OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU não foi submetida à apreciação do Tribunal “a quo” e, por isso, constitui questão nova cujo conhecimento não é admitido em via de recurso;

7.ª - Não tendo a A. deduzido o pedido de reparação das partes comuns, o único que, como reconhece, permite a resolução efetiva do problema, esta omissão determina a ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 577.º, alínea b), e 578.º, o que se invoca ex vi do n.º 1 do artigo 636.º, todos do CPC;

8.a - Tendo o condomínio sido absolvido do pedido de reparação dos danos, mediante decisão transitada em julgado em 26/9/2005, face aos princípios da confiança e certeza das relações jurídicas, não podia a A. esperar que o R. procedesse à reparação os danos em causa;

9.ª - Não tendo a recorrente procedido à reparação dos danos após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 4037/03.0PCAMD, conformando-se com a degradação contínua do apartamento, durante 16 anos, existe culpa do lesado, o que exclui a indemnização dos danos, nos termos do n.º 1 do art.º 570.º do CC;

10.a - Pelo exposto, a decisão impugnada fez uma correta interpretação e aplicação das disposições legais em que se apoio, mormente dos artigos 342.º e 498.º do CC, 186.º, 577.º, al. b), 580.º e 581.º do CPC.    

  

      Cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso      


Antes de mais, importa reter que, tendo a ação sido proposta em 11/ 02/2013 e a decisão impugnada proferida em 29/05/2017, é aplicável à presente revista o atual regime recursório, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Lei n.º 41/2013, de 26-06.


Relativamente à questão prévia suscitada pelo Recorrido, apesar de se verificar uma irregular e desnecessária extensão das conclusões da Recorrente - o que, de resto, é prática frequente -, tal não obstou ao exercício do contraditório por parte daquele, nem constitui óbice à delimitação do objeto do recurso, não se justificando assim a providência do convite à sua sintetização.

 

Sendo o objeto do recurso definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC, as questões suscitadas nesta revista são as seguintes:

i) – A questão da procedência ou não da exceção de prescrição dos direitos peticionados pela A. contra a 2.ª R.;

ii) – A questão da procedência ou não da exceção de caso julgado quanto às pretensões indemnizatórias deduzidas contra o 1.º R.;

iii) – A questão respeitante à declarada ineptidão da petição inicial relativamente à pretensão de condenação do 1.º R. na localização das infiltrações e na remoção das suas causas.


Em sede da ampliação do objeto do recurso, deduzida pelo Recorrido a título subsidiário, suscita-se ainda as questões da ineptidão da petição inicial e da culpa do lesado.


As questões assim enunciadas serão conhecidas pela ordem sequencial derivada da sua natureza, a começar pelas exceções dilatórias, como é a exceção de caso julgado tal como foi deduzida, e a da ineptidão da petição inicial, para só depois, se for caso, disso, conhecer das questões de mérito.


   III – Fundamentação


1. Enquadramento preliminar


Como decorre do acima relatado, ambas as R.R. arguíram a exceção dilatória de caso julgado material com fundamento no já decidido em 26/ 09/2005, no âmbito de uma ação declarativa instaurada pela ora A. contra os também aqui R.R., a qual correu termos no processo sumário n.º 4037/ 03.OPAMD do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da …, em que a causa de pedir ali alegada corresponderia essencialmente à da presente causa – a realização das obras em 1997; ação essa que foi julgada improcedente por não se ter provado que as alegadas infiltrações derivassem das canalizações efetuadas nem que a eventual conduta da R. fosse causal das mesmas.

Todavia, o tribunal a quo começou por se ocupar da questão da prescrição do direito peticionado contra a 2.ª R. - por esta deduzida em primeira linha na respetiva contestação -, concluindo pela procedência dessa exceção e, por via disso, considerando prejudicadas as demais questões invocadas pela mesma R., incluindo a questão da exceção de caso julgado.

Seguidamente, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a exceção de caso julgado suscitada em primeiro lugar na contestação do 1.º R., julgando verificada tal exceção quanto às pretensões indemnizatórias contra este formuladas e, por consequência, absolvendo-o “de tais pedidos”.

Por fim, conheceu-se da exceção da ineptidão da petição inicial no respeitante ao pedido de condenação do 1.º R. a localizar as infiltrações e a remover as suas causas, concluindo-se pela procedência dessa exceção com a consequente absolvição desse R. da instância.

Ora, como já acima se deixou referido, afigura-se mais adequado, em função da hierarquia da natureza processual das questões solvendas, começar pelo conhecimento das exceções dilatórias para só depois, se for caso disso, entrar no conhecimento das questões de mérito.    

Daí que se opte por apreciar:

i) - Em primeiro lugar, a questão da exceção de caso julgado a partir da decisão proferida nesta sede, no âmbito das pretensões indemnizatórias deduzidas contra o 1.º R.;

ii) – Em segundo lugar, a questão da exceção de ineptidão da petição inicial quanto ao pedido de condenação do 1.º R. a localizar as infiltrações e a remover as suas causas;

iii) – Por fim, se for caso disso, apreciar a questão da exceção da prescrição do direito peticionado pela A. contra a 2.ª R. e, eventualmente, as questões suscitadas pelo Recorrido a título subsidiário de ampliação do objeto do recurso.     


2. Da exceção de caso julgado


Neste capítulo, o tribunal a quo, procedendo ao cotejo entre o objeto da presente ação e o do processo n.º 4037/03. OPAMD, deu por verificada, além da identidade dos sujeitos, a coincidência das respetivas pretensões na parte em que versam sobre a existência do alegado facto ilícito imputado aos réus e do seu nexo de causalidade com as infiltrações ocorridas nas partes comuns do prédio em referência e na fração autónoma da A..

Nesse quadro, atendendo a que a anterior ação foi julgada improcedente por não ter ficado provado o sobredito nexo de causalidade, considerou haver efeito de autoridade de caso julgado consuntivo dos aqui invocados danos patrimoniais e não patrimoniais derivados das alegadas infiltrações e que radicam precisamente no mesmo facto ilícito e correlativo nexo de causalidade. Daí que se tenha absolvido o 1.º R. das pretensões indemnizatórias ora deduzidas pela A. contra este R.


Porém, a A. persiste na tese de que a manutenção continuada da ilicitude das obras realizadas pela 2.ª R. com a autorização e conivência do 1.º R., a continuidade das infiltrações ao longo do tempo, desde 1997, e o consequente, progressivo e alastrante estado de degradação da sua fração tornam o objeto da presente ação, tanto em sede de causa de pedir como do pedido, fora do alcance da considerada exeção de caso julgado.


Vejamos.


A questão em apreço convoca a complexa problemática da eficácia do caso julgado material, em especial, no que respeita à sua extensão a ações posteriores, não estando aqui em causa a sua extensão a terceiros.


Segundo a noção dada por Manuel de Andrade[1], o caso julgado material:

«Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»

    Para o mesmo Autor[2], o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:

a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;    

b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.

      Nas lúcidas palavras daquele Autor:

«O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.

Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)»


No respeitante à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina[3] quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:

a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; 

b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.

    Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.

    Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[4]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[5].

Todavia, quanto à identidade objetiva, segundo Castro Mendes[6]:

«(…) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos»         

     Para aquele Autor, constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior, quando nesse processo a questão sobre a qual o caso julgado se formou desempenha a função de questão fundamental ou mesmo de questão secundária ou instrumental, não de thema decidenum.[7] 

    Apesar disso, considera[8] que:

  «Base jurídica para afirmarmos que, havendo caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter easdem personas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão fundamental ou instrumental e não como thema decidendum (não sendo, pois, de usar a excepção de caso julgado), o juiz do processo novo está vinculado à decisão anterior, é apenas o artigo 671.º n.º 1, na medida em que fala de força obrigatória fora do processo, sem restrição, e ainda a ponderação das consequências a que essa falta de vinculação conduziria.»

E observa[9] que:

   «O respeito pelo caso julgado posto em causa num processo posterior, não como questão central, mas como questão fundamental, ou instrumental, representa uma conquista da ciência processual que vem já dos tempos de Roma. Não nos parece estar em causa no direito português. Só nos parece inconveniente que o seu fundamento seja apenas o vago e genérico art.º 671.º n.º 1.

   A vinculação do juiz ao caso julgado quando a questão respectiva seja levantada como fundamental ou instrumental baseia-se, evidentemente, na função positiva do caso julgado. De iure condito, a excepção de caso julgado, quando peremptória nos termos do art.º 496.º, alínea a), desenvolve igualmente a função positiva do caso julgado.»[10]


      Também Lebre de Freitas e outros[11] consideram que:

   «(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»       


    E nas palavras de Teixeira de Sousa[12]:

«Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão». 


Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. 

     Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”[13]


     Revertendo agora ao caso vertente, constata-se que a ora A. instaurou, em 2003, ação declarativa contra os também aqui R.R., que correu ter-mos no processo n.º 4037/03.OPAMD, em que alegou, no essencial, conforme consta da petição inicial reproduzida a fls. 75-78, o seguinte:

 - Em 1997, foram efetuadas obras de conservação no telhado do prédio urbano sito na …, n.º …, na …, Amadora, já que as infiltrações de humidade estavam a afetar várias frações desse prédio, nomeadamente da A.;

   - No mesmo ano, a ré BB realizou obras na sua fração correspondente ao 6.º andar direito de que resultou a construção de uma cozinha, cujos canos de água ficaram ligados à canalização do 6.º andar esquerdo correspondente à casa da porteira, que era parte comum;

   - Desde que se realizaram essas obras, têm ocorrido infiltrações de águas nas paredes e teto da cozinha da A., as quais resultam do facto de toda a água do 6.º andar direito ter sido desviada para a canalização do 6.º andar esquerdo situado por cima da fração da A.;

  - Em Fevereiro de 1999, foram efetuadas obras de reparação no 6.º andar esquerdo, nomeadamente nos esgotos da cozinha, mas, apesar disso, voltaram a ser visíveis os sinais de infiltração de águas nas paredes da cozinha da A.;

  - Tal começou por uma pequena mancha no tecto, passando a várias manchas de humidade no mesmo que alastraram para as paredes, obrigando a retirar um dos armários que aí se encontrava pendurado para evitar o apodrecimento da madeira;

  - Desse facto foram alertadas pela A. tanto a administração do condomínio como a ré BB.

       Naquela ação, a autora concluiu pedindo a condenação do réu Condomínio na reparação da canalização do prédio e dos danos provocados na cozinha da A. e da ré BB na regularização dessa canalização.

      Na sentença ali proferida em 27/7/2005, transitada em julgado em 26/09/2005, conforme certidão de fls. 74 e 116-123, foi dado como provado o seguinte factualismo:

         «FACTOS ASSENTES:

A) - A A. é proprietária e reside no 5° andar esquerdo do prédio sito na Av. … n° …, … - Amadora.

B) - Em 1997 foram efectuadas obras de conservação no telhado do prédio, já que existiam infiltrações de humidade que afectavam várias fracções do prédio, nomeadamente a da A.

C) - Relativamente ao 6° andar direito do prédio referido em A) encontra-se aprovado um atelier;

D - No 6.° andar esquerdo situa-se a casa destinada à porteira.

E) - Em Março de 1998 a Câmara Municipal da … notificou a administração do prédio referido em A) nos termos e para os efeitos do teor de fls. 11 que aqui se dá por integralmente reproduzido.

F) - Em Maio de 1998 CC enviou à Câmara Municipal da … a carta constante de fis. 12 que aqui se dá por integralmente reproduzida, solicitando uma vistoria à fracção do 6° andar direito.

BASE INSTRUTÓRIA:

1) - A R. BB, residente no 6.° andar direito, realizou obras na sua fracção (resposta ao facto 1 da base instrutória).

2) - A A. tem infiltrações de água nas paredes e tecto da sua cozinha (resposta ao facto 3 da base instrutória).

3) - A A. alertou a administração do prédio para as suas infiltrações (resposta ao facto 8 da base instrutória).

4 - A R. BB utiliza a fracção para sua habitação (resposta ao facto 10 da base instrutória).

5) - Em determinada altura a A. alegou que o problema das infiltrações se devia à canalização do 6° esq°, argumentando que aquelas se davam sempre que a porteira utilizava a máquina de lavar a roupa (resposta ao facto 12 do base instrutória).

6) As únicas obras efectuadas no 6° andar direito foram realizadas antes de a R BB passar a residir na fracção (resposta no facto 13 da base instrutória).

7) - As obras consistiram pelo menos na pintura, colocação de portas, soalhos e janelas novas (resposta ao facto 14 da base instrutória).

8) A R. não construiu nenhuma cozinha (resposta ao facto 15 da base instrutória).

9) - O problema da infiltração de águas sucede igualmente no 6° andar esquerdo e direito (resposta ao facto 16 da base instrutória).

10) - Antes da R. já outras pessoas haviam habitado o 6° andar direito (resposta ao facto 18 da base instrutória).»


        Na mesma sentença, foram equacionadas as questões a resolver e fundamentadas nos seguintes moldes (fls. 121-123):  

    «III A este tribunal importa apreciar as seguintes questões:

 - aferir da violação do direito de propriedade da A.

 - em caso afirmativo averiguar dos restantes pressupostos da responsabilidade civil.

IV. Fundamentação

A A. deduziu no essencial dois pedidos nos presentes autos:

   - um derivado da responsabilidade da administração do condomínio pela manutenção das partes comuns, como seja a canalização do prédio;

   - outro derivado da violação das normas que regulam as relações com os restantes condóminos, e que potencialmente dará origem a responsabilidade civil extracontratual;

A propriedade horizontal é direito real que nasce com o respectivo título de constituição, sendo reais as relações que daí emergem entre os condóminos. Ainda que a propriedade horizontal não estivesse constituída a própria existência de um direito real de propriedade imporia o dever de não violação dessa mesma propriedade.

A nossa ordem jurídica integra actualmente um princípio segundo o qual o direito real deve desempenhar uma função social. Uma vez admitido tal facto estamos em condições de passar a importantes aplicações deste princípio específicas dos direitos reais. besta forma abre-se diante de nós todo um vasto campo que a doutrina tem considerado sob o tema das restrições ou limitações da propriedade.

A uma propriedade absoluta contrapõe-se uma propriedade limitada, sendo que tais limitações podem ser de interesse ou utilidade pública como de interesse ou utilidade privada. Estas - restrições de utilidade pública e privada - são aquelas a que a doutrina sempre atribuiu lugar fundamental (cf. Oliveira Ascensão, «Direitos Reais», 4.ª ed., 1987, 204 ).

A vizinhança imobiliária é urna das situações susceptíveis de causar conflitos. Nesta ordem de ideias o legislador tentou prever urna série de normas que obstassem a tais situações.

Veio a A. pedir a condenação do condomínio na reparação da canalização do prédio e danos provocados na sua cozinha, e a condenação da R BB na reparação dos danos causados nas partes comuns do prédio.

E no que a este aspecto tange cumpre, antes de mais, referir que a matéria de facto que a A. logrou provar foi muito escassa para os objectivos a que se propunha.

Por um lado não logrou provar que o problema das suas infiltrações derivasse de um problema de canalizações; por outro lado não conseguiu, igualmente provar, que a eventual (e digo eventual, porque a mesma não se provou) conduta da R. tenha sido causal para essas mesmas infiltrações.

Aliás, conforme resultou provado, o problema das infiltrações nem sequer é exclusivo da A., sendo também um problema de que padece e 2.º R. e a moradora do 6° andar esq°.

Assim sendo, como efectivamente é, terá a presente acção que necessariamente improceder, sem prejuízo de ser responsabilidade do condomínio localizar a origem das infiltrações e diligenciar pela remoção de tais causas, sendo no entanto certo que tal não foi pedido nesta acção e, como tal, nisto não pode ser condenado.

     Nessa base, foi ali julgada a ação improcedente por não provada com a consequente absolvição dos réus de todo o peticionado.


    Por seu lado, como decorre do acima relatado, a causa de pedir invocada na presente ação que serve de fundamento às pretensões indemnizatórias deduzidas contra ambos os réus estriba-se, nuclearmente, na alegação de que, em 1997, a 2.ª R., com ajuda e autorização da administração do Condomínio (1.º R.), sem licença para tal, desviou o algeroz das águas pluviais do lado direito para o lado esquerdo, por via do que a canalização de escoamento das águas da fração da 2.ª R. (6.º andar direito) ficou ligada à canalização e varanda da fração do 6.º andar esquerdo (casa da porteira).

E é precisamente na referida alteração daquela canalização que a A. situa a causa das alegadas infiltrações na sua fração.

Sucede que, na indicada ação instaurada em 2003, a A. não logrou provar os factos constantes, nomeadamente dos artigos 2.º, 4.º e 5.º da base instrutória com o seguinte teor (fls. 99):


Art.º 2.º


Das referidas obras resultou a construção de uma cozinha, cujos canos da água ficaram ligados à canalização do 6.º andar esquerdo?

Art.º 4.º


O que deriva [em conexão com as infiltrações referidas no art.º 3.º] do facto de toda a água do 6.º andar direito ter sido desviada para a canalização do 6.º andar esquerdo?

Art.º 5.º


Em Fevereiro de 1999 foram efectuadas obras de reparação do 6.º andar esquerdo, nomeadamente nos esgotos da cozinha?

Nessa decorrência, foi considerado, na fundamentação da sentença ali proferida (fls. 122), que a ali autora não logrou provar “que o problema das suas infiltrações [na fração da A.] derivasse de um problema de canalizações”, nem que a eventual conduta da R. BB “tenha sido causal para essas mesmas infiltrações”, tanto mais que ficara provado que o problema das infiltrações nem sequer é exclusivo da fração da A., sendo também um problema de que padece a ali 2.ª ré e a moradora do 6.º andar esquerdo.

E tal verificou-se no contexto das pretensões ali formuladas contra ambos os réus que visavam a condenação do réu Condomínio na reparação dessa canalização e dos danos provocados na cozinha da A. e da ré BB na “regularização” da mesma canalização, no quadro da responsabilidade civil extracontratual.

Todavia, o insucesso dessa ação fundou-se no facto de não se ter provado precisamente o nexo de causalidade entre a alegada alteração da canalização – esta mesma alteração nem tão pouco dada como provada – e as infiltrações ocorridas na fração da A., elementos estes – facto ilícito e respetivo nexo de causalidade com os danos invocados – que, como tal, constituíam pressupostos em que radicavam as pretensões ali deduzidas contra ambos os R.R. a título da sobredita responsabilidade civil extracontratual.


Ora os pedidos indemnizatórios formulados na presente ação contra ambos os R.R. fundam-se, além do mais, também no mesmo pretenso facto ilícito e nexo de causalidade, relativo ao alegado desvio da canalização das águas pluviais e dados como não provados na anterior ação.

É certo que, enquanto, na ação de 2003, a A. invocara contra o réu Condomínio o direito à reparação da canalização e danos provocados na sua fração e contra a ré BB peticionara a regularização da mesma canalização, na presente ação vem pedir a condenação solidária daqueles réus no pagamento de indemnização patrimonial e não patrimonial pelos alegados danos resultantes das mencionadas infiltrações. Mas não é menos certo que estas pretensões indemnizatórias são, ainda assim, extensões do direito à reparação e “regularização” – seja a título de reconstituição natural ou por equivalente (art.º 566.º, n.º 1 e 2, do CC) –, direito esse que foi negado na ação instaurada em 2003.  

Assim sendo, a decisão absolutória do pedido proferida na ação de 2003 traduz-se em decisão de questão fundamental que constitui precedente lógico indiscutível das ora peticionadas extensões indemnizatórias do anteriormente invocado e negado direito à reparação da canalização e dos danos provocados na fração da A..

Nessa medida, à luz das considerações teóricas acima expostas, não pode deixar de se considerar o efeito de autoridade de caso julgado material decorrente da decisão absolutória proferida na ação de 2003, como radical e substantivamente impeditivo da procedência das pretensões indemnizatórias deduzidas na presente ação, pese embora a não coincidência formal e integral dos petitórios formulados nas duas ações, tal como foi decidido pela 1.ª instância. 

Termos em que improcedem, neste particular, as razões da Recorrente.


3. Quanto à ineptidão da petição inicial


     A A. cumulou o pedido de condenação de ambos os réus a localizar a origem das infiltrações e a remover as suas causas.

      A 1.ª instância considerou que este pedido “desgarrado” dos demais era manifestamente incompatível com a causa de pedir invocada, porquanto teria de assentar na existência de violação de um direito por parte dos réus e que a procedência das exceções de prescrição e de caso julgado lhe retirava conteúdo útil.

Daí que tenha julgado inepta a petição inicial nessa parte com a consequente absolvição do 1.º R. da instância e considerado tal questão prejudicada pela decisão de procedência da prescrição quanto à 2.ª R..

          

     Todavia, a Recorrente, além de refutar a solução de procedência das exceções de prescrição e de caso julgado, sustenta a compatibilidade daquele pedido, argumentando, pelo menos quanto ao 1.º o R., que a este se impõe uma tal obrigação face às suas obrigações legais de vigilância sobre as partes comuns do prédio.

Não se ignora também que a sentença proferida no processo instaurado em 2003 fora ressalvada a eventual responsabilidade do condomínio em localizar a origem das infiltrações e diligenciar pela remoção de tais causas, o que não fora pedido no âmbito daquela ação.


Ora, a localização da origem das infiltrações pode traduzir-se em medida instrutória instrumental das pretensões indemnizatórias deduzidas, não se afigurando, enquanto tal, como pretensão autónoma. Por sua vez, a remoção das suas causas integra-se já na pretensão da reparação natural dos danos em causa.

Poderia, ainda assim, equacionar-se uma pretensão alicerçada em obrigação de informação do 1.º R Condomínio, em caso de fundada dúvida acerca da existência e conteúdo de um alegado direito, nos termos do artigo 573.º do CC.


Sucede que a A. centrou as suas pretensões, quanto às infiltrações verificadas na sua fração, exclusivamente no alegado desvio da canalização de escoamento de águas da fração da 2.ª R., ligada, pelo menos a partir de 1997, à canalização e varanda da fração do 6.º andar, conforme consta do artigo 35.º da petição inicial. E, no artigo 38.º do mesmo articulado, afirma que a conduta da 2.ª R. e os factos descritos no indicado art.º 35.º são causas da inundação do terraço no 6.º esquerdo e, consequentemente, das infiltrações decorrentes dessa parte comum.

Ora, como já foi referido, na ação de 2003 não se provou o nexo de causalidade entre o pretenso desvio daquela canalização e as infiltrações verificadas na fração da A..

Assim sendo, incumbia à A. alegar algo mais donde resultasse uma indiciação mínima da origem daquelas infiltrações - que não o referido desvio da dita canalização, a que se circunscreve a petição inicial -, de modo a configurar um quadro presuntivo de que os réus, em especial o 1.º R., estariam em condições de prestar a informação pretendida.

Porém, percorrendo todo o articulado da petição inicial não se encontra uma base factual mínima para tal, dado que, como foi dito, a A. centrou a causa das infiltrações no referido desvio da canalização de escoamento de águas da fração da 2.ª R..

Neste contexto alegatório, o pedido autónomo de condenação dos R.R. na localização das infiltrações e remoção das suas causas ou padece de absoluta falta de causa de pedir ou é substancialmente incompatível em relação à causa de pedir invocada, vícios esses que se mostram insupríveis e que são determinativos da absolvição do réu da instância, nessa parte, nos termos conjugados do artigo 186.º, n.º 1, 2, alíneas a) e b), 278.º, alínea b), e 577.º, alínea b), do CPC.    

Nestes termos, improcedem também as razões da Recorrente quanto ao decidido nesse particular.

 

4. Da questão da exceção de prescrição   


A questão da exceção de prescrição do direito peticionado pela A. contra a 2.ª R. foi objeto de apreciação, em primeira linha, na sentença recorrida, que, por via disso, considerou prejudicadas as demais questões pela mesma R. deduzidas.

Porém, salvo o devido respeito, afigura-se que deveriam ter sido primeiro apreciadas as alegadas exceções dilatórias de caso julgado e de ineptidão da petição inicial para só depois, se fosse caso disso, entrar na apreciação da prescrição como questão de mérito que é.

No entanto, nada obsta a que este tribunal de recurso tome conhecimento dessas exceções de caso julgado e de ineptidão da petição inicial, na parte respeitante à 2.ª R., dada a sua precedência lógica em relação à questão de mérito da prescrição.

E poderá fazê-lo mesmo que não tenham sido objeto da decisão recorrida, uma vez que se trata de questões de conhecimento oficioso com pertinência para a decisão do presente recurso, sendo que tais questões foram já objeto de discussão na fase dos articulados.


Ora, como decorre das considerações expostas no ponto 2, o efeito de autoridade de caso julgado material decorrente da decisão absolutória proferida na ação de 2003 – agora qualificado como exceção perentória - é substantivamente impeditivo do reconhecimento dos direitos a indemnização peticionados pela A. na presente ação não só contra o 1.º R., mas também, pelas mesmas razões, contra a 2.ª R., o que determina a improcedência destas pretensões indemnizatórias.

Impedido assim o reconhecimento desses direitos de indemnização, prejudicada fica a questão da prescrição invocada, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, pelo que não cumpre apreciá-la.


5. Quanto à ineptidão da petição inicial relativa à pretensão de condenação da 2.ª R. a localizar e remover a causa das infiltrações


Também neste capítulo valem, até por maioria de razão, as considerações expostas sob o ponto 3 para se ter por verificada a ineptidão de petição inicial quanto à pretensão em referência deduzida contra a 2.ª R. com a consequente absolvição desta da instância, nessa parte, em detrimento da questão da prescrição que, nessa medida, se tem igualmente por prejudicada.


6. Quanto às questões subsidiárias suscitadas pelo Recorrido em sede de ampliação da revista pelo Recorrido 


Em face das conclusões a que se chegou sob os precedentes pontos 2 e 3 e que são determinativas da negação da revista quanto ao 1.º R., ora Recorrido, prejudicadas ficam as questões subsidiárias por este suscitadas em sede de ampliação da revista.


IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e decide-se:

A - Confirmar a decisão recorrida quanto ao segmento decisório que julgou procedente a exceção de caso julgado material, por via da autoridade do caso julgado, relativamente ao 1.º R., julgando, em virtude disso, improcedentes as pretensões indemnizatórias contra ele deduzidas e absolvendo-o de tais pedidos; 

B – Confirmar o segmento decisório recorrido pelo qual se absolveu o 1.º R. da instância, com fundamento em ineptidão da petição inicial, relativamente à pretensão da condenação do mesmo a localizar e a remover as causas das infiltrações;  

C) – Em substituição do segmento decisório sobre a questão da exceção de prescrição dos direitos peticionados contra a 2.ª R.:

a) – julgar procedente a exceção de caso julgado material, por via da autoridade do caso julgado, relativamente àquela R. e, por consequência, improcedentes as pretensões indemnizatórias contra ela deduzidas com a sua absolvição dos respetivos pedidos;

b) – julgar procedente a exceção dilatória fundada em ineptidão da petição inicial, relativamente à pretensão de condenação da 2.ª R. a localizar e a remover as causas das infiltrações, absolvendo-a da instância nessa parte;

c) – declarar prejudicada a questão da exceção de prescrição deduzida pela 2.ª R. por efeito do decidido nas anteriores alíneas a) e b).

D – Declarar também prejudicadas as demais questões subsidiárias suscitadas pelo 1.º R., ora Recorrido, em sede de ampliação do objeto da revista, por virtude do acima decidido em A e B.     

  

As custas da ação e do recurso são da responsabilidade da A./ Recorrente, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento, dado o benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

        

Lisboa, 22 de fevereiro de 2018

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching 

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[1] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 304, 
[2] Ob. cit. pp 305-306.
[3] Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354.
[4] In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93.
[5] Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[6] In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 43-44.
[7] Ob. cit. p. 50.
[8] Ob. cit. p. 51.
[9] Ob. cit. p. 52.
[10] Com a Revisão do CPC de 95/96, o caso julgado deixou de figurar como exceção perentória, sendo incluído no elenco das exceções dilatórias.
[11] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354.
[12] In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.
[13] No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Juiz Cons. Sampaio Gomes, no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.