Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B555
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMÕES FREIRE
Descritores: DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: SJ200203190005552
Data do Acordão: 03/19/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5245/01
Data: 07/12/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 1411 ARTIGO 1419 N1 F ARTIGO 1423.
CCIV66 ARTIGO 1793.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP DE 1995/05/02 IN CJ ANO20 T3 PAG197.
Sumário : O acordo sobre o destino da casa de morada da família, a ter lugar na acção de divórcio por mútuo consentimento, não pode ser alterado com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A, divorciada, residente no Bairro da Tojeira, Abóbada, S. Domingos de Rana, concelho de Cascais,
por acção apensa ao processo de divórcio por mútuo consentimento 74/99, onde é requerido B, residente no mesmo lugar,
veio requerer que lhe fosse dada de arrendamento a casa que foi de morada de família, para sua habitação, situada no Bairro da Tojeira, pela quantia mensal de 23000 escudos.
Alega para o efeito que foi casada com o réu de quem se divorciou por sentença de 7 de Abril de 2000 por mútuo consentimento, transitada em julgado.
Na primeira conferência ocorrida em 17 de Dezembro de 1999, no âmbito do processo de divórcio, a autora e requerido acordaram em que a utilização da casa de morada de família ficaria a pertencer exclusivamente ao cônjuge marido, o ora réu, até à sua venda ou partilha e enquanto viver sozinho.
O prédio em causa é propriedade dos cônjuges que adquiriram primeiro o lote do terreno e depois aí construíram uma moradia.
Por motivos ligados ao divórcio a autora foi viver para casa dos seus pais com os filhos do casal que, querendo manter a sua privacidade, levaram a que a autora fosse viver para um anexo constituído de garagem e cozinha, precariamente e a título de remedeio.
Alega que se encontra a correr termos um processo de inventário para a separação de meações.
A requerente não tem outra casa nem possibilidades de a obter ou arrendar.
O empréstimo para a construção da casa não foi totalmente pago e o requerido não tem pago a sua parte, correndo-se o risco de o Banco credor executar a dívida contraída.
O M.mo Juiz indeferiu liminarmente a petição com o seguinte fundamento:
"Foi acordado naquela acção (74/99) que o direito à utilização da casa de morada de família fica a pertencer exclusivamente ao cônjuge marido até à sua venda ou partilha e enquanto aquele viver sozinho.
O aludido acordo foi homologado por sentença transitada em julgado.
Estando as partes vinculadas ao cumprimento do acordo celebrado e homologado na acção de divórcio que atribuiu ao cônjuge marido a utilização da casa de morada de família até à sua venda ou partilha, tal facto obsta à procedência do pedido agora formulado pelo ex-cônjuge mulher".
E, conclui, nos termos do art. 234-A n. 1 do CPC, por indeferir liminarmente a petição, por ser manifesta a improcedência do pedido.
A requerente interpôs recurso e apresentou alegações, tendo o requerido contra-alegado.
A Relação confirmou o decidido, vindo do acórdão proferido recurso interposto para este Tribunal, onde a recorrente conclui nos seguintes termos:
A alteração do acordado só é possível desde que se aleguem circunstâncias supervenientes legalmente atendíveis;
A requerente, no seu requerimento inicial, designadamente nos art.s 20.º e seguintes, alega um conjunto de factos que têm carácter permanente e não meramente transitório e que, a provarem-se, traduzem uma alteração do conjunto das circunstâncias de vida da requerente existentes à data da celebração do acordo;
Essa alteração leva a que a requerente passasse a ter uma premente necessidade da casa que foi de morada de família para acautelar os seus interesses e sobretudo os dos filhos menores do casal que com ela residem.
Ao entender diversamente o Tribunal recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos art.s 1411 e 437 n.º 1 do C. Civil, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro em que seja admitido o requerimento inicial, dando adequado seguimento aos autos.
Não houve contra-alegações.
Perante as alegações da requerente a questão a decidir é a de saber se deve ser ordenado o seguimento à acção.
Factos provados.
Os factos provados são os que resultam do que acima se disse quanto à sentença que decretou o divórcio.
Daí resulta que as partes acordaram provisoriamente em que o direito à utilização da casa de morada de família ficaria a pertencer exclusivamente ao cônjuge marido até à sua venda ou partilha e enquanto aquele viver sózinho, acordo este que foi homologado pela sentença que decretou o divórcio e homologou aquele acordo em 7 de Abril de 2000.
O direito.
Indeferimento liminar.
Como resulta do art. 1413 do CPC o pedido de atribuição do direito ao arrendamento é uma acção destinada à atribuição da casa de morada de família, quer no caso da morada de família ser arrendada (art. 84 do RAU), quer no caso de ser própria ou comum dos cônjuges (art. 1793 do C. Civil).
No caso em apreço está em discussão a atribuição da casa de morada de família, entendida esta como residência habitual dos cônjuges. Quando a casa onde estes habitam é comum ou própria do outro surge, tal como no caso do arrendamento, a necessidade de defender a estabilidade da família. E daí as normas que foram introduzidas pelo DL 496/77 de 25-11 para protecção da estabilidade familiar (ver sobre o tema Pereira Coelho, RLJ 122-137).
No caso do art. 1793 do C. Civil "por imposição do Estado (ou seja, do Tribunal) é constituído um novo arrendamento com um dos cônjuges, quer a casa de morada de família seja comum, quer própria do outro cônjuge". "Há .... uma verdadeira expropriação prévia, embora limitada dos poderes do contitular ou do proprietário singelo, para, com base neles, celebrar o contrato de arrendamento" (Pires de Lima e A. Varela, Código Civil anotado, IV-570).
Com esta atribuição pretende a lei que a casa fique a ser habitada por aquele dos cônjuges a quem for mais justo atribui-la por mais necessitar dela.
No caso dos autos vem invocado na petição que a autora, na sequência de agressões do marido, foi forçada a abandonar o lar conjugal com dois filhos menores do casal. E que na sequência dos desentendimentos dos cônjuges teve lugar o divórcio por mútuo consentimento, acordando a autora e réu que "a utilização da casa de morada de família fica a pertencer exclusivamente ao cônjuge marido até à sua venda ou partilha e enquanto estiver sozinho".
Este acordo foi homologado por sentença com trânsito em julgado.
Diz-se no despacho proferido em primeira instância, confirmado maioritariamente pela Relação, que o acordo quanto à utilização da casa de morada de família obsta a que a autora agora instaure acção a modificá-la por haver trânsito em julgado desse acordo.
Vem sendo entendido que o acordo sobre o destino da casa de morada de família, a ter lugar na acção de divórcio por mútuo consentimento (art. 1419 n.º 1 al. f) do CPC) não é de molde a poder ser alterado, com fundamento em circunstâncias supervenientes (art. 1411 do CPC). Ver neste sentido o Ac. RP de 2-5-1995, CJ XX-III-197 e demais jurisprudência que vem indicada por Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6.ª ed., pág. 546.
E compreende-se esta posição. É que tratando-se dum caso julgado material com decisão do mérito, nos termos do acordo, as partes não o podem alterar sem violação da sentença homologatória (art. 1248 do C. Civil e 673 do CPC). Seria de todo inseguro para as partes ou terceiros, quer no caso da constituição do direito ao arrendamento, quer no caso do direito à habitação, que ele fosse alterado a todo o tempo, face ao art. 1411 do CPC, perante a modificação das circunstâncias da vida dos ex-cônjuges. Tanto mais que, como refere Pereira Coelho, RLJ 123-370, "a "casa de morada de família", para os efeitos previstos no art. 1682A, n.º 2, mantém esta qualificação se for a "residência da família", nos termos do artigo 1673, e enquanto o for; ....................". Ora, assente o destino da casa de morada de família, tem de ficar a saber-se a natureza do direito que vai persistir e os seus titulares.
Além disso nenhum argumento se pode retirar do art. 1793 n.º 2 no sentido da modificabilidade do acordo quando aí se diz que o arrendamento pode caducar quando as circunstâncias supervenientes o justifiquem. Uma coisa é a caducidade e outra a modificabilidade do direito atribuído. E bem se compreende a caducidade se se tiver em conta que a constituição do direito ao arrendamento tem uma natureza injuntiva, como resulta do sentido que lhe atribui A. Varela, como acima vem referido.
Assim, haverá que aguardar a partilha para, face ao que nela se decidir, se apreciar da nova situação, sendo manifesta a improcedência do pedido.
Face ao exposto, nega-se provimento ao agravo.
Custas pela agravante.

Lisboa, 19 de Março de 2002
Simões Freire,
Fernando Girão,
Moitinho de Almeida.