Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
833/11.2TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO CONSTITUTIVO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 237.º, 238.º, 239.º, 334.º, 1354.º, 1416.º, 1417.º, 1418.º, 1421.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 671.º, N.º3.
CÓDIGO DO NOTARIADO: - ARTIGO 59.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25-5-99, CJSTJ, TOMO III, P. 48, DE 19-9-89, BMJ 389.º/551, E DE 5-2-87, BMJ 364º/787.
Sumário :
1. Constituída a propriedade horizontal por escritura pública, nos termos do art. 1417º do CC, a interpretação e integração do seu conteúdo obedece às regras gerais sobre a interpretação e integração das declarações negociais constantes dos arts. 236º a 239º do CC.

2. A indefinição da delimitação entre o logradouro que constitui “parte comum” e o logradouro que é exclusivo de uma fracção autónoma deve ser resolvida através da análise do título constitutivo, conjugado com o projecto que esteve na base do licenciamento da construção e da constituição da propriedade horizontal.

Decisão Texto Integral:

I – O Condomínio do prédio em Propriedade Horizontal sito na R. D. …, nº …, Foz do Douro, Porto, AA, BB e mulher CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG, instauraram contra HH acção declarativa pedindo que se reconheça que uma determinada zona ajardinada e um portão, bem como outra zona empedrada são partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal e se condene o R. a abster-se de impedir o uso dessas zonas por parte dos AA.

O R. impugnou a pretensão alegando que os elementos referidos pelos AA. integram a fracção autónoma de que é exclusivo proprietário.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Os AA. interpuseram recurso de revista invocando a diversidade substancial da fundamentação empregue pela 1ª instância e pela Relação e suscitando as seguintes questões:

- Não foi ilidida a presunção de que a parte disputada é uma parte comum do edifício em regime de propriedade horizontal;

- Existe abuso de direito na invocação pelo R. da exclusividade da parte disputada.

Foram apresentadas contra-alegações.


II – Ponto prévio:

1. Apesar de a Relação ter confirmado, sem voto de vencido, a sentença da 1ª instância, a fundamentação empregue é substancialmente diversa, assim se justificando o acesso imediato ao terceiro grau de jurisdição que, noutras circunstâncias, seria vedado pela existência de dupla conforme nos termos do nº 3 do art. 671º do NCPC

Inicialmente a aludida medida restritiva era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: a dupla conforme verificava-se sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância. Com o NCPC o regime foi alterado, de modo a excluir das situações de dupla conforme aquelas em que a Relação, para confirmar a decisão da 1ª instância, utilize “fundamentação essencialmente diferente” (art. 671º, nº 3).

Para o efeito ponderou-se que, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, a divergência substancial de enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é reveladora de uma cisão relevante, a justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, com específicas competências nesta sede, para reponderar a questão.

Tal desvio não depende de uma qualquer divergência mas apenas daquelas que incidam sobre os aspectos que se mostraram essenciais em cada uma das instâncias para atingir o resultado declarado, sem que tal possa ser aproveitado para restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que a restrição ao terceiro grau de jurisdição assegura.

A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados.


2. No caso concreto não existem razões para questionar a admissibilidade do recurso de revista, uma vez que a fundamentação empregue foi essencialmente diversa.

Para o efeito há que ponderar que a Relação modificou a decisão da matéria de facto, a qual não foi apenas formal, mas substancial, excluindo segmentos que, atenta a sua natureza conclusiva, respondiam directamente à pretensão dos AA., obrigando a que fosse identificado outro enquadramento jurídico.

Tendo a 1ª instância considerado, logo em sede da matéria de facto provada, que uma parte do logradouro do prédio em disputa integrava o logradouro da fracção do R., a Relação, para atingir o mesmo resultado, depois de excluir os segmentos que considerou de natureza conclusiva, teve de encontrar outro fundamento para afirmar que nem a parte do logradouro, nem o portão secundário para o exterior constituem partes necessariamente comuns.

Neste pressuposto, consideramos que é de admitir o recurso de revista normal.

        

III - Matéria de facto provada:

1. O 2º, 3º, 4º e 5º AA. são, respectivamente, os donos e legítimos proprietários das fracções autónomas designadas pelas letras “D”, “C”, “B” e “A” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua D. …, …, Foz do Douro, Porto, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na CRP do Porto sob o nº …/Foz do Douro – 1;

2. O 2º A. e II (que reside na fracção pertença dos 5ºs AA.) são os actuais administradores do condomínio desse prédio, 1º A. – 2;

3. Por seu lado, o R. é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma do mesmo prédio designada pela letra “E”, onde reside – 3;

4. O prédio aqui em análise começou por ser um simples terreno rústico – 21º;

5. Foi construído pelo R. e por escritura pública celebrada em 22-6-99 foi constituído em regime de propriedade horizontal – 4 e 5;

6. Na planta do rés-do-chão do projecto de arquitectura aprovado, junta a fls. 330, a qual, entre outras, instruiu o projecto de propriedade horizontal aprovado e com base no qual foi feita a escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio em apreço, está delimitada a verde a área coberta e descoberta da fracção “E”, propriedade do R., e nesse desenho estão escritas a área coberta de 108 m2 e a área descoberta de 227,10 m2 em logradouro, menções que foram transportadas para o documento complementar que faz parte da escritura de propriedade horizontal do prédio em apreço, na parte em que está descrita a fracção E;

7. Na escritura de propriedade horizontal são descritas como partes comuns, entre outras, toda a zona de logradouro a Nascente, incluindo as zonas ajardinadas;

8. A escritura pública de constituição de propriedade horizontal estabelece como parte comum, entre outras «toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas» e a fracção “E”, pertença do R., engloba uma área de logradouro – 28º a 30º;

9. Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo nº … da R. …, a qual, se situa a Poente – 22º;

10. Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo nº … da R. …, a qual, se situa a Poente, não estando aí referida a existência de qualquer portão colocado a Nascente do prédio, o qual foi construído a Nascente das fracções que integram o condomínio – 23º a 27º;

11. As descrições das fracções de “A” a “D” referem todas «…com acesso comum pelo nº … da R. D. …», mas nenhuma refere a entrada pedonal a Nascente – 7;

12. No doc. complementar elaborado nos termos do nº 2 do art. 64º do Cód. de Notariado, o qual, faz parte integrante da escritura pública de constituição de propriedade horizontal, são descritas as várias fracções que integram o edifício e no que concerne às ZONAS COMUNS está ali exarado o seguinte:

São comuns a todas as fracções, a entrada com o nº … da R. D. …, a rede exterior de drenagem de águas residuais pluviais prediais das coberturas e logradouros, as redes exteriores de abastecimento de água, saneamento de águas residuais domésticas, distribuição de gás, distribuição de energia eléctrica, de telefone e TV, o poço de água existente, a rampa de acesso à entrada com o nº … e toda a zona de logradouro a Nascente, incluindo zonas ajardinadas” – 6;

13. A fracção E, pertença do R., está descrita do seguinte modo:

Fracção E- Habitação Unifamiliar.

Habitação do tipo T-3 com cave, rés-do-chão, andar e vão do telhado, com acesso comum pelo nº … da R. D. …. A cave é composta de zona de aparcamento, átrio, local técnico, sanitário de serviço, arrecadação e um quarto de banho, terá 150 m2 de área coberta.

O rés-do-chão composto de átrio, sala de estar, sala de jantar, cozinha e logradouro, terá 108 m2 de área coberta e 227 m2 de área descoberta de logradouro (sublinhado nosso).

O andar será composto por 3 quartos de dormir, todos com casa de banho privativa e uma varanda, terá 108 m2 de área coberta e 2,70 m2 de área descoberta em varanda.

O vão do telhado é composto por um compartimento, um quarto de banho, um terraço e terá 60,60 m2 área coberta e 18 m2 de área descoberta em terraço.

O total da área coberta é de 377,10 m2 e a área descoberta é de 247 m2.

É-lhe atribuída a permilagem de 204,17 do valor total do prédio” – 11º;

14. Existe um portão com cerca de 2 metros de altura, colocado no seguimento da parede Nascente da fracção autónoma pertença do R. e no logradouro dessa fracção, zona que tem de ser atravessada por todos quantos pretendem usar tal portão – 8º e 9º;

15. A Poente, o acesso às diversas fracções é feito a partir de um portão e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas, existindo a Nascente um portão pedonal pelo qual é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio, portão pedonal que existe desde a construção do prédio e foi efectuada pelo próprio R. – 1º, 2º e 3º;

16. Junto ao portão de acesso pedonal à R. … existe uma zona ajardinada indicada a laranja no “croquis” que constitui o doc. nº 9 da petição inicial e visível nas fotografias que constituem os docs. 10º a 16º – 7º;

17. Ao construir o prédio, o R. fez com que a zona ajardinada referida em 16. fosse servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio e colocou dois candeeiros igualmente associados ao contador de electricidade do condomínio - 12º e 13º;

18. O R. sustenta que essa zona ajardinada pertence à sua fracção e que os demais condóminos do prédio não a podem manter ou utilizar, nem mesmo para aceder ao mencionado portão de acesso pedonal à R. …, o qual, igualmente sustenta pertencer à sua fracção e que pretende manter aberto, colocando em causa a segurança do condomínio – 15º e 16º;

19. Paralelamente, sustenta também o R. que a zona empedrada que se situa à frente da sua fracção e que confina a Sul com a zona ajardinada referida em 16. também faz parte da sua fracção e que só ele tem direito a utilizá-la, designadamente estacionando veículos – 18º a 20º;

20. Aquando da promoção do empreendimento, foi publicitada a existência de dois portões de acesso ao prédio constituído em propriedade horizontal, sito na R. D. …, …, Foz do Douro, Porto: um portão de acesso e rampa, com comando eléctrico de cada habitação, e um portão de acesso para peões para a R. …, portão este pelo qual é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio e que foi e é usado por vários condóminos do prédio em apreço (ou seja, os AA. e quem os antecedeu) – 4º, 5º, 6º e 14º.


IV – Decidindo:

1. Insistem os AA. na procedência da sua pretensão no sentido de se considerar integrado no logradouro que é parte comum do edifício em regime de propriedade horizontal uma parcela de terreno (assim como o portão secundário) que o R. considera integrar o logradouro da sua fracção.

Insurgem-se contra o exclusivo relevo que foi atribuído à planta que serviu de base ao licenciamento da construção e à constituição da propriedade horizontal, defendendo que deve ser ponderado o facto de, desde início, a área em litígio e o portão secundário terem estado afectos a uso de todos os condóminos, correspondendo ao que fora publicitado pelo R. aquando da comercialização das fracções do edifício que construiu.

Entendem ainda os recorrentes que a reclamação pelo R. do direito exclusivo sobre tal parcela e sobre o portão secundário representa uma manifestação de abuso de direito.


2. A pretensão dos recorrentes não procede.

Atento o disposto no art. 1421º, nº 1, do CC, nem a parcela do logradouro em discussão, nem o portão secundário que dá para aceder ao exterior do prédio constituem partes obrigatoriamente comuns da propriedade horizontal.

O elemento fundamental para dirimir o litígio é o título constitutivo da propriedade horizontal que, no caso, se apresenta sob a forma de uma escritura pública outorgada pelo R., construtor do edifício, ao abrigo do art. 1417º do CC.

O relevo do título constitutivo da propriedade horizontal emerge com toda a força quer do art. 1416º do CC que sanciona a falta dos requisitos legalmente exigidos, quer do art. 1418º que enuncia, de forma exemplificativa, os elementos que o título deve conter, entre os quais se inscreve a descrição de cada uma das fracções. Ressalta ainda do art. 1421º que serve de elemento de controlo ou de substituição da declaração negocial, impondo ou presumindo a natureza comum de determinadas partes do prédio.

No caso concreto, porém, o título constitutivo, apresenta-se equívoco a respeito da atribuição de uma parte do logradouro, na zona situada a Nascente do prédio. Por outro lado, é completamente omisso a respeito do portão secundário que dá para o exterior.

Constando daquele título que “toda a zona de logradouro a Nascente” (o que, numa determinada leitura, abarcaria também a parcela em litígio) constitui “parte comum”, no segmento que respeita à descrição da fracção “E” de que o R. é proprietário refere-se que esta inclui “227 m2 de área descoberta de logradouro”. Ou seja, resulta do título constitutivo uma situação de sobreposição entre uma parte do logradouro que constitui parte comum e uma parte do logradouro que é exclusivo do R., sendo nessa parte que está implantado o portão secundário de acesso ao exterior.

O conflito de propriedades assim estabelecido – por um lado a propriedade comum dos condóminos, por outro a propriedade exclusiva de um dos condóminos – traduz-se, na prática, na indefinição dos limites de cada uma das zonas de logradouro cuja resolução deve ser feita através da interpretação do título constitutivo, ponderando igualmente o que emerge do projecto que serviu de base ao licenciamento da construção e à constituição da propriedade horizontal, em moldes semelhantes aos que se encontram previstos no art. 1354º do CC a respeito da demarcação entre prédios confinantes.

Com efeito, nos termos do art. 59º, nº 3, do Cód. de Notariado, estabelece que a constituição da propriedade horizontal pressupõe a exibição do projecto de construção e das respectivas alterações aprovados pela câmara municipal.


3. No caso concreto, é indubitável que o logradouro global do prédio foi adstrito, numa parte, em regime de exclusividade, a cada uma das fracções autónomas, sendo o remanescente qualificado como parte comum.

No projecto que foi objecto de licenciamento e que instruiu a constituição da propriedade horizontal a parcela de logradouro e o portão sobre que incide o litígio surgem catalogados como integrantes da fracção autónoma “E” de que o R. é proprietário (do mesmo modo que outras parcelas de logradouro, com dimensões variáveis, se mostram atribuídas a cada uma das demais fracções). Os logradouros atribuídos às diversas fracções perfazem, de acordo com o doc. de fls. 342, a área global de 536 m2, correspondendo ao somatório das áreas parcelares que constam da tela final do edifício que está junta a fls. 330 do processo camarário que foi apenso aos presentes autos.

Torna-se, assim, fácil a harmonização de ambos os títulos e a resolução do diferendo.

Quando a propriedade horizontal é constituída por escritura pública (art. 1417º do CC), nesta é exarada uma declaração negocial sujeita às regras da interpretação e de integração previstas nos arts. 236º e segs.

Por via da análise daqueles elementos documentais, é legítimo afirmar que a descrição das partes comuns que consta da propriedade horizontal (por referência à planta do projecto de construção que consta de fls. 330 do processo administrativo), na parte em que se reporta à zona de logradouro situada a Nascente, tem como limite o início da zona do logradouro que é exclusivo da fracção autónoma do R..

Estando previsto a área de 227 m2 logradouro no título constitutivo da propriedade horizontal, verifica-se uma perfeita correspondência com o projecto que objecto de licenciamento e que foi exibido aquando da outorga da escritura de constituição da propriedade horizontal.

Tendo sido o R. quem constituiu a propriedade horizontal do edifício que construiu, outorgando na escritura pública respectiva, aquele resultado que harmoniza ambos os segmentos do título constitutivo é consentido pelo preceituado nos arts. 236º e 237º do CC, encontrando nos elementos documentais o mínimo de correspondência exigido (art. 238º).


4. Alegam os AA., para contrariar o que foi decidido pela Relação, que a admissão da defesa apresentada pelo R. representa a legitimação de uma actuação em abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC. Consideram, assim, que a sua pretensão deve proceder mediante a ponderação do facto de ter sido o R. quem construiu o prédio e de ter indicado na fase da sua comercialização que o mesmo era servido não apenas pelo portão principal, mas também pelo portão secundário. Acresce que a canalização da rega que serve a parcela em causa está ligada ao contador de água do condomínio, o mesmo ocorrendo com a iluminação.

Tal argumentação também não procede.

Por certo que a figura do abuso de direito não está de todo afastada da tutela do direito de propriedade (cfr. os Acs. do STJ, de 25-5-99, CJSTJ, tomo III, pág. 48, de 19-9-89, BMJ 389º/551, e de 5-2-87, BMJ 364º/787).

Porém, atenta a natureza real do direito em causa, em que prevalecem os factores de ordem objectiva, a sua repercussão, com implicações no reconhecimento da titularidade de bens imóveis, contrariando o que emerge do direito formalmente aplicável, deve ser reservada para situações em que se verifique a manifesta violação das regras da boa fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do direito em causa.

Tal não ocorre no caso presente em que nem sequer se apuraram as circunstâncias que rodearam a utilização da parcela litigada e do portão secundário durante todo o período que mediou entre a construção e venda das fracções e a data em que a acção foi instaurada.

Parecem insuficientes para negar ao R. a exclusividade sobre a parcela do logradouro em causa nesta acção o facto de a rega e a iluminação serem feitas através dos meios comuns ao condomínio, situação que pode encontrar motivos no facto de ter sido o R. a construir o edifício e que, de todo o modo, encontra no ordenamento mecanismos que tutelam os interesses dos demais condóminos, sem colidirem com atribuição de direitos reais.

Como se referiu na sentença de 1ª instância, a eventual violação das regras da boa fé na fase da comercialização das fracções extravasa o que se discute nesta acção cujo objecto é circunscrito à definição do estatuto jurídico do logradouro e do portão a que os autos se reportam.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, o acórdão recorrido.


Custas a cargo dos recorrentes.

Notifique.

Lisboa, 11-12-14


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Bettencourt de Faria