Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
91/12.1YFLSB.S2
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: RECURSO CONTENCIOSO
COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES
CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO
REMISSÃO
PROPOSTA DO INSTRUTOR
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DA ORALIDADE
DECISÃO ADMINISTRATIVA
GARANTIAS DE DEFESA
DIREITO DE INFORMAR
LIBERDADE DE IMPRENSA
MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
PLURALISMO IDEOLÓGICO
NOTÍCIA
CAMPANHA ELEITORAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO DAS CANDIDATURAS
PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE DE ESCLARECIMENTO PÚBLICO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO JORNALÍSTICA
LIBERDADE DE ESCOLHA ESCLARECIDA DO ELEITOR
DOLO
PROVA INDICIÁRIA
MEDIDA CONCRETA DA COIMA
Data do Acordão: 11/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ÚNICA INSTÂNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO
DIREITO CONSTITUCIONAL
DIREITO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
DIREITO ELEITORAL
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Doutrina: - Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª edição, pp. 303/304, 305, 320, 323/324.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, I Volume, p. 572.
- José Alberto de Melo Alexandrino, Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão, p.111 e ss..
- Nuno E. Sousa, A liberdade de Imprensa, p.132 e ss..
- Questões Laborais, Ano VIII, pág. 134.
- Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, comentário ao art. 113.º.
Legislação Nacional: CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 125.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP):- ARTIGO 400.º, N.º 1, AL. F).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, N.º2, 16.º, N.º2, 18.º, N.º2, 26.º, N.º2, 32.º, 37.º, 38.º, 39.º, 48.º, N.º2, 54.º, N.º5 AL. A), 56.º, N.ºS 2 E 6, 60.º, N.º1, 77.º, N.º2, 113.º, N.º3, AL. B).
DL Nº 85-D/75, DE 26-2.
DL N.' 433/82, DE 27 -10 (REGIME GERAL DAS CONTRA ORDENAÇÕES E COIMAS - RGCO): - ARTIGO 18.º, 51.º, 58.º, N.ºS2 E 3, 59.º, 89.º, N.º3.
LEI ELEITORAL DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS (LEOAL), APROVADA PELA LEI ORGÂNICA N.' 1/2001, DE 14-8: - ARTIGOS 40.º, 47.º, 49.º, N.º1, 113.º, N.º3 AL. B), 203.º, N.º1, 212.º.
Referências Internacionais: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGO 19.°.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6/2/2003, PROC. N.º 142/03-5;
-DE 6/7/2006, PROC. N.º 06P1383;
-DE 4/10/2007, PROC. N.º 07P809.
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.ºS 50/2003; 62/2003; 136/2003; 249/2003; 469/2003; E, 492/2003.
Sumário :

I  -   A decisão da CNE fundamenta-se expressamente no relatório de instrução, e projeto de decisão, que consta em anexo à respectiva acta.
II -  Quanto à remissão feita na decisão recorrida para a proposta elaborada por um instrutor, entidade que continua legalmente encarregada de elaborar a instrução e que esteve em contacto directo com a defesa, pois que presidiu à audição do arguido e à inquirição das testemunhas por aquele apresentadas ou constantes da acusação, entende-se que os preceitos do processo penal deverão ser aplicados “devidamente adaptados”, o que não pode ter outro sentido senão o de considerar que é diferente a natureza da decisão porque é diversa a estrutura organizatória e funcional da Administração.
III - Por um lado, é preciso ter em conta que a estrutura do processo de contraordenação na sua fase administrativa não é uma estrutura acusatória baseada em duas magistraturas autónomas e independentes, ao contrário do que sucede com os processos judiciais. Na fase administrativa o processo obedece a uma estrutura inquisitória, tanto mais que quem instrui está na dependência hierárquica de quem decide.
IV - Por outro lado, a função jurisdicional do juiz não é rigorosamente a mesma da autoridade administrativa quando decide aplicar a coima. Se mais diferenças não houvesse, aí está a lei a dispor que a decisão administrativa é revogável até ao envio dos autos ao tribunal, e quanto a nós poderá mesmo ser reformada em caso de invalidade relativa, ao passo que a função do juiz se esgota com a prolação da sentença, salvaguardando-se apenas a correcção de erros materiais.
V -  Acresce que se não se põe em dúvida que se aplicam no processo contraordenacional não só os princípios constitucionais de garantia processual penal dos arguidos, além de diversos outros inseridos no respectivo CPP, não é menos verdade que alguns haverá que não terão ali aplicação. É o caso do princípio da imediação e do seu corolário da oralidade ou do princípio de que toda a prova é feita em julgamento. Ao contrário do que se passa com o juiz, o decisor administrativo não esteve em contacto directo com o arguido nem assistiu à audiência e defesa. A realidade do que ali se passou tem, por isso, de lhe ser transmitida por quem ali esteve: o instrutor.
VI - Por último, não se pode nunca esquecer que a decisão, se bem que integrando um “procedimento especial”, aparentado com o processo administrativo de tipo sancionador, mas dele se distinguindo, é fatalmente uma decisão administrativa, porque tomada por autoridade administrativa, embora a lei-quadro lhe atribua características especiais, entre as quais avulta a não admissão de recurso hierárquico em busca da definitividade vertical, uma vez que a decisão da autoridade administrativa (Delegado) se torna definitiva transcorrido o prazo de impugnação judicial.
VII - Como decisão administrativa que é, hão-de aplicar-se neste procedimento especial “as normas que não envolvam diminuição das garantias dos particulares”, conforme determina o próprio CPA a partir da reforma de 96.
VIII - Face às características e natureza do procedimento por contraordenação não se vê que sejam diminuídas as garantias de defesa pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o designado “relatório” e a “fundamentação”, ficando o decisor incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, a determinar a coima, eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem, remetendo, quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos de agravação ou de atenuação da culpa e às normas legais aplicáveis, para a proposta do instrutor.
IX - Esta posição vai ao encontro do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPA. Acresce que se trata de solução que encontra eco numa corrente que se vem formando por virtude da decantada morosidade da justiça e que já teve um primeiro afloramento, ao nível judicial, nas alterações do CPP entradas em vigor no início de 2001, designadamente no que se refere aos acórdãos absolutórios mencionados no art. 400.º, n.º 1, al. f).
X -  No fundo, obrigar a decisão a repetir literalmente considerações já expressas noutra peça processual é uma imposição vazia de sentido, que apenas tem por resultado o desperdício de tempo.
XI - Em Portugal, o direito de informação encontra consagração constitucional no art. 37.º da CRP, integrando três níveis: o direito «de informar», o direito «de se informar», e o direito «de ser informado». A conjugação desse artigo com o art. 38.º, que incide concretamente sobre a liberdade de imprensa e meios de comunicação social, imprime a ideia de protecção quer da actividade individual de comunicação das notícias quer a “informação”, entendida como a acção de comunicar as notícias através dos meios de comunicação social. A liberdade de informação, como base da formação da opinião democrática, é um elemento essencial da liberdade de expressão. A liberdade de informação não é o direito de informar os outros, mas o direito de a si mesmo se informar, sendo um pressuposto da liberdade de expressão e da livre formação da opinião pública e não uma consequência; um Estado democrático não funciona sem uma opinião pública livre e informada, o mais objectivamente possível, sobre os factos.
XII - A não referência expressa, na CRP (art. 37.°, n.º 1), aos meios através dos quais opera o direito de informação deverá, por força do art. 16.°, n.º 2, ser colmatada pelo recurso à DUDH, que, no seu art. 19.°, consagra o direito de procurar, receber e difundir informações, sem consideração de fronteiras, «por qualquer meio de expressão»; tal significa que tanto a expressão do pensamento como a informação podem ser veículadas por qualquer meio; significa também não estar nominalmente previsto um regime especial para os meios de comunicação de massa; finalmente, em termos puramente normativos, resulta dificultada a possibilidade de aderir à posição que distingue a crónica individual da liberdade de informação levada a cabo pelos meios de comunicação.
XIII - É do conceito de informação – no que respeita ao lado activo do direito de informação – que decorrerá, em certa medida, o estatuto de alguns meios de comunicação.
XIV - O direito de informar é um direito de estrutura complexa, capaz de conter em si faculdades que o qualificam simultaneamente como direito, liberdade e até garantia institucionais.
XV - O conteúdo do direito de informação não pode desentender-se da definição do respectivo objecto. Se olharmos em especial ao direito de informar, poderemos verificar que os pressupostos e requisitos que integram o conceito de informação acabam por funcionar como margens delimitadoras do seu conteúdo.
XVI - Os limites do direito de informar são, por consequência, mais numerosos e mais extensos que os limites da liberdade de expressão. Assim, além dos limites assinalados a esta – que se aplicam, por maioria de razão, ao direito de informar –, podem indicar-se as seguintes linhas orientadoras:
       a) A delimitação do direito de informar tem de resultar igualmente de uma interpretação sistemática da CRP, podendo relevar, consoante os vários tipos de mensagem (política, religiosa, filosófica, publicitária, etc.), porém, não só os demais direitos e liberdades fundamentais, como a tutela de certos princípios e valores constitucionais inerentes à liberdade política e à forma democrática do governo;
       b) Tal delimitação só pode ocorrer no quadro da CRP (art. 18.º, n.º 2) e deverá corresponder essencialmente à modulação do alcance dos direitos fundamentais concorrentes; em particular, além dos direitos que relevam da inviolabilidade pessoal, e que não podem ser lesados no seu conteúdo essencial, devem ser aqui chamadas outras limitações como as relativas à utilização de informação sobre pessoas e famílias (art. 26.º, n.º 2, da CRP), aos direitos dos arguidos (art. 32.º da CRP) ou à protecção constitucionalmente amparada do segredo;
       c) Tal como para a liberdade de expressão, em princípio, a CRP (salvo os casos já apontados) não permite à lei que venha estabelecer limitações – no sentido que habitualmente lhe vem sendo dado de restrições – decorrentes de exigências da moral, da ordem pública ou do mal) e, por outra, os que correspondem à delimitação do âmbito de protecção ou conteúdo do direito.
XVII - É liminar, por um lado, a importância do direito a informar como pilar de uma sociedade democrática, mas também a circunstância de que tal direito não é uma entidade absoluta e está limitado pela observância de regras de igual ou superior dimensão. Um dos princípios fundamentais do estatuto constitucional do sector público da comunicação social é o pluralismo ideológico. Cada órgão de comunicação social deve apresentar uma programação ou conteúdo ideologicamente «contrabalançado» e expressivo das diversas correntes de opinião.
XVIII - O pluralismo traduz-se em dar expressão às «diversas correntes de opinião». Não especifica a CRP que tipo de opinião é que está em causa, mas há-de naturalmente tratar-se das correntes de opinião de natureza política, ideológica, religiosa, e, em geral, cultural. O princípio pluralista exige, designadamente: a proibição de silenciamento de qualquer corrente de opinião relevante na colectividade; a obrigação de atribuir a cada um mínimo adequado de expressão; a proibição de dar expressão a cada uma de forma desproporcionadamente grande ou pequena.
XIX - É nesta compreensão da relatividade do direito de informar que se deve partir para a destrinça entre a noticia que se inscreve num inalienável exercício de um direito, e que não está cerceada por qualquer limitação legal, obedecendo única e simplesmente ao critério da importância jornalística e a noticia que, em período de campanha eleitoral, toca ou, por alguma forma, convoca algo mais do que a mera notícia, entrando no tratamento das candidaturas em presença.
XX - A recorrente, no caso em apreço, orientou-se naquele primeiro caminho aduzindo duas ordens de razões que se consubstanciam na existência de um critério editorial tendo em conta a representação que cada um dos partidos tinha no executivo municipal sendo natural que a cobertura jornalística tivesse sido feita na mesma proporção, e, ainda, a circunstância de a eleição à Presidência da Câmara Municipal X revestir a particularidade de o ainda Presidente da Câmara se ter candidatado num movimento independente e o seu vice Presidente ser o candidato do Partido A.
XXI - Contudo, a peça jornalística em causa estendeu-se às afirmações produzidas por um candidato de um terceiro partido, que nada tinha a ver com a invocada situação que, na perspectiva da arguida, justificaria o tratamento jurídico diferenciado. A partir do momento em que é dada oportunidade a um candidato às eleições locais da cidade de X de se pronunciar sobre as mesmas, também os restantes candidatos devem ter igual oportunidade não existindo qualquer justificação para um tratamento discriminatório, tanto mais que esta era a única intervenção da recorrente relativa às eleições na mesma autarquia. Estamos pois em condições de afirmar que aquela peça noticiosa, respeitando, não só, mas também, à campanha eleitoral não deu um tratamento igual a todas as candidaturas.
XXII - Dispõe o art. 49.º da LOAL que os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas. Por seu turno, o art. 212.º do mesmo diploma pune a empresa proprietária de publicação informativa que não proceder às comunicações relativas a campanha eleitoral previstas naquela lei ou que não der tratamento igualitário às diversas candidaturas com coima de 200 000$00 a 2 000 000$00.
XXIII - Nos termos do DL 85-D/75, considera-se matéria relativa à campanha, as notícias, reportagens, a informação sobre as bases programáticas das candidaturas, as matérias de opinião, análise política ou de criação jornalística, a publicidade comercial de realizações, entre outros. Às notícias ou reportagens de factos ou acontecimentos de idêntica importância deve corresponder um relevo jornalístico semelhante. A parte noticiosa ou informativa não pode incluir comentários ou juízos de valor, não estando contudo proibida a inserção de matéria de opinião, cujo espaço ocupado não pode exceder o que é dedicado à parte noticiosa e de reportagem e com um mesmo tratamento jornalístico.
XXIV - Os princípios gerais de direito eleitoral consagrados na CRP, nomeadamente os prescritos na al. b) do n.º 3 do art. 113.º da LEOAL, visam a igualdade de tratamento de candidaturas e oportunidade de esclarecimento público.
XXV - Tratando-se, como se trata no caso vertente, de uma invocação feita da liberdade de expressão e criação dos jornalistas, a mesma não tem um carácter absoluto uma vez que tem de ser conjugada, com o dever de igualdade de tratamento das candidaturas aos órgãos de poder local. A LEOAL estabelece regras de adequação de outros direitos, liberdades e garantias ao especial tempo de propaganda eleitoral, em nome exactamente de um outro direito fundamental em democracia e igualmente com assento constitucional: a liberdade de escolha esclarecida do eleitor alicerce, da soberania popular que funda o Estado de direito democrático, que somos (art. 2.º da CRP).
XXVI - Ao jornalista assiste a liberdade de adoptar os critérios de exercício da sua profissão e de tratamento da notícia, com a salvaguarda de que não crie, nomeadamente no período eleitoral, uma situação de discriminação de candidaturas concorrente a um órgão de poder local. A actividade dos órgãos de comunicação social, que façam a cobertura da campanha eleitoral, deve, pois, ser norteada por critérios que cumpram os requisitos de igualdade entre todas as forças concorrentes às eleições; por preocupações de equilíbrio e abrangência, não podem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas presentes.
XXVII - No caso dos autos, face aos seguintes factos demonstrados:
       - no concelho de X concorreram aos dois órgãos municipais os seguintes partidos e coligações: A, B, C, D e o grupo de cidadãos eleitores E;
       - apresentou candidatura apenas à Câmara Municipal o partido F;
       - a recorrente transmitiu uma reportagem num dos seus noticiários, de 08-10-2009, em que apenas fez referência a três das candidaturas formalizadas à eleição da Câmara Municipal de X, tendo sido entrevistados os principais candidatos daquelas forças políticas;
       - na reportagem da recorrente assim transmitida não foram feitas quaisquer referências às restantes candidaturas;
       - a reportagem foi emitida durante o período de campanha eleitoral, o qual se iniciou em 29-09-2009;
       - no período de campanha eleitoral (entre 29-09 e 09-10-2009) não se registaram quaisquer outras reportagens nos serviços noticiosos da recorrente relativas às eleições autárquicas dos órgão do município de X;
       - o critério editorial adoptado pela recorrente para a cobertura das campanhas no âmbito das eleições autárquicas de 2009, nela se incluindo a referente aos órgãos municipais de X, teve em conta a representação que cada um dos partidos políticos detinha no executivo municipal;
       entende-se que se encontram perfectibilizados os elementos fácticos relativos ao elemento material da infracção imputada.
XXVIII - A prova do elemento subjectivo do tipo, criminal ou contraordenacional, é complexa e, consequentemente, os tribunais para o afirmar têm que recorrer a juízos de inferência a partir de dados externos qualificados. Na verdade, os elementos subjetivos localizados no intelecto e consciência humana assumem-se como noções psicológicas que se furtam a uma percepção directa, ou apreciação imediata, por qualquer pessoa que não o próprio.
XXIX - É aqui que a prova indiciária assume uma especial importância para a acreditação desses elementos; tornando-se numa ferramenta necessária e única, na ausência de outros materiais comprobatórios que possam coadjuvar nesta tarefa. O conteúdo do pensamento só pode ser avaliado por indução ou por inferência, usando o juiz dados objectivos existentes no processo para afirmar até que ponto chegou o conhecimento do agente e quais eram suas verdadeiras intenções.
XXX - Consequentemente, será a partir do comportamento externo do sujeito e das circunstâncias em que surgiu o facto que o tribunal estará em condições de inferir os elementos subjectivos ou, por outras palavras, determinar qual foi a intenção e o grau de conhecimento que, sobre as suas acções, teve a pessoa acusada da prática de uma infracção. Importa aqui a inferência operada na base dos elementos objectivos (indícios) decorrentes do seu comportamento e das características do facto.
XXXI - No caso concreto, encontramo-nos perante uma das mais importantes estações de televisão que opera em Portugal e para a qual não é desconhecida toda a problemática relacionada com a campanha eleitoral, incluindo as questões jurídicas suscitadas pela mesma. Igualmente é exacto que ao dar espaço de promoção eleitoral a um candidato no âmbito de uma notícia mais abrangente relativa a outros dois candidatos a arguida não estava a tratar de forma igualitária todas as candidaturas pois que não tiveram projecção televisiva as restantes candidaturas. De tais elementos objectivos pode-se inferir a existência do conhecimento de um tratamento desigual em relação a algo que não o devia ser.
XXXII - O dolo existente não se pode ajuizar como portador de uma forte carga de censura e as circunstâncias da contraordenação também se situam numa zona pouco densa em termos de consequências ou em termos de ilicitude contraordenacional. Sendo certo que não se justifica o apelo à mera admoestação, está suficientemente fundamentado a aplicação de uma coima situada no limite mínimo da moldura contraordenacional.
           
      
Decisão Texto Integral:

                               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA  SA veio interpor recurso da decisão da Comissão nacional de Eleições que pela prática da contra ordenação prevista no artigo 212 da LEOAL a condenou na coima de 997,60 Euros.   

      As razões e discordância estão expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

A. A DECISÃO RECORRIDA, DEVENDO SER COLOCADA EM PLANO IDÊNTICO AO DA SENTENÇA CRIMINAL, VIOLOU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 15.° DO CP, 7.°, Nº 2, 8º, 41.0, Nº 1 E 58º Nº 1 B) DO RGCO, 374.°, Nº 2 E 379.°, Nº 1 A) DO CPP E 32º, Nº 10 DA CRP, UMA VEZ QUE É OMISSA NO QUE RESPEITA À MATÉRIA DE FACTO RELATIVA AO TIPO SUBJECTIVO DO ILÍCITO CONTRA-ORDENACIONAL IMPUTADO À RECORRENTE, SENDO, EM CONSEQUÊNCIA, NULA;

B. NÃO SE ENCONTRAM VERIFICADOS NOS AUTOS OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA CONTRA-ORDENAÇÃO PREVISTA E PUNIDA NO ARTIGO 212º, CONJUGADO COM O ARTIGO 49º, Nº 1, DA LEI ORGÂNICA Nº 1/2001, DE 14 DE AGOSTO, QUE REGULA A ELEIÇÃO DOS TITULARES DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS (LEOAL);

C. A MERA AUSÊNCIA DE REFERÊNCIA À COLIGAÇÃO DE PARTIDOS PCP-PEV E AOS PARTIDOS B.E. E PPM, NO ÂMBITO DO "..." DA AA, DE … DE … DE 200…, SEM QUE SE TENHA PROVADO QUE, PELO MENOS, NESSA MESMA DATA (OU MESMO NOUTRAS DATAS), EXISTIRAM AÇÕES DE CAMPANHA DAQUELES PARTIDOS, PASSíVEIS DE COBERTURA JORNALÍSTICA PELA RECORRENTE, NÃO PODE SIGNIFICAR QUE HOUVE UM TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO;

D. INEXISTE PROVADO NOS AUTOS DOLO - QUE NÃO SE PRESUME ­NA CONDUTA DA RECORRENTE EM ANÁLISE NO PROCESSO, UMA VEZ QUE NÃO FAZ PARTE DO UNIVERSO DE ANÁLISE DA DELIBERAÇÃO DA CNE, FACTO ESSENCIAL PARA O APURAMENTO DE HIPOTÉTICAS SITUAÇÕES DE TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DE CANDIDATURAS POR PARTE DOS ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, COMO SEJA O NÚMERO TOTAL DE ACÇÕES DE CAMPANHA EFECTIVAMENTE PROMOVIDAS POR CADA UMA DAS CANDIDATURAS;

E. O TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DAS CANDIDATURAS TEM COMO FACTO NUCLEAR A CONDUTA DO AGENTE NO SENTIDO DE AFASTAR DOLOSAMENTE NA COBERTURA DA CAMPANHA ELEITORAL UMA OU MAIS CANDIDATURAS, NÃO DANDO IGUAL TRATAMENTO A TODAS ELAS, O QUE NÃO FICOU PROVADO - NEM FOI ALEGADO PELA CNE - NOS PRESENTES AUTOS;

F. O CRITÉRIO EDITORIAL ADOTADO PELA RECORRENTE, PARA A COBERTURA DAS CAMPANHAS NO ÂMBITO DAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2009, TEVE EM CONTA A REPRESENTAÇÃO QUE CADA UM DOS PARTIDOS TINHA NO EXECUTIVO MUNICIPAL, SENDO NATURAL QUE A COBERTURA JORNALÍSTlCA SEJA FEITA NESSA MESMA PROPORÇÃO, ASSIM SE CUMPRINDO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO DAS CANDIDATURAS;

G. NÃO OBSTANTE A REPORTAGEM TRANSMITIDA NO TELEJORNAL EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS TER DIFUNDIDO UMA PEÇA JORNALÍSTICA QUE CONTEMPLOU APENAS TRÊS DAS CANDIDATURAS, APARENTEMENTE EXCLUINDO A CDU, NÃO SIGNIFICA QUE O PARTIDO PARTICIPANTE NÃO TENHA SIDO ALVO DE TRATAMENTO JORNALÍSTICO NOUTRAS PEÇAS.

H. A ELEIÇÃO À PRESIDÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL DE M... REVESTIA A PARTICULARIDADE DE O AINDA PRESIDENTE DA CÂMARA AA, SE TER CANDIDATADO NUM MOVIMENTO INDEPENDENTE E O SEU AINDA VICE LÍDER, CC, SE CANDIDATAR AO MESMO CARGO, PELO PARTIDO SOCIALISTA, SENDO QUE A_REPORTAGEM EM CAUSA NOS AUTOS TINHA COMO OBJECTIVO ESPECÍFICO O ENFOQUE SOBRE A CANDIDATURA À PRESIDÊNCIA DO EXECUTIVO MUNICIPAL, COM ESPECIAL ATENÇÃO PARA A TEMÁTICA CC/BB.

I. O CANDIDATO PELA COLIGAÇÃO DE PARTIDOS PPD/PSD.CDS-PP TEM UMA APARIÇÃO QUE SE CIRCUNSCREVE AO COMENTÁRIO SOBRE AS CANDIDATURAS DE CC PELO PS, E BB, COMO INDEPENDENTE, EMBORA PÚBLICA E POLITICAMENTE CONHECIDO COMO MILITANTE DO PS, O QUE NÃO CONSUBSTANCIA TRATAMENTO JORNALÍSTICO DISCRIMINATÓRIO DAS CANDIDATURAS;

J. CASO SE ENTENDA QUE A RECORRENTE PRATICOU A CONTRA­ORDENAÇÃO QUE LHE É IMPUTADA, E QUE À MESMA DEVE SER APLICADA UMA SANÇÃO, MOSTRA-SE ADEQUADA AO CASO CONCRETO E À SATISFAÇÃO DAS EXISTÊNCIAS DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL DO PRESENTE CASO, UMA SANÇÃO NÃO SUPERIOR À ADMOESTAÇÃO;

K. A ENTIDADE ADMINISTRATIVA RECORRIDA, AO DECIDIR COMO DECIDIU, VIOLOU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 7º, Nº 2, 8º, 18º, 41º, Nº 1, 50.°, 51º E 58.°, Nº 1 B) DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES; 374º, Nº 2 E 379º, Nº 1 A) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 29º, Nº 1, 32º nº 1, 37º e 38º DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLlCA PORTUGUESA; 40.°, 49.° e 212.° DA LEI ELEITORAL DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS.

Termina pedindo que o presente recurso seja admitido, julgado procedente e, em consequência, a decisão recorrida ser revogada e substituída:

1. Por decisão que declare a nulidade, com todas as consequências legais, da decisão recorrida, por violação do disposto no artigo 58.°, nº 1 b) do RGCO;

Ou, se assim não for entendido,

2. Por decisão que absolva a Recorrente, por falta de verificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo contraordenacional previsto no artigo 212.°, da LEOAL, tudo com referência ao disposto no artigo 49º, nº 1, da mesma lei.

Ou, se assim também não for entendido,

3. Deve ser aplicada à Recorrente uma sanção não superior à admoestação, por a mesma se mostrar adequada ao caso concreto e à satisfação das existências de prevenção geral e especial.

       Indicou prova a produzir

    Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais

                                                           *

               Estão provados os seguintes factos

a) Em vinte e seis de junho de dois mil e doze a Comissão Nacional de Eleições deliberou que:

2.4 - Processo de Contraordenação n° 42/AL-2009fT JD – AA Violação do disposto no artigo 49.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL) aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto - Tratamento Jornalístico Discriminatório - Relatório de instrução e projeto de decisão.

A Comissão, com a abstenção do Senhor Dr. DD, aprovou o Relatório de instrução e Projeto de decisão que consta em anexo à presente ata e, nos termos e com os fundamentos constantes do mesmo, tomou a seguinte deliberação:--Julga-se verificada a infração no disposto no nº 1 do artigo 49.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, cometida pela AA - …, S.A., proprietária da estação de televisão AA. 

Atendendo à matéria factual apurada e à prova produzida no processo, bem como aos critérios de determinação da coima referidos e ponderados os fatores mencionados, a CNE, no uso da competência que lhe é cometida pelo n.º 1 do artigo 203.° da LEOA L, condena a AA .. …, S.A., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 212.° da mesma lei e aplica uma coima no valor de € 997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) e custas no valor de € 12,23 (doze euros e vinte e três cêntimos).

Adverte-se a arguida, conforme o disposto no artigo 58.°, n°.s 2 e 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, na redação em vigor, de que: 

a) Esta decisão torna-se definitiva e exequível se não for impugnada judicialmente, no prazo de 20 dias úteis após a sua notificação, em recurso a interpor para a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, por escrito e apresentado nesta Comissão

b) Em termos de relatório de instrução constam os seguintes elementos

1- RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO

1. No âmbito do processo eleitoral referente às eleições gerais dos órgãos das autarquias locais, de 11 de outubro de 2009, e na sequência da participação apresentada pela coligação de partidos PCP-PEV, a Comissão Nacional de Eleições (CNE), na reunião de 21 de Dezembro de 2010, deliberou instaurar um processo de contraordenação à empresa proprietária da estação de televisão AA, por violação do disposto no nº 1 do artigo 49 e do artigo 212 da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto.

Assim, foi instaurado pela CNE o presente processo de contraordenação à sociedade comercial AA - …, S.A., empresa proprietária da estação de televisão AA, com sede na Estrada da …, …, ..., por se entender que os factos descritos configuram a prática de:

- Uma contraordenação prevista e punível pelo artigo 212.' da lei Orgânica n.' 1/2001, de 14 de Agosto, com coima de € 997,60 a € 9.975,96, relativa ao tratamento não igualitário conferido às diversas candidaturas que se apresentaram à Câmara Municipal de M... na eleição dos órgãos das autarquias locais de 11 de outubro de 2009, em violação do disposto nos artigos 40.' e 49.' da lei Orgânica n.' 1/2001, de 14 de Agosto .

2. A 13 de julho de 2010, a CNE notificou a sociedade comercial AA - …, S.A., para se pronunciar sobre o teor do auto de notícia, dando cumprimento ao disposto no artigo 50.' do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (conf. fls 1 e segs. dos autos).

A sociedade comercial AA - …, S.A., veio responder nos termos que a seguir se transcrevem (d. tis. 27 e segs. dos autos):

«1- DOS FACTOS CONSTANTES DO AUTO DE NOTICIA ,

1-À arguida é imputada a prática de uma contra-ordenação, por alegada violação do disposto nos artigos 40º e 49º da Lei Orgânica n. o 1/2001, de 14 de Agosto - Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL)".

2.0 Tais preceitos referem que: Os candidatos, os partidos políticos. coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento salvo as excepções previstas na lei" (artigo 40. O);

"Os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas" (artigo 49. o. n. o 1).

3.- Para sustentar tal entendimento a Comissão Nacional de Eleições (CNE) considera, sucintamente, que:

"- A AA transmitiu uma reportagem no ... de … de Outubro de 200.. com referência apenas a três candidaturas à eleição dos órgãos municipais de M...; - do PS, do grupo de cidadãos eleitores "BB M... Sempre" e da coligação de partidos PPD/ PSD. COS-PP;

- Na referida reportagem não houve quaisquer referências à coligação de partidos PCP-PEV ou ao BE, restantes candidaturas que se apresentaram aos dois órgãos municipais;

A reportagem foi emitida no dia … de Outubro de 200…, isto é, em pleno período de campanha eleitoral, o qual se iniciou em 29 de Setembro de 2009;

- No período de campanha eleitoral (entre 29 de Setembro e 9 Outubro de 2009) não se registaram quaisquer outras notícias relativas às eleições dos órgãos do município de M...".

4.-Salvo o devido respeito, discorda-se de tais asseverações, não só por não corresponderem exactamente à realidade, como infra se demonstrará como ainda a factualidade efectivamente ocorrida não tem, nem pode ter, a acepção nem a interpretação que lhe é dada pela CNE.

5.- Vejamos então por que é que a arguida não tratou de forma discriminatória as candidaturas e lhes deu um tratamento em cumprimento do princípio da igualdade:

6 - Com efeito, a arguida transmitiu, em … de Outubro de 200.., uma reportagem no ..., relativa à eleição para a Câmara Municipal de M..., no âmbito das eleições autórquicas de 11 de Outubro de 2009.

7.-A esta eleição concorreram o PS, grupo de cidadãos eleitores "BB M... Sempre" (candidato independente) e a coligação de partidas PPD / PSD. CDS-PP.

8.·-Destes partidos, havia concorrido ao mandato anterior, nas eleições autárquicas de 2005, o PS, a Coligação PPD/PSD-CDS-PP, o PCP-PEV, o Bloco de Esquerda e o Partido Humanista.

9 -De acordo com os resultados obtidos nessas eleições, em 75.712 votantes, correspondentes a 56,07% dos eleitores inscritos:

> 35.788 eleitores votaram no PS:

> 23.384 eleitores votaram na Coligação PPD/PSD-CDS-PP; > 6.539 eleitores votaram no PCP-PEV;

> 5.330 eleitores votaram no BE;

> 439 eleitores votaram no PH;

> 2.804 eleitores votaram em branco;

> 1.428 votos foram considerados nulos. 10.·

Por força destes resultados: > o. PS elegeu 6 vereadores;

> A Coligação PPD/PSD-CDS-PP elegeu 4 vereadores; > o. PCP-PEV elegeu 1 vereador.

De acordo com estes resultados, verificaram-se as seguintes percentagens de votos:

> O PS obteve 47,27% dos votos;

> A Coligação PPD/PSD-CDS-PP obteve 30,89% dos votos; > O PCP-PEV obteve 8,64% dos votos;

> O BE obteve 7,04% dos votos

> O PH obteve 0,58% dos votos,

12-Como já se referiu, nas eleições autárquicas de 2009, para a Câmara Municipal de M..., concorreu o PS, um Movimento Independente (com o candidato BB), a Coligação PPD/PSD-CDS-PP, o PCP-PEV, o BE e o PPM.

13-Ora, em resultado das eleições autárquicas de 2005, o PS e a Coligação PPD/PSD-CDS-PP juntos reuniam 78,16% de representatividade do eleitorado na Câmara da M...,

14-O critério editorial adoptado pela arguida, para a cobertura das campanhas no âmbito das eleições autárquicas de 2009, teve em conta a representação que cada um dos partidos tinha no Executivo Municipal.

15-Logo, se o PS elegeu 6 vereadores, a Coligação PPD/PDS-CDS-PP elegeu 4 e o PCP-PEV elegeu somente I vereador, natural será que a cobertura jornalística seja feita nessa mesma proporção,

16-Como é consabido, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13,· da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.

17-Na verdade, o princípio da igualdade tem um duplo conteúdo: a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes.

18-O tratamento televisivo que foi conferido às eleições autárquicas em causa cumpriu na íntegra a igualdade, em função, evidentemente, da proporcionalidade que cada um dos partidos detinha no órgão autárquico.

Senão, vejamos:

19-Considerando a totalidade de espaço televisivo dedicado ao tratamento de campanhas eleitorais, realizado no âmbito de eleições, a distribuição do espaço televisivo terá, forçosamente, que respeitar, na proporção, a percentagem de representatividade que cada um dos partidos detém sobre uma autarquia.

20-Assim, se o PS e a Coligação PPD/PSD-COS-PP reuniam 78,16% de representatividade do eleitorado na Câmara da M..., e o PCP-PEV e o BE, em conjunto, reuniam 15,68%,

Forçoso seria atribuir um espaço televisivo superior ao PS e o BB (político e publicamente do PS e ainda Presidente eleito pelo PS, em 2005) do que ao PCP-PEV e BE, por deterem uma percentagem muito inferior de representação do Executivo Municipal de M....

22-Em bom rigor, o arguido, ao ter focado apenas três das seis candidaturas à Câmara de M..., na reportagem causo, fê-lo em função da percentagem de representatividade detido no órgão autárquico.

23-Posto isto, seró necessário concluir que o critério editorial adoptado pelo arguido limitou-se o tratar de formo iguais as campanhas eleitorais, seguindo a regra de três simples que subjaz ao princípio da igualdade.

(NB: As percentagens e números de votos indicados nos artigos supra constam do Documento n." I, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que contém os números oficiais relativos aos resultados das eleições autárquicas de 2005 e 2009).

24-Efectivamente, não obstante a reportagem transmitida no Telejornal em causa nos presentes autos ter difundido uma peça jornalística que contemplou apenas três das candidaturas, excluindo a CDU, não significa o partido participante não tenha sido alvo de tratamento jornalístico noutras peças.

25-Sucede apenas que não o foi nesta peça. O que em nada viola o princípio da igualdade, para mais tendo em atenção a verdadeira acepção de tal princípio fundamental.

26-Em boa verdade, a arguida tratou sempre as campanhas eleitorais de forma igualitária _ como se disse, consoante a representatividade que os candidatos detinham no Executivo Municipal.

 27-Mais, a arguida tentou manter-se sempre ao corrente das acções de campanha dos vários partidos, mediante as suas fontes de informação, sendo um facto que a Agenda de Campanha para o dia 8 de Outubro de 2009, somente previa, para M...:

"M... Autárquicos PSD: Coligação M... Merece Melhor 10:00 - Acção de rua em M... (ponto de encontro sede de campanha). 15:00 - Visita e contacto com a população nos Bairros da ..., ... (ponto de encontro sede de campanha) 20:30 - F.../ Convívio (Pavilhão da B… - … …)".M... Autárquicas: conferência de imprensa de BB O candidato independente do grupo de cidadãos eleitores "BB M... Sempre" revelou num encontro com a comunicação social o final do prazo para aquilo que chamo o "desafio da verdade". 16:30 - Bairro ..., em ...". Cfr. Documento n." 2, que oro se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (páginas 5 e 7).

28-Não será ainda despiciendo referir que a eleição à presidência da Câmara Municipal de M... revestia a particularidade de o ainda Presidente da Câmara BB, se ter candidatado, desta feita num movimento independente e o seu ainda vice líder, CC se candidatar ao mesmo cargo, pelo Partido Socialista.

29-A reportagem tinha, pois, como objectivo específico o enfoque sobre a candidatura à Presidência do Executivo Municipal. com especial atenção para a temática CC/BB.

30.-Aliás, pode constatar-se na reportagem em questão que o candidato pela coligação de partidos PPD/PSD.CDS-PP tem uma aparição que se circunscreve ao comentário sobre as candidaturas de CC pelo PS, e BB, como independente, embora pública e politicamente conhecido como militante do PS.

31-A arguida deu, pois, cumprimento ao princípio do tratamento da igualdade

- DO DIREITO

32-Ora, dispõem os preceitos cuja violação a CNE imputa à arguida que: ·Os candidatos, os partidos políticos, coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento, salvo as excepções previstas na lei· (artigo 40." da LEDAL);

·Os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas· (artigo 49- nº- 1, da LEOAL).

33.-Refere ainda o artigo 212 do mesmo diploma legal que:·A empresa proprietária de publicação informativa que não proceder às comunicações relativas a campanha eleitoral previstas na presente lei ou que não der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 200.0001 $00 a 20000001$00 (997,60 a €9.975.96).

34.- Como se deixou supra demonstrado, a arguida não deu qualquer tratamento discriminatório a nenhum dos candidatos às eleições em questão.

35.- Nem, tão-pouco tratou de forma desigual qualquer dos candidatos. ou sequer qualquer das candidaturas à autarquia local.

36.-A arguida deu, pois, cumprimento ao princípio da igualdade, consagrado, aliás, no artigo 13 da CRP.

37.-Esmorece, pois, qualquer argumento de que as candidaturas do PCP-PEV ou BE receberam um tratamento diferente das demais candidaturas, pois que os referidos partidos detinham uma percentagem muito inferior, ou nem sequer detinham, como era o caso do BE, de representatividade na Câmara Municipal.

38.-Em bom rigor, o princípio da igualdade tem um duplo conteúdo:

 a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais;

 a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes.

39-Assim, o princípio da igualdade desenvolve-se nas vertentes da proibição da discriminação e da obrigação da diferenciação.

40-Pelo que, atento o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13º, a arguida não estava obrigada a cobrir a eventual acção de campanha da CDU, no Jornal …, de dia … de Outubro de 200…, para mais que não foi divulgada qualquer acção de campanha do referido partido.

41-Face ao exposto, dúvidas não restarão de que a arguida não violou o princípio da igualdade, não tendo, em consequência, praticado a contraordenação que lhe é imputada.

Motivo por que se entende deve a arguida ser absolvida e este processo de contraordenação arquivado.

À cautela, o que se faz por dever de patrocínio.

 42.0-Casa se entenda que a arguida praticou a contraordenação que lhe é imputada, e que à mesma deve ser aplicada uma sanção mostra-se adequada ao caso concreto e à satisfação das existências de prevenção geral e especial do presente caso uma sanção não superior á admoestação atento o disposto no nº 2. do artigo 9: e no nº1 do artigo 51 ambos do Decreto-Lei n: 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n: 244/95. de 14 de Setembro.

Termina pedindo que:

-O presente processo de contraordenação seja arquivado, considerando todos os fundamentos que se invocaram;

Ou, caso assim não entenda, seja aplicada uma pena não mais gravosa que a admoestação, considerando a reduzida gravidade da infracção.

A defesa foi apresentada em 1 de agosto de 2011 através de correio eletrónico e em 4 de agosto de 2011 através de correio registado (fls. 27 e segs. e 59 e segs., respetivamente). não tendo sido requerida qualquer prova testemunhal.

3-No concelho de M... concorreram aos dois órgãos municipais os seguintes partidos e coligações: SE, PS, PCP-PEV, PPD/PSD.CDS-PP e o grupo de cidadãos eleitores: "BB M... Sempre";

Apresentou candidatura apenas à Câmara Municipal o PPM.

4-Para efeitos de apreciação do presente processo, procedeu-se à transcrição da reportagem emitida cela AA no dia … de outubro de 20… e a que se reporta a participação apresentada pela coligação de partidos PCP-PEV a fls. 8 e segs. dos autos):

«Jornalista AA - M... é umo das curiosidades desta eleição. De um lado o socialista e actual presidente. CC. Do outro, o ex socialista e agora independente. BB. É uma luta entre dois antigos amigos e colegas de câmara.

Voz oft - A partida está animada mas há outra jogo a entusiasmar mais as gentes de M....

(conversa entre munícipes):

1 - Há um ser humano que esteve aqui muitos anos. (imperceptível). Ele saiu daqui para fora ... Ele saiu daqui para fora, mas vou-te dizer uma coisa. Ele a concorrer como independente ainda não se sabe o que é que se poderá aí arranjar.

2 - Uma coisa é certa, ele esteve aqui durante dezoito anos e depois apoiou (imperceptível). ou seja, o CC. Apoiou e agora foi-se embora, abandonou-o e quer regressar outra vez.

1 - Foi para o governo. (imperceptível)

3 - (imperceptível) Deu à sola. I - Não foi só ele.

4 – O pá, esse que está na Câmara vai pôr o rio Leça a dar verde tinto.

Voz oft - O regresso de BB à luta política confunde o eleitorado. O punho fechado foi substituído pelo coração e BB anda com ele na boca e nas mãos.

BB - Já sabe como é que vota? Explique lá. Ora diga-me lá.

Munícipe - No coração  não é? Nâo há dúvida nenhuma.

BB - No coração. Está ali os símbolos todos dos partidos. Desta vez, mesmo sendo socialista não é na mãozinha

Munícipe - É cá em baixo.

BB - Muito obrigado. ( ... ) Isto aqui é do PS. ( .. .) Já sabe que é no coração? Não é ali. É aqui.

Munícipe - É aqui, acho que não há dúvida.

BB - Eu acho que há muita gente a tentar confundir as pessoas. Há muita gente do aparelho que onda a dizer quando as pessoas reagem "eu voto no BB eu quero o regresso do BB, então aparece alguém a dizer "bem, para votar no BB vote ali na mãozinha.

Voz off - Certo de que a vida não imita o jogo, CC espera que os votos dos socialistas não se dispersem entre ele e BB.

CC - Não, não temo porque as pessoas conhecem-me bem, conhecem bem o Partido Socialista, sabem bem o que temos feito, sabem bem o que temas trabalhado e portanto não tenho dúvidas nenhumas que elas vão saber escolher bem. E vão escolher um caminho de serenidade, um caminho de tranquilidade.

Voz off - O candidato do PS elege a dinamização económica do concelho e a educação como grandes bandeiras para um segundo mandato. Está nas escolas a obra de que mais se orgulha.

CC - Inventámos um programa de detecção precoce de dificuldades de aprendizagem para as crianças do ensino pré-primário, que vai fazer com que, por cada cem crianças que mostraram algumas dificuldades de linguagem e que são outros tantos sintomas de que vão, no futuro, ter problemas na sua aprendizagem, noventa por cento dessas crianças passam a ser alunos normais e mesmo bons alunos.

Munícipe - Tenho imensa pena, mas eu sou socialista. Tenho imensa pena

EE - Tudo bem. Ok. Já votaram em mim muitos socialistas. (. . .) Durante dezasseis anos BB foi presidente e CC vereador ou vice-presidente. Fizeram a mesma equipa, tiveram oportunidade de gerir M.... Olhemos para os programas deles. Há alguma diferença? Nenhuma.

Voz off - De vereador da Câmara de ... para candidato do PSD CDSIPP à Câmara de M..., EE tem feita uma campanha a metro. Em três meses, bateu às portas e ouviu queixas.

EE - Eu diria que o maior problema de M... é a mobilidade, a acessibilidade, as vias estruturantes. Isso decorre também de uma situação, que eu acho que é incompreensível, é que em M... o Plano Director Municipal tem dezassete anos.

CC - O EE nem chegou a perceber bem o que era o concelho, porque senão teria percebido que o Plano Director Municipal de mil novecentos e noventa e dois definiu todas as vias que eram necessárias. Foi um PDM aprovado consensualmente por todos os partidos, pelo governo, por todos.

Repórter AA - Não acha que está desactualizado?

CC - Não, nessa matéria não.

Voz off - BB e EE negam um acordo pós eleitorol, mas BB admite ir buscar os melhores paro vereadores.

BB - O CC foi um bom vereador. Eu vou contar com ele como vereador porque um bom vereador pode não ser um bom líder.

CC - Agradeço esse elogio. Ele, como nunca esteve sob a minha liderança, não pode saber se eu sou um mau líder, portanto eu deixo isso à apreciação dos cidadãos de M..., que dizem rigorosamente o contrário.

Voz of! - O jogo só acaba no Domingo

11. FUNDAMENTAÇÃO

Matéria de facto apurada

5. Relativamente à matéria de facto, em causa no presente processo, foram recolhidos os seguintes elementos probatórios:

- Participação da coligação de partidos PCP-PEV (fis. 8 a 10 dos autos):

- Os suportes digitais em DVD com as gravações dos serviços noticiosos emitidos pela estação de televisão AA no período legal de campanha referente à eleição dos órgãos das autarquias locais de 11 de outubro de 2009 - de 29 de Setembro a 9 de outubro de 2009 (Apenso 1 dos autos);

- Transcrição da reportagem transmitida no ... da estação de televisão AA no dia .. de Outubro de … sobre as eleições autárquicas no concelho de M..., com a duração de 3 minutos e 50 segundos (tis. 2 a 4 dos autos);

- A defesa apresentada pela empresa proprietária da estação de televisão AA (tis. 27 a 58 e duplicado de tis. 59 a 89);

- Mapa nacional da eleição elaborado pela Comissão Nacional de Eleições publicado no Diário da República, I Série, Suplemento - n° 49 - de 11 de março de 2010 (Mapa Oficial nº l-A/2010), onde constam as candidaturas apresentadas aos órgãos municipais no concelho de M...

6. Face aos elementos probatórios que foi possível recolher, consideram-se provados os seguintes factos:

a) No concelho de M... concorreram aos dois órgãos municipais os seguintes partidos e coligações: S.E.. PCP-PEV. PPD/PSD.CDS-PP. PS e o grupo de cidadãos eleitores: "BB M... Sempre";

b) Apresentou candidatura apenas à Câmara Municipal o PPM;

c) A AA transmitiu uma reportagem no ... de … de Outubro de 200… em que apenas fez referência a três das candidaturas formalizadas à eleição da Câmara Municipal de M... - foram mencionadas as candidaturas do PS. do grupo de cidadãos eleitores: "BB M... Sempre" e da coligação de partidos PPD/PSD.CDS-PP. tendo sido entrevistados os primeiros candidatos daquelas forças políticas;

d) Na reportagem da AA transmitida no ... de … de Outubro não foram feitas quaisquer referências à coligação de partidos PCP-PEV e aos partidos políticos S.E. e PPM;

e) A reportagem da AA foi emitida durante o período de campanha eleitoral o qual se iniciou em 29 de Setembro de 2009;

f) No período de campanha eleitoral (entre 29 de Setembro e 9 de Outubro de 2009) não se registaram quaisquer outras reportagens nos serviços noticiosos da AA relativas às eleições autárquicas dos órgãos do município de M...;

g) O critério editorial adotado pela estação de televisão AA para a cobertura das campanhas no âmbito das eleições autárquicas de 2009, nela se incluindo a referente aos órgãos municipais de M..., teve em conta a representação que cada um dos partidos políticos detinha no executivo municipal.

Exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão

7. Os factos dados como provados em 1 e 2 resultam dos autos de sorteio das candidaturas, oriundos do tribunal, bem como a Acta da respectiva Assembleia de Apuramento Geral das quais constam as candidaturas apresentadas aos órgãos municipais no concelho de M..., reproduzidas no mapa nacional da eleição elaborado pela Comissão Nacional de Eleições e publicado no Diário da República, I Série, Suplemento - n° 49 - de 11 de março de 2010 (Mapa Oficial n° l-AI20JO).

Os factos dado como assentes em 3 e 4 resultaram da visualização da reportagem emitida no ... da estação de televisão AA e da análise da transcrição daquela reportagem constante de fls. 2 a 4 dos autos.

O facto dado como provado em 5 proveio do calendário eleitoral publicado pela CNE e disponível em www.cne.Dt e decorre diretamente do disposto no artigo 47.° da LEOAL, atendendo ao dia fixado para a realização das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais (Decreto n° 16/2009, de 3 de Julho, da Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna - Diário da República, I' Série - nº 127 - 3 de Julho de 2009).

O facto dado como assente em 6 resulta da visualização dos serviços noticiosos emitidos pela AA entre 29 de Setembro e 9 de Outubro de 2009, que se encontram anexos ao presente processo - Apenso 1;

O facto dado como provado em 7 proveio da defesa apresentada pela estação de televisão AA, nomeadamente dos artigos 14.° e seguintes, constantes de fls 33 e segs. dos autos.

8. O tratamento jornalístico das candidaturas rege-se pelo disposto nos artigos 40.° e 49.° da LEOAL e pelo Decreto-Lei nº 85-D/75 de 26 de fevereiro.

Os artigos 40.° e 49.° da LEOAL determinam que:

                                                            Artigo 40°

                             Igualdade de oportunidades das candidaturas

Os candidatos, os partidos políticas, coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-Ihes igual tratamento salvo as excepções previstas na lei.

                                                          Artigo 49°

                                                Comunicação social

1 - Os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas.

2 - O preceituado no número anterior não é aplicável às publicações doutrinárias que sejam propriedade de partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos proponentes, desde que tal facto conste expressamente do respectivo cabeçalho.

Estas disposições são decorrentes e enformadoras dos princípios gerais de direito eleitoral consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP), designadamente, do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, proclamado na alínea b) do nº 3 do artigo 113. da lei Fundamental.

Tal princípio basilar tem vindo a ser reafirmado e desenvolvido nas várias leis eleitorais, de molde a que se vinculem, assim, todas as entidades públicas e privadas.

No que respeita aos órgãos de comunicação em geral, resulta que os mesmos devem conceder tratamento jornalístico igual, sem discriminações, a todas as candidaturas intervenientes na eleição.

9. Sobre o alcance do disposto naqueles normativos o Supremo Tribunal de Justiça refere no Acórdão de 6 de Julho de 2006,proferido no âmbito do Proc. 06P1383, o seguinte:

Dispõe-se no art. 40º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, a propósito da propaganda eleitoral e sob a epígrafe «igualdade de oportunidades das candidaturas», que, na eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, os candidatos, os partidos políticos, coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral.

E esclarecesse aí que, por tal devem as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento, salvo as excepções previstas na lei.

Ou seja o dever de proporcionar igual tratamento impõe-se abrangentemente a todas as entidades, sejam elas públicas ou privadas.

Dirigindo-se aos órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral, prescreve aquela Lei, na sequência, que devem então dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas (art. 49.·, nº1I), só sendo excluídas desse dever as publicações doutrinárias que sejam propriedade de partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos proponentes, desde que tal facto conste expressamente do respectivo cabeçalho (nº 2), impondo aos (todos) órgãos de comunicação social, que se ocupem da campanha eleitoral o dever específico de tratar jornalisticamente, de forma não discriminatória, as diversas candidaturas.

Toda a temática da propaganda eleitoral está, pois e logicamente, organizada naquela Lei em função da igualdade de tratamento dos candidatos dos partidos políticos, coligações e grupos proponentes no exercício do seu direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral.

No Acórdão de 4 de Outubro de 2007,proferido no âmbito do Proc. 07P809, o Supremo Tribunal de Justiça esclarece ainda:

Com efeito, enquanto o art. 40. ° se refere ao dever de proporcionar igualdade de tratamento e de oportunidades que as entidades públicas e privadas têm de observar face à propaganda que os candidaturas entendam levar a cabo, no exercício de um direito próprio, o art. 49. ° já impõe um tratamento não discriminatório a uma actividade própria da comunicação social e não das forças concorrentes ao acto eleitoral: a cobertura jornalística. Tal importância advém do papel crucial que a informação (ou dito de outro modo: o direito à liberdade de expressão e à informação) desempenham na formação, consolidação e desenvolvimento de uma sociedade democrática, em que toda a soberania reside no povo; no papel que os partidos políticos e, eventualmente, grupos promotores de candidaturas desempenham na formação da opinião pública e da vontade popular; na relevância dos princípios da igualdade de oportunidades e de isenção das entidades públicas e privadas em relação à propaganda dos partidos, coligações partidárias e grupos proponentes de candidaturas para o correcto e cabal esclarecimento do público e formação daquela vontade popular - tudo princípios estruturantes que derivam de vários preceitos constitucionais (entre outros, os arts. 2.°. 3. ° . 9.°, b) e c), 10.°, 12.°. 13.°, 38.°. 39. 0. 45.°. 46º. 48.°. 49º, 50º. 51º, 108.°. 109.°. 113.° 266. 0) e da própria LEGAL.

Comentando o art. 113.° da Constituição, VITAL MOREIRA e GOMES CANOTlLHO (Constituição do República Portuguesa Anotada) opinam no sentido de que «a igualdade de oportunidades e de tratamento das candidaturas impõe a atribuição de iguais facilidades aos candidatos em todos os domínios».(sublinhado nosso)

10. Recorrendo, ainda, ao plasmado no DL nº 85-0/75. de 26 de Fevereiro, podemos retirar um conjunto de regras a observar no tratamento de matéria relativa às eleições e às candidaturas:

• Não podem ignorar as ações de campanha desenvolvidas por determinada candidatura;

• Devem dar igual tratamento a todas as candidaturas, com a atribuição de idêntico espaço informativo e igual relevo às várias iniciativas de campanha promovidas;

• Na parte meramente noticiosa ou informativa é expressamente proibido incluir comentários ou juízos de valor ou, de qualquer forma, dar-lhe um tratamento jornalístico tendente a defraudar a igualdade de tratamento das candidaturas, devendo as notícias ser transmitidas de forma objetiva;

• Os espaços de opinião, de análise política ou de criação jornalística não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas e respetivas posições ou de ataque a outras.

A intervenção do legislador nesta área pretendeu impedir que os órgãos de informação, pela sua importância no esclarecimento do eleitorado, bloqueassem a comunicação entre as ações das várias forças políticas e os leitores/eleitores, ou que realizassem um tratamento jornalístico que de alguma maneira gerasse uma deturpação daquelas mesmas ações.

Tal garantia tem como razão mais profunda e essencial, não a proteção das forças políticas, mas sim a proteção dos titulares do direito de voto. O direito à informação correta é inalienável do exercício do soberano direito de votar.

Não podem, por isso, dar maior relevo a uma(s) candidatura(s) em detrimento das restantes, com o fundamento, designadamente, na pretensa maior valia de um candidato e a irrelevância político-eleitoral de outro.

Isto porque, nos termos da lei, as candidaturas devem ser colocadas em condições de igualdade e partir para a corrida eleitoral com as mesmas armas, não podendo pressupor-se que uma é mais importante do que outra.

De facto, a atividade jornalística deve ser presidida por preocupações de equilíbrio e abrangência, isto é, deve ser realizada com base em critérios que cumpram os requisitos de igualdade entre todas as forças concorrentes às eleições.

Nestes termos, poder-se-á concluir que os diversos órgãos de comunicação social têm liberdade de adotar os critérios de exercício da sua profissão e de tratamento da notícia, todavia, estes critérios não podem criar uma situação de discriminação de uma candidatura concorrente a um órgão de poder, sob pena de serem colocados em causa os princípios basilares da ordem jurídica portuguesa - Cfr. Artigo 13., nº 2, da CRP.

11. A empresa proprietária da estação de televisão AA invoca, em sua defesa, que a agenda de campanha para o dia 8 de Outubro de 2009 somente previa ações de campanha das candidaturas apresentadas pela coligação de partidos PPD/PSD.CDS-PP e pelo grupo de cidadãos eleitores: "BB M... Sempre".

Quanto a este aspeto e muito embora se reconheça que o tratamento jornalístico conferido por um órgão de comunicação social às candidaturas não pode desligar-se da dinâmica e do dinamismo das mesmas e do número de ações de campanha realizadas durante a campanha, sempre se dirá que a reportagem de 8 de Outubro de 2009 que deu origem à participação formalizada pela coligação de partidos PCP-PEV não versava sobre quaisquer das iniciativas de campanha constantes da agenda de campanha para o dia 8 de Outubro a que a estação de televisão AA faz referência e que consta de fls. 48 e seguintes dos autos, tanto mais que a referida reportagem acabou por abranger um candidato de um partido político (PS) que, de acordo com a agenda de campanha em causa, nem sequer tinha ações de campanha agendadas para aquele dia.

Sobre o critério jornalístico alegado pela arguida, o da suposta representatividade dos partidos no órgão executivo municipal, constitui jurisprudência pacífica de que a adoção de tais critérios como orientadores da cobertura jornalística a realizar por um órgão de comunicação social a uma determinada campanha eleitoral é totalmente contrário à lei. Sobre este aspeto, importa referir que existem situações em que a lei leva em consideração a representatividade maior ou menor dos partidos (para efeitos, por exemplo, de atribuição de direito de antena fora da campanha eleitoral, de subvenções, etc.). Porém, quando se trata de campanha eleitoral, a lei quer que todos os concorrentes sejam tratados por igual, e isto porque quer que os cidadãos sejam esclarecidos igualmente de todas as propostas eleitorais, para poderem votar o mais livre, consciente e informadamente possível.

Gomes Canotilho afirma que, nos tempos mais recentes, o princípio da liberdade de voto passou a compreender-se também como liberdade e igualdade na preparação do próprio acto eleitoral e que "o princípio da igualdade de voto não se limita ao acto eleitoral em si, antes envolve todo o procedimento de sufrágio (ex.: igualdade na concorrência eleitoral, igualdade nas candidaturas)." A propósito do princípio da igualdade de oportunidades expende ainda que "uma igualdade esquemática" excluirá, desde logo, qualquer discriminação jurídica entre “partidos grandes" e "pequenos". "partidos de governo" e “partidos de oposição", "partidos com representação parlamentar" e "partidos sem representação parlamentar". E ainda: "O sentido útil da eficácia externa do princípio da igualdade reside na necessidade de submeter as organizações com carácter de domínio (ex.: países com concentração monopolista de imprensa) ou visivelmente condicionadoras da liberdade de voto (ex.: igrejas) a não violar o princípio da igualdade de oportunidades. Em termos positivos esta eficácia externa significa também direito a igual tratamento por parte de entidades privadas no que respeita, por ex. a tempos de antena, inserção de propaganda eleitoral, utilização de salas de espectáculos .. ." (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina. 7.· edição. pgs. (303/304, 305. 320. 323/324).

De forma que, conforme refere o Acórdão do STJ. de 4 de outubro de 2007 e anteriormente citado, refere a este propósito que o apontado critério editorial ou jornalístico não passo de um critério arbitrário, puramente mediático no sentido da espectacularidade, que não no da informação, equivalente ao chamado critério das audiências, que muitas vezes se opõe ao critério informativo e atendendo ao interesse do público votante nos maiores partidos ou nos candidatos mais proeminentes em vez de atender ao interesse público de informar, como a lei manda. Assim, não só discrimina, como acentua as diferenças entre partidos ou forças mais representativos e partidos ou forças menos representativas ou sem representação, sendo que o lei pretende, ao menos em campanha eleitoral, eliminar essas diferenças de tratamento. no âmbito da cobertura.

12. Em face dos elementos de prova obtidos e dos factos dados como provados no caso em apreço entende-se que a arguida, ao atuar do modo supra descrito, agiu com dolo pois, intencionalmente, adotou critérios jornalísticos discriminatórios, que vieram dar origem a factos tipicamente ilícitos, violando interesses de ordem pública legalmente protegidos e que consubstanciam a prática do ilícito de mera ordenação social. p.p. no artigo 212 . da LEOAL. No caso vertente. a AA não só ignorou três das seis candidaturas apresentadas à Câmara Municipal de M... numa reportagem emitida no penúltimo dia do período legal de campanha, como nem sequer conferiu cobertura às candidaturas do S.E., PCP-PEV e PPM à Câmara Municipal de M... em quaisquer outras peças jornalísticas emitidas durante aquele período.

Assim, da defesa apresentada não constam circunstâncias que possam afastar o dolo.

IV - DECISÃO

13. Em sede de norma punitiva, dispõe o artigo 212° da LEOAL que "A empresa proprietária de publicação informativa que ... não der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 200.000$00 a 2.000.000$00' (de € 997,60 a € 9.975,96, por aplicação do DL nº 136/2002, de 16 de Maio)".

De acordo com o nº 1 do artigo 203.° da LEOAL, é da competência da Comissão Nacional de Eleições a apreciação e respetiva aplicação das coimas correspondentes a contraordenações praticadas por empresas de comunicação social e de publicidade.

Nos termos do artigo 18.° do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, a medida concreta da coima é determinada em função dos seguintes critérios:

1º GRAVIDADE DA CONTRA-ORDENAÇÃO

Relativamente à gravidade da contraordenação, sendo esta uma das mais gravemente punidas de todas as contraordenações previstas na Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, afigura-se que, no presente caso, a gravidade da contraordenação não pode deixar de se entender como elevada, porquanto, o tratamento igualitário imposto aos órgãos de comunicação social tem também na sua génese a necessidade de garantir o esclarecimento do eleitorado, garantia essa que radica na proteção dos titulares do direito de voto e que, neste caso, não foi salvaguardada.

Tendo em conta a gravidade da contraordenação em apreço, entende-se que não se justifica a mera admoestação nos termos do artigo 51. do RGCO.

CONCLUSÃO

14. Julga-se verificada a infração ao disposto no nº 1 do artigo 49.' da lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias locais (lEOAL), aprovada pela lei Orgânica n.' 1/2001, de 14 de agosto, cometida pela AA - …, S.A" proprietária da estação de televisão AA.

Atendendo à matéria factual apurada e à prova produzida no processo, bem como aos critérios de determinação da coima referidos e ponderados os fatores mencionados, propõe-se à CNE que, no uso da competência que lhe é cometida pelo nº 1 do artigo 203' da LEOAl, condene a AA - …, S.A pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 212.' da mesma lei e aplique uma coima no valor de € 997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) e custas no valor de € 12,23 (Doze euros e vinte e três cêntimos).

Adverte-se a arguida, conforme o disposto no artigo 58, nº 2 e 3, do Decreto-lei n.' 433/82, de 27 de outubro, na redação em vigor, de que:

a) Esta decisão torna-se definitiva e exequível se não for impugnada judicialmente, no prazo de 20 dias úteis após a sua notificação, em recurso a interpor para a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, por escrito e apresentado nesta Comissão Nacional de Eleições, devendo constar de alegações sumárias e conclusões, nos termos do artigo 59º do Decreto-lei nº' 433/82,27 de outubro;

b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou por simples despacho, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham;

c) A coima aplicada e custas deverão ser pagas no prazo de dez dias, após o carácter definitivo ou trânsito em julgado da decisão;

d) Na falta de pagamento dentro do prazo atrás mencionado o processo será remetido ao tribunal competente para efeitos de execução, nos termos do artigo 89', n'3 do Decreto-lei n' 433/82, de 27 de outubro;

2.· CULPA

Quanto à culpa, saliente-se que a arguida agiu com dolo direto, adotando critérios jornalísticos suscetíveis de conferir um tratamento desigual às candidaturas apresentadas a sufrágio, designada mente àquelas que se apresentaram aos órgãos do município de M....

A este respeito, salienta-se que o critério editorial genericamente adotado pela estação de televisão AA para a cobertura das campanhas no âmbito das eleições autárquicas de 2009, nela se incluindo a referente aos órgãos municipais de M..., teve em conta a representação que cada um dos partidos políticos detinha no executivo municipal.

3.· SITUAÇÃO ECONÓMICA DA ARGUIDA

A arguida não fez prova da sua situação económica, não sendo conhecidas quaisquer dificuldades económicas.

4.· BENEFíCIOS ECONÓMICOS RETIRADOS DA PRÁTICA DA CONTRA-ORDENAÇÃO

Não são conhecidos os benefícios económicos retirados pela arguida pela prática da contraordenação.

Atendendo a que a arguida não tem antecedentes de violação da lei eleitoral pela prática de ilícitos de mera ordenação social que lhe tenham sido imputados pela CNE em matéria de tratamento jornalístico discriminatório, considera-se adequada a aplicação de uma coima, no valor mínimo previsto no artigo 212.· da LEOAL, ou seja, € 997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos).

São ainda devidas custas do processo no valor de 12,23 € (doze euros e vinte e três cêntimos), de acordo com a tabela aplicável na CNE.

e) Em caso de impossibilidade de pagamento da coima e custas em tempo devido, ou em singelo, devem comunicar tal facto por escrito, em requerimento dirigido ao Presidente da Comissão Nacional de Eleições, juntando prova da sua situação económica (nomeadamente através da cópia da última declaração de IRS ou IRe) e indicando os fundamentos de tal impedimento.

f)Em sede de julgamento demonstrou-se que:

-A iniciativa jornalística que esteve na origem da notícia transmitida teve na sua origem a realização de uma sondagem que incidiu sobre situações eleitorais diferenciadas em autarquias mais importantes e sobre a possibilidade de alterações relevantes na titularidade dos cargos. A noticia em causa visava essencialmente o facto de um candidato e anterior Presidente da Câmara se apresentar agora como independente disputando a presidência com o partido em que nome do qual, anteriormente, tinha disputado as mesmas eleições.

Na altura não existiam iniciativas partidárias em termos de eleições autárquicas que a arguida tivesse conhecimento.

Não existiu qualquer outra noticia pela arguida relativamente á referida campanha eleitoral na cidade de M....  

I

Uma primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a alegação de que a decisão proferida é omissa no que toca á matéria de facto relativa ao tipo subjectivo do ilícito imputado á recorrente.

No que concerne importa acentuar que a decisão da Comissão expressamente se fundamenta no relatório de instrução, e projeto de decisão, que consta em anexo à respectiva acta. Desta mesma instrução constava que:

12. Em face dos elementos de prova obtidos e dos factos dados como provados no caso em apreço entende-se que a arguida, ao atuar do modo supra descrito, agiu com dolo pois, intencionalmente, adotou critérios jornalísticos discriminatórios, que vieram dar origem a factos tipicamente ilícitos, violando interesses de ordem pública legalmente protegidos e que consubstanciam a prática do ilícito de mera ordenação social. p.p. no artigo 212 . da LEOAL. No caso vertente. a AA não só ignorou três das seis candidaturas apresentadas à Câmara Municipal de M... numa reportagem emitida no penúltimo dia do período legal de campanha, como nem sequer conferiu cobertura às candidaturas do S.E., PCP-PEV e PPM à Câmara Municipal de M... em quaisquer outras peças jornalísticas emitidas durante aquele período.

Assim, da defesa apresentada não constam circunstâncias que possam afastar o dolo.

Diferentemente do invocado pela recorrente a questão que suscita não se situa na ausência dos elementos caracterizadores do elemento subjectivo da infracção mas, a seu montante, e a partir do momento em que os mesmos constam do relatório apresentado, a de saber se é admissível a remissão para os termos da proposta elaborada.

No que concerne à legitimidade da remissão feita na decisão para a proposta elaborada por um instrutor, entidade que continua legalmente encarregada de elaborar a instrução e que esteve em contacto directo com a defesa, pois que presidiu à audição do arguido e à inquirição das testemunhas por aquele apresentadas ou constantes da acusação perfilhamos o entendimento de que os preceitos do processo penal deverão ser aplicados “devidamente adaptados”, o que não pode ter outro sentido senão o de considerar que é diferente a natureza da decisão porque é diversa a estrutura organizatória e funcional da Administração Por um lado, é preciso ter em conta que a estrutura do processo de contraordenação na sua fase administrativa não é uma estrutura acusatória baseada em duas magistraturas autónomas e independentes, como se disse, ao contrário do que sucede com os processos judiciais. Na fase administrativa o processo obedece a uma estrutura inquisitória, tanto mais que quem instrui está na dependência hierárquica de quem decide.

            Por outro lado, a função jurisdicional do juiz não é rigorosamente a mesma da autoridade administrativa quando decide aplicar a coima. Se mais diferenças não houvesse aí está a lei a dispor que a decisão administrativa é revogável até ao envio dos autos ao Tribunal, e quanto a nós poderá mesmo ser reformada em caso de invalidade relativa, ao passo que a função do juiz se esgota com a prolação da sentença, salva guardando-se apenas a correcção de erros materiais.

            Acresce que se não se põe em dúvida que se aplicam no processo contraordenacional não só os princípios constitucionais de garantia processual penal dos arguidos, além de diversos outros inseridos no respectivo CPP não é menos verdade que alguns haverá que não terão ali aplicação. É o caso do princípio da imediação e do seu corolário da oralidade ou do princípio de que toda a prova é feita em julgamento. Ao contrário do que se passa com o juiz, o decisor administrativo não esteve em contacto directo com o arguido nem assistiu à audiência e defesa. A realidade do que ali se passou tem, por isso, de lhe ser transmitida por quem ali esteve: o instrutor.

            Por último, não se pode nunca esquecer que a decisão, se bem que integrando um “procedimento especial”, aparentado com o processo administrativo de tipo sancionador, mas dele se distinguindo, é fatalmente uma decisão administrativa, porque tomada por autoridade administrativa, embora a lei-quadro lhe atribua características especiais, entre as quais avulta a não admissão de recurso hierárquico em busca da definitividade vertical, uma vez que a decisão da autoridade administrativa (Delegado) se torna definitiva transcorrido o prazo de impugnação judicial.

            Como decisão administrativa que é, hão-de aplicar-se neste procedimento especial” as normas que não envolvam diminuição das garantias dos particulares”, conforme determina o próprio CPA a partir da reforma de 1996.

Face às características e natureza do procedimento por contraordenação não se vê que sejam diminuídas as garantias de defesa pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o designado “relatório” e a “fundamentação”, ficando o decisor incumbido de proferir a em sentido próprio, isto é, a determinar a coima eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem remetendo quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos de agravação ou de atenuação da culpa e às normas legais que a infracção, para a proposta do instrutor.

            É esta uma posição que se arrima ao disposto no n° 1 do artigo 125º do CPA: “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso integrante do respectivo acto”.

            Trata-se de solução que encontra eco numa corrente que se vem formando por virtude da decantada morosidade da justiça e teve já um primeiro afloramento, ao nível judicial, nas alterações do CPP entradas em vigor no início de 2001 uma vez que “os acórdãos absolutórios enunciados no artigo 400° nº 1, alínea d), que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”.

            Como atrás se deixou expresso concordamos com tal ensinamento. Obrigar a decisão a repetir literalmente considerações já expressas noutra peça processual é uma imposição vazia de sentido que apenas tem por resultado o desperdício de tempo. [1] (No sentido proposto aceitando aplicabilidade  do referido artigo 125 do C.P.A na fundamentação da decisão contra ordenacional condenatória pronunciaram-se os seguintes Acórdãos do Tribunal Constitucional 50/2003; 62/2003; 136/2003; 249/2003; 469/2003 e 492/2003).

Assim, sendo é maniF... que a remissão operada em sede da decisão recorrida perfectibiliza a mesma decisão no que toca à obediência ao formalismo legal.

II

 O cerne da questão debatida nos presentes autos radica numa perspectiva antinómica assumida pela CNE e pela AA SA sobre os mesmos factos. A primeira percepcionando-os como violação do princípio de igualdade e do tratamento não discriminatório de candidaturas concorrentes a um órgão de poder e a segunda como um mera situação de exercício do direito á informação, fundamentada no relevo jornalístico.

Em ultima, em qualquer uma das perspectivas em análise estão em causa pressupostos essenciais do Estado de Direito na medida em que se intersectam direitos tão importantes como o da igualdade de tratamento e a liberdade do direito á informação.

Aprofundando o tema dir-se-á que, em 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas consagrou no artigo 19.0 da DUDH (189), que «Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito a não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão».

Foi na sequência de tal consagração que este direito fez a sua aparição em algumas Constituições e convenções internacionais posteriores. Em Portugal, o direito de informação encontra consagração constitucional no artigo 37 da Constituição que , na perspectiva de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da Republica Portuguesa Anotada I Volume pag 572) da integra três níveis: o direito «de informar», o direito «de se informar», e o direito «de ser informado». O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos; mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste, designadamente, na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar, embora sejam admissíveis algumas restrições à recolha de informações armazenadas em certos arquivos (ex: arquivos secretos dos serviços de informação). Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação (conf. arts. 38° e 39°) e pelos poderes públicos (art. 48°-2), sem esquecer outros direitos específicos à informação reconhecidos na Constituição, directamente (arts. 54°-5/a, 55°-6, 60°-1 e 268°-1) ou indirectamente (dr. arts. 56°-2/a, 77°-2, etc.).

            A conjugação do referido artigo com o que lhe sucede-artigo 38- e que incide concretamente sobre a liberdade de imprensa e meios de comunicação social, imprime a ideia de protecção quer da actividade individual de comunicação das notícias  quer a  “informação”, entendida como a acção de comunicar as notícias através dos meios de comunicação social.  A liberdade de informação como base da formação da opinião democrática, é um elemento essencial da liberdade de expressão.A liberdade de informação não é o direito de informar os outros, mas o direito de a si mesmo se informar, sendo um pressuposto da liberdade de expressão e da livre formação da opinião pública e não uma consequência; um Estado democrático não funciona sem uma opinião pública livre e informada o mais objectivamente possível sobre os factos.

Como refere Nuno E. Sousa (A liberdade de Imprensa pag 132 e seg) a liberdade de informação possui uma dimensão jurídico-colectiva, ligada à opinião pública e ao funcionamento do Estado democrático, e um componente jurídico-individual; protege-se o legítimo interesse do indivíduo de se informar a fim de desenvolver a sua personalidade; não só o princípio democrático explica tal liberdade, também releva o princípio da dignidade humana ; a antropologia biológica considera o «desejo de saber» uma das características essenciais do homem.

                                                           *

Tentando densificar os conceitos em presença e na esteira de José Alberto de Melo Alexandrimo (Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão pag 111 e seg) diremos que o direito de informação é um corpo pluridimensional, poliédrico e complexo em graus distintos e com decorrências assimétricas: sendo não um direito mas uma tríade de direitos, neles variam o objecto (o próprio conceito de informação) a estrutura (há direitos negativos, positivos e direitos-garantia), a função (v. g., o direito de se informar é condição do direito de informar e o direito de ser informado é pressuposto da liberdade de expressão), a extensão da titularidade e a especial posição do Estado no confronto com esse conjunto de direitos.  

 A não referência expressa, na Constituição (artigo 37.°, nº 1), aos meios através dos quais opera o direito de informação deverá, por força do artigo 16.°, nº 2, ser colmatada pelo recurso à Declaração Universal, que, no seu artigo 19.°, consagra o direito de procurar, receber e difundir informações, sem consideração de fronteiras, «por qualquer meio de expressão»; tal significa que tanto a expressão do pensamento como a informação podem ser veiculadas por qualquer meio; significa também não estar nominalmente previsto um regime especial para os meios de comunicação de massa; finalmente, em termos puramente normativos, resulta dificultada a possibilidade de aderir à posição que distingue a crónica individual da liberdade de informação levada a cabo pelos meios de comunicação;

É do conceito de informação - no que respeita ao lado activo do direito de informação - que decorrerá, em certa medida, o estatuto de alguns meios de comunicação.

                                                     *

O direito de informar é um direito de estrutura complexa, capaz de conter em si faculdades que o qualifica simultaneamente como direito, liberdade e até garantia institucionais.

Ainda segundo o Autor citado, no direito de informar, e no direito de se informar, transparece sobretudo a dimensão de direitos propriamente ditos, isto é, de faculdades que representam só por si certos bens, que permitem através do respectivo exercício a realização das pessoas, inserindo-se directa e imediatamente nas respectivas esferas ). Mas é igualmente visível uma dimensão instrumental, de garantia, quer do direito de ser informado, quer da liberdade de expressão, quer da liberdade de pensamento.

Trata-se de direitos que já nasceram funcionalizados e que, por isso, terão de viver ligados à relativa variabilidade dos valores constitucionais aos quais estão associados: o princípio democrático, a participação no exercício da soberania, o pluralismo e a garantia do processo de comunicação pública; tudo isto num quadro complexo e mutável das relações entre o indivíduo, a sociedade e o Estado.

 O conteúdo do direito de informação não pode desentender-se da definição do respectivo objecto. Se olharmos em especial ao direito de informar, poderemos verificar que os pressupostos e requisitos que integram o conceito de informação acabam por funcionar como margens delimitadoras do seu conteúdo.

Os limites do direito de informar são, por consequência, mais numerosos e mais extensos que os limites da liberdade de expressão. Assim, além dos limites assinalados a esta - que se aplicam, por maioria de razão, ao direito de informar -, podem indicar-se as seguintes linhas orientadoras:

              a) A delimitação do direito de informar tem de resultar igualmente de uma interpretação sistemática da Constituição, podendo relevar, consoante os vários tipos de mensagem (política, religiosa, filosófica, publicitária, etc.), porém, não só os demais direitos e liberdades fundamentais como a tutela de certos princípios e valores constitucionais inerentes à liberdade política e à forma democrática do governo;

          b)-Tal delimitação só pode ocorrer no quadro da Constituição (artigo 18.°, nº 2, da CRP) e deverá corresponder essencialmente à modulação do alcance dos direitos fundamentais concorrentes; em particular, além dos direitos que relevam da inviolabilidade pessoal, e que não podem ser lesados no seu conteúdo essencial, devem ser aqui chamadas outras limitações como as relativas à utilização de informação sobre pessoas e famílias (artigo 26.°, nº 2, da CRP), aos direitos dos arguidos (artigo 32.° da CRP) ou à protecção constitucionalmente amparada do segredo;

c)- Tal como para a liberdade de expressão, em princípio, a Constituição (salvo os casos já apontados) não permite à lei que venha estabelecer limitações - no sentido que habitualmente lhe vem sendo dado de restrições - decorrentes de exigências da moral, da ordem pública ou do  mal) e, por outra, os que correspondem à delimitação do âmbito de protecção ou conteúdo do direito.

III

            Determinado o quadro normativo constitucional dentro do qual nos movemos é liminar, por um lado, a importância do direito a informar como pilar de uma sociedade democrática, mas também a circunstância de que tal direito não é uma entidade absoluta e está  limitado pela observância de regras de igual ou superior dimensão

 Como assinalam G. Canotiho e V. Moreira (ibdem) um dos princípios fundamentais do estatuto constitucional do sector público da comunicação social é o pluralismo ideológico. Referem aqueles Autores que se tem aqui em conta seguramente o modelo de pluralismo interno, de acordo com o qual cada órgão de comunicação social deve apresentar uma programação ou conteúdo ideologicamente «contrabalançado» e expressivo das diversas correntes de opinião e não o modelo de pluralismo externo, de acordo com o qual a diversidade seria realizada, não dentro de cada órgão, mas sim no conflito deles. O texto constitucional favorece claramente a primeira alternativa, a qual, de resto, é a única praticável quando em cada tipo de comunicação social exista apenas um órgão de comunicação social, como é o caso da televisão. Tal como a independência, também o pluralismo tem na ERC uma das suas garantias. Mas ele não pode igualmente deixar de ter implicações nas próprias estruturas internas de programação e orientação dos órgãos de comunicação públicos, sendo designadamente incompatível com cadeias de comando unidimensionais e não participadas.

O pluralismo traduz-se em dar expressão às «diversas correntes de opinião». Não especifica a Constituição que tipo de opinião é que está em causa, mas há-de naturalmente tratar-se das correntes de opinião de natureza política, ideológica, religiosa, e, em geral, cultural. O princípio pluralista exige, designadamente: (a) a proibição de silenciamento de qualquer corrente de opinião relevante na colectividade; (b) a obrigação de atribuir a cada um mínimo adequado de expressão; (c) a proibição de dar expressão a cada uma de forma desproporcionadamente grande ou pequena.

É nesta compreensão da relatividade do direito de informar que se deve partir para a destrinça entre a noticia que se inscreve num inalienável exercício de um direito, e que não está cerceada por qualquer limitação legal, obedecendo única e simplesmente ao critério da importância jornalística e a noticia que, em período de campanha eleitoral, toca ou, por alguma forma, convoca algo mais do que a mera noticia, entrando no tratamento das candidaturas em presença.

A recorrente orientou-se naquele primeiro caminho aduzindo duas ordens de razões que se consubstanciam na existência de um critério editorial tendo em conta a representação que cada um dos partidos tinha no executivo municipal, sendo natural que a cobertura jornalística tivesse sido feita na mesma proporção, e, ainda, a circunstância de a eleição á Presidência da Câmara Municipal de M... revestir a particularidade de o ainda Presidente da Câmara se ter candidatado num movimento independente e o seu vice Presidente ser o candidato do Partido Socialista.

Tal entendimento das coisas é a uma das grelhas interpretativas com que se pretende racionalizar a decisão do recurso. Nesta perspectiva, e excluída a circunstância de os factos dizerem respeito a qualquer tipo de debate político, pode-se entender que os mesmos configuram uma noticia “tout court” sujeita ao critério jornalístico porquanto o que interessava não era a campanha, mas uma outra questão que lhe estava adjacente (disputa entre ex-correligionários)?

-Se a resposta for afirmativa estamos fora do âmbito da campanha eleitoral, embora falemos de uma circunstância com ela relacionada. Efectivamente, se o facto essencial a ser noticiado é algo que não existe em relação a nenhuma das outras campanhas não se poderá afirmar que estas tenham sido discriminadas, ou que não exista um tratamento igualitário, pois que não existe um paralelismo de situações.

Seria essa, também, a nossa resposta não fora a circunstância de a notícia em causa extravasar o mero tratamento da questão que, por mera simplicidade, denominaremos o caso “BB”. Na verdade, a peça jornalística estendeu-se às afirmações produzidas por um candidato de um terceiro partido (PSD-EE) que nada tinha a ver com a invocada situação que, na perspectiva da arguida, justificaria o tratamento jurídico diferenciado.  

       A partir do momento em que é dada oportunidade a um candidato às eleições locais da cidade de M... de se pronunciar sobre as mesmas, também os restantes candidatos devem ter igual oportunidade não existindo qualquer justificação para um tratamento discriminatório, tanto mais que esta era a única intervenção da AA relativa às eleições na mesma autarquia.

     Estamos pois em condições de afirmar que a peça noticiosa em causa, respeitando, não só, mas também, á campanha eleitoral não deu um tratamento igual a todas as candidaturas.

IV

  Dispõe o artigo 49º da LOAL QUE os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas. Por seu turno o artigo 212 do mesmo diploma pune a empresa proprietária de publicação informativa que não proceder às comunicações relativas a campanha eleitoral previstas na presente lei ou que não der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 200.000$00 a 2 000 000$00

Nos termos de Decreto-lei 85-D/75 considera-se matéria relativa à campanha, as notícias, reportagens, a informação sobre as bases programáticas das candidaturas, as matérias de opinião, análise política ou de criação jornalística, a publicidade comercial de realizações, etc...

            Às notícias ou reportagens de factos ou acontecimentos de idêntica importância deve corresponder um relevo jornalístico semelhante. A parte noticiosa ou informativa não pode incluir comentários ou juízos de valor, não estando contudo proibida a inserção de matéria de opinião, cujo espaço ocupado não pode exceder o que é dedicado à parte noticiosa e de reportagem e com um mesmo tratamento jornalístico.

Sobre estas normas, que perfilam os princípios gerais de direito eleitoral consagrados na Constituição, nomeadamente do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, prescrita na al. b) do n.º 3 do seu art. 113.º, que a LEOAL a CNE já teve oportunidade de exprimir o seu entendimento de que os órgão de comunicação,
– Não podem ignorar as acções desenvolvidas no decurso da campanha por determinada candidatura;
– Devem atribuir idêntico espaço informativo e igual aspecto e relevo gráfico às notícias sobre as iniciativas eleitorais levadas a cabo pelos candidatos, designadamente comidos e sessões de esclarecimento. Não podem dar maior relevo a umas em detrimento das outras, com o fundamento, designadamente, na pretensa maior valia de um candidato e a irrelevância político-eleitoral de outro. Tudo isto porque, nos termos da lei, as candidaturas devem ser colocadas em condições de igualdade e partir para a corrida eleitoral com as mesmas armas, não podendo pressupor-se que uma é mais importante do que outra. Naturalmente que uma candidatura que não tenha actividades para noticiar não terá o espaço de outra com várias manifestações de propaganda política. O princípio da igualdade aplica-se a situações iguais, sob pena de penalizar candidaturas com maior quantidade de iniciativas de propaganda;
– Na parte meramente noticiosa ou informativa, é expressamente proibido incluir comentários ou juízos de valor, ou de qualquer forma dar-lhe um tratamento jornalístico tendente a defraudar a igualdade de tratamento das candidaturas, devendo as notícias serem transmitidas de forma objectiva;
– Os artigos de opinião, de análise política ou de criação jornalística não podem, por um lado, assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, e, por outro, exceder o espaço ocupado que é dedicado à parte noticiosa e de reportagem, de modo a garantir os objectivos de igualdade visados pela lei.

Como se referiu, tais princípios, com fundamento nos preceitos constitucionais e de direito eleitoral invocados visam a igualdade de tratamento de candidaturas e oportunidade de esclarecimento publico.
Como se refere em decisão deste Tribunal (Ac. de 6.2.03, proc. n.º 142/03-5), deve sublinhar-se que o tratamento igualitário imposto aos órgãos de comunicação social tem também na sua génese necessidade de garantir o esclarecimento do eleitorado, garantia que radica na protecção dos titulares do direito de voto. E, como igualmente decidiu nesse aresto, «a afirmação do princípio da igualdade no tratamento das diversas candidaturas, uma vez que o órgão de comunicação social decidiu cobrir a campanha eleitoral – o que não é obrigado a fazer e não deve fazer se não tiver meios para tal – não é meramente formal e de garantia de “igualdade à partida”, pois pretende-se aqui uma igualdade “de chegada”, de resultado no tratamento dado a todas as candidaturas», numa óptica de paridade, numa «igualdade de concorrência» (cfr. Lipphardt, apud Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.ª Ed., 319, nota 37).
 
Tratando-se, como se trata no caso vertente, de uma invocação feita da liberdade de expressão e criação dos jornalistas, a mesma não tem um carácter absoluto uma vez que tem de ser conjugada, com o dever de igualdade de tratamento das candidaturas aos órgãos de poder local.
Na verdade, se a liberdade de imprensa é elemento essencial da liberdade de expressão (o jornalista enquanto tal não pode ser coarctado da sua liberdade intelectual nem ser impedido ou limitado por qualquer censura), é-o enquanto importante elemento do direito à informação do cidadão em geral, e, em caso de propagando eleitoral, do eleitor a bem do seu esclarecimento, que se impõe ao próprio jornalista. Neste sentido a LEOAL estabelece regras de adequação de outros direitos, liberdades e garantias ao especial tempo de propaganda eleitoral, em nome exactamente de um outro direito fundamental em democracia e igualmente com assento constitucional: a liberdade de escolha esclarecida do eleitor alicerce da soberania popular que funda o Estado de direito democrático, que somos (art. 2.º da CRP).
            Ao jornalista assiste a liberdade de adoptar os critérios de exercício da sua profissão e de tratamento da notícia, com a salvaguarda de que não crie, nomeadamente no período eleitoral, uma situação de discriminação de candidaturas concorrente a um órgão de poder local.
A actividade dos órgãos de comunicação social, que façam a cobertura da campanha eleitoral, deve, pois, ser norteada por critérios que cumpram os requisitos de igualdade entre todas as forças concorrentes às eleições; por preocupações de equilíbrio e abrangência, não podem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas presentes. Como referem, Vital Moreira e Gomes Canotilho, comentando o art. 113.º da Constituição (Constituição da República Portuguesa Anotada) «a igualdade de oportunidades e de tratamento das candidaturas, além de exigir iguais tempos de antena (art. 40.º, n.º 3) impõe a atribuição de iguais facilidades aos candidatos em todos os domínios».
     

            Entende-se, assim, que se encontram perfectibilizados os elementos fácticos relativos ao elemento material da infracção imputada.

Em relação á demonstração do elemento subjectivo, que mereceu a discordância da recorrente, importa considerar que a prova do elemento subjectivo do tipo, criminal ou contraordenacional, é complexa e, consequentemente, os tribunais para o afirmar têm que recorrer a juízos de inferência a partir de dados externos qualificados. Na verdade, os elementos subjetivos localizados no intelecto e consciência humana assumem-se como noções psicológicas que se furtam a uma percepção directa, ou apreciação imediata, por qualquer pessoa que não o próprio. Como observa Hassemer, conceitos como intenção, dolo, vontade ou boa-fé constituem verdadeiras zonas limite da prova no processo, pois que são elementos que estão "estão escondidos atrás do muro", e especificamente, no cérebro de alguém já que ninguém pode afirmar ter "visto" que um indivíduo tinha uma certa intenção, crença ou emoção.

É aqui que a prova indiciária assume uma especial importância para a acreditação desses elementos, tornando-se numa ferramenta necessária e única, na ausência de outros materiais comprobatórios que possam coadjuvar nesta tarefa.

Na verdade, existem duas fontes de conhecimentos empíricos de eventos passados que são as prova directa e a prova indirecta situadas em termos de perfeita paridade. O conteúdo do pensamento só pode ser avaliado por indução ou por inferência, usando o juiz dados objectivos existentes no processo para afirmar até que ponto chegou o conhecimento do agente e quais eram suas verdadeiras intenções

Consequentemente, será a partir do comportamento externo do sujeito e das circunstâncias em que surgiu o facto que o tribunal estará em condições de inferir os elementos subjectivos ou, por outras palavras, determinar qual foi a intenção e o grau de conhecimento que, sobre as suas acções, teve a pessoa acusada da prática de uma infracção. Importa aqui a inferência operada na base dos elementos objectivos (indícios) decorrentes do seu comportamento e das características do facto.

No caso concreto encontramo-nos perante uma das mais importantes estações de televisão que opera em Portugal e para a qual não é desconhecida toda a problemática relacionada com a campanha eleitoral, incluindo as questões jurídicas suscitadas pela mesma.

Igualmente é exacto que ao dar espaço de promoção eleitoral a um candidato no âmbito de uma notícia mais abrangente relativa a outros dois candidatos a arguida não estava a tratar de forma igualitária todas as candidaturas pois que não tiveram projecção televisiva as restantes candidaturas.

De tais elementos objectivos pode-se inferir a existência do conhecimento de um tratamento desigual em relação a algo que não o devia ser.

 Não merece censura a decisão recorrida no que toca á afirmação do elemento subjectivo do tipo contraordenacional.

V

            O dolo existente não se pode ajuizar como portador de uma forte carga de censura e as circunstâncias da contra ordenação também se situam numa zona pouco densa em termos de consequências ou em termos de ilicitude contra ordenacional.

   Sendo certo que não se justifica o apelo á mera admoestação está suficientemente fundamentado a aplicação de uma coima situada no limite mínimo da moldura contraordenacional.

Termos em que acordam os Juízes Conselheiros que integram a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto.

Custas pela recorrente

Taxa de Justiça 3 UC

Lisboa, 15 de Novembro de 2012

Santos Cabral (Relator)

Oliveira Mendes

---------------------------------
[1] Questões Laborais, Ano VIII, pág. 134.