Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
574/16.4PBAGH.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: VIOLAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONCURSO APARENTE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 11/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / VIOLÊNCIA DOMÉSTICA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL / VIOLAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / FUNDAMENTOS DO RECURSO.
Doutrina:
- ANDRÉ LAMAS LEITE, A violência relacional íntima, Revista Julgar, n.º 12, Set.-Dez. 2010 ; A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009;
- CONDE FERNANDES, Violência doméstica, novo quadro penal e processual penal, Revista CEJ, 1.º Semestre 2008, número 8 (especial), p. 304-305;
- FIGEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 445 ; Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 227 e ss. e 344;
- JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO, Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, p. 57;
- M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, Código Penal – Parte geral e especial, 2015, 2.ª Edição, Almedina, p. 733;
- MARIA PAULA RIBEIRO DE FARIA, Formas Especiais do Crime, Universidade Católica Editora, Porto, 2017, p. 380;
- PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, p. 594;
- TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 336.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º, N.º 1, 70.º, 71.º, 152.º, N.º 1 E 164.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º 2 E 410.º, N.ºS 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 163/14.8GBSTC.S1;
- DE 20-04-2017, PROCESSO N.º 2263/15.8JAPRT. P1.S1;
- DE 07-02-2018, PROCESSO N.º 312/15.9POLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-06-2018, PROCESSO N.º 131/17.8JAPRT.S1;
- DE 04-07-2018, PROCESSO N.º 274/16.5GAMCN.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 01-10-2013, PROCESSO N.º 258/11.0GAOLH.E1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O art. 164.º, n.º 1, do CP descreve o crime de violação como um caso especial de coacção sexual, uma coacção sexual qualificada. O agente constrange a vítima (por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir), seja menor ou adulto, homem ou mulher, a sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos. Com o que se criminalizam condutas que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência.
II - No caso presente, de acordo com a factualidade provada, a conduta do arguido integra os elementos objectivos [agarrou a ofendida, empurrou-a para cima da cama, deu-lhe duas pancadas nas pernas e agarrou-a pelo pescoço», tirou-lhe a roupa que envergava, colocou-se sobre o corpo da mesma, afastou-lhe as pernas com o uso da força física e penetrou-a na vagina com o pénis erecto, tendo continuado com a sua actuação apesar de a ofendida lhe ter pedido que a largasse] e subjectivos do tipo de ilícito que lhe vinha imputado, impondo-se a conclusão de que cometeu um crime de violação.
III - Sistematicamente integrado, no CP, no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, especificamente, no capítulo dos crimes contra a integridade física, a teleologia do crime de violência doméstica assenta na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, punindo aquelas condutas que lesam esta dignidade, quer na vertente física como psíquica.
IV - O n.º 1 do art. 152.º do CP, com o segmento «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal», consagra, de modo expresso, regra da subsidiariedade, significando, segundo alguns, que a punição por este crime apenas terá lugar quando ao crime geral a que corresponde a ofensa não seja aplicada uma pena mais grave.
V - Neste entendimento, se a punição do(s) crime(s) concorrente(s) for superior a 5 anos – pena mais elevada do que a máxima abstracta prevista para a violência doméstica – estaremos perante um concurso aparente de crimes, sendo a incriminação do art. 152.º afastada em resultado da regra da subsidiariedade.
VI - Uma aplicação meramente formal e positivista da regra da subsidiariedade expressa no citado art. 152.º, do CP poderá traduzir-se numa injustiça material de muitas decisões e num benefício para o infractor-arguido dificilmente tolerável.
VII - A prática mais ou menos constante e reiterada das condutas descritas no art. 152.º, do CP desde que cada uma dessas condutas não permita a sua autonomização, dará origem a uma unicidade normativo-social, tipicamente imposta, pelo que o agente terá praticado um só crime, desde que esteja em causa uma só vítima.
VIII - Esta unidade pode vir a cindir-se, no entanto, quando algum dos actos isolados permita a verificação do tipo social de um crime mais grave – ofensa à integridade física grave, violação, homicídio -, devendo o agente ser punido em concurso efectivo com os crimes de violência doméstica.
IX - Na relação do crime de violência doméstica com outros de pena mais elevada, considera-se, pois, que a prática de crime mais grave é um factor de cisão da unicidade do crime, devendo concorrer, em concurso efectivo, o crime mais grave e a violência doméstica.
X - Como salienta MARIA PAULA RIBEIRO FARIA, «para afirmar a pluralidade criminosa é necessário que se deixe afirmar em relação ao agente mais do que um juízo de censura referida a uma pluralidade de processos resolutivos» . Segundo a mesma autora, há que «acrescentar à pluralidade de bens jurídicos violados uma pluralidade de processos volitivos merecedores de distintos juízos de censura», justificando-se a unidade ou pluralidade desses juízos de censura numa «valoração mais global que corresponde ao significado social do facto que inspira a própria formulação dos tipos legais de crime» - o sentido social da ilicitude material.
XI - No caso apreciado, a actuação do arguido na agressão sexual cometida se afasta-se do conjunto de agressões e outras ofensas praticadas sobre a ofendida, então sua companheira, tendo obedecido a uma autónoma resolução perfeitamente cindível das reiteradas resoluções presentes nos demais comportamentos. Tendo presente o perfil das ofensas reiteradamente cometidas sobre a ofendida, tem-se como evidente que a violação praticada em finais de 2014 não radica no mesmo processo volitivo presente naquelas ofensas.
XII - Constituindo igualmente uma evidência que os bens protegidos com as incriminações de violência doméstica e de violação, tendo pontos de contacto, não são coincidentes. O significado social e o sentido social da ilicitude material de uma e de outra das ditas incriminações são distintos, não obstante os pontos comuns que se podem aí observar.
XIII - O juízo de censura pela prática do crime de violação assume autonomia relativamente ao que deve ser formulado relativamente às ofensas unificadas na violência doméstica.
XIV - Tudo ponderado, considera-se que o crime de violação cometido pelo arguido assume autonomia relativamente aos restantes actos ofensivos, encontrando-se numa relação de concurso efectivo com o crime de violência doméstica.
XV - Há que ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, do CP, que, quanto ao crime de violação, são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar, cada vez mais, frequente por todo o país, com um claro alarme social e incidência nesta comarca, e, por vezes, com graves consequências para as vítimas, justificando-se a fixação de uma pena de 4 anos de prisão pela prática de tal crime.
XVI - De acordo com o disposto no art. 70.º, do CP, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XVII - Como o STJ já se pronunciou, sempre que, na pena única conjunta tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa.
XVIII - Assim, nenhuma censura merece a opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa pois as circunstâncias referentes às exigências de prevenção desaconselham a opção pela pena não privativa da liberdade relativamente ao crime de violação de domicílio agravado, aos dois crimes de ofensas à integridade física simples e ao crime de dano, em relação de concurso efectivo com os crimes de violência doméstica e de violação, punidos com pena privativa da liberdade, não merecendo censura a medida de cada uma das penas de prisão aplicadas na decisão recorrida pela prática daqueles crimes, respectivamente: 5 meses, 1 ano, 1 ano e 1 mês e 6 meses.
XIX - Como o STJ vem entendendo, em abundante jurisprudência, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente”.
XX - Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”, imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber (…) se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”.
XXI - Numa moldura penal do concurso compreendida entre a pena de 4 anos de prisão (limite mínimo) e o limite máximo de 9 anos e 6 meses de prisão (4 anos + 2 anos e 6 meses + 5 meses +6 meses + 1 ano + 1 ano e 1 mês), tendo presente que a ilicitude global do comportamento do arguido está decisivamente marcada pela prática do crime de violação e conexão entre a violência a que foi sujeita a ofendida e os demais crimes, que desde os factos aqui apreciados o arguido não importunou mais a ofendida, existindo, no presente, contactos adequados entre ambos sobretudo relativos à filha que têm em comum, a relação próxima que aquele mantém com a menor, sua filha, que passa todos os domingos com ele, revelando uma grande preocupação no acompanhamento da filha e em ser uma figura presente, que o mesmo é tido como bom vizinho, trabalhador, educado e respeitador no meio social em que se insere, considera-se justa e adequada a uma pena conjunta de 5 anos de prisão, procedendo parcialmente o recurso nesta parte.
XXII - A pena conjunta aplicada ao arguido, porque não superior a 5 anos, poderá ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no art. 50.º, n.º 1, do CP.
XXIII - Considera-se, perante os elementos recolhidos, ser possível a formulação de um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido junto da sua família, convictos de que a ameaça da pena constituirá para ele uma séria advertência para não voltar a delinquir e satisfaz as exigências de prevenção, sobretudo de prevenção geral, que o caso exige, pelo que se suspende a execução da pena de prisão aplicada por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.


Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I - RELATÓRIO

            1. Em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o Ministério Publico acusou:

           AA, [...], 

Imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, n.º 4 e n.º 5, do Código Penal, de dois crimes de violação, previstos e punidos pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, de um crime de violação de domicílio agravado, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, e de dois crimes de detenção de arma proibida, previstos e punidos pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, com referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m) e artigo 3º, nº 1, e nº 2, alíneas d), f) e g), da referida Lei.

2. Realizado o julgamento, por acórdão proferido em 15 de Fevereiro de 2018 no Juízo Central Cível e Criminal de ... – Comarca dos ..., foi deliberado, após alteração dos factos e da qualificação jurídica, julgar a acusação parcialmente procedente, por provada, tendo o arguido sido absolvido da prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e da prática de dois crimes de detenção de arma proibida, previstos e punidos pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei 5/2006, de 23/02.

Tendo sido condenado:

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de domicílio agravado, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas referidas, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Foi decidido ainda:

- «[Não se aplicar], nos termos do art. 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal, ao Arguido AA as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima, de proibição de uso e porte de armas ou de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica»;

- «[Não se reconhecer] «nos termos do art. 21.º, n.º 4, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, o actual direito de a ofendida BB a retirar da residência onde coabitou com o arguido, sita na ...., quaisquer outros bens»;

- «[Não se fixar], nos termos do art. 21.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, e 82.º-A, do Código Penal, em favor de BB, indemnização reparadora da vítima de violência doméstica.»

3. Inconformado, interpõe o arguido recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem[1]:

CONCLUSÕES

1- Foi o recorrente condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de:

1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; 1 (um) crime de violação de domicílio agravado, p. e p. pelo art. 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; 1 (um) crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física simples, p. e.p. pelo art. 143º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão, respectivamente e em cúmulo jurídico numa pena única de 6 (seis) anos de prisão.

2- Ora, o recorrente não se conforma com os quantitativos das penas parcelares aplicadas, e, consequentemente, na pena única em que foi condenado, sem a possibilidade da mesma ser suspensa, na sua execução, por ser superior a 5 anos (art. 50.º, n.º 1 do Código Penal).

3- O Tribunal “ a quo”, condenou o recorrente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. a) do C.P., na pena de 4 anos de prisão.

4- Salvo o devido respeito, entende o recorrente que é errada a conformação jurídica da douta decisão.

5- Pois, e quanto ao tipo legal do crime de violência doméstica, inexiste, no caso sub judice, fundamento para autonomizar os dois crimes em questão, punindo o recorrente pela sua prática, em concurso real, mas antes devendo o mesmo ser punido, pela prática do crime de violência doméstica, com a pena aplicável ao crime de violação, em concurso aparente – marcado por uma relação de subsidiariedade que o crime de violência doméstica apresenta perante os restantes tipos de crime.

6- Por outro lado, e no que à “ofensa sexual” diz respeito, dada como provada, pela douta sentença recorrida, no caso sub judice, entende o recorrente que não praticou nenhuma ofensa sexual na pessoa da ofendida, mas caso assim não se entendesse a sua conduta apenas se subsumiria ao artigo 164º, nº 2, alínea a) do Código Penal.

7- Os factos integrantes deste tipo de crime não se encontram devidamente, e salvo o devido respeito, preenchidos.

8- O recorrente e ofendida, como consta da matéria de facto assente, viveram cerca de 14 anos juntos, tinham uma filha, não eram dois estranhos que se conheceram naquele dia, ou naquele momento, o que implica uma relação profundamente intima relacionada com a actividade sexual de um casal heterossexual que vive maritalmente.

9- A ofensa sexual exige imputação a título de dolo, e para que se verifique o elemento intelectual do dolo é necessário que o recorrente (agente) tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática da cópula.

10- O que no caso em apreço, não se verificou, pese embora, o Tribunal “a quo” tenha irrelevado, nessa parte, as declarações do recorrente (fls. 18 do douto acórdão) que : “ refere ter ocorrido com o consentimento da vítima após sua insistência, vencendo uma relutância inicial da mesma”(sublinhado nosso).

11- A convicção do Tribunal recorrido, nessa parte, fundamentou-se apenas nas declarações da ofendida, não existindo qualquer exame do foro médico-ginecológico que verificasse a obtenção forçada do coito vaginal.

12- As penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, salvo o devido respeito, excedem a medida permitida pela culpa e a necessária para satisfazer as finalidades da punição, em violação do disposto no artigo 71.º do Código Penal.

13- Na aplicação da medida concreta da pena dever-se-á atender aos critérios fixados nos artigos 70.º e 71.º, ambos do Código Penal, os quais estabelecem que, se ao crime forem aplicáveis penas alternativas, deverá ser dada preferência a uma pena não privativa da liberdade, conquanto estejam asseguradas, de modo adequado as finalidades da punição, as quais estão determinadas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal.

14- Na verdade, o recorrente é primário quanto a crimes desta natureza, com excepção do crime de dano, em que o recorrente foi alvo de uma condenação por factos praticados no ano de 2012.

15- Os crimes de violação de domicílio, dano e ofensas à integridade física, ocorreram no mesmo contexto espácio-temporal, nos dias 19, 20 e 21 de Julho de 2016, em circunstâncias temporais determinadas, num contexto de exaltação de ânimos, envolvendo pessoas acabadas de vivenciar uma relação de ruptura conjugal.

16- Porém, o lapso de tempo entretanto decorrido e a conduta posterior do recorrente, que nunca mais perturbou os ofendidos, mostrou-se arrependido, no presente mantém contactos adequados com a ex companheira, mantém uma ligação próxima com a filha menor, é tido como um bom vizinho, trabalhador, educado e respeitador no meio social onde se insere e concluindo que está integrado a nível social, profissional e familiar, justificaria que a medida das penas parcelares fosse menos excessiva.

17- Nestes termos, deveria o Tribunal a quo ter optado pela aplicação ao recorrente de penas não privativas da liberdade, com excepção do crime de violência doméstica.

18- E quanto ao crime de violência doméstica, face aos factos dados como provados na douta sentença e às circunstâncias que a favor do recorrente militam, da qual destacamos: “ a ilicitude da sua conduta, com uma prática de violência ao longo apenas dos últimos dois anos da vivência em comum, sobretudo actuando ao nível verbal e psicológico (embora com algumas actuações físicas), mas sem grandes consequências na vítima”.

19- Deveria o Tribunal a quo, ter aplicado uma pena de prisão próxima do seu limite mínimo e suspensa na sua execução, nos termos e para os efeitos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, porquanto as necessidades de prevenção geral e especial são medianas.

20- As “finalidades da punição” são, de acordo com o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal “, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

21- No caso em apreço, essa pena de substituição deveria ter sido aplicada, por se concluir que a censura dos factos e a ameaça da prisão são suficientes para satisfazer as exigências de prevenção especial e geral.

22- No mais, deveria o Tribunal a quo ter ponderado melhor a culpa do agente em toda a sua cadeia delitual, pois estes ilícitos criminais praticados pelo recorrente surgem todos eles associados a uma ruptura conjugal, num contexto de exaltação de ânimos, naquela circunstância temporal.

23- E não, pelo contrário, praticados de forma isolada, uns dos outros.

24- Tendo em conta a actual situação pessoal do recorrente, importa fazer um juízo de prognose favorável acerca do comportamento futuro do recorrente.

25- Não se justificando, por isso, que a medida da pena única se fixe acima do mínimo exigido pela prevenção especial e geral.

26- As condenações visaram exclusivamente a função repressiva quanto à conduta penal juridicamente relevante, não cuidando em que cada condenação contivesse a componente da censura, atenuada em razão dos factores que militam a favor do recorrente.

27- Tendo em conta tudo isso, tem-se como permitida pela culpa, no caso sub judice, necessária e suficiente para satisfazer as necessidades preventivas uma pena única inferior a cinco anos, suspensa na sua execução.

28- Face ao todo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e, em substituição, o recorrente ser condenado pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal, numa pena de prisão, suspensa na sua execução e não com a pena aplicável ao crime de violação, p. e p. no art. 164.º do Código Penal, por não provada a ofensa sexual ou caso assim não se entenda, com a pena aplicável ao crime de violação, p. e p. no artigo 164.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal. E ainda ser o recorrente condenado em penas não privativas da liberdade, quanto aos outros crimes em análise.»

           4. Respondeu o Ministério Público, concluindo «não [merecer] qualquer censura o acórdão do tribunal colectivo que condenou o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, dos crimes de violência doméstica, violação, violação de domicilio agravado, dano e dois crimes de ofensas à integridade física, na pena única de 6 anos de prisão».

 

            5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:

«I Como decorre das respectivas conclusões, as únicas questões submetidas a reexame são:

- Concurso aparente entre o crime de violência doméstica e o de violação (conclusões 1 a 5);

- Condenação pelo crime de violação do n.º 1, do artigo 164.º, do Código Penal (conclusões 6 a 11);

- Natureza e medida das penas parcelares (conclusões 11 a 18);

- Medida da pena única e suspensão da sua execução (conclusões 19 a 28).

II O Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso (572-579).

 No que respeita à primeira questão, convocando jurisprudência das Relações e STJ, bem como da doutrina, e discorrendo sobre a evolução histórica do preceito (violência doméstica), afasta-se de Paulo pinto de Albuquerque, acompanhando a tese do acórdão recorrido, no sentido de que nas «situações em que a conduta do arguido extravasa em muito o tipo de crime cuja punição subsidiária do n.º 1 do art. 152.º, do C. P., prevê, toda a restante actuação do arguido, que se consubstancie em «maus tratos físicos ou psíquicos», deve continuar a integrar o tipo de violência doméstica

 Conclui, pois, que, no caso, «em que o tipo de violação para o qual remete o art. 152.º, n.º 1, do C.P., não abarca todos os factos praticados pelo arguido, a actuação do arguido AA deverá ser punida pelas duas normas incriminadoras em concurso efectivo: o crime de violência doméstica e o crime de violação.»

 

E no que respeita à natureza e medida das penas parcelares e da única entende não merecerem censura.

Finalmente, e no que concerne à suspensão, conclui que, «Perante a quantidade e gravidade de crimes de violência doméstica… e as circunstâncias em que o arguido praticou os factos, as exigências de prevenção geral e especial são elevadas, não permitindo um juízo de prognose favorável ao arguido…»

IV

1. Acompanhando-se a resposta do Ex. mo Procurador da República, cremos não merecer censura a condenação do arguido, em concurso real e efectivo, pelos crimes de violência doméstica e de violação.

 

Como já tivemos oportunidade de o referir noutras situações a este propósito, a questão da opção legislativa pela expressa subsidiariedade do crime de violência doméstica em relação ao de violação (ou outros contra a liberdade ou integridade física) foi fortemente criticada pela doutrina.

Como é referido Nuno Brandão, in A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, Julgar n.º 12, 2010, N.º Especial: Crimes no Seio da Família e Sobre Menores

(..) se por um lado o crime de violência doméstica foi erigido como ponto de referência desse quadro normativo, por outro lado manteve-se a sua natureza subsidiária em relação a crimes mais graves que tutelam a saúde física e psíquica da vítima, através de uma cláusula de subsidiariedade expressa. Refiro-me fundamentalmente às ofensas à integridade física graves.

Ora, neste jogo de concurso, hoc sensu, uma aplicação rigorosa das regras da unidade da norma, a que devem ser submetidas as relações de subsidiariedade de tipos legais, conduz ao afastamento da aplicação do tipo de violência doméstica sempre que este concorra com o de ofensa à integridade física grave.

 

Também Cristina Augusta Teixeira Cardoso, in A Violência Doméstica e As Penas Acessórias, Universidade Católica, Polo Porto, Maio de 2012, tece dura crítica à opção sobre a relação de subsidiariedade expressa entre o crime de violência doméstica e os crimes de ofensa à integridade física grave, de sequestro qualificado, etc. Comenta: É incompreensível que, constando da exposição de motivos do Anteprojecto da Revisão do Código Penal que esta procura «o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, como … as vítimas de violência doméstica», o legislador tenha mantido, agora de forma expressa e absoluta a regra da subsidiariedade, que não só não reforça a tutela das vítimas, como a enfraquece de forma acentuada.

Assim, numa situação em que a violência doméstica se tenha concretizado numa ofensa à integridade física grave, crime punível com pena de prisão de dois a dez anos, apenas será aplicada ao agente esta pena, esquecendo-se, por completo, a existência especial entre o agente e a vítima… Este problema seria facilmente afastado ultrapassado se o legislador tivesse criado uma agravação, que poderia ser nos limites mínimo e máximo, ou, pelo menos, num deles, da pena aplicável ao crime em que se materializou a violência doméstica, através da qual a relação existente entre o agente e a vítima passaria a ter relevância legal e penal, deixando de ser indiferente que o crime tenha sido praticado por aquele agente que se encontra naquela especial relação com a vítima ou por outro qualquer.

Porém, a subsidiariedade não decide definitivamente a questão.

Temos como seguro, que a tutela da violência doméstica pode ser aplicável a uma única conduta violenta.

E caso esta conduta violenta integre um crime de violação ou de ofensa corporal grave, face à regra da subsidiariedade, a punição é feita por estes últimos crimes.

Sucede que na maioria dos casos a violência é reiterada e habitual, composta atomisticamente por várias agressões físicas e psíquicas, sequestro, e ofensas sexuais.

No caso dos autos, como se sintetiza no acórdão recorrido, «os factos caracterizadores do crime de violação que tenha ocorrido no contexto espácio-temporal em que decorreu a violência doméstica separam-se e dão origem à verificação do crime de violação.

Se após esta separação, como é o caso dos autos e supra referimos, restarem mais factos ou outros factos relativos à violência doméstica, eles continuarão a integrar o crime de violência doméstica, sendo a sua respectiva punição, em concurso real com a da violação.».

É pois manifesto que o arguido, ao praticar repetidamente actos susceptíveis de ofender física e psiquicamente a vítima atingiu a bem jurídico protegido pela norma incriminadora em causa, a par com a ofensa sexual.

2. No que respeita ao preenchimento do crime de violação, é, igualmente, clara a ausência de razão do recorrente.

 Pretendendo que o tribunal relevasse as declarações que prestou (obteve o consentimento da vítima, vencendo a sua relutância inicial), esquece por completo o que foi dado como provado sob os n.º s 9 a 15 da matéria de facto, que evidencia a violência exercida para vencer a resistência da ofendida – agarrou a ofendida…, empurrou-a para cima da cama, deu-lhe duas pancadas nas pernas e agarrou-a pelo pescoço… colocou-se sobre o corpo da ofendida… afastou-lhe as pernas com o uso de força física e penetrou-a… A ofendida… pediu ao arguido que a largasse, tendo este continuado com a sua actuação… a ofendida sentiu dores.

3. Nada se nos oferece acrescentar à fundamentação do acórdão e resposta do ex. mo procurador da República no que respeita à natureza e medida das penas parcelares e da única.

Limitamo-nos a anotar que o recorrente assenta a redução da pena única essencialmente na pretensão de ser absolvido pela violação.

Porém, como foi referido, a elevada culpa do arguido conexionada com as fortes exigências de prevenção, quer geral, quer especial, justificam inteiramente que a pena se situe no primeiro terço da moldura do concurso, posto que «não revela poder sofrer uma inversão no sentido de aceitação progressiva das regras…, tanto mais que assumiu em grande parte uma postura de suposta vítima e não demonstrou arrependimento ou confessou as condutas mais graves demonstradas.»

4. Em suma: somo do parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.»

            6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada mais tendo sido dito.

            7. Colhidos os vistos, julgado o recurso em conferência pois não foi requerida a audiência – artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP –, cumpre decidir.

            II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos

Da prova produzida e discussão da causa resultaram os seguintes:

Factos Provados:

1. O arguido e a ofendida BB, viveram um com o outro, cerca de catorze anos, até 18/07/2016, em comunhão de cama, mesa e habitação, na ....

2. Dessa união nasceu uma filha, ..., em .../2013, com ambos residente.

3. Quando a ofendida BB começou a frequentar a escola, em Setembro de 2014, o arguido, por ciúmes, passou a questionar constantemente a ofendida sobre onde tinha estado e com quem, não permitia que ela convivesse com amigos, andava sempre a ver o telemóvel da ofendida (as chamadas feitas e recebidas e os SMS enviados e recebidos), e proibiu a ofendida de usar roupas decotadas, saias e vestidos, quando saía à rua.

4. Nos últimos quatro anos da vida em comum o arguido passou a ter o hábito de ingerir bebidas alcoólicas em excesso, e de consumir produtos estupefacientes (heroína, cocaína e Cannabis), consumos esses que alteravam o seu comportamento, ficando agressivo para com a ofendida BB.

5. Entre Setembro de 2014 e 18/07/2016, em casa, por uma vez, o arguido puxou os cabelos da ofendida BB.

6. Entre Setembro de 2014 e 18/07/2016, em casa, por uma vez, o arguido deu um estalo na ofendida BB, que lhe apanhou a zona do ouvido.

7. Entre Setembro de 2014 e 18/07/2016, em casa, algumas vezes, o arguido deu pequenos pontapés na ofendida BB.

8. Entre Setembro de 2014 e 18/07/2016, em casa, por diversas vezes, uma vez na presença da filha de ambos, o arguido dirigia à ofendida BB as seguintes expressões: “puta do caralho”, “vaca do caralho”, “ se me deixas mato-te”, “se não fores p’ra mim, não és pr’a mais ninguém”.

9. Em datas e horas não concretamente apuradas, em finais de 2014, no interior da habitação do casal, o arguido agarrou a ofendida BB, empurrou-a para cima da cama, deu-lhe duas pancadas nas pernas e agarrou-a pelo pescoço.

10. Em seguida, tirou-lhe os calções, a t-shirt e as cuecas.

11. Após, o arguido baixou as calças e colocou-se sobre o corpo da ofendida.

12. Acto contínuo, o arguido afastou-lhe as pernas com o uso de força física e penetrou-a na vagina com o pénis erecto.

13. A ofendida BB pediu ao arguido que a largasse, tendo este continuado com a sua actuação.

14. O arguido ejaculou na zona vulvar da ofendida BB.

15. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sentiu dores.

16. No dia 18 de Julho de 2016, a ofendida, levando consigo a filha menor de ambos, foi pernoitar casa da sua mãe e do seu padrasto (CC e DD).

   17. No dia 19 de Julho de 2016, pelas 01h30, o arguido deslocou-se à casa dos pais da ofendida BB, sita na Rua ..., onde esta se encontrava com a filha menor de ambos, e, aos gritos, no exterior da habitação, dirigiu-lhe as seguintes palavras: “BB, abre-me a porta, sua caralha de merda, puta de merda…”.

            18. Quando a ofendida BB abriu a porta da cozinha para que o arguido entrasse no interior da mesma, este, em tom de voz exaltado, dirigiu-lhe as seguintes palavras: “filha da puta, andas a enganar-me com uma preta, andas a mostrar a barriga no facebook, és uma puta, uma caralha …”

            19. Acto contínuo, desferiu uma bofetada que atingiu a ofendida na face do lado esquerdo.

20. Em seguida, o arguido saiu da cozinha para o exterior, foi buscar um pau e regressou à cozinha com o pau na mão, tendo sido impedido de se aproximar da ofendida, pelo padrasto desta, que se interpôs entre o arguido e a ofendida BB.

21. Como consequência necessária e directa da bofetada referida em 19., a ofendida BB sofreu hiperémia da face à esquerda, sobre a região malar, que determinou 1 (um) dia para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

22. No dia 19 de Julho de 2016, cerca das 04h15, na Rua ..., foi apreendido ao arguido:

22.1. um pau castanho escuro;

22.2. um canivete branco, da marca CIOL, com uma lâmina com 10,5 cms de comprimento.

   23. O arguido utilizava o objecto mencionado em 22.2. para actividades diversas do seu trabalho.

24. No dia 20 de Julho de 2016, pelas 08h25, o arguido enviou do seu telemóvel número ..., para o telemóvel da ofendida nº ..., a seguinte mensagem de voz: “puta do caralho, sua vaca di merda … tá tudo legal galera, puta do caralho, estavas à coçar, velhaca de merda, puta de porca, sheater, sheater, puta do caralho, puta do caralho, ela foi-se a roçar à tua pita, pernas e mãos, enquanto mostravas a cona no facebook, eu não podia ter facebook, eu não podia ter facebook, não podia ter coisas no caralho do telemóvel não era, vaca di merda, puta do caralho, puta do caralho, não era andas à mostrar, na minha casa, no meu quarto cama, vaca do caralho, vaca do caralho, ainda vais levar uma foda” “eu vou te apanhar puta do caralho” “vou-te por a picha nessa boca, tu nunca tiveste falta de picha, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho, puta do caralho”

            25. No dia 21 de Julho de 2016, cerca das 21h45, o arguido voltou à casa da progenitora da ofendida BB, onde aquela se encontrava com a filha menor de ambos.

            26. Aí, agarrou num pau com características não concretamente apuradas, e, com ele, partiu os vidros da porta que dá acesso à cozinha, causando danos no valor de € 150,00, e logrando assim entrar no interior da habitação de CC e de DD.

            27. Após, munido do referido pau, aproximou-se de DD, elevou o pau no ar em direcção à cabeça deste e desferiu uma pancada no ofendido, que o atingiu na cabeça, fazendo com que caísse desamparado no chão da cozinha, desmaiando.

28. Nessa mesma ocasião e lugar, o arguido munido do referido pau, após aproximação de CC, elevou o pau no ar em direcção à cabeça desta e desferiu-lhe várias pancadas, que a atingiram na cabeça, na cara, no nariz e nas costas.

29. Acto contínuo, após o ofendido DD ir em socorro da sua companheira, o arguido desferiu várias pancadas neste, com o referido pau, atingindo-o no ombro e nas costas.

30. Na mesma ocasião e lugar, no interior da cozinha dos ofendidos DD e CC, o arguido atirou na direcção dos mesmos ou para o chão, os seguintes objectos, pertença destes:

            30.1. 1 fogão grande, com 5 bocas, o qual ficou com uma tampa danificada, em valor não apurado;

            30.2. 1 Microondas, no valor de € 40,00;

30.3. 1 máquina de café, no valor de € 40,00;

30.4. 1 aparelhagem de som, no valor de € 70,00;

30.5. 1 mesa de cozinha, no valor de € 50,00;

30.6. vários copos e pratos de louça, no valor de € 50,00;

30.7. 1 panela de pressão, no valor de € 50,00.

            31. Na sequência do episódio referido em 25. a 30., o ofendido DD foi assistido no Hospital ....

            32. Após, foi submetido a exame médico-legal, no dia 26 de Julho de 2016, e apresentava ferida corto-contusa do couro cabeludo, na região parietal esquerda, suturada com oito pontos e luxação do ombro do mesmo lado.

            33. As lesões mencionadas em 32. demandaram 20 dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (15 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (15 dias).

34. Na sequência do episódio referido em 25. a 30., a ofendida CC foi assistida no Hospital ....

            35. Após, foi submetida a exame médico-legal, no dia 26 de Julho de 2016, e apresentava traumatismo da face com fractura dos ossos próprios do nariz e sutura do dorso do nariz.

            36. As lesões mencionadas em 35. demandaram 30 dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (15 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (15 dias).

            37. Uma a duas semanas depois de 21/07/2016, em hora não concretamente apurada, o arguido pediu para deixarem à porta da casa da ofendida BB, na Rua ..., uma caixa de sapatos, onde estava escrito “puta, estás fodida”, o que foi feito.

            38. A caixa mencionada em 37. continha no seu interior, uma galinha morta, esventrada, um brinco da ofendida, uma garrafa de vinho, um copo, uma cebola, uma esponja, uma faca e um pó branco.

           39. Ao ver a caixa mencionada em 37., com o conteúdo mencionado em 38., a ofendida BB entrou em pânico, ficou muito nervosa, com medo do arguido e a tremer.

            40. Ao agir do modo descrito em 3., 4., 5., 6., 7., 8., 17., 18., 19., 20., 21., 24., 37., 38. e 39., o arguido actuou com o propósito, conseguido, de, reiteradamente, maltratar, humilhar e de ofender a integridade física e psíquica e a honra da ofendida BB, bem sabendo que se tratava da sua companheira e mãe da sua filha.

41. Resultado este que representou, mesmo na presença, por uma vez, da filha menor de ambos e no interior da residência comum do casal.

            42. Ao agir do modo descrito em 9., 10., 11., 12., 13., 14. e 15., o arguido quis manter relações sexuais de cópula com a ofendida BB contra a vontade desta, o que conseguiu, actuando, nessa ocasião, com o intuito de, ferindo a liberdade sexual da ofendida, satisfazer os seus desejos sexuais.

            43. Ao agir do modo descrito em 25. e 26., o arguido sabia que ao entrar na residência dos ofendidos CC e DD, e de BB, o fazia sem autorização e contra a vontade dos seus habitantes, violando, deste modo, a privacidade daqueles, não se inibindo, contudo, de o fazer, o que quis e conseguiu.

           44. Ao agir do modo descrito em 30., o arguido teve o propósito, concretizado, de inutilizar e destruir os referidos bens, danificando-os e inutilizando-os, sabendo que tais bens não lhe pertenciam, que actuava contra a vontade e em prejuízo dos ofendidos, legítimos proprietários dos mesmos, como aconteceu.

            45. Ao agir do modo descrito em 27 e 29, o arguido actuou com a intenção, concretizada, de atingir o ofendido DD na sua integridade física e de lhe provocar as referidas lesões no corpo, sabendo não o poder fazer.

            46. Ao agir do modo descrito em 28, o arguido actuou com a intenção, concretizada, de atingir a ofendida CC na sua integridade física e de lhe provocar as referidas lesões no corpo, sabendo não o poder fazer.

            47. O Arguido agiu em todas as condutas supra mencionadas de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime, e, não obstante, não se absteve de levar a cabo as actuações em causa.

  48. O tratamento hospitalar da ofendida BB, em virtude da conduta referida em 19., importou um custo de € 112,07, não pago.

   49. O tratamento hospitalar do ofendido DD, em virtude das condutas referidas em 27. e 29., importou um custo de € 337,40, não pago.

    50. O tratamento hospitalar da ofendida CC, em virtude da conduta referida em 28., importou um custo de € 308,32, não pago.

            51. O ofendido DD, em virtude das condutas referidas em 27. e 29., sofreu intensas dores, quer durante a actuação do arguido, quer posteriormente, durante, pelo menos, 30 dias.

    52. Em virtude da conduta referida em 28., a ofendida CC, entre o dia 22/07/2016 e o dia 2/08/2016, esteve de baixa, auferindo subsídio de doença no valor de € 75,42.

            53. Teve de ir, pelo menos por duas vezes, ao Hospital ....

     54. E sofreu dores fortes na cabeça e no nariz nos 8 dias seguintes.

            55. Sentindo-se, ainda, fortemente perturbada, nervosa, abalada, com receito de que os actos pudessem ser repetidos, atenta a agressividade e compleição física do arguido.

            56. Continuando, ainda, a ter medo do arguido, sempre que o vê, mesmo à distância.

           

   Factos relativos às condições Económicas, Pessoais, Sociais e Profissionais do arguido

            57. O arguido é oriundo de uma família numerosa (fratria de 11 elementos), de baixo estrato socioeconómico e cultural.

58. Não teve, contudo, dificuldades de subsistência, considerando que lhe foram proporcionadas as condições adequadas durante a infância em termos materiais e afectivos.

59. Os seus progenitores separaram-se quando o arguido tinha aproximadamente 14 anos, na sequência dos hábitos alcoólatras da figura paterna, que se foram agravando e traduzindo numa postura mais agressiva no contexto familiar.

60. O arguido ficou entregue aos cuidados da progenitora.

61. Decidiu começar a trabalhar cedo para ajudar a assegurar os encargos do agregado.

  62. Começou a trabalhar ainda na adolescência, na área da construção civil, inicialmente nas férias escolares.

63. Concluiu o 7.º ano de escolaridade, tendo tido uma desmotivação crescente associada à vontade de querer começar a trabalhar e de conquistar alguma autonomia.

64. Não teve dificuldades comportamentais ou de absentismo de relevo.

65. Em termos laborais, teve um percurso que, ainda que regular em termos da integração e da ausência de grandes períodos de inactividade, se vem caracterizando sobretudo pela informalidade, normalmente sem vínculo contratual associado.

66. Tem trabalhado, sobretudo, na área da construção civil e, nos últimos anos, na área da jardinagem, actividade que já desempenhou por conta de outrem e que, agora, vem executando por conta própria, tendo já alguns clientes fixos.

67. Sofreu uma redução de serviços na sequência da ruptura conjugal e da sua própria desorganização pessoal e emocional, que motivou a perda de vários trabalhos.

68. No presente, não tem ocupação diária, trabalhando de acordo com as solicitações que vão surgindo.

69. Nunca se autonomizou completamente do agregado de origem, situação que atribui ao relacionamento próximo que mantinha com a progenitora, que se consolidou na sequência do falecimento de dois irmãos do arguido, tendo ficado a prestar-lhe apoio.

70. Mesmo após constituir família, o arguido permaneceu a viver em casa dos pais, tendo, entretanto, a progenitora falecido e encontrando-se o pai integrado em lar de terceira idade.

    71. É descrito, na generalidade, um bom relacionamento entre ambos, sem dificuldades na vivência conjugal e com partilha de papéis e responsabilidades, vindo a relação a degradar-se nos últimos anos nos termos supra descritos.

72. O arguido teve uma significativa alteração no comportamento em contexto familiar na sequência do agravamento dos consumos de álcool, com crescente agressividade e desorganização.

73. É descrito, fora do contexto de consumos excessivos, como um bom pai e um bom companheiro.

74. O arguido, apesar de assumir uma fase de descontrolo nos consumos de álcool e uma crescente desorganização emocional, que contextualiza aos problemas vivenciados na conjugalidade, atribui a ruptura da relação ao afastamento emocional e desinteresse que foi sentindo por parte da ex-companheira, que associa à manutenção de um relacionamento extra-conjugal por parte desta.

75. O arguido teve contacto com o consumo de estupefacientes, em particular de heroína, nomeadamente após o falecimento da progenitora.

76. Não considera estes consumos problemáticos, pela sua irregularidade e por nunca se ter sentido dependente, embora assuma recaídas em fases de maior fragilidade emocional.

77. Encontra-se abstinente quer do consumo de estupefacientes quer de álcool.

78. Assume ter tido muita dificuldade em lidar com a ruptura conjugal e com a saída da ex-companheira de casa, e sobretudo com o afastamento da filha menor, emergindo ainda uma grande emotividade e alguma revolta quando aborda estas questões.

79. Descreve um profundo abatimento e desorganização emocional neste período, com impacto em termos laborais e nos diferentes contextos de funcionamento, e que se traduziu igualmente em dificuldades ao nível do auto-controlo.

80. Acabou por ir viver uns tempos com um irmão, que o ajudou a recuperar e a começar a reorganizar a sua vida.

81. Procurou apoio psicológico, mas acabou por nunca iniciar este processo.

82. Actualmente, vive sozinho na casa de família, com um quotidiano dividido entre este contexto, onde se dedica às tarefas domésticas e a tratar de alguns animais que possui, e a execução de alguns trabalhos na área da jardinagem, sobretudo na vizinhança.

83. Depende, essencialmente, de si próprio, embora mantenha contacto com os irmãos.

84. A mãe do arguido constituía a sua principal figura de referência em termos de suporte.

85. Já beneficiou da atribuição do rendimento social de inserção, apoio entretanto cessado na sequência de ter abandonado um curso de formação profissional em que esteve integrado.

86. No presente, não beneficia de qualquer apoio económico, tendo uma situação deficitária mas sem comprometer as suas condições de subsistência.

87. Não assume na totalidade os factos que lhe são imputados, considerando que algumas situações foram exageradas.

88. Admite que se excedeu nas suas atitudes, que contextualiza a um período de grande desorganização decorrente da ruptura conjugal.

89. Revela ambivalência na forma como avalia esta situação, alternando entre uma atitude de arrependimento e a atribuição de responsabilidade às vítimas, considerando que tiveram comportamentos provocatórios.

90. Desde os factos em apreço, não importunou mais a ex-companheira, existindo, no presente, contactos adequados entre ambos sobretudo relativos à filha que têm em comum.

91. A ofendida atribui-lhe uma significativa alteração no comportamento, considerando-o mais calmo e ajustado, tendo contacto presencial com ele quando vai buscar a filha.

92. O arguido mantém uma ligação próxima com a menor, que passa todos os domingos com ele, revelando uma grande preocupação no acompanhamento da filha e em ser uma figura presente.

93. Aceita a intervenção judicial e possíveis acções que vierem a ser determinadas neste contexto.

94. Não se considera agressivo, mas assume dificuldades de auto-controlo em situações de maior tensão/contrariedade.

95. Indicia uma ansiedade latente e alguma dificuldade em gerir emoções e em resolver problemas.

96. O arguido é tido como bom vizinho, trabalhador, educado e respeitador no meio social em que se insere.

           

            Antecedentes Criminais do arguido

97. Por decisão de 20/01/2012, transitada em 20/01/2012, proferida no âmbito do processo n.º 158/11.3PBAGH, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o arguido foi condenado pela prática, em 26/02/2011, de um crime de dano, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 5,00, num total de € 200,00.

*

Factos Não Provados:

a) O mencionado em 3. ocorreu quando a ofendida BB começou a trabalhar na área da restauração.

b) A mais do dado como provado em 5., 6., 7. e 8. que, ao longo dos últimos 4 anos de vida em comum, no interior da residência de ambos, por vezes na presença da filha menor, o arguido agrediu a ofendida com socos desferidos com os punhos fechados, bofetadas na cara da ofendida, desferidas com as mãos abertas, puxões de cabelos, e pontapés, que a atingiam em várias partes do corpo, com particular incidência nas pernas.

c) O mencionado em 9. a 15. ocorreu entre o mês de Março de 2016 e meados do mês de Julho de 2016.

d) No momento referido em 11. o arguido agarrou as mãos da ofendida BB com força, para que ela não se conseguisse defender, e colocou-lhe uma mão no rosto para que não conseguisse pedir ajuda.

e) No momento referido em 13. o arguido manteve a ofendida segura com as mãos contra a cama.

f) O mencionado em 9. a 15. ocorreu uma segunda vez, entre o mês de Março de 2016 e meados do mês de Julho de 2016, tendo o arguido agarrado e arrastado a ofendida pelos cabelos e pressionado a cabeça da ofendida contra a cabeceira da cama.

g) Após os momentos referidos em 9. a 15. e em g) o arguido dirigiu-se à ofendida dizendo que se contasse o sucedido a alguém alguma coisa lhe poderia acontecer.

h) Em resultado de agressões físicas levadas a cabo pelo arguido, muitas vezes, a ofendida BB sofreu hematomas, principalmente nos braços, nas pernas e noutras zonas do corpo atingidas, mas nunca recebeu assistência médica, porque tinha vergonha do que as pessoas pudessem pensar.

i) No dia mencionado em 16. a ofendida BB decidiu separar-se do arguido, tendo saído da casa de morada de família.

j) No dia 18 de Julho de 2016, pelas 22h00, o arguido deslocou-se a casa da mãe da ofendida, e após uma discussão entre ambos, desferiu com violência, duas bofetadas com a mão aberta, que atingiram a ofendida nas duas faces, provocando-lhe dor e vermelhidão, nas zonas da cara atingidas.

k) No momento referido em 17., ao mesmo tempo, o arguido desferia pontapés e socos na porta da entrada da casa dos pais da ofendida.

l) A mais do dado como provado em 19., que a bofetada tenha sido com tal violência, que a ofendida caiu desamparada no chão da cozinha.

m) A mais do dado como provado em 20. que o arguido tenha, ainda, sido impedido de se aproximar da ofendida BB pela mãe desta, que também se interpôs entre o arguido e a ofendida.

n) Os objectos referidos em 22.1. e 22.2. pertenciam ao arguido, destinando-se a ser utilizados como armas de agressão.

o) O arguido quis deter os objectos referidos em 22.1. e 22.2., bem sabendo que não podia ter em seu poder objectos com aquelas características, sem utilização definida, e exclusivamente com o fim de os utilizar como armas de agressão.

p) No momento referido em 25. começou a desferir socos, com os punhos fechados e pontapés, na porta que dá acesso à cozinha (nas traseiras da casa), ao mesmo tempo que, aos gritos, proferia as seguintes palavras: “abre a porta puta”

q) O pau referido em 26. tinha cerca de um metro de comprimento.

r) No momento referido em 27. foram desferidas várias pancadas.

s) No momento referido em 30. o arguido actuou com o auxílio do referido pau, desferindo várias pancadas nos objectos que ali se encontravam.

t) Os danos causados no fogão referido em 30.1. foram no valor de € 600,00.

u) O arguido quis deter o pau referido em 26. a 29., bem sabendo que não podia ter em seu poder objecto com aquelas características, sem utilização definida e exclusivamente com o fim de o utilizar como arma de agressão.

v) Na actuação referida em 26. a 29. o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

w) O mencionado em 37., ocorreu concretamente no dia 6 de Agosto de 2016.

x) A actuação mencionada em 37. foi levada a cabo pessoalmente pelo arguido.

y) A mais do dado como provado em 45., que o arguido sabia que o pau que utilizou era um meio particularmente perigoso quando infligido no corpo das pessoas, podendo, quando utilizado desta forma, causar ferimentos graves e atentar contra a integridade física, a saúde corporal e até a própria vida do atingido.

z) A mais do dado como provado em 46., que o arguido sabia que o pau que utilizou era um meio particularmente perigoso quando infligido no corpo das pessoas, podendo, quando utilizado desta forma, causar ferimentos graves e atentar contra a integridade física, a saúde corporal e até a própria vida do atingido.

aa) A mais do dado como provado em 46., o arguido sabia que a ofendida era pessoa particularmente indefesa em razão da sua idade (64 anos), mas este facto, não o inibiu de actuar da forma descrita.

bb) A mais do dado como provado em 51, que as dores aí referidas duraram 60 dias.

cc) A mais do dado como provado em 53., que tenha ido por 3 vezes ao Hospital ....»

2. Delimitação do objecto do recurso

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP – e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites de cognição do Tribunal Superior.

Como resulta das conclusões do recurso, as questões propostas a reapreciação por este Supremo Tribunal no âmbito deste recurso reportam-se aos seguintes temas:

a- Concurso entre o crime de violência doméstica e o de violação (conclusões 3 a 5);

b- Condenação pelo crime de violação do n.º 1, do artigo 164.º, do Código Penal (conclusões 6 a 11);

c- Natureza e medida das penas parcelares (conclusões 11 a 18);

d- Medida da pena única e suspensão da sua execução (conclusões 19 a 28).

3. Apreciação

3.1. Condenação pelo crime de violação

Como bem considera o Ministério Público na sua resposta, «por uma questão de sequência lógica, que não a seguida nas conclusões do recurso», há que apreciar, antes de mais, a questão da condenação do arguido pela prática de um crime de violação.

O arguido-recorrente foi condenado, como já foi dito, pela prática de um crime de violação p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, praticado na pessoa da ofendida ..., com que então vivia «em comunhão de cama, mesa e habitação» (facto provado n.º 1).

O artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal descreve o crime de violação como um caso especial de coacção sexual, uma coacção sexual qualificada. Como referem M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «o agente constrange a vítima (por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir), seja menor ou adulto, homem ou mulher, a sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos»[2].

Como na coacção sexual, também aqui se trata de criminalizar, conforme salientam JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO, «condutas que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência»[3].

Tutela-se, pois, a autodeterminação sexual, quer dentro, quer fora do casamento ou da convivência em situação análoga. Como escreve FIGEIREDO DIAS, cada pessoa adulta «tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar a que a elas se entrega ou ao(s) parceiro(s), também adulto(s) com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este(s) nelas consinta(m)»[4].

O crime de violação, previsto no n.º 1 do artigo 164.º, define-se como um crime de execução vinculada, ou seja, para o seu preenchimento são necessários meios típicos de coacção/constrangimento[5].

A conduta típica “constranger” traduz-se num ato de coacção (constranger outra pessoa a adoptar um determinado comportamento: praticar uma acção, omitir determinada acção, ou suportar uma acção), dirigido à prática, activa ou passiva, de um ato sexual de relevo. A coacção é, pois, aqui especializada através da sua finalidade, tendo de existir, segundo FIGUEIREDO DIAS, entre ela e o ato sexual uma relação meio/fim[6].

Neste caso, o agente constrange a vítima a sofrer ou a praticar ato sexual de relevo, também ele especializado, através das condutas de “violência”, “ameaça grave” e “tornar a vítima inconsciente ou pô-la na impossibilidade de resistir”.

A caracterização da «violência» para a integração deste crime tem sido discutida: será um ato de violência constranger a vítima à prática de ato sexual, sem o uso da força, existindo “apenas” o seu dissentimento? A violência terá de se traduzir num exercício de força física sobre a vítima, de modo a impedir-lhe os movimentos, ou a infligir-lhe agressões corporais. Caberá no conceito de violência a vertente psicológica, além da física?

Exige-se uma «verdadeira luta entre o agente e a vítima»?

Não se exigirá luta, mas os meios utilizados pelo agente devem ser idóneos a vencer a resistência da vítima, ou seja, deve haver um “plus” de força física.

Num outro entendimento, aceita-se que o dissentimento por parte da vítima é suficiente para, no caso de o agente avançar, o tipo legal encontrar-se preenchido[7]/[8].

Perante a factualidade provada, não oferece dúvidas de que o pressuposto «violência» se encontra presente, bastando-nos convocar o entendimento de FIGUEIREDO DIAS para quem a violência ocorre com o uso da força física, «à violência tem de assistir uma qualquer corporalidade do meio de coacção»[9], sendo que, para o mesmo autor, a violência para preenchimento do tipo é a física, apesar de não exigir que seja pesada ou grave, no entanto, «deve ser idónea, segundo as circunstâncias do caso – nos termos conhecidos da doutrina da adequação -, a vencer a resistência efectiva ou esperada da vítima».

Em síntese conclusiva, dir-se-á, enfim, concordando-se com a correcta caracterização que lhe é feita no acórdão recorrido, que:

«[O crime de violação] demanda a demonstração dos seguintes elementos:

(1) a utilização de violência, ameaça grave ou a colocação de outra pessoa inconsciente ou na impossibilidade de resistir (elemento objectivo);

Assim, o crime em causa, sendo contra a liberdade de determinação sexual, demanda que o agente actue sobre a vítima sobre uma de 4 formas:

– com utilização de violência, sendo esta o uso de força física, com a finalidade de vencer a resistência da vítima;

– através de ameaça grave, isto é, manifestando o propósito de causar um mal ou um perigo importante à vítima, caso a mesma não consinta na sua actuação;

– pré-colocando a vítima inconsciente ou na impossibilidade de resistir, com o fim de ter com a mesma relação sexual.

(2) a existência de cópula, coito anal ou coito oral ou a determinação à prática de tais actos com outrem (elemento objectivo previsto no art. 164.º, n.º 1, al. a), do Código Penal);

Depois, o tipo legal em análise demanda, ainda, que o agente tenha com a vítima cópula, coito anal ou coito oral.

E, ao contrário do que outrora sucedia, prevê-se, ainda, o preenchimento do tipo legal, quando o agente leva a vítima a ter alguma das actuações supra mencionadas com terceiro.

Para efeitos da incriminação legal, entende-se por cópula a penetração da vagina pelo pénis, haja, ou não, emissio seminis (cfr. o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2003), não preenchendo o conceito de cópula as designadas “cópula vestibular” ou “vulvar”, as quais constituirão acto sexual de relevo para efeitos do n.º 1, do art. 171.º, do Código Penal.

Por seu turno, será coito anal a penetração, total ou parcial, do ânus pelo pénis, com ou sem emissio seminis.

Por fim, poder-se-á definir coito oral como a penetração da boca pelo pénis (haja ou não erecção, haja ou não emissio seminis), designada por fellatio, e a estimulação da vagina pela boca ou língua, designada por cunnilingus.

(3) a existência de dolo (elemento subjectivo).

O crime de violação em causa é, à semelhança da maioria dos crimes (cfr. o art. 13.º do Código Penal), doloso, sendo admissíveis as várias modalidades de dolo (art. 14.º, do Código Penal).»

Ora, no caso presente, como bem se considera no mesmo acórdão, «da factualidade dada como provada, mormente dos n.os 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 42 e 47, resulta, inequivocamente, que a conduta do arguido integra os elementos objectivos [pois, que, por uma ocasião, usou da sua força física para, contra a vontade da ofendida BB, penetrar com o seu pénis na vagina desta, ejaculando, o que ocorreu apesar de a mesma pedir que o arguido a largasse] e subjectivos (pois este bem sabia o que estava a fazer e quis fazê-lo) do tipo de ilícito que lhe vinha imputado, pelo que se impõe a conclusão de que cometeu um crime de violação».

Face a tal matéria de facto provada, impõe-se, na verdade, concluir que o arguido, na ocasião aí descrita, constrangeu a ofendida a praticar consigo acto de coito vaginal, por meio de violência: o arguido «agarrou a ofendida BB, empurrou-a para cima da cama, deu-lhe duas pancadas nas pernas e agarrou-a pelo pescoço», tirou-lhe a roupa que envergava, colocou-se sobre o corpo da mesma, afastou-lhe as pernas com o uso da força física e penetrou-a na vagina com o pénis erecto, tendo continuado com a sua actuação apesar de a ofendida lhe ter pedido que a largasse.

Os factos provados preenchem, inequivocamente, a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de violação na pessoa da ofendida.

O recurso tem, assim, de improceder nesta parte.

3.2. Concurso entre o crime de violência doméstica e o crime de violação

3.2.1. O recorrente, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. a) do C.P., na pena de 4 anos de prisão, sustenta que «é errada a conformação jurídica da douta decisão», defendendo que, «quanto ao tipo legal do crime de violência doméstica, inexiste, no caso sub judice, fundamento para autonomizar os dois crimes em questão, punindo o recorrente pela sua prática, em concurso real, mas antes devendo o mesmo ser punido, pela prática do crime de violência doméstica, com a pena aplicável ao crime de violação, em concurso aparente – marcado por uma relação de subsidiariedade que o crime de violência doméstica apresenta perante os restantes tipos de crime».

            Dispõe o artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal:


«Violência doméstica
         1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
         […];
         b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
         […];
         é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»

  Como é referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 07-02-2018, proferido no processo n.º 312/15.9POLSB.S1- 3.ª Secção[10]:

  «O crime de violência doméstica é um caso paradigmático de neocriminalização fundamentada, revelando a preocupação do legislador em recorrer à via repressiva para erradicar tanto quanto possível esta forma de violência, muito disseminada na sociedade, onde ainda persistem resquícios de uma mentalidade patriarcal hoje completamente anacrónica, sendo embora certo que o fenómeno é transversal a toda a sociedade, e não específico de certos estratos sociais, que geralmente incide sobre as mulheres, e que até há pouco tempo não merecia uma censura social correspondente à sua danosidade e à sua reprovabilidade.

  Este tipo de violência é com efeito de enorme gravidade: praticada geralmente na sombra do lar, sem testemunhas, dirigida contra pessoas indefesas, quer pela fragilidade física, quer pela idade (menoridade ou idade avançada), quer pela “hierarquia” de posições (no caso de o ofendido ser filho), quer pela relação de domínio psíquico que o agressor consegue, pela violência ou pela astúcia, estabelecer sobre a vítima, acabando na grande maioria das vezes por reduzi-la a um ser sem vontade própria, sem capacidade de afirmação pessoal, muito menos de reacção perante qualquer agressão, inclusivamente sem capacidade de denúncia junto das autoridades, ou mesmo de familiares ou confidentes, das violências sofridas.

   Na última década e meia assistiu-se porém a uma tomada de consciência generalizada da grande dimensão e da extrema gravidade deste tipo de violência. A esta tomada de consciência social vem correspondendo a acção do Estado, que se desdobra em diversas vertentes, traduzidas em sucessivos planos plurianuais de prevenção e combate à violência doméstica (o último dos quais abrangendo o período de 2014-2017), abrangendo a definição de estratégias no sentido de prevenção do fenómeno, de intervenção junto dos agressores, de protecção das vítimas, de qualificação de profissionais envolvidos na assistência às vítimas e de reforço das estruturas de apoio e atendimento das mesmas, sem que no entanto, como adiante veremos, o fenómeno da violência doméstica tenha perdido intensidade.

            A intervenção penal, pelas suas características de “ultima ratio”, não pode alvejar erradicar o fenómeno, mas também não pode desistir da sua função de prevenção geral, enquanto finalidade central da aplicação das penas, sem porém ceder a tentações populistas, também muito em voga na sociedade de hoje.»

    Sistematicamente integrado, no Código, no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, especificamente, no capítulo dos crimes contra a integridade física, a teleologia do tipo assenta na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, punindo aquelas condutas que lesam esta dignidade, quer na vertente física como psíquica.

    Acompanhando-se o recente acórdão deste Supremo Tribunal de 27-06-2018, proferido no processo n.º 131/17.8JAPRT.S1 – 3.ª Secção, ainda inédito, que o agora relator subscreveu como adjunto:

           

            «Quanto à conduta em causa, continua a exigir-se que sejam infligidos a outra pessoa maus-tratos físicos ou psíquicos.

            Trata-se de um crime de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir, como se disse, nas mais variadas acções ou omissões, com ênfase para os maus-tratos físicos (as ofensas corporais simples) e os maus-tratos psíquicos (ameaças, provocações, molestações, injúrias).

   Por isso que nesses casos tem-se entendido que ocorre uma relação de concurso aparente de normas com outros tipos penais, designadamente as ofensas corporais simples (artigo 143.º, nº 1 do Código Penal), as injúrias (artigo 181.º), a difamação (artigo 180.º, nº 1), a coacção (artigo 154.º), o sequestro simples (artigo 158.º, nº 1), a devassa da vida privada [artigo 192.º, nº 1. al. b)], as gravações e fotografias ilícitas [artigo 199.º, nº 2, al b)] – acórdão Tribunal da Relação de Évora de 8-01-2013 (dgsi) – as ameaças simples ou agravadas – Catarina Sá Gomes, “O crime de maus tratos físicos e psíquicos infligido ao cônjuge ou a convivente em condições análogas às do cônjuges, pág. 59, AAFDL, 2002.

    No que concerne ao tipo subjectivo, o normativo em apreço prevê um tipo doloso, exigindo-se o dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.»

           

  Enquadrar a violência doméstica, na realidade sócio-cultural actual implica ainda, assim entende CONDE FERNANDES «considerar factos que podem integrar a prática de tipos-legais de crime - em concurso efectivo ou aparente - como a ofensa à integridade física, ameaça, sequestro, coacção, injúria, difamação, devassa da vida privada, violação de correspondência, gravações e fotografias ilícitas, dano, coacção sexual, violação, abuso sexual de menores, homicídio na forma tentada ou consumada»[11].

           

    Estamos, tem sido afirmado, perante um crime de relação: o cônjuge ou ex-cônjuge, a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.

            M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO dão nota dessa característica associada a este tipo de ilícito – crime de relação – em que releva, dizem, «mais exactamente, um certo grau de proximidade ao lado de uma estreita comunidade de vida, realidades que instituem normas de conduta cuja violação fundamenta ou agrava a ilicitude do facto – a especial relação que intercede entre os sujeitos activo e passivo da conduta criminosa. Estará em causa a protecção da dignidade e da integridade da pessoa enquanto membro de uma relação conjugal, ou enquanto participante de uma realidade familiar ou “análoga”»[12].

 Como salienta ANA MARIA BARATA DE BRITO, identifica-se aqui «uma especial relação entre agente e ofendido, relação que “é sempre de proximidade, se não física, ao menos existencial, ou seja, de partilha (actual ou anterior) de afectos e de confiança em um comportamento não apenas de respeito e abstenção de lesão da esfera jurídica da vítima, mas de atitude pro-activa, porquanto em várias hipóteses do art. 152º são divisáveis deveres legais de garante”[[13]]. Essa especial relação – actual ou passada – fundamenta a ilicitude e justifica a punição do agente»[14].

  A ratio do tipo não reside, pois, prossegue a autora, na protecção da família, da comunidade familiar ou conjugal, mas na protecção da pessoa individual na família, da pessoa que integra a comunidade familiar ou conjugal, na tutela da integridade humana.

A tutela do bem jurídico é projectada aqui numa relação de afectividade ou coabitação, que pode materializar-se em casamento ou relação análoga, com ou sem coabitação, ou em mera coabitação quando a vítima seja pessoa particularmente indefesa. Sempre pressupondo um nexo relacional, presente ou pretérito, de vida em comum, numa acepção ampla do termo, sendo em certos casos para tutela do seu património afectivo comum. É o estado de agressão permanente que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase-familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante[15].

            Como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal de 02-07-2008, proferido no processo n.º 07P3861, que também nos oferece uma síntese relativamente aos entendimentos expressos na doutrina sobre o bem jurídico protegido por esta norma incriminadora:

           

  «A violência doméstica pressupõe um contacto relacional perdurável no seio dessa estrutura de tipo familiar, com o sedimento tradicional que esta noção inevitavelmente comporta e também, claro está, com a ponderação da realidade sócio-cultural hodierna o que se traduz numa multiplicidade de sujeitos passivos inseridos nesse contacto.

            Frise-se que a ideia de perdurabilidade nada tem a ver com uma qualquer exigência de frequência ou repetição dos “actos violentos” para ter como verificado o crime.

            Mas a violência doméstica pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura»[[16]] que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc.

            Serão estes, porventura, os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido.

            Assumindo que a violência doméstica é essa agressão levada a cabo de modo variado à autodeterminação da vítima que fica afectada pelos vários comportamentos tipificados não parece intransponível que esse ataque possa ser tido como dirigido à dignidade da pessoa e que seja esse um dos âmbitos de tutela que se visa assegurar[[17]]».

            No âmbito da descrição do elemento objecto do tipo em análise, os maus-tratos físicos podem envolver, segundo FERNANDO SILVA, «várias formas de lesão na integridade física, desde agressões a sobrecargas físicas. Os maus-tratos psíquicos podem resultar das mais diversas formas que envolvam situações de ameaça, coacção, ofensas à honra ou qualquer outra que envolva sentimento de medo, de pressão psicológica, que impeçam a pessoa de viver livre deste tipo de acção. Normalmente mais silenciosos, menos visíveis, traduzem comportamentos insidiosos que se arrastam no tempo e que comprometem o bem-estar emocional da pessoa»[18].

            Observa-se aqui, para o autor que se vem de citar, um «evidente objectivo de responsabilizar qualquer tipo de abuso sobre a pessoa do outro, que implique o desrespeito pela sua pessoa, pela sua vontade ou pela sua dignidade e de conter um conceito de maus-tratos suficientemente abrangente para poder nele integrar todas as formas de actuação sobre a vítima»[19].

    A relação existente, ou que existiu, entre o agente e a vítima determina uma valoração mais desvaliosa do acto agressivo (maior grau de ilicitude), implicando igualmente um juízo agravado de culpa decorrente do facto, como bem salienta o autor citado, do cônjuge «vencer as contra-motivações éticas por força da relação de intimidade e proximidade que os une [ou que os uniu] e que, ao agir deste modo, o agente contraria»[20].

    Ainda no âmbito da caracterização do crime de violência doméstica, dir-se-á, como observa ANDRÉ LAMAS LEITE, que «será difícil apontar um tipo legal em cuja base se encontre um bem jurídico tão multímodo como o da violência doméstica», sustentando que a doutrina e a jurisprudência se devem concentrar na busca de um «bem jurídico suficientemente amplo e operativo»          [21].

             De acordo com a razão de ser da autonomização deste tipo de crime as condutas que integram o tipo-de-ilícito não são individualmente consideradas, enquanto, eventualmente, integradoras de um tipo de crime, para serem atomisticamente perseguidas criminalmente mas, antes, são valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido ou isolado que signifique violência sobre o cônjuge ou equiparado.

Ou seja, daqui se extrai que entre o crime de violência doméstica e os crimes de ofensa à integridade física simples; ameaça; injúria e difamação – que o podem integrar – estabelece-se uma relação de concurso aparente, só se aplicando a pena estabelecida pelo artigo 152.º, n.os 1 e 2 e deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os crimes que o podem integrar.

A unidade de acção típica não é excluída pela realização repetida de actos parciais, quer estes actos integrem, ou não, em si mesmos, outros tipos de crime.

O tipo legal inclui na descrição da acção uma pluralidade indeterminada de actos parciais. Trata-se do que, na doutrina, é apelidado por realização repetida do tipo[22].

Há crimes que se consumam por actos sucessivos ou reiterados, como se expressa no artigo 19.º, n.º 2 do Código Penal mas que constituem um único crime; inexiste pluralidade de crimes mas antes pluralidade no modo de execução do mesmo, ou seja, a execução é reiterada quando cada acto de execução sucessivo realiza parcialmente o evento do crime; a cada parcela de execução segue-se um evento parcial. Porém, os eventos parcelares devem ser considerados como evento unitário. A soma dos eventos parcelares é que constituirá o evento do crime único.

O crime de violência doméstica, perante a sua descrição típica, enquadra-se precisamente neste tipo de crimes.

3.2.2. Retomando ideia já expressa, diremos, com ANA MARIA BARATA BRITO, que o crime de violência doméstica suscita problemas de concurso heterogéneo. Assim sucede desde logo porque a conduta típica é, em grande parte, susceptível de integrar simultaneamente outros tipos de crime[23].

Na verdade, cumpre enfatizar, «o crime de violência doméstica pode ser decomposto em vários tipos de crimes comuns, uma vez que é suficientemente abrangente e capaz de contemplar inúmeros comportamentos que, individualmente considerados, são reconduzíveis a outras incriminações. Fala-se, a título de exemplo, da prática de um crime de ofensa à integridade física, homicídio, injúrias, difamação, coacção ou contra a autodeterminação sexual»[24].

3.2.3. O n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, com o segmento «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal», consagra, de modo expresso, regra da subsidiariedade, significando, segundo alguns, que a punição por este crime apenas terá lugar quando ao crime geral a que corresponde a ofensa não seja aplicada uma pena mais grave.

Neste entendimento, se a punição do(s) crime(s) concorrente(s) for superior a 5 anos – pena mais elevada do que a máxima abstracta prevista para a violência doméstica – estaremos perante um concurso de crimes, sendo a incriminação do artigo 152.º afastada em resultado da regra da subsidiariedade.

Assim, segundo PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, «o crime de violência doméstica está numa relação de concurso aparente (subsidiariedade expressa) com os crimes de ofensas corporais graves, contra a liberdade pessoal e contra a liberdade e autodeterminação sexual que sejam puníveis com pena mais grave do que prisão de 5 anos. Isto é, a punição destes crimes afasta a da violência doméstica»[25]

Para TAIPA DE CARVALHO, a relação aqui assumida é de consumpção, ao afirmar que «[e]ntre o crime de maus tratos e ocrime de ofensas corporais graves (art. 144.º) há uma relação de consunção, aplicando-se someste a pena prevista para este crime»[26]

No mesmo sentido, como salientam M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «[a] “violência doméstica” chama a terreiro (diríamos: “necessariamente”) situações de especialidade (ofensas corporais simples ou qualificadas; ameaça; coacção, sequestro nas suas diversas modalidades; o crime de violação do art. 164.º e mesmo o crime de injúria) e subsidiariamente (subsidiariedade expressa com os crimes de ofensas à integridade física graves; contra a liberdade pessoal e contra a liberdade de autodeterminação sexual, puníveis com pena superior à do art. 152.º, n.º 1). Falando das condutas que integram os respectivos tipo-norma, o Ac. TRC de 15-12-2010 (512/09.0PBAVR.C1) entendeu que entre o crime do art. 152.º e os crimes que atomisticamente correspondem à realização repetida de actos parciais estabelece-se uma relação de concurso aparente, deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os comportamentos que integram a prática do crime de maus tratos/violência doméstica»[27].

Também NUNO BRANDÃO considera que a revisão de 2007 manteve a natureza subsidiária do crime de violência doméstica «em relação a crimes mais graves que tutelam a saúde física e psíquica da vítima, através de uma cláusula de subsidiariedade expressa», sendo que «neste jogo de concurso, hoc sensu, uma aplicação rigorosa das regras da unidade de tipos legais, conduz ao afastamento da aplicação do tipo de violência doméstica sempre que este concorra com o de ofensa à integridade física grave»[28].

Este entendimento parece radicar-se, desde logo, na própria formulação literal do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, no segmento «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

3.2.4. É verdade que a interpretação, segundo a concepção tradicional, com expresso apoio no artigo 9.º do Código Civil, é fundamentalmente semântica. O texto da lei é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe desde logo, como assinala JOÃO BAPTISTA MACHADO, «uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei»[29].

Porém, a fixação do sentido e o alcance com que deve valer uma norma jurídica não pode limitar-se ao «sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal»[30].

«Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, doutrinalmente considerados de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica»[31].

Desses elementos lógicos, o elemento sistemático compreende «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o 'lugar sistemático” que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento Jurídico[32].

Consistindo o elemento racional ou teleológico na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar[33].

A manutenção dessa cláusula de subsidiariedade nos termos apontados implicaria, como tem sido referido, que nas situações em que estejam verificados os elementos constitutivos de crime diverso punível mais gravemente, sendo essa a pena aplicável, é afastada a tais casos a aplicação do regime punitivo próprio da violência doméstica.

Como salienta NUNO BRANDÃO, «neste jogo de concurso, hoc sensu, uma aplicação rigorosa das regras da unidade de norma, a que devem ser submetidas as relações de subsidiariedade de tipos legais, conduz ao afastamento da aplicação do tipo de violência doméstica sempre que este concorra com o de ofensa à integridade física grave. Ou seja, precisamente onde é mais imperioso o funcionamento de um conjunto de medidas penais, processuais penais e extra-penais [[34]] destinadas a proteger a vítima, a concorrência de normas determina a exclusão da aplicação do tipo legal de violência doméstica»[35].

Também CRISTINA AUGUSTA TEIXEIRA CARDOSO, citada no parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, critica a opção sobre a relação de subsidiariedade expressa entre o crime de violência doméstica e os crimes de ofensa à integridade física grave, de sequestro qualificado, etc., referindo ser «incompreensível que, constando da exposição de motivos do Anteprojecto da Revisão do Código Penal que esta procura “o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, como … as vítimas de violência doméstica”, o legislador tenha mantido, agora de forma expressa e absoluta a regra da subsidiariedade, que não só não reforça a tutela das vítimas, como a enfraquece de forma acentuada.

Assim, numa situação em que a violência doméstica se tenha concretizado numa ofensa à integridade física grave, crime punível com pena de prisão de dois a dez anos, apenas será aplicada ao agente esta pena, esquecendo-se, por completo, a existência especial entre o agente e a vítima… Este problema seria facilmente afastado ultrapassado se o legislador tivesse criado uma agravação, que poderia ser nos limites mínimo e máximo, ou, pelo menos, num deles, da pena aplicável ao crime em que se materializou a violência doméstica, através da qual a relação existente entre o agente e a vítima passaria a ter relevância legal e penal, deixando de ser indiferente que o crime tenha sido praticado por aquele agente que se encontra naquela especial relação com a vítima ou por outro qualquer»[36].

Uma aplicação meramente formal e positivista da regra da subsidiariedade expressa no citado artigo 152.º do Código Penal poderá traduzir-se numa injustiça material de muitas decisões e num benefício do infractor-arguido dificilmente tolerável.

Reflectindo sobre a relação da violência doméstica com os tipos penais com moldura penal mais grave, ANA MARIA BARATA BRITO aponta a situação de violência doméstica em concurso com o crime de ofensa à integridade física grave, questionando se «deverá o agente ser então punido apenas como autor de um crime de ofensa à integridade física grave […] ou por este crime em concurso efectivo com o de violência doméstica, que seria então o corolário jurídico para todos os maus-tratos sobrantes» Deverá o agente, interroga-se esta autora, que pratica apenas, como único facto típico, o “partir o braço da vítima” estar na mesma situação (no que respeita à imputação de tipos incriminadores) do agente que, para além disso, inflige maus-tratos físicos e psíquicos à ofendida durante dez anos?

Problematiza-se, de seguida, a situação do arguido que, alcoolizado, pega numa arma e mata a vítima.

«Em contextos semelhantes, considera a autora que se vem acompanhando, os tribunais têm identificado situações de concurso efectivo de crimes, punindo então os arguidos como autores de um crime de homicídio e de um crime de violência doméstica. O que não merece crítica – a violência doméstica surgiria como resposta típica ao infligir de maus-tratos físicos e psíquicos durante dez anos, o homicídio com resposta jurídica ao tirar da vida.

E em toda esta actuação do agente é possível descortinar com clareza diferentes sentidos de ilicitude, já que a pluralidade de bens jurídicos afectados, a pluralidade de resoluções criminosas, entre outros possíveis, se apresentariam como sinal seguro da pluralidade de sentidos sociais de ilicitude-típica do comportamento global do agente.

Mas devemos questionar-nos sobre a diferença, em termos de unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, entre esta situação e a anterior. E a não existir – e parece-me não ser visível - deveria então o agente ser acusado, também ali, como autor de um crime de ofensa à integridade física grave em concurso efectivo com um crime de violência doméstica»[37].

           

INÊS FERREIRA LEITE dá como exemplo da «inadequação de uma perspectiva formal sobre a “relação de subsidiariedade” nas incriminações da violência doméstica ou dos maus tratos (arts. 152.º e 152.º-A do CP)», referindo, a este propósito:

«Em ambos os tipos se pode encontrar uma cláusula de subsidiariedade expressa, a partir da qual grande parte da doutrina retira a mera existência de concurso aparente entre qualquer um destes crimes e o crime de ofensa à integridade física, prevalecendo a violência doméstica ou os maus tratos se a ofensa for simples; já quando a ofensa seja grave ou qualificada, será este o tipo prevalecente (-). Dispensando-se qualquer verificação prévia de uma unidade normativo-social do facto e sabendo que a violência doméstica e os maus tratos incluem no seu âmbito típico a reiteração (-), por vezes até durante anos (-), das condutas aí descritas, verifica-se que, mesmo após anos de contínua violência física e psíquica, a prática isolada de um acto subsumível a um dos tipos em relação de subsidiariedade – arts. 131.º, 144.º, 158.º, n.º 2, 164.º, n.º 1, entre outros – bastaria para que o agente fosse punido apenas no âmbito do tipo prevalecente. O que conduziria a uma manifesta contradição axiológica, quer no que respeita à ratio da incriminação, quer quando se proceda a uma comparação entre este e outros casos de concurso (-)[38]. Entendimento que, para a autora, resulta de uma criticável «concepção lógico-formal das relações entre tipos e de uma errónea compreensão sobre os bens jurídicos tutelados pelos crimes em questão»[39].

Prosseguindo, refere esta autora que «para saber quando é que existe concurso aparente entre o crime de violência doméstica ou o crime de maus tratos e outras incriminações, é necessário saber, primeiro, quais os bens jurídicos efectivamente tutelados naqueles tipos e, seguidamente, que tipo de condutas podem aí incluir-se. Importa partir do tipo social dos crimes em causa para a delimitação típica do facto, quando confrontado com outros tipos de crime com aparentes pretensões concorrentes de regulação do caso da vida. Ora, o tipo social da violência doméstica, tal como o dos maus tratos, comporta uma imensa amplitude e diversidade de condutas, desde a simples ameaça ao homicídio (-). Porém, analisados os tipos legais, verifica-se que não foi intenção do legislador incluir nos respectivos âmbitos todas estas variações, dada a cláusula da subsidiariedade . Por outro lado, o bem jurídico tutelado não é, de forma isolada, a integridade física, a liberdade sexual ou a vida (-), mas antes uma dimensão complexa e de certa forma antecipatória (-) destas vertentes pessoais: a saúde (-)[40].

Ainda segundo a autora que vimos citando, «a relação entre os tipos dos arts. 152.º e 152.º-A do CP com outras incriminações depende, como sempre, de um juízo de unidade normativo-social. A prática mais ou menos constante e reiterada das condutas descritas nos respectivos tipos não longo de dias, semanas, meses ou anos, desde que cada uma dessas condutas não permita a sua autonomização, dará origem a uma unicidade normativo-social, tipicamente imposta (-), pelo que o agente terá praticado um só crime, desde que esteja em causa uma só vítima (-). Esta unidade pode vir a cindir-se [[41]] (…) no entanto, quando algum dos actos isolados permita a verificação do tipo social de um crime mais grave – ofensa à integridade física grave (-), violação (-), homicídio -, deverá ser punido em concurso efectivo com os crimes de violência doméstica ou maus tratos, sempre que, para além dos actos isolados, tenham ocorrido reiterados ataques à saúde da vítima (-). A subsidiariedade verifica-se apenas quando se trate de um acto isolado gravoso – por haver unidade normativo-social -, devendo, então, prevalecer a tipo com a moldura legal mais abrangente (-)[42].

Quanto à relação do crime com outros de pena mais elevada, defende JOANA DE CASTILHO DUARTE GATO que «a prática do facto mais grave é um factor de cisão da unicidade do crime, ou seja, deve concorrer em concurso efectivo o crime mais grave e a violência doméstica, a imputar ao resto dos comportamentos praticados pelo agente que não saiam das directrizes do tipo»[43].

Também MARIA PAULA RIBEIRO DE FARIA questiona a possibilidade de separar, num quadro de violência doméstica, a conduta isolada para a tratar como um crime autónomo, admitindo-se nesse caso um eventual concurso de crimes em relação à violência doméstica.

«Em princípio, entende a autora, os crimes de ameaças, injúrias, ofensas à integridade física simples, são absorvidos pelo crime de violência doméstica quando praticados nas condições previstas pelo tipo legal de crime em causa. Nos casos em que os maus tratos venham a produzir ofensas à integridade física graves ou a morte da vítima tem lugar a agravação prevista pelo n.º 3 [do artigo 152.º], pelo que também aqui perderão autonomia os respectivos tipos legais de crime. A única hipóteses que podemos ter de concurso efectivo refere-se às situações em que o facto isolado mereça uma pena superior à que corresponde à previsão do n.º 1 do artigo 152.º, o que só poderá acontecer em caso de ofensas corporais graves ou homicídio. Nesta hipótese, o agente pode ser punido com base num concurso efectivo entre o crime de ofensas à integridade física graves e o de violência doméstica com base na prática de eventuais actos reiterados que o integrem»[44].

O entendimento acabado de se expor vale para a situação em que concorra com a violência doméstica um crime de violação, igualmente punível com pena superior à cominada para o crime de violência doméstica.

Que é o caso aqui em apreço.

3.2.5. Aderindo ao entendimento que se vem de apresentar, consideramos que o crime de violação cometido pelo agora recorrente na pessoa da sua então companheira apresenta autonomia relativamente aos demais actos ofensivos – agressões, injúrias, ameaças – que, em reiteração, praticou sobre a mesma ofendida, devendo deles destacar-se.

O Supremo Tribunal de Justiça já no seu acórdão de 19-06-2008, proferido no processo n.º 438/08 – 5.ª Secção[45], examinara a relação entre os crimes de maus tratos e o de homicídio em termos que tem interesse convocar. Assim, lê-se no respectivo sumário:

«VI - O preceito do art. 152.º do CP (versão do DL 48/95, de 15-03) ressalva a aplicação do art. 144.º do CP, priorizado quando ocorram pressupostos da sua aplicação decorrentes da gravidade das lesões (ressalva esta que, na versão actual do CP, expressa sob a qualificação de “violência doméstica”, é feita “se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal”).

VII - Vejamos a relação entre o crime de maus tratos e o de homicídio. É certo que o normativo do art. 152.º, n.º 5, al. b), do CP de 1995 [actual n.º 3, alínea b)] prevê o caso de morte sobrevinda a maus tratos tributados, caso em que a pena aplicável é de 3 a 10 anos de prisão. Há que não confundir esta situação com a de um homicídio.

VIII - No caso do n.º 5, al. b), estamos perante um único crime – o de maus tratos – cometido dolosamente, em que a morte sobrevém apenas como uma consequência negligente da acção do agente. Quando se fala da relação de consumpção, ocorrem dois crimes dolosos – o de maus tratos e o de homicídio –, pese embora este, à semelhança da situação anterior, ocorrido também no desenvolvimento do processo típico causal de maus tratos a cônjuge, apenas com a diferença de que neste se atenta contra a dignidade da pessoa humana, do cônjuge, da saúde e harmonia familiar; no outro, o do crime de homicídio, se gera um novo desígnio a visar o atentado contra a vida da vítima; um punível com a pena de prisão de 1 a 5 anos e o outro com a pena de prisão de 8 a 16 anos ou de 12 a 25 anos.

IX - No caso presente, o crime de homicídio ocorreu em conjugação e no processo de desenvolvimento dos maus tratos à mulher praticados pelo arguido, encontrando-se assim numa relação de concurso com o crime de maus tratos, ambos cometidos pelo arguido na pessoa do seu cônjuge.»

Mais recentemente, este Supremo Tribunal teve o ensejo de conhecer da questão que nos vem ocupando.

No acórdão de 20-04-2017, proferido no processo n.º 2263/15.8JAPRT. P1.S1 – 5.ª Secção, foi apreciado jurídico-penalmente o quadro factual que, sintetizado no respectivo sumário, agora se transcreve:

«I - Na decisão da 1ª instância julgou-se o arguido autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, dos arts. 131.º, n.º 1, 132.º, n.º1 e n.º 2, als. b) e j), 22.º e 23.º, do CP, não sendo este punível em face do disposto no art. 24.º, n.º 2, ou seja, por ter sido considerado provado que a consumação foi impedida por aquele se ter esforçado seriamente para evitar.

II - Mas foi condenado pela prática, como autor material, em concurso efectivo, de (i) um crime de violência doméstica, do artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CP e de (ii) um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, das disposições conjugadas dos arts. 143.º, nº 1, 144.º, als. b) e c), 145.º, n.º 1, al. c), 132.º, n.º 2, als. b), h) e j), todos do CP.

III - O arguido defendeu no recurso a existência de concurso aparente entre os crimes atrás mencionados apoiando a sua pretensão nos seguintes factos provados: - No dia 16 de Maio de 2015, M… tomou a decisão de colocar termo à relação, tendo disso informado o arguido. - O arguido não se conformou com tal decisão, e no dia 18 de Maio de 2015, iniciou a prática de actos de perseguição, ameaça à vida e integridade física de M…, que culminaram, em 10 de Agosto, com a tentativa de por termo à vida daquela, através do disparo de vários tiros com arma de fogo.»

Em desenvolvimento, pode ler-se no citado acórdão:

«Assumindo que a violência doméstica é essa agressão levada a cabo de modo variado à autodeterminação da vítima que fica afectada pelos vários comportamentos tipificados não parece intransponível que esse ataque possa ser tido como dirigido à dignidade da pessoa e que seja esse um dos âmbitos de tutela que se visa assegurar [[46]].

Se, contudo, a violência doméstica pressupõe aquela durabilidade relacional familiar e aquela outra situação de domínio e de constrangimento da livre determinação da vítima, de disposição da sua vida, num sentido mais geral, ou, dito de modo mais expressivo, «a eliminação do núcleo fundamental de autonomia da vontade e de disposição livre da mesma pela vítima» [[47]] naturalmente que a intenção de matar pressupõe um “ir mais além”; pressupõe a intenção de atacar a vida da vítima, pondo-lhe fim – passe a tautologia – e de por essa via terminar todo o envolvimento relacional que “possibilitava” uma certa conduta do agente. Atentar contra a vida humana é certamente um plus significativo relativamente a martirizá-la com maior ou menor intensidade.

Dir-se-ia, pois, que nas concretas circunstâncias e no tocante à pretendida existência de concurso aparente a que putativamente estaria reconduzida a conduta do recorrente não há uma «unidade de realização típica» [[48]] na específica perspectiva de que os vários actos singulares – os que ocorreram a partir de 16 de Maio e aquele outro que se desenrolou em 10 de Agosto – não estarem unificados numa «vontade criminosa unitária».

Como é ensinado [[49]] o tipo de ilícito – o verdadeiro portador da ilicitude material – é sempre formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito e o tipo objectivo tem sempre, como seus elementos constitutivos o autor, a conduta e o bem jurídico e só pela conjugação destes elementos, ligados naturalmente ao tipo subjectivo, se alcança o sentido jurídico-social da ilicitude material dos factos que o tipo abrange implicando uma consideração global desse sentido no concreto comportamento do agente.

Sem prejuízo, claro está, de se ter como assente que em certas circunstâncias vários tipos legais podem estar numa relação em que a aplicação de uns afaste a aplicação de outros; a aplicação de normas que contêm certos tipos exclui a aplicação de outras.

Esta situação de concurso legal ou aparente de crimes exige, contudo, repete-se, a verificação de certas circunstâncias que terão de ser aferidas mediante a percepção dos «sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global». É «a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica existente no comportamento global do agente, submetido à cognição do tribunal que decide, em definitivo, da unidade de factos puníveis e nesta acepção de crimes».

Ora, salvo o devido respeito, em rigor, os actos que vieram a ser tidos como integradores do crime de homicídio tentado – não punido – têm uma matriz autónoma e um sentido social diferenciado dos outros que os precederam e que foram qualificados como de violência doméstica – configurando ameaças, coacção, ofensas corporais e injúrias – pois possuem um diferente desvalor de acção e de resultado, em suma, um desvalor autónomo o que conduz, crê-se, de modo claro, à desconsideração, no caso, do princípio ne bis in idem não apenas na sua faceta de proibição de dupla valoração mas também naquela outra em que se exige que a aplicação de um tipo legal a uma certa conduta deve esgotar todo o desvalor de acção e de resultado inerente a essa conduta [[50]].

Por conseguinte, condutas diferenciadas, atacando diferentes bens jurídicos com uma inescapável pluralidade de sentidos de ilicitude e, logo, pluralidade de infracções diferenciadamente valoradas para efeito da sua punição [sublinhado agora] e não um único sentido autónomo de ilicitude correspondendo-lhe uma «predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados» caso em que se estaria, então sim, perante uma situação de concurso aparente.

Consequentemente também se não poderá configurar, no comportamento global em apreço, uma intercepção ou cruzamento de conteúdos de ilícito de maneira a que se possa falar de violação da proibição de dupla valoração [[51]].

No mais recente acórdão de 04-07-2018, proferido no processo n.º 274/16.5GAMCN.P1.S1 – 5.ª Secção (inédito), examinou-se a questão, similar à aqui presente, suscitada pelo aí recorrente, que sustentava que os crimes de violação cometidos «não estão em relação de concurso efectivo, mas de concurso aparente com o crime de violência doméstica de que foi vítima a assistente, por isso devendo a punição ter lugar pelos crimes mais graves, de violação, atento o disposto no n.º 1 do art. 152.º do CP».

No acórdão aí recorrido, considerou-se que «os factos relativos aos crimes de violação, autonomizados em relação ao crime de violência doméstica na pessoa da assistente, foram-no, porque o arguido teve uma multiplicidade de comportamentos ao longo do tempo […] integradoras daquele crime, sejam eles, injúrias, ameaças graves, ofensas corporais, capazes de integrarem de forma cabal o crime de violência doméstica; os comportamentos do arguido integradores do crime de violação, que podemos classificar como ofensas sexuais, têm lugar já na fase final da vivência em comum, não se mostram necessários para consolidar ou lograr a prática do crime de violência doméstica, pois, [este] encontra-se consumado com basta reiteração de comportamentos ofensivos de natureza diversa e demonstrativos da parte do arguido de grande insensibilidade e desprezo pela consideração do outro cônjuge como pessoa».

Entendeu-se ali que «os comportamentos provados do arguido excedem largamente o necessário para a integração dos factos ao crime de violência doméstica; a autonomia dos factos relativos às violações em causa impõem-se-nos por se apresentarem numa linha de comportamento que não vinha sendo a habitual, situando-se num patamar superior de desprezo pela pessoa da assistente, não sendo de concluir que toda a actuação do arguido é dominada por um único sentido de desvalor jurídico-social».

Este entendimento não mereceu censura no acórdão deste Supremo Tribunal citado aí se concluindo que, «se o crime de violência doméstica fosse integrado somente pelas ofensas sexuais, uma vez puníveis com pena superior a 5 anos de prisão (3 a 10 anos – art. 164.º, n.º 1, al. a), do CP), verificar-se-ia um concurso aparente de normas com o crime de violência doméstica, perdendo este autonomia face à menor punição, mas sendo este crime integrado por outras condutas típicas (ofensas à integridade física, honra, ameaças, mormente com arma de fogo) verifica-se um concurso real deste crime com os crimes de violação».

3.2.6. O acórdão recorrido, com a concordância do Ministério Público, não se afastou da fundamentação exposta para concluir pela verificação do concurso efectivo de crimes, aí constando a tal propósito:

«[…] da factualidade dada como provada, mormente dos n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 42 e 47, resulta, inequivocamente, que a conduta do arguido integra os elementos objectivos [pois, que, por uma ocasião, usou da sua força física para, contra a vontade da ofendida BB, penetrar com o seu pénis na vagina desta, ejaculando, o que ocorreu apesar de a mesma pedir que o arguido a largasse] e subjectivos (pois este bem sabia o que estava a fazer e quis fazê-lo) do tipo de ilícito que lhe vinha imputado, pelo que se impõe a conclusão de que cometeu um crime de violação.

Note-se que o art. 152.º, n.º 1, do Código Penal, que inclui as ofensas sexuais no tipo objectivo e prescreve que a punição é a da violência doméstica se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, leva a que os factos caracterizadores do crime de violação que tenha ocorrido no contexto espácio-temporal em que decorreu a violência doméstica separam-se e dão origem à verificação do crime de violação.

Se após esta separação, como é o caso dos autos e supra referimos, restarem mais factos ou outros factos relativos à violência doméstica, eles continuarão a integrar o crime de violência doméstica, sendo a sua respectiva punição, em concurso real com a da violação.

Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1/10/2013, proferido pelo Ex.mo Senhor Desembargador Martinho Cardoso, processo 258/11.0GAOLH.E1, in www.dgsi.pt.» 

3.2.7. Apoiados na jurisprudência deste Supremo Tribunal que, sobre esta questão, se apresentou e, como já referido, nas contribuições da doutrina que, no mesmo sentido, se indicaram, também nós concluímos que a situação aqui em apreço configura um concurso efectivo do crime de violência doméstica e do crime de violação, como se decidiu no acórdão recorrido.

Como salienta MARIA PAULA RIBEIRO FARIA, acompanhando EDUARDO CORREIA, «para afirmar a pluralidade criminosa é necessário que se deixe afirmar em relação ao agente mais do que um juízo de censura referida a uma pluralidade de processos resolutivos»[52]. Segundo a mesma autora, há que «acrescentar à pluralidade de bens jurídicos violados uma pluralidade de processos volitivos merecedores de distintos juízos de censura», justificando-se a unidade ou pluralidade desses juízos de censura numa «valoração mais global que corresponde ao significado social do facto que inspira a própria formulação dos tipos legais de crime»[53] - o sentido social da ilicitude material.

No caso ora em apreciação, não restam dúvidas de que a actuação do arguido na agressão sexual cometida se afasta do conjunto de agressões e outras ofensas praticadas sobre a ofendida, então sua companheira, tendo obedecido a uma autónoma resolução perfeitamente cindível das reiteradas resoluções presentes nos demais comportamentos. Tendo presente o perfil das ofensas reiteradamente cometidas sobre a ofendida, temos como evidente que a violação praticada em finais de 2014 não radica no mesmo processo volitivo presente naquelas ofensas.

Por seu turno, constitui uma evidência de que os bens protegidos com as incriminações de violência doméstica e de violação, tendo pontos de contacto, não são coincidentes. O significado social e o sentido social da ilicitude material de uma e de outra das ditas incriminações são distintos, não obstante os pontos comuns que se podem aí observar. 

O juízo de censura a formular pela prática do crime de violação assume autonomia relativamente ao que deve ser formulado relativamente às ofensas unificadas na violência doméstica.

Tudo ponderado, concluímos que o crime de violação cometido pelo arguido-recorrente assume autonomia relativamente aos restantes actos ofensivos, encontrando-se numa relação de concurso efectivo com o crime de violência doméstica, improcedendo igualmente nesta parte o recurso interposto.

3.3. Natureza e medida das penas parcelares

Insurge-se o recorrente contra a medida das penas parcelares aplicadas que, afirma, «excedem a medida permitida pela culpa e a necessária para satisfazer as finalidades da punição, em violação do disposto no artigo 71.º do Código Penal».

Sustenta ainda que, relativamente aos crimes de violação de domicílio, dano e ofensas à integridade física, «deveria o Tribunal a quo ter optado pela aplicação ao recorrente de penas não privativas da liberdade».

Perante o novo enquadramento jurídico-penal dos factos, importa proceder à determinação da pena que deve corresponder ao crime de violência doméstica a punir em função da moldura penal fixada para o crime de violação tendo em conta a referida relação de subsidiariedade legalmente consagrada.

3.3.1. Pena pelo crime de violência doméstica

A moldura abstracta penal cabível ao crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e 2 do Código Penal, é de 2 a 5 anos de prisão.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.°, n. ° 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.Sl – 5.ª Secção, convocado no acórdão de 27-05-2015, proferido no processo n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção e, mais recentemente, no acórdão de 12-07-2018, proferido no processo n.º 172/17.5S7LSB.L1.S1 – 3.ª Secção (inédito), relatado pelo agora relator:

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, oh. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.° do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Como também se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014, proferido no processo n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 - 3.ª Secção, «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.°, n.ºs 1 e 2, do CP), então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[54].

A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[55].

Nos termos do artigo 71.° do Código Penal, a medida concreta da pena é fixada em função da culpa e das exigências da prevenção, devendo atender, nomeadamente, à ilicitude do facto, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados na prática do crime e à sua motivação, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta licita.

Na realização dos fins das penas - protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.°, n.º 1 do Código Penal) - as exigências de prevenção geral constituem, uma finalidade de primordial importância.

Essa finalidade de prevenção geral pretende acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial.

Relembrando asserções já tecidas, e convocando o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida»[56].

Como já se consignou, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida.

Significando a prevenção geral positiva ou de integração, sublinha-o AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente.

A prevenção geral positiva tem ainda, considera o mesmo autor, a dimensão ou objectivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva ou individual. Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado[57].

No caso presente, são, evidentes e prementes as exigências de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca quer o crime de violência doméstica, atendendo à persistência e à disseminação desse fenómeno que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adoptadas.

No acórdão deste Supremo Tribunal de 10-11-2016 (Proc. n.º 163/14.8GBSTC.S1 - 5.ª Secção) frisam-se as exigências de prevenção geral positiva ou de integração muito elevadas no âmbito da violência doméstica, «desde logo dada a incidência deste tipo de criminalidade na sociedade portuguesa actual».

No acórdão recorrido a pena aplicada pela prática deste crime é justificada nos seguintes termos:

«No caso em apreço, prevê o tipo legal da violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do Código Penal, pena de prisão, prisão essa que tem como limite mínimo 2 anos de prisão e como limite máximo 5 anos de prisão.

Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º, 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar, cada vez mais, frequente por todo o país, com um claro alarme social e incidência nesta comarca, e, por vezes, com graves consequências para as vítimas.

Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.

Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza ou de natureza semelhante e olhando à forma como tudo ocorreu e consequências da sua actuação, aconselha uma baixa agravação.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– a ilicitude da sua conduta (não se tendo aqui em conta a sua actuação caracterizada autonomamente como crime de violação), com uma prática de violência ao longo apenas dos últimos dois anos da vivência em comum, sobretudo actuando ao nível verbal e psicológico (embora com algumas actuações físicas), mas sem grandes consequências na vítima;

– a admissão parcial da materialidade (com excepção da actuação física sobre a vítima);

– o facto de o arguido se encontrar social e profissionalmente enquadrado (embora trabalhando apenas esporadicamente por conta própria);

– a baixa escolaridade do arguido;

– o facto de o arguido estar abstinente do consumo de estupefacientes e de álcool;

– o facto de o arguido ter um comportamento actual mais calmo e ajustado;

– a ausência de antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:

– o facto de o arguido ter actuado com dolo directo;

– a desvalorização das suas condutas, contextualizando-as a uma suposta infidelidade da vítima e vitimizando-se em parte;

– a falta de autocontrolo, ansiedade e incapacidade em gerir emoções e problemas que revela;

– o facto de o arguido ter já um antecedente criminal, embora por crime de natureza diversa.

Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta deste deverá ser sancionada, pelo crime de violência doméstica, com uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão.»

Concorda-se com a medida concreta desta pena e com a respectiva fundamentação. Trata-se de uma pena justa e adequada aos factos integradores do crime em causa e, por isso, deve manter-se.

3.3.2. Pena pelo crime de violação

Relativamente ao crime de violação, sublinham JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO que ele «é porventura o crime sociologicamente mais impressivo do conjunto dos crimes sexuais, não só por ser um dos mais comuns, como também por ser aquele que, ainda hoje, assume maior repercussão social.

Como na coacção sexual, também aqui se trata de criminalizar condutas que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência»[58].

E acrescentam:

«A carga negativa associada à terminologia “violação”, perfeitamente interiorizada na sociedade, traduz a forma mais gravosa e desrespeitosa de atentado à liberdade sexual e da utilização do corpo como manifestação da sexualidade»[59].

São muito intensas as necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes dada a extrema sensibilidade da comunidade em relação aos mesmos e a premente necessidade de os prevenir.

O Tribunal Colectivo, no acórdão sob recurso, aplicou a pena de 4 anos de prisão com a seguinte fundamentação:

«[…] prevê o tipo legal da violação (do art. 164.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) a punição do crime em causa com uma pena de prisão que tem como limite mínimo 3 anos de prisão e como limite máximo 10 anos de prisão.

Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º, 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar, cada vez mais, frequente por todo o país, com um claro alarme social e nefastas consequências patrimoniais, fazendo-se sentir, sobremaneira, com particular incidência, em toda a comarca dos Açores.

Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.

Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, atendendo à postura do arguido, ausência de arrependimento quanto ao crime em causa (que negou), mas não esquecendo a inexistência de antecedentes criminais da mesma natureza, aconselha uma agravação médio/baixa.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– o facto de o arguido se encontrar social e profissionalmente enquadrado (embora trabalhando apenas esporadicamente por conta própria);

– a baixa escolaridade do arguido;

– o facto de o arguido estar abstinente do consumo de estupefacientes e de álcool;

– o facto de o arguido ter um comportamento actual mais calmo e ajustado;

– a ausência de antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:

– o facto de o arguido ter actuado com dolo directo;

– a negação da sua conduta nesta parte, demonstradora da total ausência de arrependimento e de interiorização do desvalor da sua acção;

– a falta de autocontrolo, ansiedade e incapacidade em gerir emoções e problemas que revela;

– o facto de o arguido ter já um antecedente criminal, embora por crime de natureza diversa.

Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta do Arguido deverá ser sancionada, pelo crime de violação em causa, com uma pena de 4 anos de prisão.»

Estas considerações merecem igualmente a nossa concordância.

Mantém-se, pois, a pena de 4 anos de prisão que se mostra adequada e proporcionada à ilicitude da conduta do arguido e satisfaz as exigências de prevenção.

3.3.3. Escolha e medida da pena pelos crimes de crimes de violação de domicílio, dano e ofensas à integridade física

3.3.3.1. Como já foi dito, entende o recorrente que o Tribunal recorrido «deveria o Tribunal a quo ter optado pela aplicação ao recorrente de penas não privativas da liberdade».

            Os crimes referidos são punidos com pena de multa ou com pena de prisão.

            De acordo com o disposto no artigo 70.º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

            Como referem M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «[p]erante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa (…) o tribunal tem de escolher a espécie de pena, dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades da punição». Ainda segundo estes autores, «as finalidades da punição são exclusivamente preventivas (art. 40.º)», devendo o tribunal «ponderar unicamente as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto reclame»[60].

           Também JOSÉ SOUTO DE MOURA considera que, «[n]a medida em que o art.º 70º do C.P. elege como critério da escolha da pena a melhor prossecução das finalidades da punição, na aplicação deste preceito importa, naturalmente, ter em atenção o disposto no art.º 40º do mesmo C.P. O qual (…) atribui à pena, sempre, um fim utilitário, pelo menos de acordo com a leitura largamente maioritária que é feita do preceito.

            Assim sendo, a culpa, ou o grau de culpa, não são realidades a ponderar especificamente na tarefa de escolher a espécie da pena, antes têm o seu campo de incidência, privilegiado, na escolha da medida da pena. Daí que importe ver, se a opção pela pena de prisão se mostra necessária, adequada e proporcionada, ao serviço dos objectivos da prevenção geral e especial.

            E, se em regra são razões de prevenção especial que respondem pela não aplicação da prisão, em nome de uma melhor reinserção social do arguido, também geralmente são motivos de prevenção geral, que afastam a aplicação de uma pena de substituição, não detentiva»[61].

           No mesmo sentido, o entendimento de MARIA JOÃO ANTUNES quando salienta que são «finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção espacial (artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição), sem perder de vista que a finalidade primordial é a de protecção de bens jurídicos. Não, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40.º, n.º 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição (artigo 71.º, n.º 1, do CP)»[62].

           

           3.3.3.2. No caso presente, a opção pela pena de prisão bem como a fixação da respectiva medida obedecem assentam na seguinte fundamentação:

«[…] prevendo o tipo legal, em alternativa, pena de multa e pena de prisão, entende-se não poder deixar de ser de aplicar ao arguido pena de prisão, por a pena de multa, no caso em apreço, não ser já suficiente e adequada para satisfazer as finalidades da punição (na verdade, o passado criminal do arguido, já com um antecedente criminal, embora de natureza diversa, associado a toda a conduta empreendida pelo arguido quer relativamente à sua ex-mulher, quer relativamente à mãe e padrasto desta, estas últimas subsequentes à violação de domicílio em análise, não consentem que se possa fazer um qualquer juízo de prognose que permita concluir pela suficiência da pena de multa), prisão essa que tem como limite mínimo 1 mês de prisão e como limite máximo 3 anos de prisão (cfr. o art. 41.º, n.º 1, do Código Penal, e art. 190.º, n.º 3, do Código Penal).

Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º, 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar, cada vez mais, frequente por todo o país, com um claro alarme social, e, por vezes, com graves consequências.

Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.

Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, atendendo à ausência de antecedentes criminais, mas não esquecendo toda a actuação subsequente do arguido e visada com a violação de domicílio em apreço, aconselha uma agravação médio/baixa.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– a ilicitude da sua conduta, partindo vidro da porta da cozinha com danos apenas no valor de € 150,00 e permanecendo no local com os proprietários na sua presença (sendo o conflito gerado tido em conta na ilicitude dos crimes de ofensa à integridade física);

– a admissão da materialidade relativa ao crime em causa;

– o facto de o arguido se encontrar social e profissionalmente enquadrado (embora trabalhando apenas esporadicamente por conta própria);

– a baixa escolaridade do arguido;

– o facto de o arguido estar abstinente do consumo de estupefacientes e de álcool;

– o facto de o arguido ter um comportamento actual mais calmo e ajustado;

– a ausência de antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:

– o facto de o arguido ter actuado com dolo directo;

– a desvalorização da sua conduta, contextualizando-as, nesta parte, a uma suposta provocação das vítimas;

– a falta de autocontrolo, ansiedade e incapacidade em gerir emoções e problemas que revela;

– o facto de o arguido ter já um antecedente criminal, embora por crime de natureza diversa.

Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta deste deverá ser sancionada, pelo crime de violação de domicílio agravado, com uma pena de 5 meses de prisão.

*

Atentemos, agora, na pena a aplicar pelo crime de dano.

No caso em apreço, prevendo o tipo legal, em alternativa, pena de multa e pena de prisão, entende-se não poder deixar de ser de aplicar ao arguido pena de prisão, por a pena de multa, no caso em apreço, não ser já suficiente e adequada para satisfazer as finalidades da punição (na verdade, o passado criminal do arguido, já com um antecedente criminal da mesma natureza, associado a toda a conduta empreendida pelo arguido quer relativamente à sua ex-mulher, quer relativamente à mãe e padrasto desta, estas últimas concomitantes com o dano em análise, não consentem que se possa fazer um qualquer juízo de prognose que permita concluir pela suficiência da pena de multa), prisão essa que tem como limite mínimo 1 mês de prisão e como limite máximo 3 anos de prisão (cfr. o art. 41.º, n.º 1, do Código Penal, e art. 212.º, n.º 1, do Código Penal).

Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º, 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço são algo prementes as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar com mediana intensidade, com a consequente repercussão e alarme social.

Contudo, se, como já dissemos, são medianas as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.

Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, olhando ao antecedente criminal do arguido, sua personalidade e forma e momento de vida em que tudo ocorreu, é médio/baixa.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– o facto de o arguido se encontrar social e profissionalmente enquadrado (embora trabalhando apenas esporadicamente por conta própria);

– a baixa escolaridade do arguido;

– o facto de o arguido estar abstinente do consumo de estupefacientes e de álcool;

– o facto de o arguido ter um comportamento actual mais calmo e ajustado.

Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:

– a ilicitude da sua conduta, destruindo ou danificando vários objectos, no valor apurado de pelo menos € 300,00, com o intuito de atingir os ofendidos DD e CC;

– o facto de o arguido ter actuado com dolo directo;

– a não admissão da materialidade, circunstanciando-a ao contexto de uma putativa luta que não ocorreu;

– a desvalorização da sua conduta, contextualizando-a, nesta parte, a uma suposta provocação das vítimas;

– a falta de autocontrolo, ansiedade e incapacidade em gerir emoções e problemas que revela;

– o facto de o arguido ter já um antecedente criminal, por crime da mesma natureza.

Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta do arguido deverá ser sancionada, pelo crime de dano, com uma pena de 6 meses de prisão.

*

Prossigamos, em quinto lugar, para a pena a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física simples tendo como vítima DD.

No caso em apreço, atendendo à factualidade provada, e prevendo o tipo legal da ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal), em alternativa, pena de multa e pena de prisão, entende-se não poder deixar de ser de aplicar ao arguido pena de prisão, por a pena de multa, no caso em apreço, não ser suficiente e adequada para satisfazer as finalidades da punição (na verdade, o passado criminal do arguido, já com um antecedente criminal ainda que por crime de natureza diversa, associado a toda a conduta empreendida pelo arguido quer relativamente à sua ex-mulher, quer relativamente à mãe e ao ofendido por este crime, não consentem que se possa fazer um qualquer juízo de prognose que permita concluir pela suficiência da pena de multa), prisão essa que tem como limite mínimo 1 mês de prisão e como limite máximo 3 anos de prisão (cfr. o art. 41.º, n.º 1, do Código Penal, e art. 143.º, n.º 1, do Código Penal).

No que concerne à pena de prisão a aplicar, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º, 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são elevadas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de as incriminação em causa ser das mais frequentes nesta comarca e até por todo o país.

Contudo, se, como já dissemos, são elevadas as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.

Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, atendendo ao antecedente criminal do arguido, embora por crime de natureza diversa, sua personalidade e globalidade da conduta empreendida, aconselha uma mediana agravação.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– a admissão parcial da materialidade (embora contextualizando-a num confronto físico que não existiu);

– o facto de o arguido se encontrar social e profissionalmente enquadrado (embora trabalhando apenas esporadicamente por conta própria);

– a baixa escolaridade do arguido;

– o facto de o arguido estar abstinente do consumo de estupefacientes e de álcool;

– o facto de o arguido ter um comportamento actual mais calmo e ajustado;

– a ausência de antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:

– a ilicitude da sua conduta, atendendo às consequências físicas causadas em DD;

– o facto de o arguido ter actuado com dolo directo;

– a desvalorização da sua conduta, contextualizando-a, nesta parte, a uma suposta provocação da vítima;

– a falta de autocontrolo, ansiedade e incapacidade em gerir emoções e problemas que revela;

– o facto de o arguido ter já um antecedente criminal, embora por crime de natureza diversa.

Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, nomeadamente às consequências do facto e não olvidando que o arguido actuou com dolo directo, entendemos que a sua conduta deverá ser sancionada, pelo crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de DD, com uma pena de 1 ano de prisão.

*

Finalizemos com a pena a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física simples tendo como vítima CC.

No caso em apreço, atendendo à factualidade provada, e prevendo o tipo legal da ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal), em alternativa, pena de multa e pena de prisão, entende-se não poder deixar de ser de aplicar ao arguido pena de prisão, por a pena de multa, no caso em apreço, não ser suficiente e adequada para satisfazer as finalidades da punição (na verdade, o passado criminal do arguido, já com um antecedente criminal ainda que por crime de natureza diversa, associado a toda a conduta empreendida pelo arguido quer relativamente à sua ex-mulher, quer relativamente à ofendida por este crime e ao companheiro desta, não consentem que se possa fazer um qualquer juízo de prognose que permita concluir pela suficiência da pena de multa), prisão essa que tem como limite mínimo 1 mês de prisão e como limite máximo 3 anos de prisão (cfr. o art. 41.º, n.º 1, do Código Penal, e art. 143.º, n.º 1, do Código Penal).

No que concerne à pena de prisão a aplicar, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º, 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são elevadas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de as incriminação em causa ser das mais frequentes nesta comarca e até por todo o país.

Contudo, se, como já dissemos, são elevadas as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.

Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, atendendo ao antecedente criminal do arguido, embora por crime de natureza diversa, sua personalidade e globalidade da conduta empreendida, aconselha uma mediana agravação.

Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art. 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que a favor do arguido militam as seguintes circunstâncias:

– a admissão parcial da materialidade (embora contextualizando-a num confronto físico, que não existiu, e excluindo a utilização do pau com a esta vítima, o que não ocorreu);

– o facto de o arguido se encontrar social e profissionalmente enquadrado (embora trabalhando apenas esporadicamente por conta própria);

– a baixa escolaridade do arguido;

– o facto de o arguido estar abstinente do consumo de estupefacientes e de álcool;

– o facto de o arguido ter um comportamento actual mais calmo e ajustado;

– a ausência de antecedentes criminais por crime da mesma natureza.

Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:

– a ilicitude da sua conduta, atendendo às consequências físicas causadas em CC;

– o facto de o arguido ter actuado com dolo directo;

– a desvalorização da sua conduta, contextualizando-a, nesta parte, a uma suposta provocação da vítima;

– a falta de autocontrolo, ansiedade e incapacidade em gerir emoções e problemas que revela;

– o facto de o arguido ter já um antecedente criminal, embora por crime de natureza diversa.

Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, nomeadamente às consequências do facto e não olvidando que o arguido actuou com dolo directo, entendemos que a sua conduta deverá ser sancionada, pelo crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de CC, com uma pena de 1 ano e 1 mês de prisão.»

3.3.3.3. Acompanhamos, mais uma vez, as considerações que se transcreveram pois se mostram juridicamente correctas e fundamentadas.

Concordamos com a opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa pois entendemos que as circunstâncias apontadas referentes às exigências de prevenção desaconselham a opção pela pena não privativa da liberdade relativamente ao crime de detenção de arma proibida.

Entende-se, na verdade, que tal espécie de pena não se afigura adequada e suficiente perante as exigências de prevenção geral e especial aqui presentes.

Importa ainda sublinhar que os mencionados crimes encontram-se em estreita conexão com o crime de violência doméstica punido com pena de prisão.

Ora, segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-02-2009, proferido no processo n.º 110/09, da 5.ª Secção, convocado no acórdão de 07-07-2016, proferido no processo n.º 444/14.0PBEVR.S1 – 3.ª Secção, e no citado acórdão de 18-09-2018:

«Sempre que, na pena única conjunta tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa».

            No caso presente deparamo-nos com uma relação de concurso entre os crimes de violação de domicílio agravado, de dano e de ofensa à integridade física simples e o crime de violência doméstica, este punido com pena privativa da liberdade.

Ora, como justamente é salientado no citado acórdão de 07-07-2016, «o juízo a fazer sobre a preferência pela aplicação de uma pena de multa, em detrimento da pena privativa da liberdade, é completamente diferente quando, face à prática de outro ou outros crimes, seja certo o cumprimento de uma pena de prisão por outro(s) crime(s)».

Mostra-se, pois, correcta, a opção assumida no acórdão recorrido de aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa pela prática dos crimes de violação de domicílio agravado, de dano e de ofensa à integridade física simples.

3.3.3.4. Não merece qualquer censura, pelas razões expressas na decisão recorrida, a medida de cada uma das penas de prisão aplicadas pela prática de cada um desses crimes as quais, por adequadas e proporcionadas à gravidade dos factos e à culpa do arguido, se mantêm.

Improcede, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

3.4. Medida da pena conjunta

O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[63].

A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

  Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso».

     Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».

Neste domínio, dá-se nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1- 3ª Secção, «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[64].

    Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”[65], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”, sem esquecer, que “[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”»[66].

O artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal prescreve que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Como o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 6 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1 – 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».

A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado.

           

            A decisão que fixe a medida concreta da pena do cúmulo não pode, designadamente, deixar de se pronunciar sobre se a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo autor ou a influenciou, «para que se possa obter, como se considera no acórdão que vem de se citar, uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade (…), bem como ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

  No caso sub judice, verificamos que o arguido cometeu um crime de violência doméstica no período compreendido entre Setembro de 2014 e 20 de Julho de 2016, um crime de violação em finais do ano de 2014, sendo ofendida a então companheira do arguido, BB, e um crime de violação do domicílio, um crime de dano e dois crimes de ofensas corporais simples, estes praticados em 21 de Julho de 2016 sobre DD e CC, pais daquela.

A moldura penal do concurso está compreendida entre o limite mínimo a pena de 4 anos de prisão e o limite máximo de 9 anos e 6 meses de prisão (4 anos + 2 anos e 6 meses + 5 meses +6 meses + 1 ano + 1 ano e 1 mês). Nela estão compreendidas 3 penas parcelares de pequena e equivalente dimensão, pelo que, como se tem considerado, só deverá contar para a formação da pena conjunta uma fracção menor de cada uma dessas penas.

Diz-se, a este propósito, que, se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta (proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas).

Como é salientado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 09-07-2014 (Proc. n.º 95/10.9 GGODM.S1), «é aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras».

A ilicitude global do comportamento do arguido está decisivamente marcada pela prática d do crime de violência doméstica com violação.

Existe alguma conexão ente a violência a que foi sujeita a ofendida BB e os demais crimes, como, aliás, também se considera no acórdão recorrido.

Certo é que não descortinamos no conjunto dos factos uma personalidade reveladora de uma tendência criminosa do arguido.

Não obstante a elevada ilicitude dos factos praticados com as inerentes necessidades de prevenção geral, há que ter presente que o arguido não tem antecedentes criminais com relevo para o caso.

De acordo com a matéria de facto provada, pode dizer-se que o arguido revela hábitos de trabalho, encontrando-se disponível para trabalhar de acordo com as solicitações que vão surgindo.

Encontra-se abstinente de consumos de estupefacientes e de álcool.

Desde os factos aqui apreciados não importunou mais a ex-companheira, existindo, no presente, contactos adequados entre ambos sobretudo relativos à filha que têm em comum.

A própria ofendida atribui-lhe uma significativa alteração no comportamento, considerando-o mais calmo e ajustado, tendo contacto presencial com ele quando vai buscar a filha.

O arguido mantém uma relação próxima com a menor, sua filha, que passa todos os domingos com ele, revelando uma grande preocupação no acompanhamento da filha e em ser uma figura presente.

Tem presentemente 40 anos de idade.

O arguido é tido como bom vizinho, trabalhador, educado e respeitador no meio social em que se insere.

           Perante todos estes dados, consideramos justa e adequada a fixação de uma pena conjunta de 5 (cinco) anos de prisão, procedendo parcialmente o recurso nesta parte.

            4. Da suspensão da execução da pena

A pena aplicada ao arguido, porque não superior a 5 anos, poderá ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal

            De acordo com esta disposição, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena é, segundo M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELA RIO, «que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida. À sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua na sentença por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente no domínio das normas penais. Não bastam considerações ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto. O prognóstico favorável vai exclusivamente ao encontro da ideia de socialização em liberdade (prevenção especial de socialização), de afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as finalidades da punição, portanto, de defesa do ordenamento jurídico»[67].

A suspensão da execução da pena tem sido entendida como uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido. Na sua base está o já referido juízo de prognose favorável ao arguido, juízo que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta antes e após o crime e sobre todo o circunstancialismo que rodeou a infracção.

Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.

Como este Supremo Tribunal tem referido, como, de entre outros, no acórdão de 21-01-2015, proferido no processo n.º 12/09.9GDODM.Sl - 3.ª Secção[68], invocado no acórdão de 17-03-2016 (Proc. n.º 32/13.9JACBR.C1.51- 3.ª Secção) - esta medida tem na sua base «uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza - assumida sem ausência de risco - de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito», medida que se insere «num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos».

Acompanhando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-06-2015 (Proc. n.º 270/09.9GBVVD. S1 – 5.ª Secção):

«É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.

 Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 344).

De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.

Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Acresce que a aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta. Personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.»

No caso presente, de acordo com os factos que constam do relatório social, há pouco recenseados, observam-se, como também se constata na decisão recorrida, «indicadores de mudança».

Deles destacamos a disponibilidade do arguido para o trabalho, a atitude «calma» e «ajustada» que tem revelado no contacto presencial com a ofendida, sua ex-companheira, a preocupação que revela no acompanhamento da sua filha menor, desejando manter-se figura presente, a ligação próxima que mantém com ela, com quem passa todos os domingos, o apoio familiar de que dispõe, o apreço do meio social em que se insere. O arguido tem-se mantido em liberdade.

Consideramos ser possível a formulação de um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido junto da sua família, convictos de que a ameaça da pena constituirá para ele uma séria advertência para não voltar a delinquir e satisfaz as exigências de prevenção, sobretudo de prevenção geral, que o caso exige.

Afigura-se-nos que a simples ameaça da execução da pena será suficiente para dissuadir o recorrente de futuros crimes, evitará a repetição de comportamentos delituosos por parte do arguido, dando-se crédito ao seu sentido de responsabilidade e à capacidade de resposta nos próximos anos.

  Como refere ANDRÉ LAMAS LEITE, «Suspender a execução da pena de prisão, e em geral, lançar mão de uma medida substitutiva importa uma aposta no condenado, a qual não pode deixar de ser de “risco permitido”, visto que esta categoria dogmática só se liberta de anátemas economicistas quando se reforça em eficácia e em balanceamento dos interesses presentes. Todavia, e mesmo assim se operando, é sempre com renovada confiança antropológica que se cauciona o infractor de uma norma violadora dos mais íntimos fundamentos comunitários»[69].

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, por se considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, suspende-se a execução da pena de prisão aplicável por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.

III – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça – 3.ª Secção – em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por AA e em consequência:
1. Manter a sua condenação pela prática, em concurso efectivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, do Código Penal, e de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, nas penas, respectivamente, de 2 anos e 6 meses de prisão e de 4 anos de prisão.
2. Manter as seguintes penas parcelares aplicadas na decisão recorrida: (a) de 5 (cinco) meses de prisão pela prática de um crime de violação de domicílio agravado, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.os 1 e 3, do Código Penal; (b) de 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal; (c) de 1 (um) ano de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal; (d) de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
3. Condenar, em cúmulo jurídico, o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
4. Suspender a execução da pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.

Sem custas (artigo 513.º, n.º 1, do CPP)

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Novembro de 2018

(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

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[1] Destaques no original.
[2] Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 733.

[3] Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, p. 57.
[4] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 445.
[5]  PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 3.ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, p. 656.
[6]   Comentário Conimbricense do Código Penal, cit., p. 452.
[7] Acompanha-se neste segmento expositivo VÂNIA PEREIRA MOREIRA em “O crime de violação à luz do bem jurídico liberdade sexual – Reflexões acerca da alteração ao n.º 2 do artigo 164.º do Código Penal”, dissertação de Mestrado, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/21394/1/TESE%20COMPLETA%201.pdf.
[8]   A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adoptada em Istambul, a 11 de Maio de 2011 (Convenção de Istambul), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, apela à criminalização de condutas no âmbito da violência sexual, incluindo violação, relativamente aos actos praticados sem consentimento da vítima, dispondo o artigo 36.º que:

«1. As Partes deverão adoptar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente:
a) Praticar a penetração vaginal, anal ou oral, de natureza sexual, de quaisquer partes do corpo ou objectos no corpo de outra pessoa, sem consentimento desta última;
b) Praticar outros actos de natureza sexual não consentidos com uma pessoa;
c) Levar outra pessoa a praticar actos de natureza sexual não consentidos com terceiro.
2. O consentimento tem de ser prestado voluntariamente, como manifestação da vontade livre da pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes.
3. As Partes deverão adoptar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar que as disposições do n.º 1 também se aplicam a actos praticados contra os cônjuges ou companheiros ou contra os ex-cônjuges ou ex-companheiros, em conformidade com o direito interno.» 

[9]   Comentário Conimbricense do Código Penal, cit., p. 454.
[10]  Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação.
[11]  “Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal”, Revista CEJ, 1.º Semestre 2008, número 8 (especial), pp. 304-305.
[12]             Ob. cit., p. 647.
[13] Cita-se LAMAS LEITE, “A violência relacional íntima”, Revista Julgar, n.º 12, Set.-Dez. 2010.
[14]   “O crime de violência doméstica: notas sobre a prática judiciária”, texto correspondente a uma conferência proferida em 1 de Dezembro de 2014, disponível em www.tre.mj.pt/docs/ESTUDOS.
[15]             Acompanhou-se CONDE FERNANDES, ob. e loc. cits.
[16] Cfr. Pedro Maia Garcia Marques, «Ora, trabalha sofre e cala … ou não» in “Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Prof. Nuno José Espinosa Gomes da Silva”, pags 332-333.
[17] Parece ser este o entendimento do autor citado na nota anterior. Cfr ob cit. pags 334 e 337.
[18]    Direito Penal Especial – Os crimes contra as pessoas, 4.ª Edição, Quid Juris – Sociedade Editora, Lisboa 1017, p. 310.
[19]             Idem, ibidem.
[20]             Ob. cit., p. 311.
[21]    “A violência relacional íntima”, Julgar, n.º 12, Set.-Dez. 2010.
[22] Cfr., designadamente, HANS-HEINRICH JESCHECK, Tratado de Derecho Penal – Parte Geral, vol. II, Bosch, Casa Editorial, SA, pp. 998-999 e MANUEL CAVALEIRO FERREIRA, Lições de Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Editorial Verbo, 1992, págs. 546- 547.
[23] “O crime de violência doméstica: notas sobre a prática judiciária”, comunicação feita no colóquio “Crime de Violência Doméstica: Percursos Investigatórios”, que teve lugar na Procuradoria-Geral da República a 1 de Dezembro de 2014, texto disponível em http://www.tre.mj.pt/docs/ESTUDOS%20-%20MAT%20CRIMINAL/Violencia%20Domestica_2014-12-01.pdf
[24]   Citou-se Sara Margarida Novo das Neves Simões, “O crime de Violência Doméstica: Aspectos materiais e processuais”, dissertação de mestrado disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18035/1/Tese%20Mestrado_final.pdf.
[25]     Comentário do Código Penal, cit., p. 594.
[26] Comentário Conimbricense do Código Penal, cit., p. 336.
[27]   Ob. cit., p. 651.
[28]   “A tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Julgar, n.º 12 (especial), 2010. O autor destaca a situação de concurso entre o crime de violência doméstica e as ofensas à integridade física graves. O argumento, porém, é extensível às situações de concurso com outros crimes punidos com pena mais grave do que a prevista para a violência doméstica.
[29] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 21.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013, p. 182.
[30] FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª edição, Arménio Amado, Coimbra, 1989, p. 128.
[31] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4ª edição, págs. 345 e segs.
[32]             Cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, ibidem.
[33] KARL LARENZ, Metodologia de Ciência do Direito, 2.ª edição (trad.), p. 379,
[34]             Cf. art. 2.º, a), da Lei n.º 112/2009.
[35]             Ob. cit.
[36] A Violência Doméstica e As Penas Acessórias, Universidade Católica – Pólo Porto, Maios 2012, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9686/1/Tese%20mestrado%20-%20A%20Viol%C3%AAncia%20dom%C3%A9stica%20e%20as%20penas%20acess%C3%B3rias.pdf.
[37]             Ob. cit.
[38]             Ne (Idem) Bis in Idem – Proibição de dupla punição e de duplo julgamento: contributos para a racionalidade do poder punitivo público, volume II, AAFDL Editora, 2016, pp. 339-340.
[39]             Ibidem.
[40]             Ob. cit., p. 341.
[41] Em casos, por exemplo, de «períodos prolongados de “bom comportamento”» ou de «quebras de contacto coma vítima».
[42]             Ob. cit. pp.342-344.

[43]             Unidade e Pluralidade de infracção no crime de violência doméstica, dissertação de mestrado, 2017, em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32552/1/ulfd134519_tese.pdf.

[44]  Formas Especiais do Crime, Universidade Católica Editora, Porto, 2017, p. 380.
[45]  Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais, Junho de 2008.
[46] Parece ser este o entendimento [de Pedro Maia Garcia Marques, «Ora, trabalha sofre e cala … ou não» in “Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Prof. Nuno José Espinosa Gomes da Silva”], pp. 334 3 337.
[47]             Aut, ob e loc cit.
[48]             Cfr Figueiredo Dias, «Direito Penal, Parte Geral, Tomo I», 2ª ed. pag 984.
[49]             Aut e ob cit, pag 986-988.
[50]             Cfr Helena Moniz. «Violação e coacção sexual?» in RPCC. 2005, pag 325 e 327.
[51]             Cfr Figueiredo Dias, ob cit, pag 989-990.
[52]             Ob. cit., p. 375.
[53]             Ob. cit., pp. 375-376 (destacados no original).
[54] Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 44.
[55]   Idem, ibidem.
[56]  "O sistema sancionatório do Direito Penal Português", Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, p. 815.

[57] Direito Penal - Parte Geral, 2,ª Edição, Coimbra Editora, pp. 65-66.
[58]    Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, p. 59.
[59]   Idem, p. 60.
[60] Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 386.
[61]   “A Jurisprudência do S.T.J. sobre fundamentação e critérios da escolha e medida da pena”, 26-04-2010, em http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/soutomoura_escolhamedidapena.pdf.
[62] Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 71.
[63]    Ob. cit., p. 56.

[64] Acórdão de 12-09-2012, processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1 – 3.ª Secção.
[65] Acórdão de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, ano de 2014.
[66] Acórdão de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1 – 3.ª Secção.
[67]    Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 334.
[68]   Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais, Ano de 2015
[69]             “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, p. 629.