Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16670/17.8T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: DUPLA CONFORME
ATIVIDADE SAZONAL
REMISSÃO ABDICATIVA
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação:
- ANOTAÇÃO DE SILVIA SARAIVA PUBLICADA NA REVISTA "PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO" - 2º SEMESTRE DE 2022 - Nº 2 - P. 37-43;

- ANOTAÇÃO DE JOÃO LEAL AMADO, IN: ESCRITOS LABORAIS (2023), P. 651-659 - DTB.AMA 14060.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- Devendo o voto de vencido ser acompanhado de uma justificação sucinta das razões da divergência, mesmo quando tal divergência incide sobre a decisão e não apenas sobre a fundamentação, não deve considerar-se que exista qualquer dupla conforme parcial relativamente a questões que não são inteiramente autónomas relativamente àquela expressamente mencionada no voto de vencido.
II- Uma empresa que se dedica a cruzeiros fluviais durante cerca de dez meses por ano não pode invocar atividade sazonal para justificar um contrato a termo de uma camaroteira, fora de qualquer pico de atividade, sendo essa contratação uma sua necessidade permanente e não temporária.
III- A remissão pelo trabalhador de direitos emergentes da violação de normas legais imperativas pelo empregador como sucede com os direitos resultantes de um despedimento ilícito pressupõe o conhecimento pelo trabalhador da existência da referida violação e das suas consequências legais.
Decisão Texto Integral:


Proc.º nº 16670/17.8T8PRT.P1.S1

4ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Relatório

1. No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “DOURAZUL – SOCIEDADE MARÍTIMO TURÍSTICA, S.A.” ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo que:

a) seja declarada a falta de justificação para a cláusula de termo certo resolutivo constante dos diversos contratos individuais de trabalho celebrados com a Ré;

b) seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora, em consequência da denúncia da Ré durante um suposto período experimental ocorrida em 23/02/2017; E,

c) a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias:
a. € 22.208,05, a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório, desde 21-3-2011, acrescida de juros de mora legais até integral pagamento;

b. € 29.610,74, correspondente aos descansos compensatórios devidos pela prestação trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório, acrescida de juros de mora legais até integral pagamento da mesma;
c. as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, desde 30 dias antes da propositura da ação, acrescidos dos respetivos juros de mora legais até integral pagamento da mesma.
d) a condenação da Ré na reintegração da A. no seu posto de trabalho no mesmo estabelecimento da empresa daquela, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso a Autora opte até ao termo da discussão em audiência final de julgamento por uma indemnização calculada nos termos do artigo 391.º do CT, num montante de € 10.080,00, relativa ao período de 30/06/2009 até Fevereiro de 2017, correspondente a quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade da Autora ao serviço da Ré.

Para tanto invocou a A., em síntese, que celebrou com a Ré sucessivos contratos de trabalho a termo certo resolutivo, com início em 30.6.2009, 21.3.2011, 12.3.2012, 15.3.2013, 7.4.2014, 23.3.2015, 6.4.2016 e o último em 13.2.2017, vindo aqueles a cessar por caducidade no termo do prazo certo nos mesmos fixado, em 30.11.2009, 30.11.2011, 30.11.2012, 29.11.2013, 30.11.2014, 30.11.2015, e 30.11.2016, respectivamente, e o último por denúncia da Ré, alegadamente no período experimental.

Mais invocou que os motivos invocados para justificação do termo dos contratos celebrados - actividade sazonal e acréscimo excepcional de actividade, e, nos contratos celebrados em 2015 e 2016, também a execução de tarefa ocasional ou serviço determinado não duradouro e execução de obra, projecto ou actividade definida e temporária -  não se verificam.

Conclui, por isso, que os contratos a termo resolutivo celebrados devem ser declarados sem termo, constituindo um único contrato de trabalho sem termo, com início em 30.6.2009, pelo que a denúncia do contrato de trabalho celebrado em 13.2.2017, não ocorreu no período experimental, configurando a mesma um despedimento ilícito, sendo igualmente ilícitas as caducidades invocadas pela Ré para cessação dos contratos a termo anteriores.

2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação a Ré apresentou contestação, apresentando defesa por excepção, invocando a prescrição dos direitos relativos aos contratos de trabalho que integram a causa de pedir no período compreendido até novembro de 2015 e a existência de remissão abdicativa relativamente a todos os contratos celebrados, e invocando abuso de direito pela A., e, por impugnação, sustentando a validade dos contratos a termo celebrados,  e deduzindo pedido reconvencional.

3. A. respondeu às excepções deduzidas, invocando, em substância, que, nos termos do artigo 147º do Código do Trabalho, a invalidade do termo resolutivo dos diversos contratos tem como consequência a existência de um único contrato, cuja cessação ocorreu em 23.2.2017, pelo que não ocorreu a prescrição e as renúncias invocadas  não devem considerar-se válidas pois que, tratando-se de um só contrato de trabalho, os seus créditos respeitam a direitos irrenunciáveis. Invocou igualmente que todas as remissões abdicativas foram realizadas em circunstâncias criados pela Ré, que não deixaram outra opção que não fosse assinar as mesmas.

4. Foi elaborado despacho saneador que remeteu para a sentença o conhecimento das excepções deduzidas, elencou as questões a decidir e os temas da prova.

5.  Discutida a causa, por sentença de 12.8.2019, na qual se decidiu que ficou demonstrada a sazonalidade da actividade da Ré, concluindo-se, pela validade formal e substancial da cláusula aposta nos diversos contratos e pela validade destes, a validade da declaração de cessação de todos os contratos celebrados e a inexistência de despedimento ilícito, e, sendo válida cada uma das cessações operadas pela Ré, pela prescrição dos créditos reclamados até setembro de 2016, e pela validade das declarações abdicativas emitidas pela A., veio a final a acção a ser julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.

6. Inconformado com a sentença dela apelou a Autora, impugnando a decisão relativa à matéria de facto, e de direito.

7. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação da Relação, por acórdão de 22 de Fevereiro de 2021, proferido com voto de vencido incidente sobre a caracterização da actividade da Ré como actividade sazonal, e consequente validade do termo aposto nos contratos, julgou-o improcedente, confirmando a decisão de 1ª instância.

O acórdão foi proferido com voto de vencido, incidente sobre a caracterização da actividade da Ré como actividade sazonal, e consequente validade do termo aposto nos contratos, assim concluindo: “Nestes termos, sou de opinião que o recurso deveria proceder, dado que não sendo temporária a necessidade da empresa, nos termos contidos no artigo 140º, nº 1, inexiste o fundamento da “actividade sazonal” aposto nos contratos de trabalho a termo celebrados com a autora”.

8. Novamente inconformada com a decisão dela interpõe a. recurso de revista, formulando a final, as seguintes conclusões:

I – O acórdão recorrido não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

II - O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, com voto de vencido do Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Domingos Morais: “Nestes termos, sou de opinião que o recurso devia proceder, dado que não sendo temporária a necessidade da empresa, nos termos contidos no artigo 140.º, n.º 1, inexiste o fundamento da “actividade sazonal” aposto nos contratos de trabalho a termo certo, celebrados com a autora.” pelo que, da referida decisão cabe recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 1 e nº. 3 a contrario sensu do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artigo 81º. nº. 6 do Cód. Proc. Trabalho, que deve ser conhecido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

III - Considera a Recorrente que se verifica erro na interpretação das normas previstas no artigo 140º. nº.s 1 e 2 e) do Código do Trabalho.

IV - Se é verdade que ao conceito de sazonalidade não é de associar critérios temporais rígidos, não é menos verdade que a sazonalidade tem de ser delimitada no tempo, sob pena de se desvirtuar a sua essência.

V - Afigura-se que a decisão recorrida colide com a orientação acolhida pela maior parte da jurisprudência e doutrina.

VI - “E se é sazonal não parece poder abranger aquelas atividades em que o próprio ciclo produtivo seja demasiado longo, sendo que, subjacente à possibilidade da contratação a termo está a transitoriedade da necessidade a satisfazer e a conformidade entre esse período e o termo aposto.

VII - “A atividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade.”

VIII - “Com efeito, actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade.”

IX - “O legislador foi equiparando à sazonalidade em sentido estrito, aquela que resulta da estação do ano, outras situações em que intervém também o fenómeno do ciclo, da previsibilidade e da regularidade, mas condicionado pela necessária limitação temporal, como se nota no acórdão. Se estendermos esta limitação temporal até grande parte do ano – seja, no caso, 9 meses, dificilmente estamos a falar de sazonalidade, sobretudo quando a origem da sazonalidade se referia a estações do ano que tinham 3 meses. Admitir isto para uma actividade que se repete todos os anos, nos mesmos meses, 9 meses por ano, ainda mais quando a identificação concreta desses meses depende duma vontade humana que é arbitrária, qual seja a fixação do período de inactividade, é admitir que todos os anos, em sucessão tão longa quanto a da capacidade produtiva do trabalhador ao longo da sua vida, o trabalhador – que trabalha a maior parte do ano – esteja sob o domínio dum vínculo precário. Se estendêssemos ainda mais esta noção de sazonalidade, poderíamos afirmar que o Parlamento e os tribunais desenvolvem actividades sazonais, e no mais absurdo dos exemplos, que uma empresa que encerre a laboração para observar o período de férias dos seus trabalhadores, também só desenvolve uma actividade sazonal.”

X - “O que está em causa no princípio constitucional da estabilidade no emprego, da segurança no emprego, não é o valor da retribuição, mas a certeza de persistência do posto de trabalho, que faz com que, com base nela, o trabalhador possa organizar a sua vida, assumir os seus compromissos, viver e desenvolver-se enquanto cidadão, ele mesmo e na sua vertente familiar. A admissão da sazonalidade enquanto condição que permite a celebração sucessiva de contratos a termo, sem qualquer limite temporal, impede este desiderato constitucional.”

XI - “O conceito de sazonalidade supõe uma necessária limitação temporal, pelo que dificilmente estaremos perante uma atividade sazonal quando a duração da mesma corresponde a um ano inteiro ou mesmo até a meio ano.”

XII - “A contratação a termo por actividades sazonais não permite, decerto, a contratação por um ano inteiro - seria uma saison» um pouco longa demais, mas não deve igualmente permitir que se obtenham resultados equivalentes ou muito próximos.”

XIII - Não se aceita o carácter sazonal da actividade da Recorrida quando a mesma se desenvolve nos meses de Março a Dezembro, ou seja, dez meses por ano!

XIV - Basta atentar nos factos que ficaram demonstrados sob os pontos 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90 e 92.

XV - É nos meses de Março a Dezembro que a Recorrida obtém os proventos, assim sendo sustentável, pelo que nestes meses desenvolve a sua actividade normal, não se estando perante uma actividade sazonal ou sequer a mesma apresenta irregularidades no ciclo anual de produção.

XVI - Quanto a este aspecto, atente-se no ponto 92 dos factos provados, do qual resulta que a Recorrida, nos anos de 2011 a 2017, teve uma média de 98% de ocupação de passageiros transportados!

XVII - Acresce que, como bem salientou o Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Domingos Morais na sua declaração de voto: “Está provado que, nos anos de 2009 a 2016, os barcos da ré transportaram passageiros durante 10 meses por ano, de março a dezembro – cf. pontos 77 a 83 -, sendo certo que no ano de 2017, a autora foi contratada a 13 de fevereiro!, pelo prazo de nove meses e dezoito dias, ou seja, até 3 de dezembro – cf. ponto 16 dos factos provados – e no ano de 2016, a ré foi autorizada a navegar a 19 de fevereiro – cf. ponto 66. Fica, pois, por se saber se durante os meses de janeiro e fevereiro de cada um desses anos, não houve registo de passageiros por falta de turistas ou por necessidade de manutenção das embarcações ou por outro motivo qualquer.

Além disso, o registo de passageiros nos pontos 77 a 83 – de março a dezembro de cada ano - contradiz, por exemplo, o teor dos pontos 40, 56, 76 e 100 dos factos provados – “abre por cerca de 7/9 meses por ano, e está encerrado durante cerca de 5/3 meses”. Decorre, pois, da matéria de facto dada como provada um ciclo anual da actividade da empresa (embora com «altos e baixos» no que concerne ao número de passageiros transportados), tanto mais que o período da “época baixa” é “também usado para o gozo de dias de férias dos trabalhadores” – cf. ponto 55 dos factos provados. Além disso, a ré conta com um quadro de pessoal permanente – cf. ponto 97 -, o que reforça o ciclo anual da actividade da empresa.”

XVIII - A interpretação que o acórdão recorrido faz da norma prevista no artigo 140º. nº. 2 e) do Cód. Trabalho (“Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção

apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima”) no sentido de admitir a sazonalidade de uma actividade empresarial que perdura dez meses e que se repetiu, pelo menos para a Recorrente durante oito anos, enquanto condição que permite a celebração sucessiva de contratos a termo, sem qualquer limite temporal, viola o princípio da segurança no emprego, previsto no art. 53° da Constituição da República Portuguesa,

XIX - na medida em que a celebração de contratos a termo é admitida a título excepcional, para suprir unicamente necessidades temporárias das empresas, o que não se verifica no caso vertente!

XX - Não se encontrando preenchido o princípio do artigo 140.º n.º 1 do Cód. Trabalho, assim como as normas das alíneas e), do 140.º n.º 2 do Cód. Trabalho, deve declarar-se que os contratos em causa foram celebrados sem termo resolutivo, pelo que constituem um só contrato individual de trabalho sem termo, de acordo com o disposto no artigo 147.º n.º 1 alínea a), b) e n.º 3 do Cód. Trabalho, ao que acresce que a actividade para que a recorrente foi contratada não é uma actividade sazonal, pelo que não tendo sido observado o período de vacatio entre os contratos, conforme estipulado na parte final do nº. 1 do artigo 143º do Código do Trabalho, impõe-se aplicar a consequência prevista no artigo 147º nº 1 al. d) do Cód. Trabalho, ou seja, considerando-se sem termo o contrato celebrado em 30/06/2009.

XXI - Logo, a denúncia do contrato de trabalho que a Recorrida efectuou em 23 de Fevereiro de 2017 não pode ser considerada como válida uma vez que, considerando o acima exposto, já estavam ultrapassados todos os prazos possíveis de período experimental previstos no artigo 112.º do Cód. Trabalho.

XXII - Não sendo válida esta denúncia do contrato individual de trabalho efectuada pela Recorrida, conclui-se pela ilicitude do despedimento da Recorrente, nos termos do artigo 381º alínea c) do Cód. Trabalho.

XXIII - De igual modo, todas as caducidades invocadas pela Recorrida para cessar os contratos a termo devem ser declaradas ilícitas uma vez que não existia justificação para submeter tais contratos a um termo certo resolutivo.

XXIV - Assim, não se mostrando válidas as declarações de caducidade dos contratos, não ocorre qualquer prescrição dos direitos da Recorrente, visto que deverá considerar-se uma só cessação do contrato individual de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida, que ocorreu em 23/02/2017.

XXV - Ora, tendo a presente acção sido apresentada em 31/07/2017 e a Recorrida sido citada no dia 12/09/2017, é inequívoco que os direitos da Recorrente não se mostram extintos pela prescrição, porquanto ainda não havia decorrido o prazo de um ano estabelecido no artigo 337º. nº. 1 do Cód. Trabalho.

XXVI - Também por estes motivos, as declarações a que aludem os pontos 22 a 29 dos factos provados não devem considerar-se remissões abdicativas válidas.

XXVII - Desde logo, estando perante um único contrato de trabalho, os créditos da autora referentes a salários, férias, feriados, descansos, etc., são irrenunciáveis, pelo que tais declarações escritas não devem ser admitidas, pelo que os créditos salariais da Recorrente não se mostram extintos.

XXVIII - Por tudo quanto fica exposto, deve, pois, ser reconhecida a Recorrente como trabalhadora efectiva da Recorrida, vínculo que perdurou entre 30/06/2009 até 23/02/2017, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida, e, em consequência, ser declarada a ilicitude do despedimento da Recorrente e a Recorrida condenada a pagar a indemnização ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 391º. do Cód. Trabalho no montante de 10.080,00€; ser a Recorrida condenada a pagar à Recorrente as retribuições salariais que este deixou de auferir, desde o despedimento até a data do trânsito em julgado da decisão; mais o pagamento de créditos salariais, conforme peticionado na petição inicial.

XXIX - O acórdão recorrido violou as disposições legais constantes do artigo 53º. da Constituição da República Portuguesa, artigos 112º., 140º. nº. 2 e), 143º. nº. 1 e nº. 2 c), 147º. nº. 1 a), b), d) e nº. 3, 337º. nº. 1 e 381º. c) da Lei nº. 7/2009 de 12 de Fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho de 2009, porquanto as mesmas não foram interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores.

8. A Ré apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:
1. A presente revista é processualmente inadmissível, pois que se formou dupla conforme e se deu já trânsito em julgado quanto à validade das remissões abdicativas, muito especialmente da última junta aos autos, exceção perentória que é questão prévia e prejudicial em relação à apreciação do objeto do recurso normal de revista interposto pela Recorrente.
2. Na verdade, a dupla conforme deve aferir-se por segmento decisório51.
3. Ora, a validade das remissões abdicativas (em especial da última) é matéria não atingida pelo voto de vencido, pelo que só poderia haver revista a título excecional, se a Recorrente o houvesse solicitado e preenchido os requisitos formais (e substanciais) de interposição desse tipo específico de recurso, o que não sucedeu, nem é o caso.

4. Como bem assinala ABRANTES GERALDES “(…) se quanto a determinado segmento se verificar a plena confirmação do resultado declarado na 1ªinstância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista. Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça relativamente a tal parcela do acórdão da Relação ficará dependente do acionamento da revista excecional e da sua aceitação pela formação referida no
5. A remissão abdicativa é uma exceção perentória que impede o conhecimento do mérito da causa, sendo que se não houve voto de vencido quanto a ela, só poderia haver revista quanto a todas as questões situadas a jusante dessa questão se a Recorrente houve requerida a revista excecional e respeitado, sob pena de rejeição, todos os requisitos formais impostos pelos artigos 637.º, n.º 2 e 672.º do Código de Processo Civil.
6. Ainda que assim não se entendesse, sempre a revista seria inadmissível quanto a todos os temas não abrangidos ou tocados pelo voto vencido, e quanto aos quais se formou já dupla conforme, ou seja: (i) a validade das remissões abdicativas e, em especial; (ii) a validade da última das remissões abdicativas; (iii) o decaimento da A. quanto aos créditos laborais e (iv) a prescrição dos créditos laborais e da discussão dos termos de cada contrato, por não ter a Recorrente alegado os factos que alegava e em razão da relevância do demonstrado pagamento do suplemento de embarque.
7. Em boa verdade, e posto que as conclusões de recurso circunscrevem o seu objeto, a própria Recorrente apenas recorre quanto à validade do termo – operando-se o trânsito em julgado quanto a tudo o mais - pois que para além dessa questão nada sobra, sendo que mesmo as alusões da Recorrente à suposta invalidade das remissões abdicativas (esquecendo a existência da última) e a não verificação da prescrição (que na realidade se verificou mesmo) são na sua dissertação decorrência da invalidade do termo – como se a sua improcedência não se impusesse por razões de outra índole…
8. Ora, a validade das remissões abdicativas e muito especialmente da última é autêntica questão prejudicial que impõe, por si só, a improcedência da ação e do recurso.
9. Como louvavelmente assinala o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/11/2004 (processo n.º 04S2846, in www.dgsi.pt) e bem ao invés do pretendido pela Recorrente, (…) “ (…) a remissão abdicativa configura uma excepção peremptória e as excepções peremptórias, importando a absolvição total ou parcial do pedido, têm que ser apreciadas antes do pedido formulado na acção, carecendo, por isso, de qualquer fundamento a afirmação produzida pelo recorrente de que a decisão proferida sobre a questão da nulidade da estipulação do termo aposto no contrato e sobre a questão da ilicitude do despedimento tornou inútil a apreciação da excepção da remissão abdicativa (…)” .
10. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo procedeu a uma rigorosa e correta interpretação e aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura;
11. Estando demonstrado nos autos que a atividade da Recorrida se concentra (também no plano comercial e financeiro) em apenas alguns meses do ano, sobretudo de abril a outubro, estando tal atividade dependente (i) da abertura das eclusas das barragens; (ii) de autorizações administrativas; (iii) de condições climatéricas de navegabilidade e visibilidade do rio Douro na sua extensão até ao “...” (realidades que lhe são exógenas), rio no qual realiza cruzeiros turísticos em “navios-hotel”, sujeita por isso (iv) aos ciclos de procura turística (sobretudo de cidadãos estrangeiros) nos períodos de tempo mais quente e de maior longevidade dos dias, de modo a poderem os turistas (seus clientes) disfrutar, em segurança, da paisagem duriense no período do fim da primavera, verão e vindimas – a atividade da Recorrida é claramente sazonal, legitimadora da celebração de contrato a termo com esse fundamento legal;
12. Bem assinalou o Tribunal a quo que “a aferição da “sazonalidade” poderá efetuar-se atendendo ao caso concreto, sem estar presa a um quantum temporal apriorístico e determinado em abstrato, dependendo da atividade em causa e da razoabilidade de o hiato temporal necessariamente congénito à “sazonalidade” justificar a não imposição ao empregador de uma contratação por tempo indeterminado54”.
13. Os contratos de trabalho a termo celebrados entre a Recorrente e a Recorrida tiveram sempre como fundamento legal a efetiva sazonalidade inerente à atividade da Recorrida, com clara relação entre o fundamento e o prazo escolhido, pelo que nenhuma violação do princípio constitucional da segurança no emprego existiu por parte da Recorrida;
14. A respeito da cessação dos contratos de trabalho a termo celebrados com a Recorrente nos anos de 2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, a Recorrida promoveu a sua caducidade, a qual foi sempre, de forma oportuna, comunicada à Recorrente por escrito, conforme consta da prova documental a este respeito.
Por sua vez, o contrato de trabalho celebrado no ano de 2017, cessou por denúncia da Recorrida durante o período experimental, sempredentro doquadro legal aplicável, conforme resulta da prova documental constante dos autos, pelo que não existiu qualquer despedimento ilícito da Recorrente, razão pela qual não tem qualquer direito a indemnização baseada num despedimento ilícito que pura e simplesmente não ocorreu;
15. A Recorrente não detém qualquer crédito laboral sobre a Recorrida e, ainda que detivesse – o que não se concede apenas por mero dever de patrocínio de concebe – a verdade é que não conseguiu demonstrá-lo, o que sempre lhe competiria, sendo certo que a Recorrente subscreveu sempre, após a cessação de cada contrato, declarações de remissão abdicativa sem qualquer retratação, ou arrependimento posterior, e sem que quanto a qualquer delas haja alguma vez alegado (quanto mais demonstrado) a existência de qualquer vício da vontade!
Sem prescindir, mesmo sendo certo ter havido dupla conforme e ausência de recurso quanto aos créditos salariais peticionados,
16. O Acordo Coletivo de Trabalho aplicável dispõe, na cláusula 28.ª, n.º 5, que o trabalho em dia de descanso semanal ou feriado dá direito a dia de descanso compensatório, o qual deverá ser gozado do seguinte modo: a Recorrida organiza, em cada época, períodos de duração não inferior a 5 dias, para que os trabalhadores possam gozar qualquer descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal ou feriado, até essa data.
Mais dispõe o n.º 7 da referida cláusula que, caso não seja possível gozar todos os dias de descanso compensatório nos períodos criados para o efeito pela Recorrida, durante a época de cruzeiros, esses dias acrescerão aos dias de férias dos trabalhadores;
17. Ora, e como se demonstrou, a Recorrente gozou as folgas compensatórias, pelo que, qualquer trabalho suplementar que a Recorrente eventualmente tivesse prestado em dia de descanso semanal e/ou feriado – o que não se admite, mas apenas se concebe por mero dever de patrocínio – foi compensado em termos de descanso pelas folgas compensatórias comprovadamente gozadas em cada um dos anos em causa;
18. Nos termos da cláusula 28.ª do Acordo Coletivo de Trabalho aplicável, a Recorrida pode optar pelo pagamento de um suplemento de embarque, em substituição do pagamento de trabalho suplementar, o qual engloba a remuneração de todas as horas de trabalho que venham a ser prestadas em dias de descanso e de feriados e que é uma componente retributiva criada por um Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT) previsto para retribuir todo e qualquer trabalho que viesse a ser prestado pelos trabalhadores embarcados;
19. A forma de pagamento do trabalho suplementar pode ser livremente regulada por IRCT, nos termos do artigo 268.º, n.º 3, do Código do Trabalho e, além do mais, o pagamento do suplemento de embarque afigura-se mais vantajoso para os trabalhadores, tendo em conta o seu valor elevado, e atendendo a que é pago mensalmente, independentemente da prestação ou não de trabalho suplementar;
20. Como se provou, à Recorrente foram sempre pontualmente pagos todos os montantes devidos a título de suplemento de embarque, pelo que, ainda que algum trabalho suplementar tivesse sido demonstrado pela Recorrente em dia normal de trabalho, em dia de descanso ou em dia de feriado – o que não aconteceu – ainda assim, nenhum valor era devido a título de pagamento de trabalho suplementar;
21. Mais se diga que a Recorrente não foi capaz de – como lhe competia – demonstrar e provar os dias e horas trabalhadas para além do horário de trabalho definido. A este respeito é, aliás, abundante a Jurisprudência que, de forma uniforme, tem defendido que o direito do trabalhador à retribuição correspondente à realização de trabalho suplementar sempre se encontra dependente da sua alegação e consequente prova, por parte de quem se intitula titular desse direito, conforme dispõe o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil55. Não o provou de modo algum e muito menos mediante documento idóneo;
22. Qualquer eventual crédito laboral que eventualmente existisse quanto a cada um dos contratos sempre se encontraria prescrito ao abrigo do artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, matéria também não tocada pelo voto de vencido.
23. Veja-se, aliás, que a prescrição só ocorreu por inércia da Recorrente que, entre contratos sazonais, poderia ter demandado a recorrida em todos os enormes interregnos de meses a fio correspondentes às prolongadas épocas baixas, sendo as suas pretensões entre o mais invocadas em patente abuso do Direito.
24. Com todo o respeito, que muito e sincero é, não procedem as razões em que o voto de vencido assenta, pois que o mesmo louva a sua narração em Doutrina e Jurisprudência que direta ou indiretamente apreciou temáticas substancial e profundamente distintas das do caso dos autos, mormente quando do ano letivo/escolar e do ciclo de 10 meses de produção do tabaco, realidades que ou decorrem de pura calendarização administrativa (no primeiro caso) ou de um ciclo regular econsistente de 10 meses(ouseja,eem ambososcasos, dequase um ano);
25. No caso dos autos provou-se uma época alta de essencialmente 7 meses, compreendida entre abril e outubro de cada ano (facto provado 39.º), mas de contornos exatos por natureza em razão de uma fonte heterogénea de razões exógenas à Recorrida, seja de natureza meteorológica e climatérica, seja de condições de navegabilidade e de navegabilidade em segurança, seja de dependência face à falta de autorização administrativa de abertura das eclusas das barragens, seja da própria oscilação sazonal e de mercado de maior ou menor de procura turística dos serviços prestados pela Recorrida.
26. O voto de vencido refere que analisando a factualidade subjacente aos autos fica sem se saber se em janeiro e fevereiro não houve passageiros por falta de turistas ou por necessidade de atividade manutenção das embarcações ou por outro motivo qualquer; mas,
27. Mas essa resposta existe e é amplamente dada na factualidade provada: (i) os factos provados 39.º a 55.º, 100.º a 102.º atestam que os turistas procuram os cruzeiros que a Recorrida realizam essencialmente de março/abril até outubro – não portanto em novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e boa parte do mês de março; (ii) as estatísticas de turistas confirmam-nos de modo avassalador sob os artigos 77.º a 92.º; (iii) a necessidade de manutenção que o voto de vencido indaga confirma-se, sendo o que se retira dos factos provados 53.º, 54.º, 56.º e 58.º.
28. Problematiza ainda o voto de vencido que a razão da não navegação poderia ser outra razão. E tal também resultou demonstrado, pois que tais outras razões se encontram também provadas: (i) na falta de condições de navegabilidade e encerramento das eclusas; (ii) na falta de autorizações administrativas.
29. Demonstrou-se que a Recorrida tem um quadro de pessoal permanente, mas essencialmente na área dos escritórios e comercial; que, durante a época baixa, se dedica a preparar a próxima época alta, designadamente através da promoção e venda de cruzeiros turísticos para a época seguinte, sendo que a manutenção do quadro de pessoal – camaroteiros (ou seja, os afetos à atividade sazonal) – durante todo o ano contribuiria negativamente para os resultados da Ré e que entre finais de novembro e finais de março, não estando a circular os navios hotel, a Ré não dispõe de funções que possa atribuir ao número de trabalhadores que estão ao seu serviço na “época de cruzeiros”. A funções permanentes correspondem, portanto, postos de trabalho permanentes e a funções sazonais, contratos a termo. Tal e qual o figurino legal e constitucionalmente admitido.

Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, foi objeto de resposta, em sentido concordante, pela Ré recorrida.
Tendo a recorrida nas suas contra-alegações suscitado a questão prévia da inadmissibilidade da revista, sustentando verificar-se quanto o todos os temas não abrangidos pelo voto de vencido uma situação de dupla conforme que seria impeditiva do recurso de revista quanto às questões da validade da remissão e, em especial, da última remissão abdicativa, o decaimento da A. quanto aos créditos laborais, a prescrição dos créditos laborais e da discussão da validade do termo quanto a cada contrato, foi cumprido o contraditório, tendo a recorrente apresentado resposta sustentado a admissibilidade da revista.

II. Fundamentação
De Facto

A matéria de facto provada é, no essencial, a seguinte:
1. A 30 de junho de 2009, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira”, pelo prazo de cinco meses e um dia, com remuneração base mensal ilíquida de € 602,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 147 vº a 148, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Com data de 13 de novembro de 2009, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 148º , cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A 21 de março de 2011, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira”, pelo prazo de oito meses e onze dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 612,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Com data de 17 de outubro de 2011, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 149 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. A 12 de março de 2012, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira chefe”, pelo prazo de oito meses e vinte dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 751,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Com data de 26 de outubro de 2012, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 150 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. A 15 de março de 2013, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira chefe”, pelo prazo de oito meses e dois dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 751,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. A 31 de outubro de 2013, Autora e Ré acordaram a renovação do contrato, nos termos constantes de fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Com data de 4 de novembro de 2013, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 151 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. A 7 de abril de 2014, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira chefe”, pelo prazo de sete meses e vinte e quatro dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 767,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 16 vº a 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Com data de 23 de outubro de 2014, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 152 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. A 23 de março de 2015, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira chefe”, pelo prazo de oito meses e nove dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 779,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 17 vº a 18, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. Com data de 12 de outubro de 2015, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 153 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. A 6 de abril de 2016, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira chefe”, pelo prazo de sete meses e vinte e cinco dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 832,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 19 a 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Com data de 21 de outubro de 2016, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 154 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. A 13 de fevereiro de 2017, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de “camaroteira chefe”, pelo prazo de nove meses e dezoito dias, com remuneração base mensal ilíquida de € 840,00, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 22 e 21 a 148, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17. Com data de 23 de fevereiro de 2017, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 23, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. A 27 de dezembro de 2011, a Ré acordou com a BB a utilização da ora Autora, entre 27 de dezembro de 2011 e 2 de janeiro de 2012, para o exercício de limpeza e arranjos diários dos camarotes e outras áreas da embarcação, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 26 vº a 28, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19. Com data de 27 de dezembro de 2011, a Ré remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 29, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. Nos acordos referidos em 1), 3), 5), 7), 9), 10), 12), 14) e 16) Autora e Ré acordaram um horário de trabalho diário de oito horas e semanal de quarenta horas.
21. As embarcações onde prestava o seu serviço funcionavam vinte e quatro horas por dia.
Da contestação:
22. Após o referido em 2), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2009, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 149, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

23. Após o referido em 4), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2011, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 150, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
24. Após o referido em 6), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2012, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 151, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
25. Após o referido em 9), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2013, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 152, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26. Após o referido em 11), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2014, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 153, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Após o referido em 11), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2015, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 154, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
28. Após o referido em 13), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2016, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 155, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
29. Aquando o referido em 17), a Autora emitiu, a 23 de fevereiro de 2017, a declaração de fls. 155 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
30. As declarações referidas em 22) a 29) foram emitidas pela Autora sem qualquer arrependimento, ou retratação nos dias subsequentes.
31. A Ré aceitou as declarações emitidas pela Autora de 22) a 29).
32. Aquando das declarações referidas de 22) a 29), a Ré pagou à Autora as quantias ali indicadas, sendo que:
a) com o processamento salarial de novembro de 2016 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 329,00;
b) com o processamento salarial de novembro de 2015 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 323,33;
c) com o processamento salarial de novembro de 2014 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 299,17;
d) com o processamento salarial de novembro de 2013 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 355,93;
e) com o processamento salarial de novembro de 2012 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 361,43;
f) com o processamento salarial de novembro de 2011 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 341,29;
g) com o processamento salarial de novembro de 2009 a Ré pagou à Autora uma compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo no valor de € 303,06.
33. A Ré é uma empresa que atua no setor turístico, através da realização de cruzeiros fluviais turísticos na região duriense, ou seja, ao longo do rio Douro.
34. Os cruzeiros são realizados durante praticamente toda a extensão do rio Douro em território português, chegando também a território espanhol, junto à fronteira com Portugal, nomeadamente, no Parque conhecido como “...”.
35. Os cruzeiros turísticos da Ré são realizados em embarcações, também designadas de navios-hotel, as quais transportam os clientes da Ré nos referidos cruzeiros, providenciando-lhes igualmente estadia (incluindo pernoita), refeições e outros serviços complementares, como serviço de piscina, bar, sun deck, SPA, etc.
36. Os navios-hotel da Ré funcionam como verdadeiros hotéis para os seus clientes, com a particularidade de os mesmos serem igualmente embarcações fluviais, de forma a poderem tirar partido da paisagem que percorre o rio Douro e toda a região duriense. (alteração introduzida pelo Tribunal da Relação)
37. Para a realização de cruzeiros turísticos, a Ré tem não só como clientes diretos operadores turísticos que montam pacotes de viagens que integram os cruzeiros turísticos da Ré nos mesmos e que, por esse motivo, recorrem a esta última para reservar passagens de cruzeiros turísticos para os seus clientes, mas também os passageiros que compram diretamente à Ré passagens de cruzeiros.
38. Os passageiros da Ré são fundamentalmente estrangeiros que se deslocam a Portugal – e em especial à região duriense – para a realização de cruzeiros fluviais no rio Douro, tirando assim partido da paisagem natural e condições climatéricas que se vivem nessa região durante um determinado período de cada ano, bem como de todas as atividades vinícolas que se realizam também todos os anos nessa região, sendo aqui de destacar a época das vindimas e da produção e transporte de vinho ao longo do rio Douro.
39. A realização de cruzeiros turísticos fluviais no rio Douro é procurada pelos clientes da Ré durante um determinado período específico do ano: muito essencialmente entre abril e outubro de cada ano.
40. Tal período específico de cerca de 7/9 meses coincide com uma época do ano de afluência de maior número de turistas a Portugal, particularmente ao ... e à região duriense.
41. O período da primavera (parte) e do verão é uma “época alta” para a atividade turística em todo o país, na medida em que as condições atmosféricas estão habitualmente mais propícias ao turismo.
42. Essa circunstância é especialmente premente no caso de cruzeiros fluviais, a bordo de navios-hotel, em que a temperatura ambiente, a temperatura da água, as horas de exposição solar, a visibilidade no rio e para a paisagem ao longo das margens potencia uma experiência turística muitíssimo superior àquela que seria vivida nos meses com dias mais curtos, com menos exposição solar, mais frios e mais chuvosos ou de neblina.
43. Toda a região duriense está intimamente ligada à produção de vinho.
44. O rio Douro desempenha um papel central na atividade vinhateira, como meio de transporte do vinho (em especial o vinho do Porto) desde as quintas onde é produzido até às caves onde é armazenado e fica a envelhecer.
45. As margens do rio Douro albergam as quintas de produção de vinho do Douro – região demarcada de produção de vinho –, aqui se incluindo também os mundialmente conhecidos “socalcos do Douro” onde as vinhas se encontram plantadas, numa paisagem natural única e que atrai inúmeros turistas a esta região.
46. A “época das vindimas”, é típica de regiões de produção vinícola e que, pela enorme ligação da região do Douro à produção do vinho, é procurada pelos turistas que se deslocam à região duriense.
47. As quintas de produção de vinho, bem como os socalcos do Douro, localizados imediatamente nas margens do rio, a possibilidade de atravessar essa paisagem no decorrer das vindimas, ou atracar em portos ao longo do rio para visitar as respetivas quintas e participar nas atividades da vindima é também uma experiência única, procurada pelos passageiros da Ré.

48. A época das vindimas situa-se usualmente em setembro/outubro de cada ano, dependendo das condições climatéricas vividas nesse ano e, consequentemente, do estado de amadurecimento das uvas.
49. A Ré tem uma “época alta”, que se concretiza nos meses em que os seus clientes a procuram para a realização dos cruzeiros turísticos ao longo do rio Douro.

50. A “época alta” é também conhecida internamente na Ré como a “época de cruzeiros”, período em que, em cada ano, são realizados os cruzeiros turísticos fluviais ao longo do rio Douro.
51. A “época de cruzeiros” da Ré coincide com os meses de março/abril a novembro de cada ano.
52. No período de março/abril a novembro, para além da realização de cruzeiros turísticos – que se realizam essencialmente entre abril/maio e outubro são incluídas todas as atividades de preparação da época, bem como as atividades de encerramento.
53. Depois de estarem, todos os anos, durante meses atracados até que retome a “época de cruzeiros”, as embarcações da Ré necessitam de ser todos os anos preparadas para a nova época, o que implica os trabalhos de manutenção e limpeza das embarcações e equipamentos, planeamento da época, preparação de stocks, formação de equipas, etc.
54. À medida que a “época de cruzeiros” começa a esmorecer, após o período das vindimas – usualmente em finais de outubro –, é igualmente necessário realizar todos os trabalhos de “encerramento da época”, que se traduzem novamente em trabalhos de manutenção e limpeza de embarcações e equipamentos, realização de inventários e armazenamento de stocks, fecho de contas, etc.
55. Sendo usado esse período também para o gozo de dias de férias dos trabalhadores que não tenham conseguido gozar todas as férias durante os meses anteriores.
56. Cada um dos navios-hotel da Ré é um estabelecimento que, todos os anos, abre por cerca de 7/9 meses por ano, e está encerrado durante cerca de 5/3 meses e que, por esse motivo tem de ser preparada a sua abertura e o seu encerramento.

57. Os cruzeiros fluviais da Ré não começam todos a 1 de março de cada ano nem terminam todos a 30 de novembro do mesmo ano.
58. Durante parte do mês de março de cada ano são iniciados os trabalhos de preparação da nova época de cruzeiros, começando os primeiros navios-hotel a circular – isto é, a subir o rio Douro – a partir de finais de março e inícios de abril de cada ano.
59. Após o encerramento do período das vindimas – que, ocorre usualmente algures em outubro – os navios-hotel da Ré começam a deixar de circular, retomando ao cais onde ficarão atracados durante meses, até ao ano seguinte.
60. De forma a que em finais de novembro todos os navios estejam já atracados, com os trabalhos de encerramento de época concluídos.
61. A realização de cruzeiros fluviais ao longo do rio Douro depende deste apresentar condições de navegabilidade, isto é, que possibilite que os navios circulem com todas as condições de segurança para passageiros e embarcações.
62. Durante os meses de inverno – usualmente de novembro de um ano a março do ano seguinte – o rio Douro não costuma apresentar condições mínimas de navegabilidade.
63. Para a realização do tipo de cruzeiro turístico realizado pelos navios-hotel da R., ou seja, cruzeiros de 7 ou 15 dias desde o ... até à fronteira espanhola, passando ligeiramente esta última, o rio Douro tem de apresentar condições de navegabilidade em cerca de 210 km de extensão.
64. A falta de condições de navegabilidade está relacionada com a forte instabilidade do caudal do rio durante os meses de inverno, usualmente motivado por condições climatéricas (chuvas mais fortes, vento agitado, etc.), pelo funcionamento das barragens que existem ao longo do rio, designadamente por necessidades mais recorrentes de descargas, e ainda para realização de trabalhos de manutenção, e pelo funcionamento das eclusas das barragens, que servem de plataformas elevatórias hídricas para que as embarcações que circulam no rio Douro possam subir e descer o rio, ultrapassando os obstáculos humanos que constituem as barragens.
65. A comunicação das condições de navegabilidade ou impossibilidade de navegação no rio Douro competem atualmente à APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A. (APDL) e anteriormente competia ao Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I.P. (IPTM).
66. A 19 de fevereiro de 2016 foi autorizada a navegação entre o km 0.5 e o km 9.5, entre o km 22 e o km 50.5, entre o km 69 e o km 80, e entre o km 106 e o km 127.
67. A 16 de março de 2016 foi ampliada a autorização de navegação desde o km 0.5 até ao km 101 e depois entre o km 106 e o km 127.

68. No dia 17 de março de 2016 foi ampliada a autorização de navegação desde o km 0.5 e o km 127.

 69. Antes dessas datas a impossibilidade de circulação já decorria, para as embarcações da Ré, pelo facto de as eclusas das barragens do rio estarem encerradas, impedindo assim a circulação dos navios-hotel da empresa.

De Direito

Os presentes autos respeitam a ação de processo comum iniciada e foram instaurados em 31 de julho de 2017.

O acórdão recorrido foi proferido em 22 de fevereiro de 2021.

É assim aplicável o Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, 295/2009, de 13 de Outubro, que o republicou, e pelas Leis nºs 63/2013, de 27 de Agosto, 55/2017, de 17 de Julho e 107/2019, de 9 de Setembro (artºs 5º, nº 3, e 9º, nº 1, da referida Lei).

Em termos substantivos, estando em causa a validade de contratos a termo, o primeiro dos quais celebrado em 30.6.2009 e o último 13.2.2017, e a cessação deste ocorrida em 23.2.2017, é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 27 de Agosto, na sua versão originária, anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 93/2019, de 4 de Setembro.

Sendo este o enquadramento normativo aqui aplicável importa começar a apreciação pela questão prévia da inadmissibilidade do recurso suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações.

Invoca a recorrida, em síntese, que, tendo o voto de vencido incidido apenas sobre uma das questões em causa nos autos – a existência, ou não, de razão legitimadora para aposição do termo – formou-se dupla conforme quanto a todos os demais segmentos da decisão, designadamente quanto à existência de remissão abdicativa e prescrição, questões relativamente às quais foi concordante a decisão das instâncias, sustentando que a questão da remissão abdicativa, é prévia e prejudicial, ao conhecimento da validade/invalidade do termo, em que consiste o objecto do recurso de revista impeditiva da sua admissibilidade.

Neste particular sublinha a recorrente que entre as diversas e válidas remissões abdicativas que a recorrente foi subscrevendo após a cessação de cada um dos contratos uma há que foi, como as demais, subscrita após e na sequência do último dos contratos analisados nos presentes autos, concluindo  que “tendo-se formado essa dupla conforme, já se consolidou a impossibilidade de a Recorrente reclamar quaisquer créditos ou questões a respeito de qualquer dos contratos (incluindo a discussão da validade do termo), precisamente em face de remissão abdicativa, que, constituindo exceção perentória, impede o conhecimento do mérito da causa.

A admissibilidade da dupla conforme parcial sustentada pela recorrida encontra na doutrina respaldo em Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª edição, 2020, pág. 420, segundo o qual “não é a mera divergência verificada num determinado segmento decisório que pode despoletar a revista normal relativamente a todo o acórdão da Relação, devendo esta circunscrever-se ao segmento ou segmentos que revelem uma dissensão entre o resultado declarado pela 1ª instância e pela Relação ou relativamente aos quais exista algum voto de vencido de um dos três juízes do coletivo. Deste modo, se quanto a determinado segmento decisório se verificar a plena confirmação do resultado declarado na 1ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista” (sublinhados nossos), e tem sido acolhida na jurisprudência deste Supremo Tribunal, entre outros nos acórdãos da sua Secção Social de 11.2.2016, Procº nº 31/12.8TTVFR.P1.S1, 21.4.2016, Procº nº 79/13.5TTVCT.G1.S1, 15.9.2016, Procº nº 14633/14.4T2SNT.L1.S1, e 1.3.2018, Procº nº 85/18.2TTMAI.P1.S1, segundo a qual nos casos em que as decisões das instâncias sejam compostas de segmentos decisórios distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles, e, como se afirmou no acórdão de 21.4.2016, não é a mera divergência verificada num segmento decisório que pode despoletar a revista normal relativamente a todo o acórdão da Relação, devendo circunscrever-se o recurso de revista normal ao segmento revelador de uma dissensão entre a 1ª instância e a Relação ou uma declaração de discordância de um dos três juízes do Colectivo.

No caso vertente as instâncias convergiram na decisão das excepções peremptórias, de prescrição e remissão abdicativa, invocadas pela Ré recorrida na sua contestação, julgando-as improcedentes a 1ª instância e confirmando a decisão a Relação.

Tal decisão, no entanto, partiu do pressuposto da existência de diversos e  sucessivos contratos de trabalho a termo certo celebrados entre as partes, que as instâncias consideraram válidos, enquanto a A. sempre sustentou, como sustenta na presente revista, a invalidade do termo resolutivo aposto nesses contratos, por inexistência do motivo justificativo invocado, invalidade que, segundo sustenta a recorrente, tem como consequência a existência de um único contrato de trabalho sem termo, daí concluindo que o prazo de prescrição apenas se iniciou com a cessação do último contrato a termo celebrado, não tendo o mesmo decorrido até à propositura da acção, e que as declarações que subscreveu e que as instâncias consideraram configurar remissões abdicativas, respeitariam a direitos indisponíveis, porque emitidas na vigência daquele único contrato de trabalho, e seriam inválidas.

Por outro lado, no que concerne à validade do termo resolutivo aposto nos contratos de trabalho a prazo celebrados entres as partes não existe dupla conforme uma vez que a decisão de 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação com um voto de vencido quanto a essa questão.

Ora, tal como em situação de contornos algo semelhantes, se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 29.9.2020, Procº nº 4789/15.4T8ALM.L2.S1., a conformidade decisória das instâncias quanto à decisão de procedência das excepções de prescrição e remissão abdicativa não pode, no contexto em que se mostra desenhada, assumir relevo por forma a impedir que, na revista, estas questões (e bem assim a questão da (in)validade do termo resolutivo aposto nos contratos), sejam objecto de conhecimento uma vez que as mesmas, nesta sede se entrecruzam com a questão da invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos, mais precisamente com as consequências da invalidade alegada, e a situação jurídica de onde emanam os direitos peticionados.

Sublinhe-se, de resto, que o n.º 1 do artigo 663.º prevê que o vencido deve fazer “a sucinta menção das razões de discordância”, mesmo quando a discordância se refere à decisão, não tendo que fazer um projeto alternativo. Ora a divergência pode ter corolários ou consequências sobre outras questões que não são, em rigor, estanques. No caso dos autos a decisão sobre se a atividade invocada tinha ou não caráter sazonal repercute-se na possibilidade de celebrar contratos a termos sucessivos com maior amplitude, mas, também na prescrição e na própria questão da renúncia abdicativa ou remissão, já que pode não ser o mesmo remir dívidas que emergem do contrato ou outras que resultem da violação de normas legais imperativas e das quais o trabalhador pode nem sequer ter conhecimento aquando da remissão.

Improcede, pois, a questão prévia da inadmissibilidade da revista suscitada pela Ré/recorrida.

Importa, agora, decidir se a invocação da atividade sazonal pode, no caso dos autos, servir de motivo válido para a contratação a termo.

O artigo 140.º n.º 1 do CT na versão aplicável aos autos permitia a contratação a termo para fazer face a necessidades temporárias da empresa, sendo a atividade sazonal prevista na alínea e) do n.º 2 um exemplo de uma necessidade temporária.

Mas o que é uma necessidade temporária? Um caso francês pode ilustrar a dificuldade: um museu contratava a termo porteiros e seguranças invocando uma exposição temporária. Dir-se-ia que esta era uma necessidade temporária. Mas provou-se em tribunal que o museu tinha permanentemente exposições temporárias, pelo que o tribunal recusou que houvesse uma necessidade temporária, já que tais exposições ditas temporárias constituíam, no fim de contas, a atividade permanente da empresa[1].

O que se verifica aqui é que se contratou a termo uma camaroteira, mas para fazer face às necessidades permanentes que a empresa tem, como empresa de cruzeiros, sendo que os períodos de celebração dos contratos com a Autora nem sequer se circunscrevem a momentos de picos de atividade.

Concorda-se, em todo o caso, inteiramente com a fundamentação do voto de vencido e a doutrina aí citada, mormente JOANA NUNES VICENTE, quando afirma que “não obstante a formulação legal ampla utilizada (…) o conceito de sazonalidade supõe uma necessária limitação temporal, pelo que dificilmente estaremos perante uma atividade sazonal quando a duração da mesma corresponde a um ano inteiro ou mesmo até a meio ano”[2].

Não existindo motivo válido para a aposição do termo a consequência legal é que os contratos se devem considerar como contratos sem termo.

Resulta dos factos provados que Autora e Ré celebraram entre si os seguintes contratos de trabalho a termo certo, os dois primeiros para o exercício pela A. de funções de “camaroteira” e os seguintes de “camaroteira chefe” que, respetivamente, foram celebrados, tiveram início e vieram a cessar, mediante prévia comunicação da recorrida, alegadamente por caducidade, no seu termo, em:

-  30.06.2009, pelo prazo de 5 meses e 1 dia, para o exercício de funções de “camaroteira”, e termo em 30.11.2009;

- 21.03.2011, pelo prazo de oito meses e onze dias, também para as funções de “camaroteira”, e termo em 30.11.2011;
- 12.03.2012, pelo prazo de oito meses e vinte dias, para funções de “camaroteira chefe”, e termo em 30.11.2012;
- 15.03.2013, pelo prazo de oito meses e dois dias, renovado em 31.10.2013 por 14 dias, para tarefas finais de encerramento de época, e termo em 30.11.2013;
-  7.04.2014, pelo prazo de sete meses e vinte e quatro dias, e termo em 30.11.2014;
- 23.03.2015, pelo prazo de oito meses e nove dias, e termo em 30.11.2015;
- 06.042016, pelo prazo de sete meses e vinte e cinco dias, e termo em 30.11.2016;

- 13.02.2017, pelo prazo de nove meses e dezoito dias.

Este contrato cessou por denúncia da Ré, comunicada por ofício de 23.02.2017.

Não havendo motivo legalmente válido para a contratação a termo trata-se de sucessivos contratos de trabalho sem temo celebrados pelas mesmas partes (sublinhe-se que, em todo o caso, os intervalos impostos pelo artigo 147.º para a sucessiva celebração de contratos de trabalho a termo foram respeitados).

Não há fundamento legal para tratar toda a situação como, por exemplo, um único contrato de trabalho intermitente – não só o contrato de trabalho intermitente exige forma escrita (artigo 158.º do CT) como não há quaisquer indícios de que as partes tenham pretendido esse regime contratual, com, por exemplo, os direitos e as obrigações do trabalhador nos períodos de inatividade (artigo 160.º do CT)

Em todo o caso, a invocação da caducidade em um contrato que em rigor, por força da lei, não estava sujeito a termo resolutivo equivale a um despedimento ilícito e o mesmo se deve afirmar relativamente à denúncia no período experimental quando o período experimental está excluído por força da aplicação do n.º 4 do artigo 112.º (já na sua versão aplicável ao caso dos autos, anterior à entrada em vigor da Lei n.º 93/2019).
Com efeito, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal em caso de invalidade do termo aposto em contrato de trabalho a termo, a comunicação do empregador de fazer cessar o contrato no respetivo termo configura um despedimento ilícito (cf. nesse sentido, entre outros, os acórdãos de 6.3.2019, Processo n.º 10354/17.4T8SNT.L1.S1, 22.2.2017, Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, 24.2.2015, Processo n.º 178/12.0TTCLD.L1.S1 e Processo n.º 3415/09.5TTLSB.L1.S1, 18.10.2012).
Havendo vários contratos de trabalho sucessivos sem termo entre as mesmas partes, o prazo de prescrição, de um ano, inicia-se, de conformidade com o disposto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, no dia seguinte ao da cessação de cada contrato, mas a prescrição dos créditos emergentes dos contratos já cessados, suspende-se a partir do momento em que, entre as partes, se celebrou novo contrato de trabalho.
Destarte, contado o prazo de prescrição desde o dia seguinte ao da cessação de cada um dos contratos como dispõe o artigo 337º, nº 1, do CT, até à sua interrupção através da citação ou notificação judicial de ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, que no caso, tendo a ação sido proposta em 31.7.2017, ocorreu com a citação “ficta”, prevista no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, nos termos do qual se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos cinco dias, e descontados os períodos de suspensão, verifica-se que estão prescritos os créditos emergentes dos contratos alegadamente a termo (mas, na realidade, sem termo válido) celebrados em 30.6.2009 (este sem período de suspensão, em que a prescrição ocorreu em 1.12.2010 ), 21.3.2011 – em que o prazo de prescrição se iniciou em 1.12.2011, decorreu até 11.3.2012 (3 meses e 11 dias), voltou a correr de 1.12.2012 a 14.3.2013 (3 meses e 14 dias), novamente em 1.12.2013 a 6.4.2014 ( 4 meses e 6 dias) , voltou a correr em 1.12.2014 quando faltava cerca de um mês para se completar a prescrição), mas não os respeitantes aos contratos celebrados em 23.5.2015, 6.4.2016 e 13.2.2017.
Mas importa ter presente que a Autora e Recorrente emitiu as declarações a que se referem os pontos 22 a 29 da matéria de facto provada, a última das quais em 23 de Fevereiro de 2017.
Ora, a propósito de tais declarações afirmou-se no Acórdão recorrido:
“Da leitura de tais declarações entendemos que as mesmas consubstanciam verdadeiras declarações negociais abdicativas, porquanto a mesma declara, ter recebido quantia da Ré, quantia que engloba todos os créditos sobre a mesma, nada mais tendo a reclamar, seja a que título for. Ou seja, a Autora em cada uma das declarações emitidas está implicitamente a abdicar dos demais créditos a que eventualmente ainda tivesse direito. É esse o sentido que um declaratário normal deduz de tais declarações (artigos 236.º do Código Civil) e é esse o sentido que usualmente lhe é dado”[3]
A remissão é igualmente invocada pela Recorrida nas suas contra-alegações.
Em primeiro lugar importa referir que em Portugal, ao contrário do que se passa em Itália ou ..., se tem reconhecido, à semelhança do que sucede em França, validade a remissões abdicativas. A este respeito JOÂO LEAL AMADO[4], observou já que “a tese da irrenunciabilidade dos direitos conferidos por normas imperativas mostra-se deste modo mais conforme (a única conforme) com a própria essência do direito do trabalho”. Mas, em todo o caso, tem-se reconhecido a validade a remissões de certos direitos concretos e cuja existência o trabalhador conhece.
Na esteira de alguma doutrina, sobretudo francesa, tem-se entendido que a solução quanto à validade da renúncia a direitos já vencidos deve depender da existência ou não de subordinação jurídica por parte do trabalhador no momento da renúncia. Nas palavras de CAMERLYNCK “tudo depende da época na qual ocorre a renúncia, o problema psicojurídico coloca-se em termos muito diferentes se a renúncia se verifica no momento da celebração do contrato, durante a execução do mesmo ou após a rutura”[5].
Em todo o caso, sublinhe-se que da norma sobre a hierarquia das fontes (artigo 3.º do CT, mormente o seu n.º 4) resulta que a nossa lei limita a possibilidade de o contrato individual de trabalho se afastar da lei em sentido desfavorável para o trabalhador. Mas a subordinação psicológica ou psicojurídica, como lhe chama CAMERLYNCK, pode existir já na fase précontratual. Trata-se no caso dos autos de uma trabalhadora que foi contratada, cessando depois o contrato de trabalho, voltou a ser contratada, tendo novamente cessado o contrato e assim sucessivamente durante vários anos. A declaração de remissão (gratuita, isto é sem contrapartida) pode ter sido emitida na esperança de poder voltar a ter emprego com o mesmo empregador.
Acresce que aqui trata-se de uma renúncia global abrangendo todos os créditos exigíveis (portanto aparentemente mesmo quando a cessação constituir um despedimento ilícito…). Tais cláusulas de renúncia total são muito diferentes das cláusulas de renúncia por exemplo de uma retribuição ou de um crédito concreto (um salário em atraso, por exemplo), sendo que além de serem frequentemente pré-redigidas pelo empregador (ou mais propriamente pelos serviços jurídicos da empresa) suscitam uma extensa série de problemas: de igualdade no acesso ao direito e de informação (recorde-se que o empregador tem um dever de informação recentemente reforçado pela Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de junho de 2019 relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia) e de esclarecimento se forem cláusulas inseridas em um contrato de adesão. Como refere SABRINA MRAOUAHI[6]: “mesmo após a rutura do contrato de trabalho, o consentimento do trabalhador a uma cláusula com uma fórmula geral e imprecisa [a renúncia a todos os direitos] dificilmente permite concluir que o mesmo foi esclarecido relativamente ao conjunto de direitos futuros ou eventuais”
Com efeito, trata-se de uma renúncia a direitos que o trabalhador nem sequer tem a obrigação de conhecer (não é jurista e pode não saber ou sequer suspeitar, no momento da declaração, que foi vítima de um despedimento ilícito).
A jurisprudência suíça, por exemplo, considera nula a renúncia a direitos eventuais, isto é, a direitos que o trabalhador nem sequer tem a obrigação de saber que existem, como informa TANJA SCHMIDT[7]: O Supremo Tribunal Federal suíço afirmou reiteradamente que só se pode renunciar aos direitos de que se sabe ser titular ou que ao menos se prevê a sua aquisição como uma possibilidade, recusando o valor da renúncia a direitos emergentes da violação do contrato de trabalho ou das leis laborais, violação que o trabalhador não conhecia (ou não conhecia as suas consequências).
No caso não se provou que o trabalhador fosse adequadamente informado sobre o seu possível efeito, na eventualidade de ter ocorrido anteriormente um despedimento ilícito (e não uma caducidade do contrato). 
Deve assim proceder o recurso quanto à existência de despedimentos ilícitos.
Na Conclusão LXV do seu recurso de apelação a Recorrente afirmava que “Deve, pois, ser reconhecido à Recorrente como trabalhadora efetiva da Recorrida, vínculo que perdurou entre 30/06/2009 até 23/02/2017, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida, e, em consequência, ser declarada a ilicitude do despedimento da Recorrente e a Recorrida condenada a pagar a indemnização ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 391º. do Cód. Trabalho no montante de € 10.080,00; ser a Recorrida condenada a pagar à Recorrente as retribuições salariais que este deixou de auferir, desde o despedimento até a data do trânsito em julgado da decisão; mais o pagamento de créditos salariais, conforme peticionado na petição inicial”.
O Recorrente optou pela indemnização de antiguidade. Quanto ao pagamento de créditos salariais que refere não logrou fazer prova no processo da existência dos mesmos.

Decisão: Concedida a revista.

Atendendo a que o trabalhador optou pela indemnização em substituição da reintegração e que foi alvo de três despedimentos ilícitos sucessivos, relativamente aos quais não ocorreu a prescrição, terá direito:
Por força do despedimento relativo ao contrato celebrado a 23.03.2015 a três meses de retribuição base e diuturnidades, no montante de € 2.337,00 (3 x € 779,00) em razão do disposto no n.º 3 do artigo 391.º, já que se afigura que a contagem da antiguidade não pode exceder a data da celebração de outro contrato com o mesmo empregador; por força do despedimento relativo ao contrato celebrado a 06.04.2016 a três meses de retribuição e diuturnidades no montante de € 2496,00 (3 x € 832,00).
A Recorrente tem ainda direito, por força do artigo 390.º, n.º 1, às retribuições que deixou de auferir - atendendo-se ao valor de € 779,00 até 05.04.2016, € 832,00 até 12.02.2017 e € 840,00 a partir desse momento, deduzindo as importâncias a que se refere o art.º 390.º, nº2 , alínea c) do Cód. Trabalho.
Quanto ao despedimento respeitante ao último contrato, celebrado a 13.02.2017, devolvam-se os autos ao Tribunal da Relação para decidir o valor da indemnização em substituição da reintegração, mormente para fixa-la entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades, em função do valor da retribuição e do grau de ilicitude da conduta do empregador, dado que não é aplicável ao STJ o regime do art. 665.º do C.P.C..

Custas pela Recorrida

Lisboa, 7 de setembro de 2022


Júlio Gomes (Relator)
Ramalho Pinto
Leonor Rodrigues, com voto de vencida e declaração junta

__________________________


Declaração de voto de vencido

Não acompanho o acórdão proferido porquanto, a meu ver, com todo o respeito, a correcta solução jurídica do recurso é a propugnada no projecto que não fez vencimento, que, no essencial a final reproduziremos.

Em síntese são as seguintes as razões da respeitosa divergência relativamente à decisão que fez vencimento:

1º - Não temos por certo que a concreta e muito específica actividade levada a cabo pela recorrida não seja qualificável como actividade sazonal, temática complexa, sobre a qual é escasso o labor jurisprudencial, discutida na doutrina e muito discutida nos autos, que, com todo o respeito, não parece, em nossa modesta opinião, poder resolver-se dizendo, como se diz, sem mais e mais aprofundada reflexão reportada à concreta factualidade apurada, que “contratou a termo uma camaroteira, mas para fazer face às necessidades permanentes que a empresa tem, como empresa de cruzeiros, sendo que os períodos de celebração dos contratos com a Autora nem sequer se circunscrevem a momentos de picos de atividade”, o que mais não é do que uma conclusão sem suporte que, em termos de fundamentação reportada a factualidade apurada, a sustente, além de que ter necessidades permanentes de pessoal por si e só por si não exclui. s.m.o, a sazonalidade da actividade desenvolvida.

Independentemente de tal qualificação e da dúvida que nos suscita,

2º Não acompanhamos o entendimento perfilhado segundo o qual a decisão sobre se a actividade invocada tinha ou não carácter sazonal se repercute na própria questão da renúncia abdicativa ou remissão, já que pode não ser o mesmo remir dívidas que emergem do contrato ou outras que resultem da violação de normas legais imperativas e das quais o trabalhador pode nem sequer ter conhecimento aquando da remissão.

Tão pouco, abstraindo do enquadramento doutrinário que a antecede e considerações tecidas a que, em tese geral aderimos inteiramente e sem hesitação, com a afirmação, transposta para o caso concreto de que “o consentimento do trabalhador a uma cláusula com uma formulação imprecisa dificilmente permite concluir que o mesmo foi esclarecido relativamente ao conjunto de direitos futuros ou eventuais”, “trata-se de uma renúncia a direitos que o trabalhador nem sempre tem a obrigação de conhecer (não é jurista e pode não ou sequer suspeitar, no momento da declaração, que foi vítima de um despedimento ilícito”, e a conclusão de que “no caso não se provou que o trabalhador fosse adequadamente informado sobre o seu possível efeito, na eventualidade de ter ocorrido anteriormente um despedimento ilícito (e não uma caducidade do contrato)”, pela razão simples de que nada foi alegado a esse respeito pela Autora, sendo o que foi alegado não se provou.

Na verdade,

É de há muito jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que é exemplo os acórdão de 9.7.2015, Proc.º nº 53/12.9TTVIS.C1.S1 e 24.2.2015, Procº nº 456/13.1TTLRA.C1.S1, de que foi Relator o Exmo. Conselheiro Fernandes da Silva, e adjuntos os Exmos. Conselheiros Gonçalves Rocha e Leones Dantas, que “cessada a relação juslaboral, o ex-trabalhador pode dispor livremente dos (eventuais créditos laborais resultantes do contrato fundo, da sua violação ou cessação, por terem deixado de subsistir os constrangimentos psicológicos existentes durante a constância do vínculo”, e que “o contrato de remissão abdicativa tem plena aplicação no âmbito das relações laborais, concretamente quando o trabalhador se predispõe a negociar os efeitos de uma já consumada resolução do contrato, por si assumida”, e ainda que “só a alegação/demonstração da falta ou de vícios da vontade na produção da declaração negocial é susceptível de produzir a invalidação desta”.

No mesmo sentido podem, entre outos, ver-se os seguintes acórdãos:

- De 10. 12.2009, Proc.º nº 884/07.1TTSTB, S1, de que foi Relator o Exmo. Conselheiro Pinto Hespanhol, no qual se afirmou que “ a indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos créditos resultantes do contrato de trabalho, durante a respectiva vigência, que o artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003, versão aqui aplicável, reflecte, não tem aplicação na sequência da desvinculação do trabalhador, como o demonstra o facto da própria lei (artigo 394.º, n.º 4, do sobredito Código do Trabalho), permitir que o acordo para cessação do contrato de trabalho possa conter, ele próprio, a regulação definitiva dos direitos remuneratórios decorrentes da relação laboral.

De facto, cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação”.

- 25.11.2009, Procº nº 274/6TTBRRR.S1, “IV - É entendimento deste Supremo Tribunal que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros”.

- 11.10.2005, Procº nº 1763/05, citado no acórdão anterior, e 6.12.2006, Procº nº 06S3208, este com aprofundada apreciação da questão de constitucionalidade relativamente à questão da validade da remissão abdicativa por ocasião da cessação do contrato de trabalho citando sobre a questão o acórdão do Tribunal Constitucional de 12.20.2004 (acórdão nº 600/2004, DR IIª Série, nº 277, de 25.11).

- No mesmo sentido o acórdão de 13.7.2006, Procº nº 06S250, em, embora em situação não inteiramente coincidente com a dos autos, se concluiu que “os créditos reclamados na presente acção ficaram inexoravelmente “extintos” em consequência do contrato de remissão abdicativa celebrado entre as partes, independentemente de, à data em que aquele contrato foi celebrado, serem conhecidos, ou não, do recorrente e independentemente de estarem incluídos, ou não, na compensação global e na quitação que por ele foi dada ao réu”, ou os acórdãos de 26.1.2005, Procº nº 05S1763, e 10.10.2004, Procº 05S480.

Por outro lado, tal como se afirma no acórdão de 25.11.2009, Procº nº 274/07.6TTBRR.S1, transponível para o caso em apreço, é de sublinhar que, como aí se afirmou, em entendimento transponível para o caso vertente:

“A existência de uma verdadeira e global remissão abdicativa constitui, no concreto dos autos, defesa exceptiva da Ré, sobre a qual haveria o Autor, por norma, tomar posição no articulado de resposta – artigos 502.º do Código de Processo Civil e 60.º do Código de Processo do Trabalho.
No entanto, o Autor optou por antecipar na P.I. a sua versão sobre o discutido documento, expressando-a nos termos que deixámos consignados.

Nessa medida, está-lhe completamente vedado oferecer mais tarde uma nova versão.
Referimo-nos, em concreto, à tese que o recorrente, veio trazer à presente revista, onde refere que “... o contrato de remissão pressupõe... que o credor conheça o seu direito, que tenha consciência da sua existência e que tenha vontade de o abandonar”, sendo que”... o Recorrente desconhecia que o seu contrato de trabalho não se havia extinguido pela caducidade...”(conclusões 13 e 14).

Se o Autor desconhecia efectivamente a subsistência do vínculo e só produziu a “declaração” no pressuposto de que o mesmo caducara, era esse concreto vício (erro nos pressupostos da contratação) que lhe cabia aduzir em tempo útil – e não qualquer outro (designadamente, como fez, a mencionada coacção).

A natureza publicística do direito processual civil – ainda que instrumental do direito substantivo – impõe ao tribunal o poder-dever de assegurar oficiosamente a conformação dos actos praticados pelas partes com as normas adjectivas de carácter injuntivo, designadamente aquelas que consagram princípios estruturantes do processo civil, como o da estabilidade da instância e o da preclusão ( Sublinhado nosso).

(…).

De qualquer modo, a versão atendível é apenas a inicial, que o Autor não logrou provar, conforme se evidencia da factualidade dada como não provada e acima reproduzida em 2-2 (alínea c)).

Essa omissão probatória leva-nos a rejeitar qualquer vício que pudesse inquinar a vontade do subscritor da declaração.”

Em suma, e como nesse acórdão se sumariou:

IÉ entendimento deste Supremo Tribunal que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros.

A natureza publicista do direito processual civil – ainda que instrumental do direito substantivo – impõe ao tribunal o poder-dever de assegurar oficiosamente a conformação dos actos praticados pelas partes com as normas adjectivas de carácter injuntivo, designadamente aquelas que consagram princípios estruturantes do processo civil, como o da estabilidade da instância e o da preclusão.

A concluir, como se afirmou no acórdão de 10.12.2009, Procº nº 884/07.1TTSTB.S1, “tendo o trabalhador declarado que, recebida determinada quantia, nada mais tinha a haver ou receber do empregador “seja a que título for, mormente a título de créditos emergentes do dita contrato de trabalho, sua violação ou cessação”, tal declaração negocial configura uma inequívoca declaração negocial abdicativa, através do qual o mesmo renunciou a todos os créditos – conhecidos ou não – emergentes do contrato de trabalho”.

No caso vertente, como entendemos no projecto que não fez vencimento, as declarações subscritas pela A. no termo dos contratos em causo foram por si emitidas sem qualquer arrependimento, ou retratação nos dias subsequentes, como consta do ponto 30 da matéria de facto provada, sendo que a questão, suscitada pela recorrente na apelação, de que tais declarações não deveriam ser admitidas e a impugnação desse ponto da matéria de facto, visando demonstrar que todas as declarações foram realizadas em circunstâncias realizadas pela recorrida que não deixaram à recorrente qualquer opção que não fosse de assinar as mesmas e sustentar a alegação de que tais declarações não deveriam ser consideradas remissões abdicativas válidas, veio a fracassar.

Ora, como foi entendimento das instâncias, tais declarações, que se repetiram no termo e após a cessação de cada um dos contratos, não configurando um acto isolado em que poderia porventura perspectivar-se algum elemento de surpresa e desconhecimento por parte da sua subscritora, consubstanciam uma inequívoca declaração negocial abdicativa, através da qual a autora renunciou a todos os créditos, conhecidos ou não, emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.

Enfim, e salvo o devido respeito, como decorre de todo o exposto, não acompanhamos a afirmação da decisão que fez vencimento que “no caso não se provou que o trabalhador fosse adequadamente informado sobre o seu possível efeito, na eventualidade de ter ocorrido anteriormente um despedimento ilícito”, tanto mais sobre tal nada foi alegado pela Autora, como entendemos, também que a remissão abdicativa, por natureza, é inteiramente autónoma relativamente à validade/invalidade do contrato, e, ainda, que o voto de vencido, absolutamente omisso sobre tal excepção peremptória sobre a qual nada diz e não se pronuncia, não impede a dupla conforme parcial, e finalmente, que nos suscita dúvidas e reserva a decisão final, de mérito, proferida porquanto se nos afigura, novamente com o devido respeito, que vai para além do pedido substancial e substantivamente formulado nos autos.

Concluindo, não acompanho o acórdão proferido porquanto, pelas razões rapidamente alinhadas, entendo que a correcta solução jurídica do recurso é a propugnada no projecto que não fez vencimento do qual respigamos os seguintes excertos:

“ (…)

A questão que importa então apreciar em primeiro lugar é a de saber se a eventual invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos celebrados entre as partes tem, ou não, consequências no que à prescrição dos créditos emergentes do(s) contrato(s) de trabalho celebrados entre as partes, e às declarações subscritas pela recorrente após a cessação de cada um dos contratos, que as instâncias consideraram integrar remissões abdicativas, concerne.

De notar que sempre por essas questões, da prescrição e existência e validade das declarações/remissões abdicativas subscritas pela recorrente, haveria de se iniciar a apreciação, por ser essa a ordem de precedência lógica, com impõe o artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, uma vez que configuram excepções peremptórias que, por natureza e definição, são factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, como tal devendo ser apreciadas antes do pedido formulado na acção.

Voltando então à questão enunciada, e revisitando a factualidade assente dela resulta, em síntese, que Autora e Ré celebraram entre si os seguintes contratos de trabalho a termo certo, os dois primeiros para o exercício pela A. de funções de “camaroteira” e os seguintes de “camaroteira chefe” que, respectivamente, foram celebrados, tiveram início e vieram a cessar, mediante prévia comunicação da recorrida, por caducidade, no seu termo, em:

- 30 de Junho de 2009, pelo prazo de 5 meses e 1 dia, para o exercício de funções de “camaroteira”, e termo em 30.11.2009;
- 21 de Março de 2011, pelo prazo de oito meses e onze dias, também para a funções de “camaroteira”, e termo em30.11.2011;
- 12 de Março de 2012, pelo prazo de oito meses e vinte dias, para funções de “camaroteira chefe”, e termo em 30.11.2012;
- 15 de Março de 2013, pelo prazo de oito meses e dois dias, renovado em 31.10.2013 por 14 dias, para tarefas finais de encerramento de época, e termo em 30.11.2013;
- 7 de Abril de 2014, pelo prazo de sete meses e vinte e quatro dias, e termo em 30.11.2014;
- 23 de Março de 2015, pelo prazo de oito meses e nove dias, e termo em 30.11.2015;
- 6 de Abril de 2016, pelo prazo de sete meses e vinte e cinco dias, e termo em 30.11.2016;
- 13 de Fevereiro de 2017, pelo prazo de nove meses e dezoito dias.
Este contrato cessou por denúncia da Ré, comunicada por ofício de 23.2.2017.

A sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido, tendo considerado válidos os diversos contratos a termo celebrados entre as partes, convergiram entendimento de que, atenta a data da cessação dos mesmos, a data da propositura da acção, em 31.7.2017 e a subsequente citação da Ré, em 12.9.2017, se encontram prescritos todos os créditos peticionados pela A. até Setembro de 2016 face ao disposto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, nos termos do qual “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

A recorrente, defendendo a invalidade do termo resolutivo aposto nos diversos contratos, essencialmente por não se verificar o motivo justificativo invocado para a sua celebração – a sazonalidade da actividade desenvolvida pela recorrida -, no que é secundada pelo voto de vencido do acórdão recorrido, e por não ter sido respeitado o período de vacatio entre eles, sustenta, ao invés, que, deve declarar-se que os contratos foram celebrados sem termo resolutivo, constituindo um só contrato, pelo que, de conformidade com o disposto no artigo 147º, nº 1, alíneas a), b) e d), e nº 3, do Código do Trabalho, deve considerar-se sem termo o contrato celebrado em 30.6.2009, daí concluindo que todas as caducidades devem ser consideradas ilícitas e que não ocorreu qualquer prescrição, uma vez que deve considerar-se uma só cessação do contrato de trabalho, em 23.2.2017.

(…)

Vindo invocada e estando em causa a invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos, por inexistência do motivo justificativo invocado, a disposição da alínea d) do nº 1 do artigo 147º, e o disposto no seu nº 3, não colhe aqui aplicação, uma vez que o artigo 143º respeita a contratos que têm tutela pelo ordenamento, contratos formal e substancialmente válidos, que se sucederam sem respeitar o período de espera (o que também não é aqui o caso), sendo o desrespeito por esse período que justifica a sua reprovação pelo ordenamento à semelhança das situações fácticas que ultrapassam o limite máximo da duração do contrato a termo certo. E,

Salvo o devido respeito não há que confundir a sanção para a invalidade do termo cominada no nº 1 do artigo 147º com as regras e finalidades do instituto da prescrição.

A invalidade do termo resolutivo, com a sanção que lhe está associada, decorre da violação da apertada disciplina normativa constante do Código do Trabalho relativamente à admissibilidade da contratação a termo, do contrato a termo “associado a uma situação de “excepcionalidade” (entre nós pressuposta e imposta pela garantia constitucional da segurança no emprego)”, exigência que se “cifra (…) em primeira linha, no carácter transitório (temporário) das necessidades empresariais que legitimam o recurso àquela modalidade de contrato de trabalho”, nas palavras de Joana Nunes Vicente, O fenómeno da sucessão de contratos a (a termo), Questões laborais, Ano XVI, nº 33, págs 7/8, com o propósito de impedir a eternização de uma situação laboral de precariedade, através de uma espiral de contratação a termo com o mesmo trabalhador.

A prescrição, enquanto instituto que, tal como a caducidade e o não uso, exprime a relevância do tempo sobre o exercício de direitos, sanciona a inércia do titular do direito ao seu exercício, visando satisfazer a necessidade da segurança jurídica e da certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo.

No que tange à prescrição de créditos laborais rege o artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, nos termo do qual “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, inscrevendo-se, segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal sufragada nos acórdãos de 29.11.2005, Procº nº 1703/05 (05S1703), 21.2. 2006, Procº nº 3482/05 (05S3141), 29.4.2008, Procº nº 1159/08 (08S1159), 2.7.2008, Procº nº 603/08 (08S603) e 4.3.2009, Procº nº 1689/08 (08S3620), na noção de “crédito” utilizada no referido preceito, não apenas as prestações pecuniárias mas todos os direitos pessoais que decorram do vínculo-contratual a que se dirige a prescrição, isto é, todos os tipos de direitos sobre os quais exista contencioso entre as partes. E,

Segundo entendimento consensual na doutrina e jurisprudência o momento a partir do qual se conta o início do prazo é aquele em que a relação factual de trabalho cessa, ainda que posteriormente o acto que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado (cf. neste sentido Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina,19ª edição, 2019, pág. 417), ou seja, no dizer de Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 7ª edição, 2015, pág. 819, no dia seguinte ao da cessação factual da relação laboral “independentemente da causa ou acto que lhe deu causa, caducidade, revogação, despedimento ou rescisão” .

No caso vertente está em causa não uma sucessão de contratos a termo que se sucederam de forma continuada, a contratação sucessiva, sem hiatos temporais, ou com hiatos mínimos, por forma a não desvirtuar ainda a continuidade do vínculo, mas contratações sucessivas intervaladas, uma série de contratos, e outros tantos vínculos, que se sucederam no tempo, com intervalos que variam entre três, quatro e mais de dois meses, e em que o intervalo entre a cessação do primeiro contrato celebrado, em 30.11.2009, e o início do contrato seguinte, 21.3.2011, é superior a um ano e três meses.

Todos e cada um desses contratos, à excepção do último, que cessou mediante a comunicação de 23 de Fevereiro de 2017 na qual a ré informa a autora da denúncia do contrato no período experimental, vieram a cessar, no seu termo, por caducidade.

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal em caso de invalidade do termo aposto em contrato de trabalho a termo, a comunicação do empregador de fazer cessar o contrato no respectivo termo configura um despedimento ilícito (cf. nesse sentido, entre outros, os acórdãos de 6.3.2019, Procº nº 10354/17.4T8SNT.L1.S1, 22.2.2017, Procº nº 2236/15.0T8AVR.P1.S1, 24.2.2015, Procº nº 178/12.0TTCLD.L1.S1, e 18.10.2012, Procº nº 3415/09.5TTLSB.L1.S1).

Neste caso o prazo de prescrição, de um ano, inicia-se, de conformidade com o disposto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, no dia seguinte ao da cessação do contrato, e, no caso de contratos sucessivos, a prescrição dos créditos emergentes dos contratos já cessados, de acordo com jurisprudência que vem sendo seguida ao nível das Relações, de que são exemplo os acórdãos de 2.7.2014, Procº nº 459/13.2TTLSB.L1-4, do Tribunal da Relação ..., e 16.11.2015. Procº nº 1508/12.0TTVNG.P1, do Tribunal da Relação ..., suspende-se a partir do momento em que, entre as partes, se celebrou novo contrato.

Seguindo este entendimento, contado o prazo de prescrição desde o dia seguinte ao da cessação de cada um dos contratos como dispõe o artigo 337º, nº 1, do CT, até à sua interrupção através da citação ou notificação judicial de acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, que no caso, tendo a acção sido proposta em 31.7.2017, ocorreu com a citação “ficta”, prevista no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, nos termos do qual se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos cinco dias, e descontados os períodos de suspensão, verifica-se que estão prescritos os créditos emergentes dos contratos a termo celebrados em 30.6.2019 (este sem período de suspensão, em que a prescrição ocorreu em 1.12.2010 ), 21.3.2011 – em que o prazo de prescrição se iniciou em 1.12.2011, decorreu até 11.3.2012 (3 meses e 11 dias), voltou a correr de 1.12.2012 a 14.3.2013 (3 meses e 14 dias), novamente em 1.12.2013 a 6.4.2014 ( 4 meses e 6 dias) , voltou a correr em 1.12.2014 quando faltava cerca de um mês para se completar a prescrição), mas não os respeitantes aos contratos celebrados em 23.5.2015, 6.4.2016 e 13.2.2017, relativamente aos quais permanece em aberto e subsiste para apreciação a questão essencial, de mérito, da presente revista, da validade ou invalidade do termo resolutivo aposto nesses contratos, e respectivas consequências.

No entanto, se o início do prazo de prescrição poderia interligar-se com a invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos, como vem sustentado pela recorrente, o que já vimos improceder, outro tanto não sucede com a remissão abdicativa. Na verdade,

A remissão abdicativa é uma das causas de extinção das obrigações, consistindo na renúncia do credor ao direito da prestação, feita com a aquiescência da contraparte (artigo 863º, nº 1, do Código Civil).

Como tem sido afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente após a cessação do vínculo, pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros.

No caso vertente, após a cessação de cada um dos contratos a termo celebrado, face à declaração de caducidade de cada um dos contratos que com a Ré celebrou, a recorrente emitiu as declarações a que se referem os pontos 22 a 29 da matéria de facto provada, a última das quais em 23 de Fevereiro de 2017, declarações essas que que as instâncias concordantemente consideraram configurar remissões abdicativas.

A declaração de vontade que tais declarações por parte da A. exprimem mantêm-se válidas e subsistem, independentemente da validade ou invalidade do termo aposto nos contratos a termo celebrados, havendo, quanto a essa questão decisão concordante das instâncias que, ainda que partindo do pressuposto da validade do termo aposto nos contratos, é de seguir e reafirmar. Na verdade,

Atendo-nos aos contratos relativamente aos quais não se verifica prescrição dos créditos deles emergentes, após a cessação do contrato de trabalho a termo celebrado em 23.3.2015, face à declaração de caducidade dos contratos termo celebrado em 23.3.2015 e 6.4.2016, e bem assim face à declaração de rescisão do contrato celebrado em 13.2.2017 no período experimental, a A. subscreveu, em 30 de Novembro de 2015, 30 de Novembro de 2016 e 23 de Fevereiro de 2017, declarações com o seguinte teor:

“ (…) declara que recebeu a quantia de € (…), da empresa “DouroAzul – Sociedade Marítimo-Turística, S.A.”, conforme recibo em anexo a esta declaração.

Mais declara que este valor inclui e liquida todos os créditos sobre a “DouroAzul - Sociedade Marítimo-Turística, S.A.”, vencidos e vincendos à data da cessação do contrato de trabalho, ou exigíveis em resultado dessa cessação, não tendo por isso direito a reclamar mais quaisquer valores seja a que que título for, assim visando esta declaração constituir remissão abdicativa da declarante quanto à DouroAzul - Sociedade Marítimo-Turística, S.A.” quanto a eventuais dívidas remanescentes, nos termos do artigo 863º do Código Civil.

(…)”.

Tais declarações foram emitidas pela A. sem qualquer arrependimento, ou retratação nos dias subsequentes, como consta do ponto 30 da matéria de facto provada, sendo que a questão, suscitada pela recorrente na apelação, de que tais declarações não deveriam ser admitidas e a impugnação desse ponto da matéria de facto, visando demonstrar que todas as declarações foram realizadas em circunstâncias realizadas pela recorrida que não deixaram à recorrente qualquer opção que não fosse de assinar as mesmas e sustentar a alegação de que tais declarações não deveriam ser consideradas remissões abdicativas válidas, veio a fracassar.

Ora, como foi entendimento das instâncias, tais declarações, que se repetiram no termo e após a cessação de cada um dos contratos, não configurando um acto isolado em que poderia porventura perspectivar-se algum elemento de surpresa e desconhecimento por parte da sua subscritora, consubstanciam uma inequívoca declaração negocial abdicativa, através da qual a autora renunciou a todos os créditos, conhecidos ou não, emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação”

Lisboa, 7 de Setembro de 2022

(Leonor Cruz Rodrigues)

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[1] ROMAIN MARIÉ, Intermittence et accroissement temporaire d’activité, Le Droit Ouvrier 2009, págs. 271 e ss., p. 274.
[2] JOANA NUNES VICENTE, Modalidades de contrato de trabalho, in JOÃO LELA AMADO e Outros, Direito do Trabalho – Relação Individual, Almedina, Coimbra, 2019, p. 372.
[3] Negrito no original.
[4] A Proteção do Salário, Coimbra, 1993, p. 211. Trata-se, nas palavras do autor, ob. cit., p. 233, de um “domínio em que entre nós se regista sem dúvida um dos maiores défices tutelares deste direito”.
[5] G. H. CAMERLYNCK, La renonciation du salarié, Droit Social 1960, pp. 628 e ss. O autor sublinhava que era necessário verificar com cuidado a situação concreta e sublinhava que o trabalhador à procura de emprego, em uma fase pré-contratual era muito vulnerável (p. 629). Referia também que em todo o caso só se deveria admitir a renúncia a direitos derivados do contrato. Mais recentemente CHRISTOPHE RADÉ, L’ordre public social et la renonciation du salarié, Droit Social 2002, pp. 931 e ss., observou que o critério temporal pode revelar-se formal e inadequado (p. 935). A dependência material não desparece necessariamente com a cessação do contrato de trabalho – pense-se em um caso como o presente: um trabalhador que é sucessivamente contratado pelo mesmo empregador e que, como o autor destaca, pode renunciar aos seus direitos na esperança de voltar a ter emprego.
[6] Transaction conclue au cours de l’exécution du contrat de travail: efficacité circonscrite des clauses de renonciation générale, Revue de Droit du Travail 2019, pp. 804 e ss., 807.
[7] Les clauses pour solde de tout compte ou la rénonciation definitive à se prévaloir de prétentions ultérieures, Université de Genéve, Schulthess, 2017, p. 147.