Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | DUPLA CONFORME ATIVIDADE SAZONAL REMISSÃO ABDICATIVA | ||
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Data do Acordão: | 09/07/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I- Devendo o voto de vencido ser acompanhado de uma justificação sucinta das razões da divergência, mesmo quando tal divergência incide sobre a decisão e não apenas sobre a fundamentação, não deve considerar-se que exista qualquer dupla conforme parcial relativamente a questões que não são inteiramente autónomas relativamente àquela expressamente mencionada no voto de vencido. II- Uma empresa que se dedica a cruzeiros fluviais durante cerca de dez meses por ano não pode invocar atividade sazonal para justificar um contrato a termo de uma camaroteira, fora de qualquer pico de atividade, sendo essa contratação uma sua necessidade permanente e não temporária. III- A remissão pelo trabalhador de direitos emergentes da violação de normas legais imperativas pelo empregador como sucede com os direitos resultantes de um despedimento ilícito pressupõe o conhecimento pelo trabalhador da existência da referida violação e das suas consequências legais. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc.º nº 16670/17.8T8PRT.P1.S1 4ª Secção
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - Relatório 1. No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “DOURAZUL – SOCIEDADE MARÍTIMO TURÍSTICA, S.A.” ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo que: a) seja declarada a falta de justificação para a cláusula de termo certo resolutivo constante dos diversos contratos individuais de trabalho celebrados com a Ré; b) seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora, em consequência da denúncia da Ré durante um suposto período experimental ocorrida em 23/02/2017; E, c) a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias: b. € 29.610,74, correspondente aos descansos compensatórios devidos pela prestação trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório, acrescida de juros de mora legais até integral pagamento da mesma; Para tanto invocou a A., em síntese, que celebrou com a Ré sucessivos contratos de trabalho a termo certo resolutivo, com início em 30.6.2009, 21.3.2011, 12.3.2012, 15.3.2013, 7.4.2014, 23.3.2015, 6.4.2016 e o último em 13.2.2017, vindo aqueles a cessar por caducidade no termo do prazo certo nos mesmos fixado, em 30.11.2009, 30.11.2011, 30.11.2012, 29.11.2013, 30.11.2014, 30.11.2015, e 30.11.2016, respectivamente, e o último por denúncia da Ré, alegadamente no período experimental. Mais invocou que os motivos invocados para justificação do termo dos contratos celebrados - actividade sazonal e acréscimo excepcional de actividade, e, nos contratos celebrados em 2015 e 2016, também a execução de tarefa ocasional ou serviço determinado não duradouro e execução de obra, projecto ou actividade definida e temporária - não se verificam. Conclui, por isso, que os contratos a termo resolutivo celebrados devem ser declarados sem termo, constituindo um único contrato de trabalho sem termo, com início em 30.6.2009, pelo que a denúncia do contrato de trabalho celebrado em 13.2.2017, não ocorreu no período experimental, configurando a mesma um despedimento ilícito, sendo igualmente ilícitas as caducidades invocadas pela Ré para cessação dos contratos a termo anteriores. 2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação a Ré apresentou contestação, apresentando defesa por excepção, invocando a prescrição dos direitos relativos aos contratos de trabalho que integram a causa de pedir no período compreendido até novembro de 2015 e a existência de remissão abdicativa relativamente a todos os contratos celebrados, e invocando abuso de direito pela A., e, por impugnação, sustentando a validade dos contratos a termo celebrados, e deduzindo pedido reconvencional. 3. A. respondeu às excepções deduzidas, invocando, em substância, que, nos termos do artigo 147º do Código do Trabalho, a invalidade do termo resolutivo dos diversos contratos tem como consequência a existência de um único contrato, cuja cessação ocorreu em 23.2.2017, pelo que não ocorreu a prescrição e as renúncias invocadas não devem considerar-se válidas pois que, tratando-se de um só contrato de trabalho, os seus créditos respeitam a direitos irrenunciáveis. Invocou igualmente que todas as remissões abdicativas foram realizadas em circunstâncias criados pela Ré, que não deixaram outra opção que não fosse assinar as mesmas. 4. Foi elaborado despacho saneador que remeteu para a sentença o conhecimento das excepções deduzidas, elencou as questões a decidir e os temas da prova. 5. Discutida a causa, por sentença de 12.8.2019, na qual se decidiu que ficou demonstrada a sazonalidade da actividade da Ré, concluindo-se, pela validade formal e substancial da cláusula aposta nos diversos contratos e pela validade destes, a validade da declaração de cessação de todos os contratos celebrados e a inexistência de despedimento ilícito, e, sendo válida cada uma das cessações operadas pela Ré, pela prescrição dos créditos reclamados até setembro de 2016, e pela validade das declarações abdicativas emitidas pela A., veio a final a acção a ser julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida dos pedidos. 6. Inconformado com a sentença dela apelou a Autora, impugnando a decisão relativa à matéria de facto, e de direito. 7. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação da Relação, por acórdão de 22 de Fevereiro de 2021, proferido com voto de vencido incidente sobre a caracterização da actividade da Ré como actividade sazonal, e consequente validade do termo aposto nos contratos, julgou-o improcedente, confirmando a decisão de 1ª instância. O acórdão foi proferido com voto de vencido, incidente sobre a caracterização da actividade da Ré como actividade sazonal, e consequente validade do termo aposto nos contratos, assim concluindo: “Nestes termos, sou de opinião que o recurso deveria proceder, dado que não sendo temporária a necessidade da empresa, nos termos contidos no artigo 140º, nº 1, inexiste o fundamento da “actividade sazonal” aposto nos contratos de trabalho a termo celebrados com a autora”. 8. Novamente inconformada com a decisão dela interpõe a. recurso de revista, formulando a final, as seguintes conclusões: I – O acórdão recorrido não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes. II - O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, com voto de vencido do Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Domingos Morais: “Nestes termos, sou de opinião que o recurso devia proceder, dado que não sendo temporária a necessidade da empresa, nos termos contidos no artigo 140.º, n.º 1, inexiste o fundamento da “actividade sazonal” aposto nos contratos de trabalho a termo certo, celebrados com a autora.” pelo que, da referida decisão cabe recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 1 e nº. 3 a contrario sensu do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artigo 81º. nº. 6 do Cód. Proc. Trabalho, que deve ser conhecido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça. III - Considera a Recorrente que se verifica erro na interpretação das normas previstas no artigo 140º. nº.s 1 e 2 e) do Código do Trabalho. IV - Se é verdade que ao conceito de sazonalidade não é de associar critérios temporais rígidos, não é menos verdade que a sazonalidade tem de ser delimitada no tempo, sob pena de se desvirtuar a sua essência. V - Afigura-se que a decisão recorrida colide com a orientação acolhida pela maior parte da jurisprudência e doutrina. VI - “E se é sazonal não parece poder abranger aquelas atividades em que o próprio ciclo produtivo seja demasiado longo, sendo que, subjacente à possibilidade da contratação a termo está a transitoriedade da necessidade a satisfazer e a conformidade entre esse período e o termo aposto. VII - “A atividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade.” VIII - “Com efeito, actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade.” IX - “O legislador foi equiparando à sazonalidade em sentido estrito, aquela que resulta da estação do ano, outras situações em que intervém também o fenómeno do ciclo, da previsibilidade e da regularidade, mas condicionado pela necessária limitação temporal, como se nota no acórdão. Se estendermos esta limitação temporal até grande parte do ano – seja, no caso, 9 meses, dificilmente estamos a falar de sazonalidade, sobretudo quando a origem da sazonalidade se referia a estações do ano que tinham 3 meses. Admitir isto para uma actividade que se repete todos os anos, nos mesmos meses, 9 meses por ano, ainda mais quando a identificação concreta desses meses depende duma vontade humana que é arbitrária, qual seja a fixação do período de inactividade, é admitir que todos os anos, em sucessão tão longa quanto a da capacidade produtiva do trabalhador ao longo da sua vida, o trabalhador – que trabalha a maior parte do ano – esteja sob o domínio dum vínculo precário. Se estendêssemos ainda mais esta noção de sazonalidade, poderíamos afirmar que o Parlamento e os tribunais desenvolvem actividades sazonais, e no mais absurdo dos exemplos, que uma empresa que encerre a laboração para observar o período de férias dos seus trabalhadores, também só desenvolve uma actividade sazonal.” X - “O que está em causa no princípio constitucional da estabilidade no emprego, da segurança no emprego, não é o valor da retribuição, mas a certeza de persistência do posto de trabalho, que faz com que, com base nela, o trabalhador possa organizar a sua vida, assumir os seus compromissos, viver e desenvolver-se enquanto cidadão, ele mesmo e na sua vertente familiar. A admissão da sazonalidade enquanto condição que permite a celebração sucessiva de contratos a termo, sem qualquer limite temporal, impede este desiderato constitucional.” XI - “O conceito de sazonalidade supõe uma necessária limitação temporal, pelo que dificilmente estaremos perante uma atividade sazonal quando a duração da mesma corresponde a um ano inteiro ou mesmo até a meio ano.” XII - “A contratação a termo por actividades sazonais não permite, decerto, a contratação por um ano inteiro - seria uma saison» um pouco longa demais, mas não deve igualmente permitir que se obtenham resultados equivalentes ou muito próximos.” XIII - Não se aceita o carácter sazonal da actividade da Recorrida quando a mesma se desenvolve nos meses de Março a Dezembro, ou seja, dez meses por ano! XIV - Basta atentar nos factos que ficaram demonstrados sob os pontos 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90 e 92. XV - É nos meses de Março a Dezembro que a Recorrida obtém os proventos, assim sendo sustentável, pelo que nestes meses desenvolve a sua actividade normal, não se estando perante uma actividade sazonal ou sequer a mesma apresenta irregularidades no ciclo anual de produção. XVI - Quanto a este aspecto, atente-se no ponto 92 dos factos provados, do qual resulta que a Recorrida, nos anos de 2011 a 2017, teve uma média de 98% de ocupação de passageiros transportados! XVII - Acresce que, como bem salientou o Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Domingos Morais na sua declaração de voto: “Está provado que, nos anos de 2009 a 2016, os barcos da ré transportaram passageiros durante 10 meses por ano, de março a dezembro – cf. pontos 77 a 83 -, sendo certo que no ano de 2017, a autora foi contratada a 13 de fevereiro!, pelo prazo de nove meses e dezoito dias, ou seja, até 3 de dezembro – cf. ponto 16 dos factos provados – e no ano de 2016, a ré foi autorizada a navegar a 19 de fevereiro – cf. ponto 66. Fica, pois, por se saber se durante os meses de janeiro e fevereiro de cada um desses anos, não houve registo de passageiros por falta de turistas ou por necessidade de manutenção das embarcações ou por outro motivo qualquer. Além disso, o registo de passageiros nos pontos 77 a 83 – de março a dezembro de cada ano - contradiz, por exemplo, o teor dos pontos 40, 56, 76 e 100 dos factos provados – “abre por cerca de 7/9 meses por ano, e está encerrado durante cerca de 5/3 meses”. Decorre, pois, da matéria de facto dada como provada um ciclo anual da actividade da empresa (embora com «altos e baixos» no que concerne ao número de passageiros transportados), tanto mais que o período da “época baixa” é “também usado para o gozo de dias de férias dos trabalhadores” – cf. ponto 55 dos factos provados. Além disso, a ré conta com um quadro de pessoal permanente – cf. ponto 97 -, o que reforça o ciclo anual da actividade da empresa.” XVIII - A interpretação que o acórdão recorrido faz da norma prevista no artigo 140º. nº. 2 e) do Cód. Trabalho (“Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima”) no sentido de admitir a sazonalidade de uma actividade empresarial que perdura dez meses e que se repetiu, pelo menos para a Recorrente durante oito anos, enquanto condição que permite a celebração sucessiva de contratos a termo, sem qualquer limite temporal, viola o princípio da segurança no emprego, previsto no art. 53° da Constituição da República Portuguesa, XIX - na medida em que a celebração de contratos a termo é admitida a título excepcional, para suprir unicamente necessidades temporárias das empresas, o que não se verifica no caso vertente! XX - Não se encontrando preenchido o princípio do artigo 140.º n.º 1 do Cód. Trabalho, assim como as normas das alíneas e), do 140.º n.º 2 do Cód. Trabalho, deve declarar-se que os contratos em causa foram celebrados sem termo resolutivo, pelo que constituem um só contrato individual de trabalho sem termo, de acordo com o disposto no artigo 147.º n.º 1 alínea a), b) e n.º 3 do Cód. Trabalho, ao que acresce que a actividade para que a recorrente foi contratada não é uma actividade sazonal, pelo que não tendo sido observado o período de vacatio entre os contratos, conforme estipulado na parte final do nº. 1 do artigo 143º do Código do Trabalho, impõe-se aplicar a consequência prevista no artigo 147º nº 1 al. d) do Cód. Trabalho, ou seja, considerando-se sem termo o contrato celebrado em 30/06/2009. XXI - Logo, a denúncia do contrato de trabalho que a Recorrida efectuou em 23 de Fevereiro de 2017 não pode ser considerada como válida uma vez que, considerando o acima exposto, já estavam ultrapassados todos os prazos possíveis de período experimental previstos no artigo 112.º do Cód. Trabalho. XXII - Não sendo válida esta denúncia do contrato individual de trabalho efectuada pela Recorrida, conclui-se pela ilicitude do despedimento da Recorrente, nos termos do artigo 381º alínea c) do Cód. Trabalho. XXIII - De igual modo, todas as caducidades invocadas pela Recorrida para cessar os contratos a termo devem ser declaradas ilícitas uma vez que não existia justificação para submeter tais contratos a um termo certo resolutivo. XXIV - Assim, não se mostrando válidas as declarações de caducidade dos contratos, não ocorre qualquer prescrição dos direitos da Recorrente, visto que deverá considerar-se uma só cessação do contrato individual de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida, que ocorreu em 23/02/2017. XXV - Ora, tendo a presente acção sido apresentada em 31/07/2017 e a Recorrida sido citada no dia 12/09/2017, é inequívoco que os direitos da Recorrente não se mostram extintos pela prescrição, porquanto ainda não havia decorrido o prazo de um ano estabelecido no artigo 337º. nº. 1 do Cód. Trabalho. XXVI - Também por estes motivos, as declarações a que aludem os pontos 22 a 29 dos factos provados não devem considerar-se remissões abdicativas válidas. XXVII - Desde logo, estando perante um único contrato de trabalho, os créditos da autora referentes a salários, férias, feriados, descansos, etc., são irrenunciáveis, pelo que tais declarações escritas não devem ser admitidas, pelo que os créditos salariais da Recorrente não se mostram extintos. XXVIII - Por tudo quanto fica exposto, deve, pois, ser reconhecida a Recorrente como trabalhadora efectiva da Recorrida, vínculo que perdurou entre 30/06/2009 até 23/02/2017, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida, e, em consequência, ser declarada a ilicitude do despedimento da Recorrente e a Recorrida condenada a pagar a indemnização ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 391º. do Cód. Trabalho no montante de 10.080,00€; ser a Recorrida condenada a pagar à Recorrente as retribuições salariais que este deixou de auferir, desde o despedimento até a data do trânsito em julgado da decisão; mais o pagamento de créditos salariais, conforme peticionado na petição inicial. XXIX - O acórdão recorrido violou as disposições legais constantes do artigo 53º. da Constituição da República Portuguesa, artigos 112º., 140º. nº. 2 e), 143º. nº. 1 e nº. 2 c), 147º. nº. 1 a), b), d) e nº. 3, 337º. nº. 1 e 381º. c) da Lei nº. 7/2009 de 12 de Fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho de 2009, porquanto as mesmas não foram interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores. 8. A Ré apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões: 4. Como bem assinala ABRANTES GERALDES “(…) se quanto a determinado segmento se verificar a plena confirmação do resultado declarado na 1ªinstância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista. Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça relativamente a tal parcela do acórdão da Relação ficará dependente do acionamento da revista excecional e da sua aceitação pela formação referida no Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, foi objeto de resposta, em sentido concordante, pela Ré recorrida. A matéria de facto provada é, no essencial, a seguinte: 23. Após o referido em 4), a Autora emitiu a 30 de novembro de 2011, a declaração constante do documento junto aos autos a fls. 150, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 48. A época das vindimas situa-se usualmente em setembro/outubro de cada ano, dependendo das condições climatéricas vividas nesse ano e, consequentemente, do estado de amadurecimento das uvas. 50. A “época alta” é também conhecida internamente na Ré como a “época de cruzeiros”, período em que, em cada ano, são realizados os cruzeiros turísticos fluviais ao longo do rio Douro. 57. Os cruzeiros fluviais da Ré não começam todos a 1 de março de cada ano nem terminam todos a 30 de novembro do mesmo ano. 68. No dia 17 de março de 2016 foi ampliada a autorização de navegação desde o km 0.5 e o km 127. 69. Antes dessas datas a impossibilidade de circulação já decorria, para as embarcações da Ré, pelo facto de as eclusas das barragens do rio estarem encerradas, impedindo assim a circulação dos navios-hotel da empresa.
De Direito
Os presentes autos respeitam a ação de processo comum iniciada e foram instaurados em 31 de julho de 2017. O acórdão recorrido foi proferido em 22 de fevereiro de 2021. É assim aplicável o Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, 295/2009, de 13 de Outubro, que o republicou, e pelas Leis nºs 63/2013, de 27 de Agosto, 55/2017, de 17 de Julho e 107/2019, de 9 de Setembro (artºs 5º, nº 3, e 9º, nº 1, da referida Lei). Em termos substantivos, estando em causa a validade de contratos a termo, o primeiro dos quais celebrado em 30.6.2009 e o último 13.2.2017, e a cessação deste ocorrida em 23.2.2017, é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 27 de Agosto, na sua versão originária, anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 93/2019, de 4 de Setembro.
Sendo este o enquadramento normativo aqui aplicável importa começar a apreciação pela questão prévia da inadmissibilidade do recurso suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações. Invoca a recorrida, em síntese, que, tendo o voto de vencido incidido apenas sobre uma das questões em causa nos autos – a existência, ou não, de razão legitimadora para aposição do termo – formou-se dupla conforme quanto a todos os demais segmentos da decisão, designadamente quanto à existência de remissão abdicativa e prescrição, questões relativamente às quais foi concordante a decisão das instâncias, sustentando que a questão da remissão abdicativa, é prévia e prejudicial, ao conhecimento da validade/invalidade do termo, em que consiste o objecto do recurso de revista impeditiva da sua admissibilidade. Neste particular sublinha a recorrente que entre as diversas e válidas remissões abdicativas que a recorrente foi subscrevendo após a cessação de cada um dos contratos uma há que foi, como as demais, subscrita após e na sequência do último dos contratos analisados nos presentes autos, concluindo que “tendo-se formado essa dupla conforme, já se consolidou a impossibilidade de a Recorrente reclamar quaisquer créditos ou questões a respeito de qualquer dos contratos (incluindo a discussão da validade do termo), precisamente em face de remissão abdicativa, que, constituindo exceção perentória, impede o conhecimento do mérito da causa. A admissibilidade da dupla conforme parcial sustentada pela recorrida encontra na doutrina respaldo em Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª edição, 2020, pág. 420, segundo o qual “não é a mera divergência verificada num determinado segmento decisório que pode despoletar a revista normal relativamente a todo o acórdão da Relação, devendo esta circunscrever-se ao segmento ou segmentos que revelem uma dissensão entre o resultado declarado pela 1ª instância e pela Relação ou relativamente aos quais exista algum voto de vencido de um dos três juízes do coletivo. Deste modo, se quanto a determinado segmento decisório se verificar a plena confirmação do resultado declarado na 1ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista” (sublinhados nossos), e tem sido acolhida na jurisprudência deste Supremo Tribunal, entre outros nos acórdãos da sua Secção Social de 11.2.2016, Procº nº 31/12.8TTVFR.P1.S1, 21.4.2016, Procº nº 79/13.5TTVCT.G1.S1, 15.9.2016, Procº nº 14633/14.4T2SNT.L1.S1, e 1.3.2018, Procº nº 85/18.2TTMAI.P1.S1, segundo a qual nos casos em que as decisões das instâncias sejam compostas de segmentos decisórios distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles, e, como se afirmou no acórdão de 21.4.2016, não é a mera divergência verificada num segmento decisório que pode despoletar a revista normal relativamente a todo o acórdão da Relação, devendo circunscrever-se o recurso de revista normal ao segmento revelador de uma dissensão entre a 1ª instância e a Relação ou uma declaração de discordância de um dos três juízes do Colectivo. No caso vertente as instâncias convergiram na decisão das excepções peremptórias, de prescrição e remissão abdicativa, invocadas pela Ré recorrida na sua contestação, julgando-as improcedentes a 1ª instância e confirmando a decisão a Relação. Tal decisão, no entanto, partiu do pressuposto da existência de diversos e sucessivos contratos de trabalho a termo certo celebrados entre as partes, que as instâncias consideraram válidos, enquanto a A. sempre sustentou, como sustenta na presente revista, a invalidade do termo resolutivo aposto nesses contratos, por inexistência do motivo justificativo invocado, invalidade que, segundo sustenta a recorrente, tem como consequência a existência de um único contrato de trabalho sem termo, daí concluindo que o prazo de prescrição apenas se iniciou com a cessação do último contrato a termo celebrado, não tendo o mesmo decorrido até à propositura da acção, e que as declarações que subscreveu e que as instâncias consideraram configurar remissões abdicativas, respeitariam a direitos indisponíveis, porque emitidas na vigência daquele único contrato de trabalho, e seriam inválidas. Por outro lado, no que concerne à validade do termo resolutivo aposto nos contratos de trabalho a prazo celebrados entres as partes não existe dupla conforme uma vez que a decisão de 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação com um voto de vencido quanto a essa questão. Ora, tal como em situação de contornos algo semelhantes, se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 29.9.2020, Procº nº 4789/15.4T8ALM.L2.S1., a conformidade decisória das instâncias quanto à decisão de procedência das excepções de prescrição e remissão abdicativa não pode, no contexto em que se mostra desenhada, assumir relevo por forma a impedir que, na revista, estas questões (e bem assim a questão da (in)validade do termo resolutivo aposto nos contratos), sejam objecto de conhecimento uma vez que as mesmas, nesta sede se entrecruzam com a questão da invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos, mais precisamente com as consequências da invalidade alegada, e a situação jurídica de onde emanam os direitos peticionados. Sublinhe-se, de resto, que o n.º 1 do artigo 663.º prevê que o vencido deve fazer “a sucinta menção das razões de discordância”, mesmo quando a discordância se refere à decisão, não tendo que fazer um projeto alternativo. Ora a divergência pode ter corolários ou consequências sobre outras questões que não são, em rigor, estanques. No caso dos autos a decisão sobre se a atividade invocada tinha ou não caráter sazonal repercute-se na possibilidade de celebrar contratos a termos sucessivos com maior amplitude, mas, também na prescrição e na própria questão da renúncia abdicativa ou remissão, já que pode não ser o mesmo remir dívidas que emergem do contrato ou outras que resultem da violação de normas legais imperativas e das quais o trabalhador pode nem sequer ter conhecimento aquando da remissão. Improcede, pois, a questão prévia da inadmissibilidade da revista suscitada pela Ré/recorrida. Importa, agora, decidir se a invocação da atividade sazonal pode, no caso dos autos, servir de motivo válido para a contratação a termo. O artigo 140.º n.º 1 do CT na versão aplicável aos autos permitia a contratação a termo para fazer face a necessidades temporárias da empresa, sendo a atividade sazonal prevista na alínea e) do n.º 2 um exemplo de uma necessidade temporária. Mas o que é uma necessidade temporária? Um caso francês pode ilustrar a dificuldade: um museu contratava a termo porteiros e seguranças invocando uma exposição temporária. Dir-se-ia que esta era uma necessidade temporária. Mas provou-se em tribunal que o museu tinha permanentemente exposições temporárias, pelo que o tribunal recusou que houvesse uma necessidade temporária, já que tais exposições ditas temporárias constituíam, no fim de contas, a atividade permanente da empresa[1]. O que se verifica aqui é que se contratou a termo uma camaroteira, mas para fazer face às necessidades permanentes que a empresa tem, como empresa de cruzeiros, sendo que os períodos de celebração dos contratos com a Autora nem sequer se circunscrevem a momentos de picos de atividade. Concorda-se, em todo o caso, inteiramente com a fundamentação do voto de vencido e a doutrina aí citada, mormente JOANA NUNES VICENTE, quando afirma que “não obstante a formulação legal ampla utilizada (…) o conceito de sazonalidade supõe uma necessária limitação temporal, pelo que dificilmente estaremos perante uma atividade sazonal quando a duração da mesma corresponde a um ano inteiro ou mesmo até a meio ano”[2]. Não existindo motivo válido para a aposição do termo a consequência legal é que os contratos se devem considerar como contratos sem termo. Resulta dos factos provados que Autora e Ré celebraram entre si os seguintes contratos de trabalho a termo certo, os dois primeiros para o exercício pela A. de funções de “camaroteira” e os seguintes de “camaroteira chefe” que, respetivamente, foram celebrados, tiveram início e vieram a cessar, mediante prévia comunicação da recorrida, alegadamente por caducidade, no seu termo, em: - 30.06.2009, pelo prazo de 5 meses e 1 dia, para o exercício de funções de “camaroteira”, e termo em 30.11.2009; - 21.03.2011, pelo prazo de oito meses e onze dias, também para as funções de “camaroteira”, e termo em 30.11.2011; - 13.02.2017, pelo prazo de nove meses e dezoito dias. Este contrato cessou por denúncia da Ré, comunicada por ofício de 23.02.2017. Não havendo motivo legalmente válido para a contratação a termo trata-se de sucessivos contratos de trabalho sem temo celebrados pelas mesmas partes (sublinhe-se que, em todo o caso, os intervalos impostos pelo artigo 147.º para a sucessiva celebração de contratos de trabalho a termo foram respeitados). Não há fundamento legal para tratar toda a situação como, por exemplo, um único contrato de trabalho intermitente – não só o contrato de trabalho intermitente exige forma escrita (artigo 158.º do CT) como não há quaisquer indícios de que as partes tenham pretendido esse regime contratual, com, por exemplo, os direitos e as obrigações do trabalhador nos períodos de inatividade (artigo 160.º do CT) Em todo o caso, a invocação da caducidade em um contrato que em rigor, por força da lei, não estava sujeito a termo resolutivo equivale a um despedimento ilícito e o mesmo se deve afirmar relativamente à denúncia no período experimental quando o período experimental está excluído por força da aplicação do n.º 4 do artigo 112.º (já na sua versão aplicável ao caso dos autos, anterior à entrada em vigor da Lei n.º 93/2019).
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Declaração de voto de vencido Não acompanho o acórdão proferido porquanto, a meu ver, com todo o respeito, a correcta solução jurídica do recurso é a propugnada no projecto que não fez vencimento, que, no essencial a final reproduziremos. Em síntese são as seguintes as razões da respeitosa divergência relativamente à decisão que fez vencimento: 1º - Não temos por certo que a concreta e muito específica actividade levada a cabo pela recorrida não seja qualificável como actividade sazonal, temática complexa, sobre a qual é escasso o labor jurisprudencial, discutida na doutrina e muito discutida nos autos, que, com todo o respeito, não parece, em nossa modesta opinião, poder resolver-se dizendo, como se diz, sem mais e mais aprofundada reflexão reportada à concreta factualidade apurada, que “contratou a termo uma camaroteira, mas para fazer face às necessidades permanentes que a empresa tem, como empresa de cruzeiros, sendo que os períodos de celebração dos contratos com a Autora nem sequer se circunscrevem a momentos de picos de atividade”, o que mais não é do que uma conclusão sem suporte que, em termos de fundamentação reportada a factualidade apurada, a sustente, além de que ter necessidades permanentes de pessoal por si e só por si não exclui. s.m.o, a sazonalidade da actividade desenvolvida. Independentemente de tal qualificação e da dúvida que nos suscita, 2º Não acompanhamos o entendimento perfilhado segundo o qual a decisão sobre se a actividade invocada tinha ou não carácter sazonal se repercute na própria questão da renúncia abdicativa ou remissão, já que pode não ser o mesmo remir dívidas que emergem do contrato ou outras que resultem da violação de normas legais imperativas e das quais o trabalhador pode nem sequer ter conhecimento aquando da remissão. Tão pouco, abstraindo do enquadramento doutrinário que a antecede e considerações tecidas a que, em tese geral aderimos inteiramente e sem hesitação, com a afirmação, transposta para o caso concreto de que “o consentimento do trabalhador a uma cláusula com uma formulação imprecisa dificilmente permite concluir que o mesmo foi esclarecido relativamente ao conjunto de direitos futuros ou eventuais”, “trata-se de uma renúncia a direitos que o trabalhador nem sempre tem a obrigação de conhecer (não é jurista e pode não ou sequer suspeitar, no momento da declaração, que foi vítima de um despedimento ilícito”, e a conclusão de que “no caso não se provou que o trabalhador fosse adequadamente informado sobre o seu possível efeito, na eventualidade de ter ocorrido anteriormente um despedimento ilícito (e não uma caducidade do contrato)”, pela razão simples de que nada foi alegado a esse respeito pela Autora, sendo o que foi alegado não se provou. Na verdade, É de há muito jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que é exemplo os acórdão de 9.7.2015, Proc.º nº 53/12.9TTVIS.C1.S1 e 24.2.2015, Procº nº 456/13.1TTLRA.C1.S1, de que foi Relator o Exmo. Conselheiro Fernandes da Silva, e adjuntos os Exmos. Conselheiros Gonçalves Rocha e Leones Dantas, que “cessada a relação juslaboral, o ex-trabalhador pode dispor livremente dos (eventuais créditos laborais resultantes do contrato fundo, da sua violação ou cessação, por terem deixado de subsistir os constrangimentos psicológicos existentes durante a constância do vínculo”, e que “o contrato de remissão abdicativa tem plena aplicação no âmbito das relações laborais, concretamente quando o trabalhador se predispõe a negociar os efeitos de uma já consumada resolução do contrato, por si assumida”, e ainda que “só a alegação/demonstração da falta ou de vícios da vontade na produção da declaração negocial é susceptível de produzir a invalidação desta”. No mesmo sentido podem, entre outos, ver-se os seguintes acórdãos: - De 10. 12.2009, Proc.º nº 884/07.1TTSTB, S1, de que foi Relator o Exmo. Conselheiro Pinto Hespanhol, no qual se afirmou que “ a indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos créditos resultantes do contrato de trabalho, durante a respectiva vigência, que o artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003, versão aqui aplicável, reflecte, não tem aplicação na sequência da desvinculação do trabalhador, como o demonstra o facto da própria lei (artigo 394.º, n.º 4, do sobredito Código do Trabalho), permitir que o acordo para cessação do contrato de trabalho possa conter, ele próprio, a regulação definitiva dos direitos remuneratórios decorrentes da relação laboral. De facto, cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação”. - 25.11.2009, Procº nº 274/6TTBRRR.S1, “IV - É entendimento deste Supremo Tribunal que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros”. - 11.10.2005, Procº nº 1763/05, citado no acórdão anterior, e 6.12.2006, Procº nº 06S3208, este com aprofundada apreciação da questão de constitucionalidade relativamente à questão da validade da remissão abdicativa por ocasião da cessação do contrato de trabalho citando sobre a questão o acórdão do Tribunal Constitucional de 12.20.2004 (acórdão nº 600/2004, DR IIª Série, nº 277, de 25.11). - No mesmo sentido o acórdão de 13.7.2006, Procº nº 06S250, em, embora em situação não inteiramente coincidente com a dos autos, se concluiu que “os créditos reclamados na presente acção ficaram inexoravelmente “extintos” em consequência do contrato de remissão abdicativa celebrado entre as partes, independentemente de, à data em que aquele contrato foi celebrado, serem conhecidos, ou não, do recorrente e independentemente de estarem incluídos, ou não, na compensação global e na quitação que por ele foi dada ao réu”, ou os acórdãos de 26.1.2005, Procº nº 05S1763, e 10.10.2004, Procº 05S480. Por outro lado, tal como se afirma no acórdão de 25.11.2009, Procº nº 274/07.6TTBRR.S1, transponível para o caso em apreço, é de sublinhar que, como aí se afirmou, em entendimento transponível para o caso vertente: “A existência de uma verdadeira e global remissão abdicativa constitui, no concreto dos autos, defesa exceptiva da Ré, sobre a qual haveria o Autor, por norma, tomar posição no articulado de resposta – artigos 502.º do Código de Processo Civil e 60.º do Código de Processo do Trabalho. Nessa medida, está-lhe completamente vedado oferecer mais tarde uma nova versão. Se o Autor desconhecia efectivamente a subsistência do vínculo e só produziu a “declaração” no pressuposto de que o mesmo caducara, era esse concreto vício (erro nos pressupostos da contratação) que lhe cabia aduzir em tempo útil – e não qualquer outro (designadamente, como fez, a mencionada coacção).
A natureza publicística do direito processual civil – ainda que instrumental do direito substantivo – impõe ao tribunal o poder-dever de assegurar oficiosamente a conformação dos actos praticados pelas partes com as normas adjectivas de carácter injuntivo, designadamente aquelas que consagram princípios estruturantes do processo civil, como o da estabilidade da instância e o da preclusão ( Sublinhado nosso). (…). De qualquer modo, a versão atendível é apenas a inicial, que o Autor não logrou provar, conforme se evidencia da factualidade dada como não provada e acima reproduzida em 2-2 (alínea c)). Essa omissão probatória leva-nos a rejeitar qualquer vício que pudesse inquinar a vontade do subscritor da declaração.” Em suma, e como nesse acórdão se sumariou: IÉ entendimento deste Supremo Tribunal que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros. A natureza publicista do direito processual civil – ainda que instrumental do direito substantivo – impõe ao tribunal o poder-dever de assegurar oficiosamente a conformação dos actos praticados pelas partes com as normas adjectivas de carácter injuntivo, designadamente aquelas que consagram princípios estruturantes do processo civil, como o da estabilidade da instância e o da preclusão. A concluir, como se afirmou no acórdão de 10.12.2009, Procº nº 884/07.1TTSTB.S1, “tendo o trabalhador declarado que, recebida determinada quantia, nada mais tinha a haver ou receber do empregador “seja a que título for, mormente a título de créditos emergentes do dita contrato de trabalho, sua violação ou cessação”, tal declaração negocial configura uma inequívoca declaração negocial abdicativa, através do qual o mesmo renunciou a todos os créditos – conhecidos ou não – emergentes do contrato de trabalho”. No caso vertente, como entendemos no projecto que não fez vencimento, as declarações subscritas pela A. no termo dos contratos em causo foram por si emitidas sem qualquer arrependimento, ou retratação nos dias subsequentes, como consta do ponto 30 da matéria de facto provada, sendo que a questão, suscitada pela recorrente na apelação, de que tais declarações não deveriam ser admitidas e a impugnação desse ponto da matéria de facto, visando demonstrar que todas as declarações foram realizadas em circunstâncias realizadas pela recorrida que não deixaram à recorrente qualquer opção que não fosse de assinar as mesmas e sustentar a alegação de que tais declarações não deveriam ser consideradas remissões abdicativas válidas, veio a fracassar. Ora, como foi entendimento das instâncias, tais declarações, que se repetiram no termo e após a cessação de cada um dos contratos, não configurando um acto isolado em que poderia porventura perspectivar-se algum elemento de surpresa e desconhecimento por parte da sua subscritora, consubstanciam uma inequívoca declaração negocial abdicativa, através da qual a autora renunciou a todos os créditos, conhecidos ou não, emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação. Enfim, e salvo o devido respeito, como decorre de todo o exposto, não acompanhamos a afirmação da decisão que fez vencimento que “no caso não se provou que o trabalhador fosse adequadamente informado sobre o seu possível efeito, na eventualidade de ter ocorrido anteriormente um despedimento ilícito”, tanto mais sobre tal nada foi alegado pela Autora, como entendemos, também que a remissão abdicativa, por natureza, é inteiramente autónoma relativamente à validade/invalidade do contrato, e, ainda, que o voto de vencido, absolutamente omisso sobre tal excepção peremptória sobre a qual nada diz e não se pronuncia, não impede a dupla conforme parcial, e finalmente, que nos suscita dúvidas e reserva a decisão final, de mérito, proferida porquanto se nos afigura, novamente com o devido respeito, que vai para além do pedido substancial e substantivamente formulado nos autos. Concluindo, não acompanho o acórdão proferido porquanto, pelas razões rapidamente alinhadas, entendo que a correcta solução jurídica do recurso é a propugnada no projecto que não fez vencimento do qual respigamos os seguintes excertos: “ (…) A questão que importa então apreciar em primeiro lugar é a de saber se a eventual invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos celebrados entre as partes tem, ou não, consequências no que à prescrição dos créditos emergentes do(s) contrato(s) de trabalho celebrados entre as partes, e às declarações subscritas pela recorrente após a cessação de cada um dos contratos, que as instâncias consideraram integrar remissões abdicativas, concerne. De notar que sempre por essas questões, da prescrição e existência e validade das declarações/remissões abdicativas subscritas pela recorrente, haveria de se iniciar a apreciação, por ser essa a ordem de precedência lógica, com impõe o artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, uma vez que configuram excepções peremptórias que, por natureza e definição, são factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, como tal devendo ser apreciadas antes do pedido formulado na acção. Voltando então à questão enunciada, e revisitando a factualidade assente dela resulta, em síntese, que Autora e Ré celebraram entre si os seguintes contratos de trabalho a termo certo, os dois primeiros para o exercício pela A. de funções de “camaroteira” e os seguintes de “camaroteira chefe” que, respectivamente, foram celebrados, tiveram início e vieram a cessar, mediante prévia comunicação da recorrida, por caducidade, no seu termo, em: - 30 de Junho de 2009, pelo prazo de 5 meses e 1 dia, para o exercício de funções de “camaroteira”, e termo em 30.11.2009; A sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido, tendo considerado válidos os diversos contratos a termo celebrados entre as partes, convergiram entendimento de que, atenta a data da cessação dos mesmos, a data da propositura da acção, em 31.7.2017 e a subsequente citação da Ré, em 12.9.2017, se encontram prescritos todos os créditos peticionados pela A. até Setembro de 2016 face ao disposto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, nos termos do qual “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. (…) Vindo invocada e estando em causa a invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos, por inexistência do motivo justificativo invocado, a disposição da alínea d) do nº 1 do artigo 147º, e o disposto no seu nº 3, não colhe aqui aplicação, uma vez que o artigo 143º respeita a contratos que têm tutela pelo ordenamento, contratos formal e substancialmente válidos, que se sucederam sem respeitar o período de espera (o que também não é aqui o caso), sendo o desrespeito por esse período que justifica a sua reprovação pelo ordenamento à semelhança das situações fácticas que ultrapassam o limite máximo da duração do contrato a termo certo. E, Salvo o devido respeito não há que confundir a sanção para a invalidade do termo cominada no nº 1 do artigo 147º com as regras e finalidades do instituto da prescrição. A invalidade do termo resolutivo, com a sanção que lhe está associada, decorre da violação da apertada disciplina normativa constante do Código do Trabalho relativamente à admissibilidade da contratação a termo, do contrato a termo “associado a uma situação de “excepcionalidade” (entre nós pressuposta e imposta pela garantia constitucional da segurança no emprego)”, exigência que se “cifra (…) em primeira linha, no carácter transitório (temporário) das necessidades empresariais que legitimam o recurso àquela modalidade de contrato de trabalho”, nas palavras de Joana Nunes Vicente, O fenómeno da sucessão de contratos a (a termo), Questões laborais, Ano XVI, nº 33, págs 7/8, com o propósito de impedir a eternização de uma situação laboral de precariedade, através de uma espiral de contratação a termo com o mesmo trabalhador. A prescrição, enquanto instituto que, tal como a caducidade e o não uso, exprime a relevância do tempo sobre o exercício de direitos, sanciona a inércia do titular do direito ao seu exercício, visando satisfazer a necessidade da segurança jurídica e da certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo. No que tange à prescrição de créditos laborais rege o artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, nos termo do qual “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, inscrevendo-se, segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal sufragada nos acórdãos de 29.11.2005, Procº nº 1703/05 (05S1703), 21.2. 2006, Procº nº 3482/05 (05S3141), 29.4.2008, Procº nº 1159/08 (08S1159), 2.7.2008, Procº nº 603/08 (08S603) e 4.3.2009, Procº nº 1689/08 (08S3620), na noção de “crédito” utilizada no referido preceito, não apenas as prestações pecuniárias mas todos os direitos pessoais que decorram do vínculo-contratual a que se dirige a prescrição, isto é, todos os tipos de direitos sobre os quais exista contencioso entre as partes. E, Segundo entendimento consensual na doutrina e jurisprudência o momento a partir do qual se conta o início do prazo é aquele em que a relação factual de trabalho cessa, ainda que posteriormente o acto que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado (cf. neste sentido Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina,19ª edição, 2019, pág. 417), ou seja, no dizer de Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 7ª edição, 2015, pág. 819, no dia seguinte ao da cessação factual da relação laboral “independentemente da causa ou acto que lhe deu causa, caducidade, revogação, despedimento ou rescisão” . No caso vertente está em causa não uma sucessão de contratos a termo que se sucederam de forma continuada, a contratação sucessiva, sem hiatos temporais, ou com hiatos mínimos, por forma a não desvirtuar ainda a continuidade do vínculo, mas contratações sucessivas intervaladas, uma série de contratos, e outros tantos vínculos, que se sucederam no tempo, com intervalos que variam entre três, quatro e mais de dois meses, e em que o intervalo entre a cessação do primeiro contrato celebrado, em 30.11.2009, e o início do contrato seguinte, 21.3.2011, é superior a um ano e três meses. Todos e cada um desses contratos, à excepção do último, que cessou mediante a comunicação de 23 de Fevereiro de 2017 na qual a ré informa a autora da denúncia do contrato no período experimental, vieram a cessar, no seu termo, por caducidade. Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal em caso de invalidade do termo aposto em contrato de trabalho a termo, a comunicação do empregador de fazer cessar o contrato no respectivo termo configura um despedimento ilícito (cf. nesse sentido, entre outros, os acórdãos de 6.3.2019, Procº nº 10354/17.4T8SNT.L1.S1, 22.2.2017, Procº nº 2236/15.0T8AVR.P1.S1, 24.2.2015, Procº nº 178/12.0TTCLD.L1.S1, e 18.10.2012, Procº nº 3415/09.5TTLSB.L1.S1). Neste caso o prazo de prescrição, de um ano, inicia-se, de conformidade com o disposto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, no dia seguinte ao da cessação do contrato, e, no caso de contratos sucessivos, a prescrição dos créditos emergentes dos contratos já cessados, de acordo com jurisprudência que vem sendo seguida ao nível das Relações, de que são exemplo os acórdãos de 2.7.2014, Procº nº 459/13.2TTLSB.L1-4, do Tribunal da Relação ..., e 16.11.2015. Procº nº 1508/12.0TTVNG.P1, do Tribunal da Relação ..., suspende-se a partir do momento em que, entre as partes, se celebrou novo contrato. Seguindo este entendimento, contado o prazo de prescrição desde o dia seguinte ao da cessação de cada um dos contratos como dispõe o artigo 337º, nº 1, do CT, até à sua interrupção através da citação ou notificação judicial de acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, que no caso, tendo a acção sido proposta em 31.7.2017, ocorreu com a citação “ficta”, prevista no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, nos termos do qual se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos cinco dias, e descontados os períodos de suspensão, verifica-se que estão prescritos os créditos emergentes dos contratos a termo celebrados em 30.6.2019 (este sem período de suspensão, em que a prescrição ocorreu em 1.12.2010 ), 21.3.2011 – em que o prazo de prescrição se iniciou em 1.12.2011, decorreu até 11.3.2012 (3 meses e 11 dias), voltou a correr de 1.12.2012 a 14.3.2013 (3 meses e 14 dias), novamente em 1.12.2013 a 6.4.2014 ( 4 meses e 6 dias) , voltou a correr em 1.12.2014 quando faltava cerca de um mês para se completar a prescrição), mas não os respeitantes aos contratos celebrados em 23.5.2015, 6.4.2016 e 13.2.2017, relativamente aos quais permanece em aberto e subsiste para apreciação a questão essencial, de mérito, da presente revista, da validade ou invalidade do termo resolutivo aposto nesses contratos, e respectivas consequências. No entanto, se o início do prazo de prescrição poderia interligar-se com a invalidade do termo resolutivo aposto nos contratos, como vem sustentado pela recorrente, o que já vimos improceder, outro tanto não sucede com a remissão abdicativa. Na verdade, A remissão abdicativa é uma das causas de extinção das obrigações, consistindo na renúncia do credor ao direito da prestação, feita com a aquiescência da contraparte (artigo 863º, nº 1, do Código Civil). Como tem sido afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente após a cessação do vínculo, pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros. No caso vertente, após a cessação de cada um dos contratos a termo celebrado, face à declaração de caducidade de cada um dos contratos que com a Ré celebrou, a recorrente emitiu as declarações a que se referem os pontos 22 a 29 da matéria de facto provada, a última das quais em 23 de Fevereiro de 2017, declarações essas que que as instâncias concordantemente consideraram configurar remissões abdicativas. A declaração de vontade que tais declarações por parte da A. exprimem mantêm-se válidas e subsistem, independentemente da validade ou invalidade do termo aposto nos contratos a termo celebrados, havendo, quanto a essa questão decisão concordante das instâncias que, ainda que partindo do pressuposto da validade do termo aposto nos contratos, é de seguir e reafirmar. Na verdade, Atendo-nos aos contratos relativamente aos quais não se verifica prescrição dos créditos deles emergentes, após a cessação do contrato de trabalho a termo celebrado em 23.3.2015, face à declaração de caducidade dos contratos termo celebrado em 23.3.2015 e 6.4.2016, e bem assim face à declaração de rescisão do contrato celebrado em 13.2.2017 no período experimental, a A. subscreveu, em 30 de Novembro de 2015, 30 de Novembro de 2016 e 23 de Fevereiro de 2017, declarações com o seguinte teor: “ (…) declara que recebeu a quantia de € (…), da empresa “DouroAzul – Sociedade Marítimo-Turística, S.A.”, conforme recibo em anexo a esta declaração. Mais declara que este valor inclui e liquida todos os créditos sobre a “DouroAzul - Sociedade Marítimo-Turística, S.A.”, vencidos e vincendos à data da cessação do contrato de trabalho, ou exigíveis em resultado dessa cessação, não tendo por isso direito a reclamar mais quaisquer valores seja a que que título for, assim visando esta declaração constituir remissão abdicativa da declarante quanto à DouroAzul - Sociedade Marítimo-Turística, S.A.” quanto a eventuais dívidas remanescentes, nos termos do artigo 863º do Código Civil. (…)”. Tais declarações foram emitidas pela A. sem qualquer arrependimento, ou retratação nos dias subsequentes, como consta do ponto 30 da matéria de facto provada, sendo que a questão, suscitada pela recorrente na apelação, de que tais declarações não deveriam ser admitidas e a impugnação desse ponto da matéria de facto, visando demonstrar que todas as declarações foram realizadas em circunstâncias realizadas pela recorrida que não deixaram à recorrente qualquer opção que não fosse de assinar as mesmas e sustentar a alegação de que tais declarações não deveriam ser consideradas remissões abdicativas válidas, veio a fracassar. Ora, como foi entendimento das instâncias, tais declarações, que se repetiram no termo e após a cessação de cada um dos contratos, não configurando um acto isolado em que poderia porventura perspectivar-se algum elemento de surpresa e desconhecimento por parte da sua subscritora, consubstanciam uma inequívoca declaração negocial abdicativa, através da qual a autora renunciou a todos os créditos, conhecidos ou não, emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação”
Lisboa, 7 de Setembro de 2022 (Leonor Cruz Rodrigues)
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