Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4279/17.0T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
RECURSO DE APELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PROCESSO EQUITATIVO
Data do Acordão: 02/11/2021
Nº Único do Processo:


Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROVIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O respeito pelas exigências do n.º 1 do art. 640.º do CPC tem de ser feito à luz do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição.

II. No caso dos autos, afigura-se que o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura susceptível de ser apreendida, tendo sido, aliás, efectivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada.

III. Trata-se de uma acção relativamente simples, com um reduzido número de factos provados e de factos não provados, em que a pretensão dos réus justificantes é facilmente apreensível e reconduzível aos factos por si alegados para demonstrarem a usucapião e que encontram evidente ou imediato reflexo nos factos não provados que pretendem que sejam reapreciados, factos esses correspondentes, em grande medida, à matéria objecto da escritura de justificação.

IV. Assim sendo, a necessidade de respeitar o referido princípio, constitucionalmente fundado, da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual determina a anulação do acórdão recorrido, devendo os autos baixar ao tribunal a quo para apreciação da impugnação da matéria de facto, de acordo com os parâmetros enunciados, e subsequente julgamento de direito em conformidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. Gadita Imobiliária, S.A. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e mulher, BB, e CC, pedindo que:

a) Sejam declaradas falsas as declarações prestadas pelos 1.ºs RR. na escritura de justificação e doação realizada no dia 27 de Junho de 2014, identificada no artigo 1.º da p.i.;

b) Seja declarado e reconhecido que os prédios mencionados e identificados na escritura referida na alínea anterior não eram nem são propriedade dos 1.ºs RR., não se tendo tão pouco operado a usucapião aí alegada;

c) Seja declarado e reconhecido que tais prédios fazem parte integrante do prédio identificado no artigo 6.º da p.i.;

d) Seja declarada nula a doação feita pelos 1.ºs RR. ao 2.º R. dos prédios objecto da mesma escritura de doação realizada no dia 27 de Junho de 2014;

e) Seja ordenado o cancelamento de todos os registos feitos com base na escritura de justificação e doação referida no artigo 1.º ou dele consequentes;

f) Sejam os RR. condenados a verem reconhecidos os direitos referidos e declarados nas alíneas anteriores e, consequentemente, a reconhecer que a A. é dona e legítima possuidora dos prédios identificados na petição;

g) Sejam os RR. condenados a reconhecer que não adquiriram os direitos de propriedade e de posse do prédio identificado no artigo 1.º da p.i., por qualquer meio legítimo de transmissão de tais direitos, e que não são donos nem legítimos possuidores de tais prédios;

h) Sejam os RR. condenados a não mais perturbar os direitos de propriedade e de posse da A. sobre o prédio identificado no artigo 6.º da petição;

i) Sejam os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € 24.600,00 a título de danos patrimoniais e a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais;

j) Sejam os RR. condenados a pagar à A. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos prejuízos que vierem a causar, decorrentes da ocupação indevida do seu identificado prédio e da perda de negócios a realizar com terceiros, relativos ao mesmo prédio.

Para tanto alega, em síntese, que os RR. AA e BB outorgaram escritura de justificação notarial de posse e doação no dia 27.06.2014, na qual se arrogaram proprietários dos prédios aí identificados com base na falsa arguição de que os adquiriram por compra verbal no ano de 1977 e desde essa data os vêm possuindo como se proprietários fossem, continuamente, publicamente, de boa fé e sem oposição de quem quer que seja; e também declararam doá-los ao R. CC, que os aceitou.

Os terrenos desses prédios sempre fizeram parte de um imóvel denominado “Propriedade …”, comprado pela A. por escritura pública de compra e venda outorgada em 22.03.2000, que os vem possuindo por si e antepossuidores em termos compatíveis com a sua aquisição originária por usucapião, para além de beneficiar do respectivo registo de aquisição.

Em 2013 os RR. procederam à invasão desses terrenos, onde cortaram árvores, o que deu origem a reacção da A., através de participação-crime, mantendo desde então ocupação dos mesmos, contrária à vontade da A. que, assim, vem sofrendo prejuízos patrimoniais (resultantes do abate, da queima de árvores e da privação de obter o normal aproveitamento dos respectivos frutos, arrendando-os a terceiros) e não patrimoniais.

Os RR. contestaram, pugnando pela improcedência da acção e pela absolvição dos pedidos. Reafirmam o que consta da escritura de justificação, nomeadamente a aquisição verbal e a posse mantida desde 1977, impugnando a tese de que os terrenos referidos na escritura pertençam aos prédios objecto da escritura pública de compra e venda outorgada pela A. no ano 2000.

Por decisão de 30.01.2018 foi declarada a incompetência do Juízo de Competência Genérica de …, em razão do valor, e determinada a remessa dos autos ao Juízo Central Cível de …...

Em 11.12.2018 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

I. Declarar falsas as declarações de justificação prestadas pelos 1.ºs RR. na escritura outorgada no dia 27 de Junho de 2014, identificada no facto provado número 1;

II. Declarar que a propriedade dos prédios mencionados e identificados na escritura referida na alínea anterior, não foi adquirida por usucapião pelos 1.ºs RR. e que estes não são seus donos e legítimos possuidores, condenando-os a reconhecê-lo;

III. Declarar nula a doação feita pelos 1.ºs RR. ao 2.º R. dos prédios objecto da mesma escritura de doação outorgada no dia 27 de Junho de 2014;

IV. Ordenar o cancelamento de todos os registos feitos com base na escritura de justificação e doação outorgada no dia 27 de Junho de 2014;

V. Declarar a A. dona e legítima possuidora do prédio identificado nos factos provados números 4 e 5 da sentença.

No mais foi decidido julgar a ação improcedente, nessa parte se absolvendo os RR..

Inconformados, interpuseram os RR. recurso para o Tribunal da Relação …, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 13.02.2020 não foi conhecida a impugnação da matéria de facto e, tendo a decisão de direito sido reapreciada, foi o recurso julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


2. Vieram os RR. interpor recurso de revista, por via normal, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por despacho de 09.07.2020 com fundamento na verificação de dupla conforme entre as decisões das instâncias.

Tendo os Recorrentes reclamado, ao abrigo do art. 643.º do CPC, do despacho de não admissão, por despacho da relatora deste Supremo Tribunal de 14.10.2020, confirmado por acórdão da conferência de 26.11.2020, foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, defere-se a reclamação, revogando-se o despacho reclamado e admitindo-se o recurso, circunscrito à apreciação da alegada violação de normas processuais por parte da Relação ao ter rejeitado conhecer da impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus do art. 640.º do CPC.»


3. No que se refere à questão da alegada violação de normas processuais por parte da Relação ao ter rejeitado conhecer da impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus do art. 640.º do CPC, única questão a apreciar no presente recurso, formularam os Recorrentes as seguintes conclusões:

«28ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, também não julgou correctamente ao rejeitar a impugnação da matéria de facto deduzida pelos Apelantes;

29ª- Tendo-se limitado a rejeitar com a invocação de que os Recorrentes não tinham indicado qualquer ponto concreto da matéria de facto que consideravam incorrectamente julgado e não referiam qual a decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;

30ª- Ora, analisadas as alegações de recurso apresentadas verifica-se que os Apelantes invocaram a existência de documentos que poderiam ser apreciados e conduziriam a provar os factos narrados na escritura de justificação notarial;

31ª- Tendo também invocado os concretos meios probatórios, por remissão para os depoimentos das testemunhas e o sentido em que deveria ser fixada a matéria de facto correspondente;

32ª- Assim implicando que no recurso de Apelação fosse necessário ouvir a gravação daqueles depoimentos, nas passagens assinaladas;

33ª- Pelo que deverão os autos regressar ao Tribunal da Relação …… para os Srs. Desembargadores procederem à apreciação e julgamento da matéria de facto;

34ª- O Acórdão recorrido violou as disposições legais contidas nos artigos...»

A Recorrida contra-alegou, pugnando, para o que ora releva, pela confirmação do acórdão recorrido.


4. Foram dados como provados os factos seguintes (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

1. Por escritura pública de justificação e doação outorgada a 27 de junho de 2014, no Cartório da Sr.ª Notária DD, em …, os réus AA e BB declararam:

Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem dos seguintes prédios, sitos no lugar da …, freguesia …, do concelho …:

a) Rústico - terreno inculto denominado de “C…. e M…..”, com a área de cento e onze mil trezentos e vinte e oito metros quadrados, a confrontar de norte com EE, FF e GG, de nascente com HH e II, de poente com JJ, LL, MM e NN, e de sul com rio ….., omisso na conservatória e inscrito na matriz em nome do justificante marido, sob o artigo ….., correspondendo ao artigo …. da antiga matriz, e com o valor patrimonial e atribuído de €4.510,00.

b) Rústico - terreno inculto denominado de “O…..” com a área de trinta e três mil oitocentos e noventa e cinco metros quadrados, a confrontar de norte com LL, de nascente com JJ, de poente com ribeiro e OO, e de sul com rio …., omisso na conservatória e inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o artigo …., correspondente ao artigo … da antiga matriz, e com o valor patrimonial e atribuído de €1.280,00.

Que os justificantes no ano de 1977, no estado já de casados, adquiriram por compra verbal a PP e mulher QQ, residentes que foram no Lugar …, da referida freguesia …, e já falecidos, os identificados prédios rústicos, tendo entrado na posse dos mesmos, mas não dispondo de qualquer título formal para os registar na conservatória, em seu nome. No entanto, os justificantes passaram, desde essa data, a usufrui-los, limpando-os, recolhendo lenha, realizando obras de beneficiação, e, gozando todas as utilidades por eles proporcionadas, com ânimo de quem exercita de direito próprio, de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, sem violência, contínua e publicamente, com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, por lapso de tempo superior a vinte anos.

Mais declararam doar a CC que, no ato representado por BB, declarou aceitar, por conta da quota disponível, os identificados prédios (cfr. certidão junta a fls. 7 e ss. dos autos).

2. O réu AA deu entrada, no dia 30 de Janeiro de 2014, de um requerimento no Serviço de Finanças …, solicitando a avaliação dos prédios descritos no facto provado número 1, declarando que estavam omissos na matriz (artigo 15º da p.i. – certidão junta a fls. 77 v.º e ss.);

3. A avaliação referida no facto anterior, foi um ato preparatório da celebração, pelos réus, escritura aludida no facto provado número 1 (artigo 15º da p.i.);

4. Por escritura pública de compra e venda outorgada a 22 de março de 2000 no Cartório Notarial …., RR, na qualidade de procurador de QQ, declarou vender à “Gadita – Imobiliária, Ld.ª”, no ato representada por SS, que declarou aceitar, pelo preço de esc.:15.000.000$00 já recebido, o prédio rústico denominado “Propriedade …”, composto por diversos terrenos cultos e incultos, com uma dependência para corte de gado, com a área de cento e setenta e um mil e novecentos metros quadrados, sito no lugar …, freguesia de …., do concelho …., a confrontar do norte com terra de HH, do sul com o rio …, do nascente com terra de II e do poente com terra de LL, inscrito na matriz sob o art.º …. (na anterior matriz correspondia aos artigos …., ….., …. e ….) (cfr. certidão junta a fls. 9 v.º e ss. dos autos).

5. Pela Apresentação 01 de …. foi registada a favor da autora a aquisição, por compra, do prédio descrito sob o número …../….. da freguesia de …., na Conservatória do Registo Predial …., nos seguintes termos: prédio rústico denominado Propriedade…., situada em …., com área total de 171.900 m2, inscrito na matriz sob o artigo …., composto de terrenos cultos e incultos com uma dependência para corte de gado, a confrontar de norte com HH, do sul com rio …., nascente com II e poente com LL (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 68 e ss.).

6. Por si e por antepossuidores, a autora encontra-se na posse do prédio descrito no facto provado número 4, há mais de 30, 40, 50 anos, contínua e ininterruptamente, limpando-o e conservando-o, colhendo todos os seus frutos e utilidades e suportando os respetivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal, praticando todos estes atos com ânimo de verdadeiros proprietários, com a consciência de não lesar direitos de terceiros, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, e sem oposição de ninguém (artigo 9º da p.i.).

7. A autora na qualidade de proprietária do prédio rústico identificado nos factos provados números 4 e 5, apresentou, no ano de 2002, na Câmara Municipal …., um pedido de informação prévia – viabilidade de construção, de um empreendimento turístico do tipo Hotel Rural em terrenos de que os 1ºs réus, através da escritura de justificação aludida no facto provado número 1, se arrogaram proprietários (artigo 12º da p.i.).

8. Em 2014, o filho do falecido administrador da autora, TT, apresentou no Posto Territorial de ….. da G.N.R. participação crime contra o réu AA, imputando-lhe o corte e o furto de pinheiros e eucaliptos no terreno de que é proprietária situado no lugar …., …., concelho ……, que deu origem ao processo de inquérito n.º 307/14….. dos Serviços do Ministério Público …., a qual foi objeto de despacho de arquivamento, nos termos do disposto no artigo 277º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da reabertura se surgirem outros elementos de prova, com os fundamentos que constam de fls. 74 e ss. dos autos, entre os quais que “…importaria pois saber quem é o real proprietário dos terrenos especificamente em causa nos autos…” (artigo 14º da p.i. - certidão junta a fls. 72 e ss.).


Foram dados como não provados os factos seguintes:

1. No ano de 1977, os réus AA e BB acordaram verbalmente com PP, e mulher, QQ, comprar os prédios identificados no facto provado número 1, tendo sido ajustado o preço da aquisição em esc.: 1.000.000$00 (artigos 3º e 4º da contestação).

2. Os réus AA e BB entregaram aos vendedores identificados no facto anterior, a quantia de esc.: 1.000.000$00 a título de preço (artigo 5º da contestação).

3. Para conseguirem o valor descrito nos números anteriores, os réus AA e BB tiveram de socorrer-se de empréstimos particulares de pessoa de sua confiança (artigo 7º da contestação).

4. Desde 1977 e até à data da celebração da escritura identificada no facto provado número 1, os réus AA e BB foram os possuidores dos prédios rústicos aí identificados, neles cortando lenha e mato na zona florestal, apascentando gado na área de cultivo e de pasto, realizando neles obras de beneficiação como reparação de muros e de caminhos de acesso aos mesmos e no seu interior, limpando-os e conservando-os, colhendo todos os seus frutos e utilidades (artigos 9º a 13º e 21º da contestação).

5. Desde a celebração da escritura identificada no facto provado número 1 que o réu CC vem praticando os atos descritos no número anterior (artigo 14º da contestação).

6. Ininterruptamente, sem violência, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e da freguesia, sem oposição de quem quer que seja, na convicção, por todos eles, que foram e são proprietários dos aludidos prédios e com a convicção de que não lesam direitos de ninguém (artigos 16º, 22º a 26º da contestação).

7. Por si e por antepossuidores, a autora encontra-se há mais de 30, 40, 50 anos, contínua e ininterruptamente, na posse dos terrenos que os réus consideram constituir os prédios descritos no facto provado número 1, como parte integrante do prédio denominado “Propriedade…..”, identificado no facto provado número 4, limpando-os e conservando-os, colhendo todos os seus frutos e utilidades e suportando os respetivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal, praticando todos estes atos com ânimo de verdadeiros proprietários, com a consciência de não lesar direitos de terceiros, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, e sem oposição de ninguém (artigos 6º e 9º da p.i.).

8. Em 2013, os réus começaram a cortar algumas árvores no prédio identificado nos factos provados números 4 e 5 (artigo 14º da p.i.).

9. Os réus mantêm a ocupação do prédio da Autora identificado nos factos provados números 4 e 5, sem o consentimento e contra a vontade desta (artigo 17º da p.i.).

10. Os réus impedem a autora de aceder a parte do seu terreno para o usar, fruir e recolher todos os seus frutos e utilidades, e de lhe dar o uso que muito bem entender (artigo 19º da p.i.).

11. Os réus impedem a autora de alienar ou sobre o prédio descrito nos factos provados números 4 e 5 celebrar qualquer contrato com terceiros (artigo 20º da p.i.).

12. Os pinheiros cortados pelos 1ºs. réus têm um valor de €15.000,00 (artigo 21º da p.i.).

13. O prédio da autora, identificado nos factos provados números 4 e 5, tem valor de locação não inferior a €200,00 (duzentos euros) por mês (artigo 22º da p.i.).


5. Está em causa a alegada violação de normas processuais por parte da Relação ao ter rejeitado conhecer da impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus do art. 640.º do CPC.

O acórdão recorrido fundamentou a decisão de não conhecimento da impugnação da matéria de facto nos termos seguintes:

«Quanto à questão de saber se foram cumpridos os requisitos para a alteração da matéria de facto, diremos que não.

Conforme sustentamos no acórdão desta Relação …. de 17/10/2019, no processo nº 2615/15…, relativamente a situação idêntica, nas suas alegações, os apelantes, não obstante não refiram expressamente pretender a reapreciação da decisão da matéria de facto, a verdade é que referem diversos meios de prova indicam uma série de testemunhas, o que tudo indica que os apelantes poderiam pretender recorrer da decisão de facto.

Sucede, porém que os apelantes não só não indicam qualquer ponto concreto da matéria de facto que considerem incorretamente julgado, como não referem qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, motivo pelo qual, sem necessidade de ulteriores considerações, se decide rejeitar a impugnação da matéria de facto (artigo 640º nº 1 alíneas a) e c) NCPC).»

Insurgem-se os Recorrentes contra esta decisão, alegando que, no recurso de apelação, «invocaram a existência de documentos que poderiam ser apreciados e conduziriam a provar os factos narrados na escritura de justificação notarial», assim como «os concretos meios probatórios, por remissão para os depoimentos das testemunhas e o sentido em que deveria ser fixada a matéria de facto correspondente».

Quid iuris?

Prescreve o n.º 1 do art. 640.º do CPC:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

No caso dos autos não está em causa o cumprimento da exigência da alínea b) (indicação dos concretos meios probatórios), mas sim o cumprimento das exigências da alínea a) (indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e da alínea c) (indicação da decisão a ser proferida sobre as questões de facto impugnadas).

O problema do grau de rigor na apreciação do cumprimento de tais ónus foi considerado por este Supremo Tribunal no acórdão de 01.06.2017 (proc. n.º 664/05.9TBENT.E1.S1)[1], disponível em www.dgsi.pt:

«O sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza e estrutura da própria decisão de facto.

Nessa conformidade, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal da relação tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no citado artigo 662.º, n.º 1, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.

São portanto as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, quando tenha havido lugar a ela, ou aos pontos da sentença em que se encontram inseridos; ou então pela transcrição dos próprios enunciados probatórios.

Por seu turno, a indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, já não respeita propriamente à delimitação do objeto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, com foi dito, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de prova não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações realizadas.

Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Este é, pois, o método processual assumido como garantia de um julgamento equitativo das questões de facto e da legitimidade da decisão que sobre elas venha a recair, com observância dos princípios do contraditório e do tratamento igual das partes.

Por outro lado, o legislador terá sido cauteloso em não permitir a utilização abusiva ou facilitação do mecanismo-remédio de impugnação da decisão de facto. Aliás, mal se perceberia que o impugnante atacasse a decisão de facto sem ter bem presente cada um dos enunciados probatórios e os meios de prova utilizados ou a utilizar na sua fundamentação cirúrgica. Daí a cominação severa da sua imediata rejeição.

Tem-se também suscitado, com frequência, a questão de saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no n.º 1 do artigo 640.º podem figurar apenas no corpo das alegações ou se devem antes ser levados às conclusões recursórias, não existindo consenso jurisprudencial nesta matéria.

Segundo determinado entendimento, pelo menos, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar deve constar das conclusões do recurso, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, por aplicação subsidiária do disposto nos artigos 635.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1, do CPC. De acordo com outro entendimento, a falta de disposição expressa nesse sentido não permitiria uma consequência tão drástica, desde que a indicação de tais pontos constem com nitidez do corpo das alegações. Esta divergência tem-se arrastado desde a introdução do novo regime recursal pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, estranhando-se que o legislador se tenha alheado dela na última reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.    

Embora se afigure mais curial que a especificação dos pontos de facto impugnados e mesmo a indicação da decisão a proferir sobre cada facto constem das conclusões do recurso, face à ambiguidade da lei, inclinamo-nos para um critério moderado, no sentido de aproveitar a especificação que seja feita no corpo das alegações, desde que provida do recorte e clareza necessária à delimitação do objeto do recurso, nessa parte [negritos nossos]

Aceitam-se estes critérios que, em última análise, correspondem a concretizações do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que, na lição de Lopes do Rego («Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil», in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pág. 835), constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição.

Retornemos ao caso dos autos.

No que se refere à impugnação da decisão de facto, formulou o apelante as seguintes conclusões:

«31ª- Assim, em primeiro lugar, há que acrescentar à matéria de facto a matéria alegada pelos R.R. no artigo 18s da contestação, ou seja, que o 2º R. CC procedeu ao registo dos prédios que lhe foram doados pelos seus pais, os 1ºs R.R.;

32ª Pois, conforme foi pedido Mmo Juiz os R.R. juntaram aos autos a certidão do registo predial a demonstrar o registo daqueles prédios a favor do 2º R. CC;

33ª Pelo que, relativamente a esta doação e ao registo do prédio com base na mesma, a aquisição dos prédios pelo 2ª R. revestiu a natureza de aquisição derivada;

34ª. Verificando-se, por isso, a favor do 2º R. a presunção legal de titularidade do seu direito de propriedade, emergente do registo, prevista no artigo 7º do Código de Registo Predial;

35ª- Daí que, não conflituando o seu direito com o direito esgrimido pela A., já que aquela não demonstrou que era proprietária daqueles prédios, tem de ser reconhecido o direito de propriedade ao 2º R. sobre aqueles prédios, por força daquela presunção legal;

NOVAMENTE SEM PRESCINDIR,

36ª- Sucede também que a sentença recorrida errou na fixação matéria de facto;

37ª- Pois, perante todo o manancial de prova testemunhal produzida, errou, salvo o devido respeito ao considerar falsas as declarações prestadas pelos 1ºs R.R. na escritura de justificação notarial;

38ª- Porquanto os depoimentos credíveis de todas as testemunhas e depoimento de parte da A. apontavam, claramente, para a prova de que os 1ºs R.R. adquiriram, por usucapião, os prédios identificados na escritura de justificação notarial;

39ª- Tendo os R.R. exercido actos de posse sobre aqueles prédios, constituídos por monte e uma pequena área de pastagem;

40ª- Os R.R. lograram provar toda a matéria fáctica conducente à aquisição dos prédios em causa, por usucapião;

41ª- Nomeadamente, provaram que desde data indeterminada do ano de 1977, adquiriram aqueles prédios aos proprietários PP e mulher QQ;

42ª- Ficando provado, através dos depoimentos prestados a que se faz referência nestas alegações, que os R.R. desde aquele ano de 1977 tomaram conta daqueles prédios rústicos;

43ª- Neles cortando lenha, cortando mato e transportando-o em carro de bois para as cortes e apascentando gado na zona de pastagem;

44ª- Ficando também provado que os R.R. exerceram outros actos de posse, reparando muros e tornando praticáveis os caminhos no interior daqueles montes;

45ª- Provando igualmente que tais actos de posse se mantiveram, ininterruptamente, desde aquele ano de 1977;

46ª- Com boa-fé, pacífica e publicamente e com a segura convicção de que eram donos daqueles prédios;

47ª- Sendo também reconhecida a sua qualidade de donos pelas pessoas da freguesia;

48ª- Razão porque, ao contrário do vertido na sentença, os R.R. demonstraram completamente todos os mecanismos legais e requisitos conducentes à aquisição daqueles prédios por usucapião»

A partir das enunciadas conclusões há que distinguir:

- A formulação da pretensão de aditamento de um novo facto consta expressamente das conclusões 31ª a 35ª, pelo que tal pretensão podia e devia ter sido apreciada pela Relação;

- A formulação da pretensão de alteração de factos dados como provados pela 1.ª instância (conclusões 36ª a 48ª) não corresponde formalmente ao previsto no n.º 1 do art. 640.º do CPC, havendo, porém, que verificar se os elementos em falta constam do corpo das alegações de recurso, apresentando-se com a clareza necessária à delimitação do objecto do recurso e ao exercício do contraditório.

Vejamos.

Lê-se, a págs. 13 e 14 do corpo das alegações o seguinte:

«(...) Efectuada a instrução e a competente audiência de discussão e julgamento, foi exarado e fixado nos autos a matéria de facto provada e assente, tendo a sentença apreciado da seguinte forma:

A) Em primeiro lugar, não ficou assente como matéria provada o registo dos prédios a favor do 2- R. CC;

B) Em segundo lugar, foi considerado como factos não provados que os 1ºs R.R. tivessem adquirido por contrato verbal de compra e venda aos proprietários PP e mulher QQ os prédios mencionados na escritura de justificação notarial;

C) Em terceiro lugar, foi considerado como factos não provados que os R.R. AA e mulher BB fossem desde 1977 os possuidores dos prédios rústicos identificados na escritura de justificação notarial, neles cortando lenha e mato na zona florestal e apascentando gado na área de cultivo e de pasto, bem como limpando e colhendo todos os seus frutos e utilidades;

D) E em quarto lugar, foi considerado não provado que os R.R. tenham exercido ininterruptamente, sem violência e com conhecimento de todas as pessoas do lugar e da freguesia e na convicção de que são eles e não outros os proprietários e donos daqueles prédios.»

Sendo apreensível, com relativa facilidade, que:

- O enunciado ponto A) corresponde ao facto que, conforme resulta das conclusões recursórias, os apelantes pretendem que seja aditado à decisão de facto;

- O enunciado ponto B) corresponde ao teor do facto não provado 1:

«1. No ano de 1977, os réus AA e BB acordaram verbalmente com PP, e mulher, QQ, comprar os prédios identificados no facto provado número 1, tendo sido ajustado o preço da aquisição em esc.: 1.000.000$00 (artigos 3º e 4º da contestação).»

- O enunciado ponto C) corresponde ao facto não provado 4:

«4. Desde 1977 e até à data da celebração da escritura identificada no facto provado número 1, os réus AA e BB foram os possuidores dos prédios rústicos aí identificados, neles cortando lenha e mato na zona florestal, apascentando gado na área de cultivo e de pasto, realizando neles obras de beneficiação como reparação de muros e de caminhos de acesso aos mesmos e no seu interior, limpando-os e conservando-os, colhendo todos os seus frutos e utilidades (artigos 9º a 13º e 21º da contestação).»

- O enunciado ponto D) corresponde aos factos não provados 5 e 6:

«5. Desde a celebração da escritura identificada no facto provado número 1 que o réu CC vem praticando os atos descritos no número anterior (artigo 14º da contestação).

6. Ininterruptamente, sem violência, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e da freguesia, sem oposição de quem quer que seja, na convicção, por todos eles, que foram e são proprietários dos aludidos prédios e com a convicção de que não lesam direitos de ninguém (artigos 16º, 22º a 26º da contestação).»

E sendo que, logo de seguida, a págs. 14 e 15 do corpo das alegações, os apelantes declaram pretender que sejam dados como provados os enunciados de facto A), B), C) e D) (correspondentes aos factos não provados 1, 4, 5 e 6), ao afirmarem:

«Ora, através da apreciação de toda a prova produzida, vamos procurar demonstrar que a sentença proferida não julgou correctamente o pleito, nomeadamente no que tange quanto à fixação da matéria fáctica provada.

Por isso, em primeiro lugar, a sentença proferida omitiu um facto essencial e que estava plenamente documentado nos autos, qual seja, o registo predial a favor do R. CC dos prédios identificados na escritura de justificação notarial.

Na verdade, tendo sido alegado aquele registo a favor do R. CC no artigo 18s da contestação, o Mmo Juiz "a quo" ordenou a junção aos autos do comprovativo daquele registo, o que os R.R. cumpriram, tendo juntado aos autos a certidão predial competente que se encontra junta a fls... dos autos.

Assim, aqui chegados e sendo fixada em sede de recurso a prova daquele registo a favor do 2º R. CC, verifica-se que, relativamente a este R., a sua aquisição daqueles prédios é uma aquisição derivada e não originária, porquanto resultou de uma doação efectivada pelos 1ºs R.R.

Assim sendo, a aquisição dos prédios pelo 2º R. é regulada nos artigos 1316º e ss do Código Civil relativos à aquisição da propriedade.

Na verdade, na aquisição derivada "o direito adquirido funda-se ou filia-se na existência de um direito na titularidade de outra pessoa".

Acontece que o 2º R. recebeu por doação os prédios em causa e procedeu ao registo dos mesmos a seu favor. Pelo que, em relação ao 2º R. verifica-se a presunção legal de titularidade do seu direito de propriedade emergente do registo, prevista pelo artigo 7º do Código de Registo Predial.

Daí que, não conflituando o seu direito com o direito esgrimido pela A., já que esta não demonstrou nem fez prova que era proprietária de tais prédios, como a própria sentença reconhece, é ao 2º R. que tem de ser reconhecido o direito de propriedade, por força daquela presunção legal advinda do registo dos prédios a seu favor.

NOVAMENTE SEM PRESCINDIR,

Acontece, finalmente, que, ao contrário da matéria de facto exarada na sentença, os 1ºs R.R. fizeram prova dos factos alegados em sede de escritura de justificação notarial outorgada em 27 de Junho de 2014.

Ou seja, os 1ºs R.R. provaram também em sede de audiência de discussão e julgamento os factos narrados na escritura de justificação notarial.

Resulta, por isso, da análise criteriosa dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento e bem assim da documentação junta aos autos, nomeadamente a certidão junta pela A. relativamente ao teor das descrições prediais dos artigos 3316º, 3146º, 3183º e 4297º da antiga matriz predial rústica de … e a certidão ora junta pelos Recorrentes relativamente ao teor das descrições prediais dos artigos …. e … da antiga matriz predial.

Na verdade, relativamente à prova documental verifica-se que os proprietários, quer da "Propriedade ...", quer da "Quinta…", PP e mulher QQ não venderam à A., ao contrário do que esta afirmou na petição inicial, os prédios que compunham os artigos … e … da antiga matriz predial rústica, pois somente lhes venderam os restantes prédios de que dispunham, ou seja, os identificados nos artigos …, …., ….. e … da antiga matriz predial rústica …..

Assim, ao não incluírem naquela transacção os aludidos prédios "M…." e "O…", tem de ser tacitamente entendido que aqueles proprietários já não eram donos daqueles prédios, por terem-nos alienado aos 1ºs R.R., assim saindo reforçada a prova constante das declarações ínsitas na escritura de justificação notarial.

Mas também analisando criteriosamente os depoimentos prestados quer em sede testemunhal, quer em sede de declarações de parte se constata que os 1ºs R.R. lograram fazer prova dos factos invocados na escritura de justificação notarial.»

Nestas circunstâncias, seguindo a orientação adoptada no, supra referido, acórdão deste Supremo Tribunal de 01.06.2017, afigura-se que, salvo o devido respeito, o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura susceptível de ser apreendida, tendo, aliás, sido efectivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada, como resulta do teor das contra-alegações ao recurso de apelação.

Trata-se, na verdade, de uma acção relativamente simples, com um reduzido número de factos provados e de factos não provados, em que a pretensão dos RR. justificantes é facilmente apreensível e reconduzível aos factos por si alegados para demonstrarem a usucapião e que encontram evidente ou imediato reflexo nos factos não provados que pretendem que sejam reapreciados, factos esses correspondentes, em grande medida, à matéria objecto da escritura de justificação.

Assim sendo, a necessidade de respeitar o referido princípio, constitucionalmente fundado, da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual determina a anulação do acórdão recorrido, devendo os autos baixar ao tribunal a quo para apreciação da impugnação da matéria de facto, de acordo com os parâmetros supra enunciados, e subsequente julgamento de direito em conformidade.


6. Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos à Relação para apreciação da impugnação da matéria de facto, de acordo com os parâmetros indicados no ponto 5. do presente acórdão, e subsequente julgamento de direito em conformidade.

Sem custas


Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021


Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.


Maria da Graça Trigo (relator)

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[1] Relatado pelo Cons. Tomé Gomes e votado nesta 2ª Secção do STJ.