Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3129/14.4T8CBR-F.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÕES INDEFERIDAS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / RECURSOS / REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 854.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-01-2018, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

Os recursos interpostos no âmbito de uma acção executiva demandam um procedimento especial como deflui inequivocamente do disposto no artigo 854º do CPCivil o qual predispõe que «Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso dos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.».

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nos autos de ação executiva para pagamento de quantia certa, em que é Exequente AA e executados BB LDA, CC, DD, EE, FF, GG e HH, interpuseram recurso de Revista o Exequente e os Executados, do Acórdão da Relação de Coimbra que revogou a decisão de primeiro grau e determinou a reformulação da liquidação dos juros vencidos, a calcular segundo as taxas expostas na fundamentação expendida, isto é: instaurada a execução em 14 de setembro de 1994, e tendo pedido o Exequente a quantia aposta nas livranças, “acrescida de juros à taxa anual de 15%” – taxa esta que correspondia precisamente à taxa de “juros legais”, ao abrigo do disposto no artigo 559º CCivil, fixada pela Portaria 339/87, de 24 de Abril, será essa taxa aplicável de 14 de Setembro de 1994 a 29 de Setembro de 1995, taxa de 15%; de 30 de Setembro de 1995 a 16 de Outubro de 1999, taxa de 10% - Portaria 1171/95, de 25 de Setembro; de 17 de Abril de 1999 a 30 de Abril de 2003, taxa de 7% - Portaria 263/99, de 12-04; e desde 1 de Maio de 2003, taxa de 4% - Portaria 291/03, de 8de Abril.

Após a audição das partes para se pronunciarem acerca do eventual não conhecimento do objecto do recurso, foi produzida decisão singular nesse sentido, da qual reclamam ambas as partes para a conferência.

Os Executados, como deflui da motivação apresentada e que faz fls 526 a 535, pronunciaram-se acerca do fundo da questão, apenas concluindo em relação ao aspecto formal em discussão, que o meio de «atacar» um não recebimento de recurso é a reclamação a que alude o artigo 643º do CPCivil.

Quanto ao Exequente, a sua motivação de fls 537 a 577, para além de replicar o que já antes havia expresso quer nas suas alegações de recurso, quer na audição ao abrigo do artigo 655º, nº1 do CPCivil, manteve a sua posição quanto á admissão do recurso.

Vejamos.

No despacho singular a aqui Relatora fundamentou a sua decisão do seguinte modo:

«[P]orque entendi que não poderia vir a conhecer do objecto dos recursos interpostos, ordenei a audição das partes para se pronunciarem, nos termos do disposto no artigo 655º, nº1 do CPCivil, aplicável ex vi do preceituado no artigo 679º do mesmo compêndio normativo, tendo apenas o Exequente vindo apresentar a sua posição, sustentando o conhecimento do objecto do recurso de Revista por si interposto, com a seguinte argumentação, que em apertada síntese se enuncia:

- Em primeiro lugar, importa afirmar que o Recorrente não se expressou, de forma errónea e não totalmente explícita, sobre o que pretendia - facto para o qual pede a necessária relevação.

- Todavia, a dificuldade jurídico-processual do assunto em questão - e a aridez do tema jurídico em causa - também contribuiu, em parte, para essa não total explicitude.

- Mas, independentemente das erróneas expressis verbis qualificações usadas relativas ao enquadramento normativo do recurso, vem entregar-se a presente a presente Resposta, afirmando-se, em síntese, que aquilo que o Recorrente pretendeu afirmar, nas Alegações, e fosse apreciado, e julgado, o recurso em sede de Revista (normal) com base no disposto no disposto nas normas especiais ou complementares previstas no Artigo 629 nº 2 do CPC.

- E, assim, para que se atinja esse objectivo, essa questão haverá de ser decidida com base na ideia/via do Recurso de Revista (fundado quer no direito geral resultante do disposto no Artigo 854 quer no previsto no Artigo 629 do CPC).

-Ou seja, embora, na essência dos pressupostos/ ou requisitos substantivos sejam os mesmos, o que o Recorrente pretendeu afirmar - e isso se considera agora corrigido - não é a impetração de um recurso de Revista Excepcional (tout court) mas sim de um Recurso de Revista (normal) mas fundado quer nas regras gerais dos recursos, atinentes com a problemática das alçadas e decaimentos/sucumbências, nomeadamente o disposto no Artigo 854 do CPC, quer como, também, nas normas adicionais ou especiais previstas no Artigo 629 nº 2 do CPC (normas estas, aliás, que, na sua essência substantiva, são quase absolutamente, idênticas ás normas do artigo 672 nº 1, alínea c) do CPC versus 629, nº 2, alíneas c) e d), do CPC)

- De modo tal que o Recorrente não se expressou como desejava - qualificando o recurso, erroneamente, como de Revista Excepcional ainda que subsidiariamente; ou seja não o qualificando, por lapso seu, como o haveria de ter feito, isto é, como Recurso (normal) de Revista mas fundado, isso sim, também no previsto no Artigo 629 nº 2 do CPC.

- Tudo em virtude do facto de que do teor desenvolvido das Alegações (cfr. o Capítulo IX - 0 Direito aplicável (a douta Jurisprudência), a páginas - páginas 37 a 57, das mesmas) e das Conclusões (nomeadamente, as Conclusões 13,19, 48 e, ainda, 53, 53-A a 53-R e 54) decorre, claramente, que o normativo legal no qual o Recorrente pretendia, nessas Conclusões, enquadrar os factos justificativos do recurso era o previsto no Artigo 629 nº 2, alíneas c) e d) do CPC – e para o efeito, os  factos  relativos  a  esse  enquadramento  -  nomeadamente  a contradição do douto Acórdão com os outros doutos Acórdãos do STJ e dos Tribunais da Relação (citados no texto das Alegações) - foram alegados no articulado das Alegações, e suas Conclusões, tendo o Recorrente, igualmente, junto aos autos 3 de esses Acórdãos relevantes para esse enquadramento.

- Facto que justifica que agora se declare rectificado, nos termos e para os efeitos legais, nomeadamente o previsto no Artigo 193 nº 2 do CPC, requerendo-se que seja aceite essa rectificação (isto é, enquadrando-se, essa parcela das Alegações, bem como as Conclusões, nomeadamente, as dos números 13, 19, 48, 53, e, ainda, 53-A a 53-R e 54) nas normas do Artigo 629, nº 2 do CPC, conclusões destas, era que - em vez do enquadramento nas normas do Artigo 854 e nos Artigos 671 nº 3 e Artigo 672 do CPC, fosse apreciado, e julgado, o recurso em sede de Revista (normal), com base no disposto nas normas gerais atinentes aos recursos, nomeadamente a do Artigo 854.

- Pelo que entende que se justifica, plenamente, que, relevando-se o erro processual referido no inicio do presente requerimento, e atingindo-se sempre o magno objectivo que é a Justiça, seja admitida, e julgada, com base na rectificação que ora se peticiona (e a que se reportam os antecedentes Artigos 3 a 9 da presente Resposta), a Revista (normal), com base naquele duplo fundamento - o do Artigo 854 e o do Artigo 629, nº2, alíneas c) e d), ambos do CPC - como ora, mais correctamente se requer que seja; e, adicional e cumulativamente, seja possível, e se tal for entendido como conveniente, que, para esse efeito, e a bem da obtenção de uma mais salutar e actualizada orientação jurisprudencial do STJ, o assunto seja tratado, analisado, apreciado e decidido, também nos termos e para os efeitos dos Artigos 686 e 687 do CPC.

Apreciando.

No despacho preliminar enunciei como questões que se afiguravam obstativas ao conhecimento do objecto das impugnações recursivas em tela, as seguintes: os Executados interpuseram recurso de Revista normal e o Exequente no seu requerimento e motivação, suscitou a questão de se estar perante uma hipótese que demanda e confere o direito a impugnação excepcional, concomitantemente com a Revista normal, tendo apresentado complementarmente conclusões no que tange a este específico recurso, cfr fls 426 e 427; a final, porém, suscita a questão o julgamento ampliado da Revista, de harmonia com o disposto nos artigos 686º e 687º do CPCivil, cfr fls 428.

O Exequente, veio agora em sede de pronunciamento ao abrigo do disposto no artigo 655º, nº1 do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no artigo 679º do mesmo diploma, penitenciar-se pela errónea qualificação recursiva deduzida, uma vez que apenas queria recorrer de Revista normal e nesta, na situação especial aludida no artigo 629º, nº2, alíneas c) e d) do CPCivil e não como Revista excepcional, mantendo, todavia o requerimento para apreciação de uma eventual admissão da impugnação como Revista ampliada.

Tal como já referi anteriormente, os recursos que foram interpostos, ocorreram no âmbito de uma acção executiva, a qual demanda um procedimento especial nesta área temática, como deflui inequivocamente do disposto no artigo 854º do CPCivil o qual predispõe que «Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso dos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.».

Ora, a decisão plasmada no Acórdão que se pretende atacar, não se mostra prolatada em nenhuma das especificadas situações, nem vem arguida qualquer outra situação em que o recurso seja sempre admissível, vg, qualquer uma das consignadas no artigo 629º, nº2 do CPCivil, não obstante agora o Exequente venha alegar que, quando se referiu a uma interposição subsidiária de recurso de Revista excepcional, queria aludir à admissibilidade da impugnação nos termos daquele normativo, alíneas c) e d), o que se se pode até admitir, fazendo apelo aos princípios da gestão processual e da colaboração entre o Tribunal e as partes aludidos nos artigos 6º e 7º do CPCivil.

Contudo, verifica-se que no que tange à alínea c) do nº2 do artigo 629º do CPCivil, o apelo ao segmento normativo nele contido, deverá ter sido devido a lapso manifesto, porquanto não se está perante qualquer situação em que tenha havido uma decisão tomada contra jurisprudência uniformizada deste Supremo Tribunal de Justiça, nem tal foi posto em equação; quanto à aplicação da alínea d) de tal ínsito, agora demandada, a mesma transcende a problemática recursiva em ementa.

Se não.

Efectivamente o Exequente fez juntar várias cópias de Arestos aos autos, que no seu entender, estariam em oposição com a decisão proferida e daí a possibilidade da incursão impugnatória.

Prima facie, porque a decisão de que se recorre é uma decisão interlocutória e não final, a mesma terá de obedecer aos requisitos do normativo inserto no artigo 671º, nº2, alíneas a) ou b), do CPCivil, de onde se poder concluir que, não se estando perante uma situação em que o recurso seja sempre admissível (alínea a)), a impugnação agora encetada apenas se poderia basear na alínea b), isto é, desde que se alegasse que o Acórdão em crise estava em oposição com outro produzido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, cfr neste sentido o Acórdão de 29 de janeiro de 2018 da aqui Relatora in www.dgsi.pt.

A única cópia susceptível de preencher aquela alínea seria o deste Supremo Tribunal de Justiça, produzido em 14 de Janeiro de 2014, cuja cópia certificada faz fls 453 a 456, mas como decorre vítreo do seu teor, o mesmo foi prolatado em tema de acção declarativa e não de acção executiva, mas que se pronunciou precisamente no mesmo sentido proposto pelo Aresto agora impugnado isto é que a taxa de juro efectivamente devida na execução «[p]assasse a ser encontrada  em cumprimento do julgado , em sucessivas liquidações, sendo a que vigorasse em cada momento de vigência das respectivas Portarias. E assim foi decidido e bem.», o que afasta a se  a aplicação da alínea b), pela identidade de tratamento da temática, caso o recurso pudesse ser interposto com fundamento nesta alínea, o que parece estar afastado pelo próprio artigo 854º do CPCivil, pois nela não estão abrangidas as situações em que é sempre admissível recurso, as quais apenas são contempladas pela alínea a) do artigo 671º, nº2.

Assim sendo, não assiste ao Exequente, aqui Recorrente, a possibilidade de ver apreciada a impugnação recursória intentada, como normal, afastada que está a intentada como excepcional, a qual sempre seria inadmissível, face à inexistência de dupla conformidade decisória, como decorre da conjugação do preceituado nos artigos 672º, nº1 e 671º, nº3 do CPCivil, situação esta plenamente aceite por aquele.

Manifesta o Exequente, aqui Recorrente, a necessidade da questão ser apreciada em sede de julgamento ampliado da Revista por si interposta.

Preceitua o normativo inserto no artigo 686º, nº1 do CPCivil que «O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, determina, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do pleno das secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência», acrescentando o seu nº2 que «O julgamento alargado, previsto no número anterior, pode ser requerido por qualquer das partes (…)».

Ora, a possibilidade do julgamento alargado, nestas circunstâncias específicas, apenas será possível, para além de estar sempre dependente da determinação superior de Sua Excelência o Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, se, mutatis mutandis, não ocorrer nenhum óbice que impeça o conhecimento do objecto do recurso, que na especie se verifica, como explanado ficou.

Destarte, de harmonia com o disposto no artigo 652º, nº1, alínea b), aplicável por força do preceituado no artigo 679º, este como aquele do CPCivil, não se conhece do objecto dos recursos interpostos uma vez que se verificam circunstâncias obstativas à sua apreciação.».

Desde já se acentua que inexistem quaisquer razões adventícias, susceptíveis de por em causa a decisão assim tomada.

Sempre se diz ex abundanti, no que tange à argumentação extravagante aduzida pelos Executados de que se está (?) perante uma situação de reclamação por não recebimento de recurso, aludida no artigo 643º, nº1 do CPCivil.

Nada de mais incorrecto: uma coisa é o não recebimento de recurso por banda de um Tribunal inferior, que pode despoletar a aludida intercorrência de reclamação nos termos do artigo 643º do CPCivil; coisa outra, diversa, é a situação de reclamação para a conferência, quando a parte se sente prejudicada por uma decisão singular do Relator, ao abrigo do artigo 652º, nº3, do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º do mesmo diploma.

Aquela primeira hipótese, não tem cabimento aqui, uma vez que estamos em sede de apreciação das circunstâncias obstativas ao conhecimento do objecto do recurso interposto e admitido pelo Tribunal recorrido, portanto, a jusante do despacho que o recebeu, cabendo a mesma, antes, naqueloutro dispositivo legal aludido no artigo 652º, nº3 do compêndio processual.

De outra banda e no que tange à demais argumentação expendida, a mesma conteve-se na substância da questão solvenda em sede de Revista, cuja apreciação não tem lugar nesta fase, o que conduz à improcedência da reclamação.

Quanto aos argumentos expendidos pelo Exequente, porque se ficaram dentro do que já havia sido exposto anteriormente pelo mesmo, nada há a acrescentar, falecendo, mutatis mutandis, a reclamação.

  

Destarte, julgam-se improcedentes as reclamações apresentadas mantendo-se a decisão havida, no que concerne ao não conhecimento do objecto dos recursos interpostos pelos Executados e pelo Exequente.

Custas pelos Reclamantes, com 3 Ucs de taxa de justiça a cargo do Exequente e igual montante a cargo dos Executados.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2019

Ana Paula Boularot - Relatora

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho