Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
629/21.3T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
BANCÁRIO
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I – A letra da cláusula da convenção colectiva é o ponto de partida da sua interpretação, mas também o seu limite.

II – Se a interpretação proposta não tiver o mínimo de correspondência na letra da cláusula, não pode vingar tal proposta, tornando-se desnecessário recorrer a outros elementos de interpretação.

Decisão Texto Integral:


Processo 629/21.3T8CSC.L1.S1

*

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1.

AA instaurou contra Banco Santander Totta, S.A., acção de processo comum de declaração, pedindo, para além da condenação da Ré a pagar-lhe determinadas quantias em dinheiro, a condenação da mesma a reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 46,66 %, correspondente a 7 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário.

Em síntese, e para o que interessa à economia do presente recurso, alega que a Ré, que adianta a pensão de reforma, de acordo com os cálculos do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, recebendo, depois, a totalidade do valor pago pela Segurança Social, com autorização do autor, deduz e tem feito sua a quantia mensal de € 329,41 correspondente a 80,53%, do valor da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões ao autor, quando na realidade só teria direito a 46,66 % da pensão que lhe foi atribuída pelo CNP, o que corresponde a € 190,85, tendo por base o disposto na Cláusula 94ª, nº 1, e 92º, nº 3, ambas do ACT para o Sector Bancário cuja versão integral se encontra publicada no BTE 1ª Série, nº 29, de 8/08/2016.

2.

A ré contestou, defendendo que o cálculo que faz do desconto a efectuar à pensão paga pelo CNP se mostra correcto.

3.

Com o acordo das partes foi lavrado despacho saneador-sentença que, na procedência da acção, assim decidiu:

“a) Condeno a ré Banco Santander Totta, S.A, a reconhecer ao autor AA o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 46,666%, correspondente aos 7 anos

de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b) Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 3.147,21 (três mil cento e quarenta

e sete euros e vinte e um cêntimos), correspondente ao valor excessivamente descontado

entre Maio de 2019 e Março de 2021, valor onde se encontram englobados os respectivos

subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

c) Condeno a ré a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar ao Banco/ré, respeitante aos descontos efectuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d) Condeno a ré a pagar ao autor todas as quantias que tenha retido da pensão do Centro Nacional de Pensões, desde Março de 2021, pela não aplicação da regra descrita em c), e venha a reter até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em incidente de liquidação”.

4.

O Réu interpôs recurso considerando que a sentença é nula por omissão de pronúncia e alegou que a sentença recorrida fez errada interpretação da Cláusula 94ª do ACT para o Sector Bancário.

5.

Contra alegou o Autor em defesa da sentença recorrida.

6.

Por acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Março de 2022, sem voto de vencido e com fundamentação coincidente, no essencial, com a decisão, negou “provimento ao recurso, mantendo a sentença da 1ª Instância”.

7.

Ainda irresignado, o R interpôs recurso de revista excepcional, assim concluindo a sua alegação:
A.           O recurso é de Revista Excecional – cfr. artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do disposto nos artigos 1.º n.º 2 alínea a) e 81.º n.º 6 do CPT – porquanto, não obstante a existência de dupla conforme nos presentes autos, o douto Acórdão recorrido está em contradição com o douto Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2016, proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado.
B.            Verifica-se a contradição dos julgados, uma vez que:
I.   Trata-se da mesma questão de direito com os mesmos pressupostos de facto, porquanto ambos os arestos decidiram sobre como apurar o benefício pago pelo regime geral de segurança social para o efeito da aplicação do disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011) –  atualmente cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário - quando, além da carreira contributiva ao serviço do Banco, o pensionista tem carreira contributiva fora do setor bancário;
II.  Trata-se de decisões expressas e opostas, pois o Acórdão recorrido decidiu, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, reconhecer ao Autor o direito a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor a liquidar a calcular por aplicação de uma “regra de três simples pura”, enquanto no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, se decidiu, confirmando igualmente a sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, julgar totalmente improcedente a ação e absolver a Ré do pedido, o qual correspondia, designadamente, a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à percentagem de 13%, correspondente aos 2 anos e 7 meses de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, numa “regra de três simples pura”;
III. A oposição dos julgados concretiza-se, manifestamente, no sentido da decisão tomada em cada um deles, pois no Acórdão recorrido seguiu-se no sentido da aplicação da “regra de três simples pura” (pro rata temporis), condenando-se o Réu nesses termos e no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, decidiu-se exatamente o contrário, ou seja, absolver o Réu do pedido de condenação a aplicar uma “regra de três simples pura”.
C.            Não obstante o tema já ter sido objeto de douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, ainda não há ainda Jurisprudência uniforme sobre o tema e persiste – e bem – a divergência Jurisprudencial.
D. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011), e que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 9ºe 10º do Código Civil, os artigos 11º, 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10/5 e os artigos 54º, 62º n.º 1, 63º n.º 5 e 67º n.º 1 da Lei das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (Lei n.º 04/2007 de 16/1).
E.            Ao contrário do Acórdão fundamento, o Acórdão recorrido entende (incorretamente) que o Recorrente deduz da pensão de reforma que é paga pela Segurança Social ao Recorrido um montante acima do que seria admissível face ao estabelecido na Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, 1ª Série, n.º 29 de 08.08.2016, determinando que para o cálculo do valor da pensão paga pela Segurança Social a reter pelo Recorrente deverá ter-se única e exclusivamente em consideração o tempo relevante para a formação da pensão, dividindo-se esta pelo critério pro rata temporis.
F.            A questão em análise nos presentes autos está relacionada com a coordenação entre regimes previdenciais (o regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e o regime previdencial dos bancários previsto no na regulamentação coletiva do setor bancário) quanto à prestação a atribuir na eventualidade de velhice, entendendo (incorretamente) o Acórdão recorrido que no cálculo do valor da pensão a reter pelo Recorrente se terão que considerar os 43 anos de descontos para a Segurança Social e não apenas os 40 anos que para a própria Segurança Social relevaram quer para a taxa de formação da pensão, quer para o cálculo da remuneração de referência.
G.           A regra geral é a de que as instituições bancárias apenas se responsabilizam pela diferença entre os benefícios pensionísticos que o regime substitutivo garante e aqueles, da mesma natureza, que sejam pagos pela Segurança Social, sendo que a dúvida surge quando nem todo o valor dos benefícios da pensão de reforma paga pela Segurança Social decorrem do serviço prestado no setor bancário, caso em que as instituições bancárias apenas poderão fazer seu o valor que decorra do tempo de serviço prestado no setor.
H.           O Recorrido esteve enquadrado no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem no período entre junho de 1973 e março de 1975 e entre julho de 1978 e setembro de 1982, tendo a partir de setembro de 1983 e até 31.12.2010 estado integrado no sistema previdencial dos bancários eapartirde01.01.2011 até ao final da sua  carreira contributiva ao serviço do Recorrente (em 31.12.2017) efetuado descontos para a Segurança Social (cfr. fls. 2 do Doc. N.º 2 junto com a PI), sendo que entre junho de 1973 e março de 1975 e entre julho de 1978 e setembro de 1982 não prestou atividade para instituições bancárias e entre setembro de 1983 e 31.12.2017 prestou atividade para o Recorrente.
I.             Em cada um dos anos entre 1973 e 1975, entre 1978 e 1982 e entre 2011 e 2017 foram registados na segurança social “períodos com contribuições”, tendo ainda sido considerados 28 anos (entre 09/1983 e 12/2010) referentes ao período de trabalho em que o Recorrido esteve abrangido pelo sistema previdencial dos bancários e onde não efetuou descontos para a segurança social (cfr. fls. 2 – “Anos civis para determinação da taxa de formação” - do Doc. N.º 2 junto com a PI).
J.             Todas as retribuições auferidas pelo Recorrido e registadas na segurança social em cada um dos anos entre setembro de 1983 e 31.12.2017, foram de montante superior às pelo mesmo recebidas entre junho de 1973 e março de 1975 e entre julho de 1978 e setembro de 1982 (cfr. fls. 2 – “carreira contributiva/ remunerações” - do Doc. N.º 2 junto com a PI).
K.            A remuneração de referência considerada para cálculo da pensão de velhice da segurança social devida ao Recorrido foi determinada de acordo com dois critérios: (i) o primeiro critério corresponde à soma das 10 remunerações anuais mais elevadas auferidas pelo Recorrido nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva, (ii) o segundo critério corresponde à soma das remunerações anuais mais elevadas auferidas pelo Recorrido, “até ao limite de 40”.
L.            A taxa de formação da pensão de velhice da segurança social devida ao Recorrido foi, por aplicação do artigo 34º do D.L. n.º 187/2007, de 80%, correspondendo esses 80% a 40 anos de carreira contributiva, cada um deles valorizado à taxa de 2%, correspondendo esses 80% ao máximo de anos civis – 40 – admitidos pelo artigo 32º do D.L. n.º 187/2007.
M.          A pensão de velhice atribuída pela Segurança Social ao Recorrido foi determinada considerando 40 anos de contribuições, sendo que 35 dos anos considerados foram cumpridos no período de 1983 e 2017 (cfr. fls. 2 – “determinação da remuneração de referência” - do Doc. N.º 2 junto com a PI), ou seja, durante o período durante o qual o Recorrido se encontrava ao serviço do Recorrente.
N.           Na cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário estabelece-se que “As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no n.º 3 da cláusula 92ª, bem como aos demais titulares de pensões e subsídios neles previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços da Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta Secção”.
O.           Ainda com o propósito de coordenar os benefícios do sistema previdencial da Segurança Social (no caso, a pensão de velhice da segurança social) e as prestações da mesma natureza com origem no Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancários, no n.º 2 da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário esclarece-se que “para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª”
P.            Tendo em consideração as regras convencionais supra referidas, há que as coordenar com as regras legais em vigor por forma a proceder ao cálculo do remanescente da pensão paga pela Segurança Social ao Recorrido e que deverá ser retida pelo Recorrente.
Q.           A Lei (artigo 26º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10.05) enumera os factos relevantes para o cálculo da pensão estatutária de velhice, a saber: (i) remuneração de referência; (ii) taxa global de formação da pensão; e (iii) fator de sustentabilidade, quando a ele haja lugar.
R.            O artigo 28º do D.L. 187/2007 determina que a remuneração de referência considera toda a carreira contributiva até ao limite de 40 anos e que, quando o número de anos civis com registo de remunerações for superior a 40, para apuramento da remuneração de referência se considera a soma das 40 remunerações anuais, revalorizadas, mais elevadas.
S.            Por força da Lei, apenas as 40 remunerações anuais mais elevadas são consideradas para efeitos de formação da remuneração de referência, sendo que, no caso do Recorrido, 35 dessas 40 remunerações mais elevadas foram pagas pelo Recorrente, tendo tais remunerações contribuído em 80,53% no apuramento da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice do Recorrido.
T.            Acresce que, considerando a situação dos beneficiários – como é o caso do Recorrido – inscritos na Segurança Social até 31.12.2001 (artigo 33º n.º 1 do D.L. 187/2007) para o cálculo da remuneração de referência também é considerado “o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, com registo de remunerações” – artigo 28º n.º 3 do D.L. 187/2007.
U.           Nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva o Recorrido prestou a sua atividade no setor bancário ao serviço do Recorrente, pelo que neste segundo critério de cálculo, a totalidade da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice foi auferida pelo Recorrido ao serviço do Recorrente, pelo que a retribuição auferida pelo Recorrido em atividade fora do Recorrente não contribuiu em mais de 19,47% para o apuramento da sua remuneração de referência.
V.           No que respeita à (ii) taxa global de formação da pensão, de acordo com artigo 29º do D.L. n.º 187/2007, na taxa de formação da pensão o número máximo relevante de anos é 40 (quarenta), sendo esta regra reafirmada nos artigos 31º e 32º do D.L n.º 187/2007.
W.          É, pois, mais uma vez por demais evidente que a taxa de formação da pensão de velhice do Recorrido apenas considerou, por imposição legal, 40 dos 43 anos da sua carreira contributiva, sendo que, como acima referido, os anos civis relevantes para o cálculo da remuneração de referência são aqueles em que, até ao limite de 40 anos, foram pagas a remunerações anuais revalorizadas mais elevadas (artigo 28º n.º 3 do D.L. 187/2007).
X.            Deste modo, no que respeita aos critérios relevantes para a formação da pensão estatutária do Recorrido que:
i.             80,53% da remuneração de referência foi registada no período em que o Recorrido trabalhou para o Recorrente (cfr. Doc. N.º 2 junto com a PI e Doc. N.º 1 ora junto);
ii.            a taxa de formação da pensão foi limitada aos 40 anos com remunerações anuais mais elevadas, sendo que 35 em 40 foram precisamente ao serviço do Recorrente.
Y.            Entender-se – como o Acórdão recorrido entende – que o Recorrido ao reter 80,53% da pensão de velhice da segurança social desconsidera a totalidade da carreira contributiva do Recorrido carece de fundamento e de sentido. Na verdade, tal “desconsideração” não decorre da vontade do Recorrido e a existir decorre única e exclusivamente da Lei que limita a 40 anos (os que correspondem às 40 remunerações anuais mais elevadas) o período de carreira contributiva a atender para efeitos de determinação da remuneração de referência e da taxa de formação da pensão. Deste modo, é inquestionável que o Recorrente se “limita” a seguir, nos seus precisos termos, os comandos legais em vigor sobre esta matéria.
Z.            Não se poderá entender como violado o artigo 63.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. Nesta disposição determina-se que “todo o tempo de trabalho contribui (…) para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez”, tal sucede sempre “nos termos da Lei”, ou seja, de acordo com as previsões legais em vigor (incluindo, naturalmente, no que respeita aos limites máximos impostos).
AA. No que respeita ao cálculo da pensão de reforma devida ao Recorrido, cumpre recordar que o sistema de segurança social português tem como princípio basilar o princípio da contributividade. Este princípio determina que o cálculo da pensão tem por base os rendimentos de toda a carreira contributiva (com o limite das 40 remunerações mais elevadas), tendo o Decreto-Lei 187/2007 de 10.05 (cfr. artigo 33º) introduzido uma nova fórmula de cálculo da pensão estatutária, consagrando um regime específico para os trabalhadores (como é o caso do Recorrido) inscritos na Segurança Social até 31.12.2001.
BB. Esta forma de cálculo encontra-se espelhada no Doc. N.º 2 junto com a PI (campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 33º”). Num dos regimes – a designada P1 - a pensão calculada considera como “N” o “número de anos civis contados para o efeito. Esta taxa tem como limite máximo 80%” (cfr. Doc. N.º 2 junto com a PI campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 34º”); o outro regime – a designada P2 – considera o número de anos civis até ao limite de 40 (cfr. Doc. N.º 2 junto com a PI . campo “cálculo da pensão estatutária”, quadro “ao abrigo do DL 187/2007 art. 32º”).
CC. Ou seja, a Lei não atribui relevância ao período da carreira contributiva para além dos 40 anos.
DD. É, pois, inequívoco que a pensão de velhice do Recorrido resultou de uma carreira contributiva limitada a 40 anos, correspondentes aos 40 anos em que o mesmo auferiu as 40 remunerações anuais mais elevadas (35 dos quais ao serviço do Recorrente).
EE.          Deste modo, por aplicação da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, no cálculo do valor da pensão a reter pelo Recorrente não terão que se considerar os 43 anos de descontos para a Segurança Social, mas apenas os 40 anos que relevam quer para a taxa de formação da pensão, quer para o cálculo da remuneração de referência.
FF.          No que respeita à questão de ter única e exclusivamente em consideração o tempo relevante para a formação da pensão, dividindo-se este pelo critério pro rata temporis cumpre referir que tal não  corresponde a uma correta aplicação do estabelecido pela Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário.
Com efeito,
GG. No âmbito do regime geral de segurança social há que considerar que o reconhecimento do direito à pensão de velhice depende do preenchimento das respetivas condições de acesso (definidas no D.L. n.º 187/2007 de 10.05), designadamente:
   inscrição do beneficiário no sistema de segurança social e requerimento da pensão pelo beneficiário;
   condição de idade inerente a esta eventualidade;
   preenchimento do prazo de garantia de contribuições dos trabalhadores e respetivas entidades empregadoras.
HH. Sendo um sistema contributivo, o sistema da segurança social tem por base os rendimentos do trabalho, pelo que no que respeita ao modo de cálculo da pensão (cfr. artigo 26º n.º 2 do D.L. n.º 187/2007) a lei atende ao número de anos de carreira contributiva e à média das remunerações anuais do trabalhador ao longo desses anos, aplicando a estes fatores uma taxa (a taxa deformação da pensão).
II.            O sistema de segurança social rege-se por regras e princípios gerais previsto na Lei das Bases Gerais do Sistema da Segurança Social (LBGSSS), designadamente:
   princípio da contributividade (existe uma relação sinalagmática direta entre a obrigação de contribuir e o direito às prestações) – artigo 54º LBGSSS;
   princípio da não acumulação de benefícios sociais da mesma natureza – artigo 67º n.º 1 da LBGSSS;
   o valor das remunerações registadas constitui a base de cálculo para a determinação do montante das prestações pecuniárias substitutivas dos rendimentos da atividade profissional – artigo 62º n.º 1 LBGSSS;
   o cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os rendimentos do trabalho revalorizados, de toda a carreira contributiva – artigo 63º n.º 5 da LBGSSS -, o que traduz o princípio geral da unidade do sistema de segurança social (artigo 16º da LBGSSS) e o princípio constitucional(artigo63º n.º 4 da CRP)que determina  que todo o tempo de trabalho tem de ser considerado no cálculo das pensões de velhice e invalidez.
JJ.           As condições de atribuição da pensão de velhice são muito diferentes nos dois sistemas(segurança social e previdencial dos bancários) porquanto o regime de segurança social tem como substrato essencial as contribuições dos beneficiários, no sistema previdencial do ACT dos bancários o direito às prestações sociais não assenta necessariamente nas contribuições dos trabalhadores beneficiários, nem é exigido um prazo de garantia ou densidade contributiva. Assim, o sistema público de pensões tem em consideração não apenas os anos de carreira contributiva, mas também as respetivas remunerações sobre as quais recaíram contribuições, pelo que nesse sistema o cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva. Deste modo, a taxa global da pensão tem a ver com a totalização de períodos contributivos à razão de uma taxa de formação de cerca de 2% por cada ano até ao máximo de 80%.
KK. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 1-A/2011 de 3 de janeiro todos os trabalhadores bancários foram integrados no regime geral da Segurança Social quanto à eventualidade de velhice com efeitos a01 de janeiro de2011(cfr. Decreto-Lei n.º 1-A/2001, de 3 de Janeiro, artigos 1.º/1, 2.º,3.º/2,  alínea b) e 11.º/2),pelo que a partir desta data o regime do Setor Bancário assumiu, quanto aos trabalhadores bancários, natureza complementar, conferindo benefícios apenas na parte que exceda o valor das prestações atribuídas pela segurança social – ou, na formulação dos acordos coletivos de trabalho mencionados, na «diferença entre o valor desses benefícios “atribuídos por instituições ou serviços de segurança social”] e o dos previstos nesta secção” (ACT 2011, cl.ª 136.ª/1, segunda parte; ACT 2016, cl.ª 94.ª/1, segunda parte).
LL.          A integração dos trabalhadores bancários no regime geral da segurança social determina a necessidade de coordenação de regimes, sendo que no caso dos trabalhadores admitidos antes de 2009 (como é o caso do Recorrido) ficou estabelecido que os mesmos, apesar de beneficiarem de pensões do regime geral, continuam a beneficiar das mensalidades da pensão bancária, que continua a funcionar como complementar, continuando o período de descontos para a segurança social (desde janeiro de 2011) a contar igualmente para efeitos de antiguidade da pensão bancária, o que garante a estes trabalhadores um benefício acrescido, porquanto o período de serviço após 2011 tem efeitos de incremento quer na pensão do regime geral, quer na pensão bancária. É, pois, evidente que regime transitório não coloca em causa o n.º 4 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, pois existe uma total salvaguarda do antigo sistema porquanto ficou garantido que os bancários receberão, sem mais encargos, pelo menos os valores correspondentes às “mensalidades” de acordo com todo o tempo de serviço (incluindo após 01.01.2011) prestado até à reforma.
MM. Foi, no entanto, instituído um mecanismo de limitação das responsabilidades, de modo a permitir determinar nas pensões pagas pela Segurança Social o que é imputável à Banca e o que é imputável a outros empregos – esse mecanismo é o previsto na cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, sendo a responsabilidade do Recorrente limitada ao que não é conferido pelo sistema público. Ou seja, vigora o princípio de não acumulação de benefícios da mesma natureza também se encontra previsto no artigo 67º n.º 1 da LBGSSS.
NN. Assim, ao regime substitutivo (mais vantajoso) do ACT do Setor Bancário devem deduzir-se os benefícios da mesma natureza atribuídos pela Segurança Social (cfr. cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário), não se podendo deduzir o que resultar de esforço contributivo do trabalhador por trabalho prestado fora da Banca, o que impede o Recorrente de cumular o benefício previdencial previsto na indicada regulamentação coletiva com a mesma pensão de velhice da segurança social, tendo apenas a receber a diferença entre eles.
OO. Para aplicação da regra constante da cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário é necessária uma operação técnica: a operação de cálculo da diferença do valor das prestações dos dois sistemas de segurança social que se sobrepõem.
PP.         A cláusula 94ª é totalmente omissa relativamente à operação de cálculo da diferença do valor das prestações pois apesar de se estabelecer a regra da responsabilidade complementar das Instituições de Crédito, nada se estabelece sobre o modo de operacionalizar/calcular essa responsabilidade, existindo assim uma lacuna regulativa no ACT do Setor Bancário.
QQ. Assim, numa primeira linha, a questão a resolver nos presentes autos não se reconduz à interpretação da Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, havendo sim que proceder à integração da lacuna do regime previdencial do ACT do Setor Bancário.
RR. Há, pois, que analisar a Cláusula 94ª n.º 1 segunda parte de acordo com os critérios de integração de lacunas da lei (estabelecidos no artigo 10º do Código Civil), não deixando, contudo, de ter em consideração os critérios de interpretação da Lei (conforme estabelecido no artigo 9º do Código Civil).
SS.          Para a determinação do sentido da norma (artigo 9º do CC) deve atender-se ao elemento literal (exigindo-se que o sentido da norma tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso – artigo 9º n.º 2), deve ponderar-se a intenção do legislador conjugando-a com o momento em que a norma é aplicada e deve ainda atender-se ao elemento sistemático.
TT. Na integração das lacunas da norma (artigo 10º do CC) deve atender-se às normas aplicáveis a situações análogas (artigo 10º n.º 1 do CC) e, na falta de caso análogo, integrando a lacuna segundo a norma que o intérprete criaria se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10º n.º 3 do CC).
UU. No caso em análise nos presentes autos, há que verificar se existe alguma situação análoga ao caso omisso que seja regulada na Lei. Existindo essa situação análoga regulada na Lei, integra-se a lacuna através da aplicação daquele regime ao caso omisso.
VV. Estando em causa a desagregação da parte da pensão sujeita ao regime legal da pensão de velhice e invalidez aprovado pelo D.L. n.º 187/2007 de 10.05 e tendo esse regime legal regras próprias para o cálculo desta pensão, tais regras, tendo sido aplicadas para determinar o valor daquela pensão, não podem deixar de ser aplicar na operação desatinada a determinar o valor dos benefícios da mesma natureza, pelo que para a situação em análise nos presentes autos a situação análoga é a prevista no artigo 28º do Decreto-lei n.º 187/2007.
WW. Para o cálculo da pensão de velhice o artigo 28º do D.L. 187/2007 de 10.05 manda atender ao tempo de trabalho com registo de contribuições (carreira contributiva) e à remuneração de referência, aplicando ao produto destes fatores a taxa de formação da pensão. Assim, se estes fatores são tidos em conta na fase de construção da pensão da segurança social, os mesmos não podem deixar de ser tidos em conta na determinação das parcelas que compõem essa mesma pensão e que, ainda dentro desse mesmo processo de construção da pensão, têm que ser separadas para determinar a medida da responsabilidade complementar que eventualmente caiba às Instituições de Crédito no âmbito daCláusula94ªdoACT do Setor Bancário– cfr. a  este propósito o elucidativo e Douto Parecer de Direito da Senhora Professora Maria do Rosário Palma Ramalho já junto aos autos.
XX. A lacuna regulativa da cláusula 94ª n.º 1 II parte do ACT do Setor Bancário quanto ao modo de cálculo da diferença entre a pensão de velhice garantida pela Segurança Social e a reforma de invalidez presumível prevista no ACT do Setor Bancário terá, nos termos estabelecidos no artigo 10º do CC, necessariamente que ser integrada através da  aplicação das regras de cálculo da pensão de velhice previstas no D.L. n.º 187/2007 de 10.05.
YY. Assim sendo, só a consideração, não apenas dos anos das duas fases da carreira contributiva (dentro e fora do setor bancário e com o limite dos 40 anos com remunerações anuais mais elevadas),mas também as remunerações que consubstanciam essa carreira contributiva na medida em que essas remunerações assumem na valorização dos benefícios, é que dá total aplicação à salvaguarda prevista na cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, sendo que o critério pro rata temporis apenas é aceitável em regimes alheios à contributividade (o que não é o caso do regime geral da Segurança Social português).
ZZ.          Se por mera hipótese de raciocínio se entender que a situação em causa nos presentes autos não configura uma lacuna regulativa (o que apenas por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se concebe), reduzindo-se apenas a uma questão de interpretação da cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário, sempre se chegaria a idêntica conclusão.
AAA. Mesmo com recurso aos critérios de interpretação da Lei estabelecidos pelo artigo 9º do CC, o critério pro rata temporis não seria passível de aplicação pois, desde logo, este critério não se coaduna com o sentido (ratio legis) da regra da Cláusula 94ª n.º 1 (segunda parte) a que o artigo 9º n.º 1 do CC manda atender e também não tem um mínimo de correspondência na letra da referida Cláusula como manda atender o n.º 2 do artigo 9º do CC.
BBB. Acresce que o critério adotado pelo Recorrido (e pelo Acórdão fundamento) não coloca em causa qualquer preceito constitucional. Desde logo, não é colocado em causa o princípio da igualdade uma vez que, como acima já referido, o sistema previdencial dos bancários é até mais favorável do que o regime geral da segurança social - cfr. Ac. do TC n.º 675/2005 – (diga-se, aliás, que este princípio determina que se trate de modo diferente o que é diferente, ou seja, manda tratar de forma diferente e proporcional as situações em que há diferentes valores de rendimentos de trabalho descontados nas contribuições e quotizações).
CCC. O princípio da confiança também não é posto em causa uma vez que com a forma de cálculo adotada pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento não há uma qualquer diminuição de proteção, sendo inclusivamente inteiramente respeitados os direitos em formação (cfr. artigo 66º da LBGSSS), sendo que relativamente ao trabalho prestado fora da Banca o Recorrente recebe integralmente aquilo que resulta dos seus descontos revalorizados
DDD. Também é respeitado o n.º 4 do artigo 63º da CRP. No método utilizado pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento o tempo dentro e fora da Banca não deixa de contribuir para a reforma, o tempo conta sempre e proporcionalmente quando (como é no método adotado pelo Recorrido) é considerada a carreira contributiva (que é expressa em descontos). Aliás, em momento algum a CRP refere que só o tempo deve ser considerado e que deverá ser ignorado o volume das contribuições.
EEE. Não se poderá igualmente ignorar que a Cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário prevê uma regra que limita a responsabilidade das instituições bancárias, permitindo que esta corresponda apenas à diferença entre o valor dos benefícios pensionísticos pagos pela Segurança Social e o valor dos benefícios previstos no ACT.
FFF. Na cláusula 94ª não se refere “tempo”, mas sim “contribuições”, “valores” e “benefícios” referindo-se expressamente que a responsabilidade das instituições bancárias se limita a uma diferença entre o valor (e não tempo…) dos benefícios da segurança social e dos previstos no ACT do Setor Bancário. A cláusula 94ª do ACT impõe assim uma averiguação dos fatores de formação da pensão paga pelo sistema público para permitir apurar o que é imputável a cada um dos períodos (fora e dentro da Banca).
GGG. Assim, o critério pro rata temporis fixado pelo Acórdão recorrido e defendido pelo Recorrido não encontra qualquer sustentação nem na letra nem no espírito da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário.
HHH. Há igualmente que atender ao elemento racional da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário. O objetivo é evitar o locupletamento do trabalhador com duas fases de serviço na Banca (uma não contributiva e outra contributiva) em que a segunda confere expetativas (ainda que virtuais) nas pensões da Segurança Social e simultaneamente nas reformas (“mensalidades”) bancárias, evitando-se igualmente um encargo excessivo para o empregador
III.          Este equilíbrio e equidade só são possíveis de ser alcançados se se tiver em conta não só o tempo, mas também o esforço contributivo em cada um dos momentos (dentro e fora da Banca), ou seja, se se considerar a distribuição dos benefícios em função do esforço contributivo, sendo que este desiderato só é possível se for adotado o método de cálculo adotado pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento (em que deduz na pensão que suporta a totalidade da pensão paga pela Segurança Social para a qual contribuiu na íntegra).
JJJ.         Por fim, há ainda que atender aos elementos sistemáticos: a cláusula 94ª do ACT destina-se a evitar uma questão de dupla proteção.
KKK.O princípio da contributividade encontra-se previsto e é basilar do regime geral da segurança social (cfr. artigo 54º da LGBSSS) e tem por base uma regulamentação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações (bem como ao respetivo montante). Neste regime a dimensão dos contributos (contribuições) é pedra basilar e tem influência direta nas prestações de reforma.
LLL. É, pois, evidente que o critério pro rata contributum é o único que permite dar plena e efetiva aplicação às regras previstas na cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, pelo que o método de cálculo adotado pelo Recorrido e pelo Acórdão fundamento não merece qualquer censura ou reparo devendo o mesmo ser reconhecido como o correto e correspondente ao espírito e letra da citada cláusula.
MMM. A divisão em duas parcelas daquela pensão – a correspondente ao tempo de serviço prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do sector bancário (“pensão extra-banco”) e a que resulta do trabalho para o Recorrente – deve considerar os mesmos fatores de cálculo, sob pena de se apurar de modo distinto o valor da totalidade da pensão e o de parte dela.
NNN.A remuneração de referência auferida pelo Recorrido durante o período de trabalho prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do sector bancário, revalorizada de acordo com as regras legais aplicáveis, foi inferior à que recebeu ao serviço do Recorrente, pelo que a pensão correspondente àquele período de trabalho, calculada nos termos acima indicados, é naturalmente inferior à gerada pela carreira contributiva adquirida enquanto trabalhador do Banco.
OOO. Tendo em conta o método acima referido, do montante da pensão de velhice do regime geral de segurança social, 80,53% do valor corresponde ao número de anos da carreira contributiva do Recorrido ao serviço do Recorrente e ao valor da correspondente remuneração de referência, e 19,47% do valor da pensão da Segurança Social corresponde ao número de anos daquela carreira contributiva e ao valor da remuneração de referência respeitantes ao tempo de serviço prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do sector bancário. É, pois, inequívoco que não há qualquer incorreção na divisão da pensão de velhice do regime geral de segurança social auferida pelo Recorrido.
PPP. Por aplicação da cláusula 94ª do ACT do Setor Bancário, o Recorrente tinha – e tem – direito a deduzir 80,53% do valor da pensão de reforma paga pela Segurança Social, pelo que é imperioso reconhecer-se a correção do método de cálculo adotado pelo Recorrente (e pelo Acórdão fundamento), bem como a correção dos cálculos efetuados, não sendo o Recorrente devedor de qualquer montante ao Recorrido, o que igualmente deverá ser reconhecido, revogando-se, em consequência, o Douto Acórdão recorrido.

8.

Contra-alegou o Recorrido concluindo que “a sentença recorrida não merece qualquer censura (…)”.

9.

Remetidos os autos à Formação decidiu esta admitir a revista excepcional.

10.

O MP pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

11.

Nos presente autos apenas se questiona a forma como deve ser calculada a pensão a que se refere a cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016).

II – Fundamentação
A) DE FACTO

As Instâncias considerarem provada a seguinte factualidade:
1. A ré é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária (artigo 1º da petição inicial – assente por acordo das partes).
2. Participou nas negociações e outorgado o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte (artigo 2º da petição inicial – assente por acordo das partes).
3. O autor encontra-se filiado no Mais Sindicato, que também usou ... e Ilhas, onde figura como o sócio nº ... (artigo 3º da petição inicial – assente por acordo das partes).
4. O autor foi admitido ao serviço da ré em Setembro de 1983 e prestou trabalho para a ré até 31 de Dezembro de 2017 (artigos 4º e 5º da petição inicial e 10º e 14º da contestação – assente por acordo das partes).
5. O autor recebeu carta do Centro Nacional de Pensões, datada de 06/09/2019, junta
como documento 1 da petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que o informou que “o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO ao abrigo da legislação acima indicada” (DL 187/2007, de 10 de Maio, DL 167-E/2013, de 31 de Dezembro, DL 119/2018, de 27 de Dezembro), sendo que “a pensão por VELHICE tem início em 2019-05-09, sendo o seu valor actual 355,44 Euros” e que “o pagamento dos valores a que tem direito será efectuado no mês de 2019-10, através de BANCO SANTADER TOTTA” e que “nas páginas seguintes do presente ofício, encontra-se discriminada a carreira contributiva que foi considerada para o cálculo da pensão” (artigo 6º da petição inicial – assente por acordo das partes).
6. O autor recebeu carta do Centro Nacional de Pensões, datada de 23/10/2019, junta
como documento 2 da petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que o informou que “foi efectuado novo cálculo da pensão atribuída ao abrigo da legislação acima indicada” (DL 187/2007, de 10 de Maio, DL 167-E/2013, de 31 de Dezembro, DL 126-B/2017, de 6 de Outubro), sendo que “o valor da pensão por VELHICE, em resultado do novo cálculo é de 399,02 Euros” e que “o pagamento dos valores a que tem direito será efectuado no mês de 2019-11, através de BANCO SANTADER TOTTA” e que “nas páginas seguintes do presente ofício, encontra-se discriminada a carreira contributiva que foi considerada para o cálculo da pensão”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 7º da petição inicial – assente por acordo das partes).
7. Actualmente, e desde Maio de 2020, o valor da pensão paga ao autor pelo Centro Nacional de Pensões é de € 409,02 Euros (artigo 8º da petição inicial – assente por acordo das partes).
8. O autor passou à situação de reforma integrado no nível 9 do ACT para o Sector Bancário, passando a auferir uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a Mensalidade de Reforma de € 1.111,98, Pensão Extra-Banco de € 79,61, Diuturnidades/Reforma Antiguidade de € 252,36 e Anuidades/Reforma-Antiguidade de € 33,65 até Novembro de 2020, passando a partir de Dezembro de 2020 a uma Mensalidade de Reforma de €1.115,32, pensão Extra-Banco de € 79,61, Diuturnidades/Reforma Antiguidade de €253,14 e Anuidades/Reforma-Antiguidade de € 33,75 (tendo em Dezembro de 2020 data sido pagas as actualizações com retroactivos a Janeiro de 2020), nos termos melhor discriminados no documento junto como como documento 2 da petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 9º da petição inicial – assente por acordo das partes).
9. A ré da pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões apenas entrega ao autor, desde Maio de 2020, no valor de € 409,02, a quantia de € 79,61, sendo antes de tal data a quantia de € 77,66 quando a pensão era de € 399,02, com a designação de “pensão extra-banco”, correspondente a 19,46% do valor total de tal pensão (artigo 29º da contestação – assente por acordo).
10. O Banco Santander adianta a pensão de reforma, de acordo com os cálculos do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, recebendo, depois, a totalidade do valor pago pela Segurança Social, através de instrumento emitido pelo bancário para esse desiderato, sendo considerada “instituição centralizadora”, autorizando o autor tal forma de pagamento (artigos 10º da petição inicial e 28º da contestação assente por acordo das partes).
11. O autor teve a seguinte carreira contributiva:
- De 06-1973 a 03-1975 e de 07-1978 a 09-1982 o autor efectuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividade dependente remunerada a entidade não bancária;
- De 09-1983 a 12-2010 o autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou descontos para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB);
- Com a extinção da CAFEB por integração no Instituto da Segurança Social, I.P., o autor passou a descontar, enquanto trabalhador bancário, para a Segurança Social, até passar à situação de reforma desde 01-01-2011 a 31-12-2017 (artigos 19º a 23º da petição inicial e 11º a 13º da contestação assente por acordo das partes).
12. Em 21 de Julho de 2020 o autor remeteu à ré a carta junta como documento 18 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte teor: “Na sequência dos processos judiciais (…) foi reconhecido (…) o princípio da proporcionalidade directa (ou da regra de três simples) no pagamento de reformas, no caso do trabalhador ter prestado trabalho fora do sector – ou, máxime, no caso do trabalhador ter descontado, alternadamente, para a Segurança Social.
Neste considerando, impõe-se a correcção imediata do método de divisão que aplicam no valor que aufiro a título de pensão paga pela segurança social.
Serve a presente para vos informar, ainda, que não permito nenhuma dedução ao valor da reforma a vosso cargo, além do valor apurado pela regra da proporcionalidade directa.” (artigo 49º da petição inicial assente por acordo das partes).
13. Tendo a ré respondido, por carta datada de 31 de Agosto de 2020, junta como documento 19 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte teor:
“(…) 1. O valor da pensão de velhice do regime geral de segurança social auferida por V. Exa constitui o produto da multiplicação do número de anos da sua carreira contributiva, traduzida na taxa de formação da pensão, pelo valor da sua remuneração de referência.
2- Consequentemente, a divisão em duas parcelas daquela pensão – a correspondente ao tempo de serviço prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação colectiva do sector bancário (“pensão extra-banco”) e a que resulta do trabalho para este Banco – deve considerar os mesmos factores de cálculo, sob pena de se apurar de modo distinto o valor da totalidade da pensão e o de parte dela.
3- O Banco procedeu à divisão em duas parcelas da pensão auferida por V. Exa. proporcionalmente ao tempo de serviço por si prestado em cada um dos períodos considerados, mas também ao valor de referência que neles auferiu.
4- A remuneração auferida por V. Exa. durante o período de trabalho prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação coletiva do setor bancário, revalorizada de acordo com as regras legais aplicáveis, foi inferior à que recebeu ao serviço deste Banco, pelo que a pensão correspondente àquele período de trabalho, calculada nos termo acima indicados, é naturalmente inferior à gerada pela carreira contributiva adquirida enquanto trabalhador no Banco.
(…) 6- Tendo em conta o acima referido, do montante da sua pensão de velhice do regime geral da segurança social (€ 399,02 a data da atribuição). € 321,76 correspondem ao número de anos da sua carreira contributiva ao serviço deste Banco (2011 a 2017 mais 1 ano de Serviço Militar considerado na antiguidade para atribuição da reforma no âmbito do ACT) e ao valor da correspondente remuneração de referência e € 77,66 ao número de anos daquela carreira contributiva e ao valor da remuneração de referência respeitantes ao tempo de serviço prestado a entidades não abrangidas pela regulamentação colectiva do sector bancário (1973, 1978 a 1982 mais 1 ano de serviço militar, dos 2 considerados pela Segurança Social.
7- Não há por isso nenhuma incorrecção na divisão da pensão de velhice do regime geral de segurança social auferida por V. Exa.
8- Esclarece-se ainda que a indicada regulamentação colectiva do sector bancário obriga apenas ao pagamento da diferença entre o valor das prestações de reforma nela previstos e o montante da pensão de velhice da segurança social, na parte gerada pela carreira contributiva que tenha sido relevante para a contagem da sua antiguidade no mesmo sector.
9- Não há, por isso, nenhuma “dedução” no valor da prestação de reforma devida nos termos da mesma regulamentação colectiva mas apenas e tão só, o apuramento e pagamento daquela diferença. (…) ” (artigo 49º da petição inicial assente por acordo das partes).


B) DE DIREITO

1.

A 1ª Instância julgou a acção procedente com o seguinte argumentário:

A questão controvertida e a decidir nestes autos reside na interpretação da Cláusula 94º, nº1 e 2, do Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e a Federação do Sector Financeiro - FEBASE - Revisão global, (doravante ACT do Sector Bancário), publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego (doravante BTE), 1ª Série, nº 29, de 8/08/2016 (em vigor à data da passagem do autor à reforma), que sucede ao anteriormente publicado no BTE , 1ª Série, nº3, de 22/01/2011 (com as alterações publicadas no BTE , 1ª Série, nº8, de 29/02/2012), cuja Cláusula 136º tinha idêntico teor.

Vejamos o que dispõe tal cláusula, inserida na Secção II, sob a epigrafe Benefício:

Cláusula 94.ª

Garantia de benefícios e articulação de regimes

1- As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 92.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.

2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª. (…)”

O mencionado nº 3 da Cláusula 92ª do aludido ACT prevê que “3- Aos trabalhadores que à data da entrada em vigor do presente acordo estejam abrangidos pelo capítulo XI, secção I do acordo colectivo de trabalho do sector bancário ora revogado, é garantido o regime de protecção social em regime de benefício definido nos termos da secção II - Benefício definido do presente capítulo”.

Tais cláusulas sucederam à Cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (versão publicada no BTE n.º 3, de 22/01/2011), que tinha o seguinte teor sob a epígrafe “Benefícios sociais”

SECÇÃO I

Segurança social

Cláusula 136.ª

Âmbito

1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo.

2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª

3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza”.

No caso concreto as partes estão de acordo e tal resulta dos factos dados como provados que o autor trabalhou para a ré entre Setembro de 1983 e a data da sua reforma em 31 de Dezembro de 2017 e que teve a seguinte carreira contributiva:

- De 06-1973 a 03-1975 e de 07-1978 a 09-1982 o autor efectuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividade dependente remunerada a entidade não bancária;

- De 09-1983 a 12-2010 o autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou descontos para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB);

- Com a extinção da CAFEB por integração no Instituto da Segurança Social, I.P., o autor passou a descontar, enquanto trabalhador bancário, para a Segurança Social, até passar à situação de reforma desde 01-01-2011 a 31-12-2017.

E estão também de acordo e tal resulta do teor do documento emitido pelo Centro Nacional de Pensões que deferida a pensão por Velhice com início em 9/05/2019, o valor de tal pensão, e após novo cálculo, foi de € 399,02, considerando-se, para tal cálculo, como pensão proporcional ou prorratizada (totalização com períodos contributivos noutros regimes de protecção social) 15 anos de número de anos de Segurança Social, e número de anos civis 40 e como fator de prorratização 15/40.

Ora, dos 15 anos de contribuições considerados pela Segurança Social, 7 foram ao serviço da ré entre 1/01/2011 e 31/12/2017.

Tal pensão, como aceite pelas partes, é desde Maio de 2020, no valor de € 409,02.

Igualmente está aceite e resulta dos documentos e avisos de crédito emitidos pela ré que a ré da pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões apenas entrega ao autor, desde Maio de 2020, no valor de € 409,02 a quantia de € 79,61, sendo antes de tal data a quantia de € 77,66 quando a pensão era de € 399,02, com a designação de “pensão extra-banco”, correspondente pois a 19,46% do valor total de tal pensão.

Finalmente aceite que a ré paga ao autor o valor das mensalidades de reforma previstas no ACT do Setor Bancário e, enquanto entidade centralizadora do pagamento da pensão de velhice da segurança social, retém parte do valor correspondente à antiguidade gerada ao seu serviço, e entregue ao autor o remanescente do valor (“Pensão extra Banco).

A questão em análise nos presentes autos coloca-se única e exclusivamente no que respeita ao cálculo do remanescente, tendo autor e réu interpretações distintas das regras legais e convencionais em vigor sobre esta matéria e sendo, a final, a questão que este Tribunal é chamado a decidir.

O autor entende que deverá ser utilizado exclusivamente um critério de proporcionalidade (ou uma regra de três simples), considerando que a ré apenas tem direito a reter o valor correspondente a 7 anos (correspondentes aos descontos efectuados quando ao serviço da ré e após a integração do CAAFEB no ISS-IP), dos 15 anos de descontos para a Segurança Social, ou seja, tendo em conta a pensão actual de € 409,02 (correspondente aos 15 anos de contribuições considerados), e considerando que destes 15 anos de contribuições 7 foram ao serviço da ré, considera o autor que esta só poderia reter € 190,876 (€409,02 x 7 : 15), equivalente a uma percentagem de 46,666% (7 x 100 : 15), tendo pois que lhe pagar mensalmente (como “pensão extra Banco) o valor de € 218,144 (€409,02 - €190,876) e não o valor de € 79,61 que a ré actualmente lhe paga e que corresponde à percentagem de 19,46% do valor total de tal pensão (€79,61 x 100 : € 409,02).

Por seu turno a ré considera que o valor que paga mensalmente como “pensão extra Banco” num total, actualmente, de €79,61, correspondente à percentagem de 19,46% do valor da referida pensão nos termos supra referidos é o valor correcto pelos seguintes motivos: tendo em consideração que o autor apenas apresentava 15 anos de registo de remunerações para a Segurança Social (7 dos quais ao serviço da ré) a Pensão de Reforma foi prorratizada numa proporção de 15/40 (como aliás resulta dos factos provados) e que aplicando as regras previstas no artigo 28º do D.L. 187/2007, tendo o autor 43 anos de contribuições mas considerando o limite de 40 anos de contribuições (como igualmente considerado pelo Centro Nacional de Pensões no cálculo da pensão devida ao autor), se deve fazer para apuramento da remuneração de referência, a soma das 40 remunerações anuais, revalorizadas, mais elevadas e que no caso do autor, como o mesmo apresenta uma carreira mista (períodos ao abrigo da Segurança Social e período ao abrigo do sistema previdencial dos bancários sem descontos para a Segurança, sendo que esse tempo foi contado para efeitos de taxa de formação da pensão) houve necessidade de apurar quais seriam as 40 remunerações anuais mais elevadas considerando nessa contabilização as remunerações auferidas no período sem contribuições para a Segurança Social e que, nesses termos as remunerações pagas pela ré contribuíram com 80,53% para o apuramento da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice do autor, daí que só entregue ao autor o remanescente de € 19,46%. De outro ponto considera também mesmo considerando a situação dos beneficiários – como é o caso do autor – inscritos na Segurança Social até 31.12.2001 e aplicando o artigo 33º n.º 1 do D.L. 187/2007 considerando que nos últimos 15 anos da sua carreira contributiva o autor prestou a sua atividade no setor bancário ao serviço da ré também segundo critério de cálculo, a totalidade da remuneração de referência relevante para o cálculo da pensão estatutária de velhice foi auferida pelo autor ao serviço da ré e que assim a retribuição auferida pelo autor em atividade fora da réu não contribuiu em mais de 19,47% para o apuramento da sua remuneração de referência e daí o valor que entrega a título de “pensão extra Banco”.

Quid Iuris?

Sobre a questão têm sido proferidas inúmeras decisões quer pelos Tribunais de Primeira Instância, como resulta das várias sentenças juntas como “documentos” quer pelos Tribunais Superiores.

Considerando tão só a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como abaixo melhor se concretizará, e designadamente a do ano de 2021, em que aquele Tribunal foi chamado a pronunciar-se bastas vezes sobre o tema, há que concluir que o Supremo Tribunal de Justiça já conheceu e analisou todos os argumentos aduzidos pelas partes e concluiu, no sentido da posição por que o autor pugna.

Ora tendo o Supremo Tribunal de Justiça formado, o que se crê, uma posição jurisprudencial, recente e absolutamente unânime, sobre a questão, não se vê motivo para questionar tal jurisprudência, nem tão pouco se encontram argumentos que fundamentem uma tomada de posição diferente por este Tribunal.

Assim, por exemplo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 23/06/2021, processo nº 2115/20.0T8VFR.S1 publicado em www.dgsi.pt que : “I- O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário (cláusula 98ª do ACT do Banco Montepio) ao referir no seu segundo segmento “entregando estes (os trabalhadores que passem à reforma) à Instituição (de Crédito) a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

II- As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.”

E na respectiva fundamentação pode ler-se, o que aqui se transcreve e fundamentação à qual se adere: (…)

Como resulta da jurisprudência citada a referida cláusula visa impedir que o trabalhador bancário na situação de reforma receba duas pensões pela mesma prestação de trabalho: aquela que lhe foi adiantada por força do Acordo Coletivo de Trabalho e aquela que recebe do Centro Nacional de Pensões em cujo cálculo foi considerado, para além do mais, o período de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário.

Assim, as Instituições de Crédito, por força da referida cláusula, irão garantir aos trabalhadores que passem à situação de reforma, abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social, as mensalidades a que tiverem direito, nos termos do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social, a título de benefícios da mesma natureza.

A referida cláusula, no seu número 3.º, ao referir “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.

A questão que agora se coloca consiste em saber como se deve calcular o montante devido à Instituição de Crédito, tendo presente na pensão que o autor recebe do Centro Nacional de Pensões foram tidas em conta fases contributivas distintas, em que os valores das remunerações e respetivas contribuições foram diferentes.

Há, pois, que determinar se para além do fator tempo também se deverá atender à relevância das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições efetuadas naquele período.

Da análise do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, verificamos que de acordo com o art.º 26.º, a pensão estatutária é a que resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão (n.º 1), sendo o montante mensal da pensão estatutária igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade (n.º 2).

A remuneração de referência é calculada nos termos do artigo 28.º deste diploma, tendo como base as remunerações anuais de toda a carreira contributiva revalorizadas nos termos do artigo 27.º, e o número de anos civis com registo de remunerações, com as correções e ajustamentos que aquele dispositivo consagra.

A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de dezembro de 2001 e que iniciem pensão até 31 de dezembro de 2016 (como é o caso do autor) é a que resulta da fórmula de cálculo prevista no art.º 33.º, do mesmo diploma.

O Supremo Tribunal de Justiça, no citado Acórdão de 06-12-2016, proferido no Processo n.º 4044/15.0T8VNG.P1. S1, já se pronunciou acerca do cálculo do valor das pensões, tendo-se aí referido que o cálculo de valor da pensão é uma operação em que intervém uma pluralidade de fatores, não existindo uma proporcionalidade direta entre o valor final da pensão atribuída e o valor das remunerações registadas para o cálculo da remuneração de referência.
A pensão surge, deste modo, como um produto final dessa pluralidade de fatores (…)..

Como também se afirmou no mesmo aresto, mantém total atualidade a orientação assumida no acórdão desta Secção de 27 de outubro de 2010, proferido no processo n.º 1889/06.5TTLSB.L1. S1, tendo por base a cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para Setor Bancário, ao tempo em vigor, em que se referiu:

«Ora, este n.º 3 da cl. ª 136.ª determina que a ré adiante (avance/antecipe) ao autor a quantia correspondente à pensão que resulta do ACTV (que decorre dos oito anos de trabalho no B CC) - devendo o autor devolver-lhe a totalidade das quantias que da Segurança Social receber a esse mesmo título, ou seja, relativos aos oito anos de trabalho no B CC. Assim, utilizando as expressões da Lei e do ACTV, “as prestações emergentes do mesmo facto” atribuídas pela Segurança Social ou “a título de benefícios da mesma natureza” são aquelas que deram origem à pensão do recorrente pela sua prestação de trabalho no B CC, durante oito anos.

Deste modo, sem prejuízo da salvaguarda consagrada no n.º 2 da cl. ª 137.ª, a ré apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACTV a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no setor bancário pois, como se viu, não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de oito anos no B CC.»

Neste último aresto sumariou-se: (…).

De facto, nem a Lei, nem o Acordo Coletivo de Trabalho em causa, exigem que se pondere no desconto a realizar não só o fator tempo como também o fator das contribuições efetuadas.

As expressões utilizadas na cláusula 136.ª a diferença entre o valor desses benefícios, na parte final do n.º 1, benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social, no segundo segmento do n.º 2 e benefícios da mesma natureza, na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.

Na verdade, todos os fatores em causa já foram considerados no cálculo de valor da pensão por parte do Centro Nacional de Pensões, pelo que, independentemente do peso que as contribuições efetuadas pelo exercício da atividade bancária relativas ao período de 01/01/2011 até 2016 possam ter tido no cálculo do valor da pensão de reforma atribuída ao autor, afigura-se-nos que a ré só tem direito a compensar na pensão de reforma que lhe é paga nos termos do ACT a parte proporcional da pensão da segurança social que corresponde ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário com descontos para a Segurança Social, pois só aí existe uma sobreposição das prestações por serem da mesma natureza”.

2.

A Relação de Lisboa confirmou a sentença com a seguinte fundamentação:

A segunda questão de direito a enfrentar é a questão fulcral desta acção e consiste em saber se a dedução da pensão a que se referem a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (ACT), publicado no BTE, 1ª Série, nº 8, de 29 de Janeiro de 2011 e a subsequente cláusula 94ª do ACT do sector bancário, publicado no BTE, 1ª Série, nº 29, de 8 de Agosto de 2016 (as duas cláusulas sucessivas com redacção similar), deve ser feita apenas com base no critério do tempo de contribuições para a Segurança Social ou considerando também o montante das contribuições efectuadas durante aquele período.

No fundo, trata-se de interpretar as aludidas cláusulas convencionais – que a nosso ver se revestem de completude, não se justificando o apelo ao regime da integração de lacunas previsto na lei civil, como alega a recorrente – a fim de aferir como se deve calcular o montante devido pela Instituição de Crédito nas situações em que, na pensão atribuída ao trabalhador bancário são tidas em conta duas fases contributivas distintas, em que os valores das remunerações e respectivas contribuições foram diferentes.

Estas cláusulas convencionais surgiram porque os trabalhadores bancários beneficiam há longos anos, desde 1936, de um regime específico de segurança social estabelecido nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis mas, a partir de 1 de Janeiro de 2011, por força da extinção e integração da Caixa de Abono da Família dos Empregados Bancários (CAFEB) no Instituto de Segurança Social pelo Decreto-Lei nº 1-A/2011, de 3 de Janeiro, passaram a estar protegidos pelo regime geral da Segurança Social, na eventualidade de maternidade, paternidade e adopção e na velhice.

A cláusula 136.ª do ACT para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 3, de 22 de Janeiro de 2011, dispunha do seguinte modo:

“1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo.

2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª.

3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza”.

Por seu turno Cláusula 94.ª do ACT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de 8 de Agosto de 2016, veio estabelecer, sob a epígrafe “garantia de benefícios e articulação de regimes”, que:

 “1- As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 92.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.

2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª

3- Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respectivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições de crédito logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação.

4- O incumprimento do referido no número anterior, determina que:

a) No caso em que o benefício assuma a natureza de pensão e esta seja atribuída com penalização, as instituições de crédito considerem, para o apuramento da diferença a que se refere a segunda parte do número 1, o valor da referida pensão sem aplicação do factor de sustentabilidade e com uma taxa de penalização correspondente a 75 % da taxa efectivamente aplicada pela instituição ou serviço de Segurança Social.

b) No caso em que não seja requerido o pagamento dos benefícios logo que reúnam condições para o efeito, apenas é garantido pelas instituições de crédito, a partir dessa data, o pagamento da diferença entre os benefícios previstos neste acordo e o valor, por si estimado, dos benefícios a atribuir pelas instituições ou serviços de Segurança Social.

c) No caso em que não seja comunicada às instituições de crédito a atribuição dos benefícios ou não lhes seja enviada cópia da comunicação recebida das instituições ou serviços de Segurança Social, aplica-se o previsto na alínea b) deste número.

5- As correcções que se mostrem devidas em relação aos valores pagos pelas instituições de crédito nos termos da presente secção serão efectuadas logo que estas disponham dos elementos necessários para o seu processamento e serão aplicadas à data em que produzam ou devessem ter produzido efeitos.

6- No momento da passagem à situação de reforma as instituições de crédito informarão o trabalhador dos diplomas legais, em vigor nessa data e que lhe são aplicáveis, que regulam a atribuição de subsídios e pensões por parte dos regimes públicos de segurança social.

Desta regulação convencional decorre que a protecção dos trabalhadores bancários estabelecida no instrumento de regulamentação colectiva se articula com outros regimes de segurança social que os abranjam, nomeadamente com o Regime Geral, permitindo-se às instituições bancárias responsáveis pelo pagamento das específicas prestações consagradas a favor destes trabalhadores o desconto, nestas prestações por si pagas, dos benefícios que os trabalhadores aufiram de outros sistemas, para evitar duplicação de benefícios.

A questão da interpretação destas cláusulas e, particularmente, no que respeita à questão colocada no presente recurso, tem suscitado uma intensa actividade jurisprudencial, v.g. do Supremo Tribunal de Justiça que, em vários recursos de revista, alguns deles de natureza excepcional [artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil], tem acolhido a tese sufragada na sentença sob recurso.

Por versar sobre um litígio com contornos idênticos ao presente, lançamos mão da palavra do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2021, Processo n.º 2276/20.8T8VCT.S1. Como ali se exarou (…)

«[…]

É a partir da interpretação desta cláusula [a cláusula 136.ª do ACT] e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições [A sentença recorrida observa, a este respeito, certeiramente, que “o cálculo das remunerações a ter em consideração para a contabilização da pensão de reforma tem em consideração inúmeros fatores para além do valor da retribuição o que reforça a ideia de que não existe uma relação direta entre o valor da retribuição e o da pensão final atribuída”]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente [Acórdão de 22/02/2018, proferido no processo n.º 9637/16.5T8LSB.L1.S1 (CHAMBEL MOURISCO): “As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”. No mesmo sentido cfr. o Acórdão de 12/07/2018, processo n.º 3312/16.8T8PRT-P1.S1 (RIBEIRO CARDOSO): “nesta cláusula não se estabelece que a percentagem da pensão a devolver ao R. pelo A. deva ser calculada não só com base no tempo de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador do setor bancário, mas também levando em conta o valor das retribuições sobre que incidiram essas contribuições”], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho [Em rigor, para GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. Revista, Coimbra Editora, 2007, vol. I, p. 829, trata-se da contagem de tempos de serviço juridicamente relevantes.] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição). […]»

 Estas doutas considerações têm inteira aplicação ao presente caso, dando resposta à argumentação aduzida pela recorrente quanto à questão em análise, não se vendo razões para deixar de aderir à posição que reflectem e para decidir de modo diverso situações materiais equivalentes e verificadas no contexto da uma mesma actividade: a abrangida pelos indicados instrumentos de regulamentação colectiva para o sector bancário.

Destarte, e tendo ainda em consideração o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil – segundo o qual “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” –, entendemos nada dever acrescentar a esta posição consistente do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que as expressões utilizadas na cláusula 136.ª do ACT do sector bancário de 2011, e bem assim da cláusula 94ª do ACT para o sector bancário de 2016, com expressões similares – “a diferença entre o valor desses benefícios”, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” e “benefícios da mesma natureza” –, se referem tão só às pensões na parte proporcional ao tempo de contribuições para a Segurança Social, não resultando dos respectivos textos a introdução de um qualquer outro factor de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições nesse tempo efectuadas.

E, sendo assim, não se anui ao que foi vertido nas alegações de recurso da recorrente, no sentido de, por via da aplicação do Regime Geral da Segurança Social, atender para estes efeitos igualmente ao valor das contribuições efectuadas ao longo dos anos, devendo, ao invés, sufragar-se o veredicto da 1.ª instância”.

3.

Discorda o Recorrente do decidido porque, em muito resumida síntese, entende, “no que respeita aos critérios relevantes para a formação da pensão estatutária do Recorrido que:
i.             80,53% da remuneração de referência foi registada no período em que o Recorrido trabalhou para o Recorrente (cfr. Doc. N.º 2 junto com a PI e Doc. N.º 1 ora junto);
ii.            a taxa de formação da pensão foi limitada aos 40 anos com remunerações anuais mais elevadas, sendo que 35 em 40 foram precisamente ao serviço do Recorrente.
Y.            Entender-se – como o Acórdão recorrido entende – que o Recorrido ao reter 80,53% da pensão de velhice da segurança social desconsidera a totalidade da carreira contributiva do Recorrido carece de fundamento e de sentido. Na verdade, tal “desconsideração” não decorre da vontade do Recorrido e a existir decorre única e exclusivamente da Lei que limita a 40 anos (os que correspondem às 40 remunerações anuais mais elevadas) o período de carreira contributiva a atender para efeitos de determinação da remuneração de referência e da taxa de formação da pensão. Deste modo, é inquestionável que o Recorrente se “limita” a seguir, nos seus precisos termos, os comandos legais em vigor sobre esta matéria.

4.

Cumpre decidir, sabendo-se que a questão em análise foi objecto de tratamento uniforme por esta Secção Social do STJ, em diversos acórdãos, alguns muito recentes:

- Acórdãos de 22-06-2022, proferidos nos processos n.ºs 14406/20.5T8SNT.L1.S1 e 5815/20.0T8ALM.S1 (Júlio Manuel Vieira Gomes);

- Acórdão de 01-06-2022, proferido no processo n.º 638/20.0T8PRT.P1.S1 (Pedro Branquinho Dias);

- Acórdãos de 01-06-2022, proferidos nos processos n.º 598/20.7T8MTS.P1.S1 e 3817/19.9T8MTS.P1.S1 (Mário Belo Morgado).

O MP, no seu parecer, enumerou ainda mais estes:

- Ac do STJ de 1 de Junho de 2022, processo 831/20.5T8VLG.P1.S1;

- Ac do STJ de 13.01.2022, processo 300/20.3T8MTS.P1.S1;

- Ac do STJ de 29.09.2021, processo 17792/19.6T8PRT.P1.S1;

- Ac do STJ de 29.09.2021, processo 23235/19.8T8LSB.L1.S1;

- Ac do STJ de 14.07.2022, processo 2084/20.8T8VLG.S1;

- Ac do STJ de 14.07.2021, processo 2457/10.4T8OAZ.P1.S1.

Todos os arestos decidiriam de forma concordante a questão ora submetida à apreciação deste Tribunal

5.

Porque se tem seguido nesta Secção Social a posição assumida no acórdão de 8/06/2021, tirado no processo 2276/20.8T8VCT.S1, com a qual, de resto, se concorda, a qual está em consonância com anteriores arestos, nele citados, passamos, com a devida vénia, a transcrever o que aí se referiu:

No seu recurso per saltum o Recorrente afirma que «ao decidir como decidiu, a douta Sentença violou o disposto cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.ª do atual Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa».

A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª

«Âmbito

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.

3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que a «pensão de abate» é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP» (Conclusão 6.ª), defendendo também que «porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas» (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que «não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente, torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição)”.

Não há necessidade de acrescentar seja o que for atendendo à categórica argumentação.

Salienta-se, apenas que a interpretação do Recorrente não tem cabimento na letra da cláusula em análise razão pela qual não há necessidade de convocar os elementos lógicos da interpretação.

Destarte, ao abrigo do disposto no art.º 656º do CPC, aplicável com as devidas adaptações à revista – art.º 679º do CPC – expressamente se aderindo à doutrina do acórdão citado, importa negar provimento á revista.

III – DECISÃO

Termos em que se nega a revista.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 29 de novembro de 2022

Francisco Marcolino de Jesus (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado