Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
472/15.9T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
BEM IMÓVEL
CASO JULGADO FORMAL
REPETIÇÃO DO JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
HONORÁRIOS
ADVOGADO
PODERES DA RELAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONTRADIÇÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Cumprido pelo recorrente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º do CPC e tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados  relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi  alterada e outros factos dados como  assentes  em sede de julgamento.

II. O Tribunal da Relação tem, em sede de reapreciação da matéria de facto e no âmbito da formação da sua própria convicção acerca do facto impugnado, um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, não estando adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo tribunal recorrido.

III. O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, atribui ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao nível do pedido, da causa de pedir e das provas.

IV. Estando-se perante um formalismo processual relativo à modificabilidade do princípio da estabilidade da instância ínsito no artigo 260º, do Código de Processo Civil, o acordo das partes quanto à alteração da causa de pedir, exigido pelo artigo 264º do mesmo código, tem de ser expresso.

V. Os fundamentos da decisão só adquirem o valor de caso julgado quando dizem respeito a relações sinalagmáticas ou quando criam uma relação de prejudicialidade entre a decisão transitada em julgado e o objeto da ação posterior, ou seja,  quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação  do objeto de uma ação posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objeto da primeira ação, sendo seu pressuposto lógico indispensável.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




***


I. Relatório


1. Banco Comercial Português, S.A. instaurou ação declarativa, com processo comum, contra Destinos Aliciantes, S.A., pedindo que a ré seja condenada a entregar definitivamente à autora os imóveis descritos no artigo 1º da petição inicial.

Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré um contrato de locação financeira, que tem por objeto dois imóveis que foram entregues à ré, mas que esta apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato. Em consequência do incumprimento por parte da ré, e de acordo com as condições gerais do contrato, a autora comunicou-lhe a resolução do contrato e interpelou-a para proceder à restituição dos ditos imóveis, o que a mesma não fez, continuando a usá-los, sem qualquer contrapartida para a autora.


2. A ré contestou, excecionando o pagamento das rendas alegadamente em dívida e sustentando a inexistência do invocado fundamento para a resolução do contrato. Impugnou ainda parte dos factos alegados na petição inicial.

E, alegando que a autora reconvinda tem tido ao longo dos anos uma conduta contrária aos princípios de direito, atuando de má-fé e em abuso de direito, causando-lhe, desse modo, danos patrimoniais e não patrimoniais, deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de, pelo menos, 250.000,00 euros, acrescida de juros, bem como todas as despesas que se vierem a apurar até ao fim do processo.

Mais pediu a condenação da autora como litigante de má-fé.


3. A autora apresentou réplica, excecionando a litispendência e o caso julgado, e impugnando a factualidade alegada na reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma.


4. Notificada para o efeito, veio a ré reconvinte concretizar os factos que servem de fundamento à reconvenção.


5. Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedentes as invocadas exceções de litispendência e caso julgado, seguido de despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova.


6. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, consequentemente, condenou a ré a entregar definitivamente à autora os imóveis objeto do contrato de locação financeira entre elas celebrado.

Julgou ainda totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo a autora reconvinda do pedido.


7. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação ……, que por acórdão proferido de 23.11.2017 revogou a sentença recorrida e julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido. Mais julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense. Absolveu a reconvinda do mais peticionado.


8. Inconformada com este acórdão, a autora (BCP) interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão proferido em 14.6.2018, decidiu:

«a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para, com base nos meios de prova já produzidos ou a produzir, decidir da invocada contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados.

b) Julgar em conformidade ».


9. Os autos baixaram ao Tribunal da  Relação  … que, em 08.11.2018, proferiu acórdão que decidiu anular a sentença recorrida, por não constarem do processo todos os elementos que permitissem a reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto reputada contraditória, determinando, nos termos nos termos do art.º 662º, nº 1 e 2, al. c), 1ª parte do CPC, a baixa do processo à 1ª instância para repetição da inquirição das testemunhas cujos depoimentos gravados não eram percetíveis e ainda para determinar a junção aos autos do extrato global dos movimentos a débito e a crédito na conta da ré, a que se refere o contrato celebrado com a autora.


10. Os autos baixaram à 1ª instância, onde a autora procedeu à junção dos documentos supra referidos e a ré veio juntar dois documentos para prova do pagamento da 1ª renda do contrato.


11. A instância esteve suspensa a requerimento das partes, com vista à celebração de transação. Malogrado esse objetivo, procedeu-se à reinquirição das testemunhas.


12. Foi proferida nova sentença que julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção.


13. Inconformada, de novo, com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação … que proferiu novo acórdão que decidiu não conhecer do objeto da ampliação do âmbito do recurso por versar sobre matéria de facto que não foi objeto de impugnação no primeiro recurso de revista.


14. A autora interpôs recurso de revista para o STJ, arguindo, para além do mais, a nulidade processual decorrente do facto de não ter sido ouvida quanto ao não conhecimento total da ampliação do objeto do recurso, por si requerida nas contra-alegações (art.º 655ºdo CPC).


15. Em conferência, o Coletivo de Juízes, julgou verificada a invocada nulidade processual e anulou todos os posteriores atos processuais por ela afetados, incluindo o acórdão em crise.


16. Cumprido o contraditório, em 17.12.2020, o Tribunal da Relação …… proferiu novo acórdão que julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, e julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido. Julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense, que vierem a ser liquidados. Absolveu a reconvinda do mais peticionado.


17. Inconformada, de novo, com este acórdão, a autora dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« 1. O Acórdão recorrido incorreu em nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC , uma vez que assenta a sua decisão de alterar a resposta ao ponto 7 da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, retirando a palavra “apenas” no teor da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato de locação financeira porquanto o teor de tal cláusula alegadamente não permitiria ao Banco debitar valores de IMIs referentes a anos anteriores à celebração do contrato de locação quando, na verdade, é precisamente o teor desta a cláusula que legitima a acção do Banco .

2. O n.º 2 da dita clausula 4.ª expressamente prevê que “serão por conta do locatário todos os impostos – sejam correctivos, retroactivos ou extraordinários – encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou locação financeira”.

3. À semelhança do que aconteceu com a alteração da resposta dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como assente, o Acórdão incorre em nova nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC, no que se refere à alteração da redacção da resposta dada ao ponto 35 da matéria de facto dada como provada, em que acrescenta a expressão “no entender do Banco”.

4. Na verdade, o Tribunal volta a estribar a decisão de alteração no contrato de locação financeira junto aos autos, quando é precisamente a redação desse cláusula que impõe a manutenção da resposta dada pelo Tribunal a quo, pois que é o teor das respectivas cláusulas, maxime do teor da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato de locação que resulta a autorização do Banco para debitar os IMIs referentes aos imoveis dados em locação, sejam eles correctivos, retroactivos ou extraordinários.

5. Ou seja, as alterações às respostas dadas aos pontos 7 e 35 da matéria de facto dada como provada estribam-se no teor de uma cláusula que diz precisamente o contrário do decidido, pelo que devem ser anuladas, mantendo-se a redacção original dada a tais pontos pelo Tribunal a quo, sem prejuízo do que se dirá relativamente ao ponto 7.º no que se refere ao pedido de ampliação do objecto do recurso.

6. O Acórdão recorrido incorreu em nova nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC, relativamente à alteração da redacção dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada, retirando a expressão “apenas”. De facto, na fundamentação da sua decisão, o Acórdão recorrido expressamente refere que a Ré não satisfez um ónus probatório que era o seu, mas apesar da dúvida que fica “no ar” decide – em contradição com a fundamentação exposta – alterar a redacção do dito ponto 7, favorecendo claramente a Ré em detrimento do Banco recorrente, beneficiário último de tal dúvida.

7. O Acórdão recorrido, ao vir pronunciar-se sobre os montantes debitados em data anterior a Setembro de 2011, nomeadamente no que se refere aos IMIs, está a cometer excesso de pronúncia, posto que se debruça sobre questões que não constam dos temas da prova, que não foram colocadas à apreciação do tribunal de 1ª instância, tendo apenas surgido já em sede de recurso e que já tinham inclusivamente sido objecto de apreciação por outro Tribunal, em momento anterior, nulidade esta consagrada no artigo 615.º n.º 1 alínea d) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do CPC.

8. Assim sendo, devem ser anuladas as alterações das respostas dadas quer ao ponto 7.º, quer ao ponto 35.º da matéria de facto dada como provada, pois que os fundamentos utilizados para proceder a tais alterações resultam do facto de o Tribunal da Relação ter conhecido de questões de que não podia conhecer.

9. O Acórdão recorrido cometeu ainda excesso de pronúncia no que se refere quer à alteração da causa de pedir na Réplica, quer no que respeita à alegada não interpelação para cumprimento antes da resolução, não podendo tais questões ser apreciadas, pelo que incorreu na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1 alínea d) CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º do mesmo código.

10. Com efeito, trata-se mais uma vez de questões nunca abordadas pela Ré em 1ª instância, sobre as quais esse Tribunal não se pronunciou, não proferiu decisão, que apenas surgem em sede de segundas alegações de recurso apresentadas pela Ré, decalcando decisões anteriormente proferidas pelo Tribunal superior e, entretanto, anuladas.

11. O Acórdão proferido pelo STJ em 14.06.2018 ao abrigo do disposto nos artigos 682.º n.º 3 e 683.º n.º 2 CPC, implicou a anulação do Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação. Esta última, por seu turno, ao abrigo do disposto no n.º 2 alínea c) do artigo 662.º CPC, anulou a sentença da 1ª instância e ordenou a repetição de parte da prova testemunhal e a junção de prova documental, o que veio a ser feito, tendo o Tribunal a quo (1ª instância) proferido nova sentença, da qual a Ré interpôs recurso.

12. Estamos perante uma situação residual, em que se verifica uma anulação de decisões em cadeia: o Supremo Tribunal de Justiça anula o Acórdão do Tribunal da Relação que por sua vez anula a decisão proferida pela 1ª instância,

13. O Acórdão agora proferida viola o caso julgado formal formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.06.2018, pois que ao invés de proferir nova decisão quanto à totalidade matéria de facto, apenas o faz relativamente aos factos nºs 7, 18, 31, 32 e 35, remetendo quanto à demais para o teor das páginas 23 a 26 do Acórdão proferido por esta mesma Relação em 23.11.2017, o qual foi irremediavelmente anulado pelo STJ nos termos supra referidos. É no sentido de não poder ter decidido desse modo que deve ser interpretado e aplicado o disposto no artigo 620.º do CPC.

14. A redacção dada pela nova sentença proferida pela 1ª instância aos pontos nºs 8.º, 10.º, 32.º a 38.º e 41.º a 47.º da matéria dada como provada deve, por isso, manter-se inalterada, não se podendo considerar tais pontos como excluídos, uma vez que o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa mesma matéria, tendo-se limitado a remeter para um Acórdão revogado, violando o caso julgado.

15. O Acórdão referido refere expressamente que o Banco alegou na petição inicial que a Ré não pagou as primeiras 51 rendas do contrato, o que viola novamente o caso julgado formado pelo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 14.06.2018, que julgou procedentes as conclusões n.ºs 1 a 19 do recurso interposto pelo Banco Autor.

16. A conclusão n.º 5 dizia o seguinte: “Decorre evidente do contexto em que a declaração foi feita que no artigo 7º da PI o Banco se enganou quando afirmou que a Ré tinha liquidado as primeiras 51 do contrato, pelo que resultando tal erro do contexto em que declaração foi produzida apenas dá lugar à sua rectificação, nos termos do disposto no artigo 249º do Código Civil o que se requer, devendo passar a constar do dito artigo 7º que a Ré apenas liquidou as 36 primeiras rendas.” Ao julgar-se procedente esta conclusão, o teor do artigo 7.º da PI teve-se por rectificado, do mesmo passando a constar que a Ré apenas liquidou as 36 primeiras rendas.

17. O Acórdão recorrido incorre em nova violação de caso julgado, desta vez do caso julgado material formado pela decisão proferida no âmbito do processo nº 230/14..... “Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”.

18. A decisão proferida no processo n.º 230/14...... impõe-se com força de caso julgado aos presentes autos na medida em que aí ficou decidido que a resolução efectuada pelo Banco em Setembro de 2011 foi lícita em virtude do incumprimento contratual da Ré, mais concretamente por falta de pagamento de rendas e despesas associadas, debitadas até essa data. Eis como deveria ter sido interpretado e aplicado o artigo 619.º, n.º 1 do CPC.

19. O Acórdão Recorrido não pode, como fez, vir agora apreciar novamente os débitos e as imputações feitas pelo Banco Autor até aquela data da resolução de Setembro de 2011. O momento para discutir os pagamentos de IMI, despesas, juros e rendas até essa data foi naqueles autos n.º 230/14......., estando vedada nova apreciação de tais matérias quer pelo princípio da preclusão, quer pelo caso julgado.

20. No processo n.º 230/14....... que correu termos pelo Tribunal da Comarca … foi julgada válida a resolução do contrato de locação financeira efectuada pelo Banco em Setembro de 2011 em virtude do não pagamento de rendas e despesas associadas, entre as quais os IMIs vencidos e debitados até essa data, decisão esta já transitada em julgado.

21. O Acórdão recorrido não pode, por isso, vir reapreciar a possibilidade de débito desses mesmos IMIs, na medida em que, ao fazê-lo, está a pôr em causa a decisão anteriormente proferida que os julgou devidos e considerou legítima a resolução contratual operada com base também no não pagamento destas quantias, assim ofendendo o caso julgado que se formou. Como se escreveu no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 03.06.2019 “…a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”, o que determina a revogação do Acórdão agora proferido por violação do caso julgado nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 619.º n.º 1 e 621.º CPC., que deveriam ter sido interpretados e aplicados nos termos expressos nas presentes conclusões (e nas alegações que antecedem).

22. O Acórdão recorrido deve por isso ser revogado e proferido um novo Acórdão, que respeite o caso julgado violado nos termos supra descritos e tenha em consideração todas as questões que já se encontram definitivamente julgadas pela decisão anterior já transitada.

23. Como resulta dos articulados das partes e do despacho que definiu o objecto do litígio e os temas da prova – que não foi objecto de qualquer reclamação – toda a factualidade tida por relevante para efeitos de procedência ou improcedência do peticionado nestes autos se circunscrevia a factos ocorridos depois de Setembro de 2011, data em que o contrato fora validamente resolvido por decisão judicial já transitada em julgado.

24. Não obstante, o Acórdão Recorrido, em clara violação do princípio do dispositivo – consagrado nos artigos 3.º e 5.º do CPC e do qual emana que o monopólio da alegação dos factos principais da causa é das partes, a quem pertence o processo – baseia a sua decisão em factos não alegados pelas partes nos seus articulados e que não foram apreciados pelo Juiz da 1ª instância.

25. A Ré / Recorrida incorporou nas suas alegações de recurso questões novas, introduzindo trechos de Acórdãos anteriormente proferidos, entretanto revogados, nelas incluindo matéria nunca antes trazida a Juízo e, consequentemente, sobre a qual o Tribunal de 1ª instância não foi chamado a pronunciar-se, pelo que se trata de matéria não abordada pela sentença por este proferida.

26. O Acórdão recorrido veio conhecer das questões novas trazidas pela Ré nas suas alegações de recurso, nomeadamente no que se refere aos pagamentos de IMIs anteriores à data da resolução bem como às imputações das quantias recebidas/ débitos efectuados até Setembro de 2011, pelo que violou o principio do dispositivo consagrado nos artigos 3.º e 5.º do CPC, o que impõe a sua revogação, sendo neste sentido que estes artigos da nossa lei processual deveriam e devem ser interpretados e aplicados.

27. Interpretação diversa é inconstitucional porque viola o princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade consagrados na Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que aqui se deixa, desde já expressamente invocada nos termos e para os fins do disposto no artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.

28. Nos termos do disposto no artigo 342.º n.º 1 e 2 CCiv e 414.º do CPC, cabe ao Autor fazer a prova da existência do contrato de locação financeira e à Ré a prova do cumprimento das obrigações dele decorrentes e de quaisquer factos extintivos ou modificativos do direito invocado pelo Banco Autor, o que esta não logrou fazer como o próprio Acórdão recorrido expressamente refere, sendo assim que tais normas da lei substantiva e processual devem ser interpretadas e aplicadas.

29. A sentença recorrida ignorou ainda, equivocadamente, as normas de direito substantivo que regem a imputação do cumprimento, tendo feito uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 785.º do C.C., maxime do seu n.º 2, que impõe que a imputação das quantias recebidas se faça em último lugar a capital, ao mesmo tempo que, mais uma vez, retira consequências jurídicas da falta de prova de um facto pela parte sobre quem tal ónus não recaia, assim também violando o disposto nos artigos 342.º n.º 2 do C.C e no artigo 414.º do CPC. Ora, a correta interpretação destas normas de direito substantivo e processual impõe uma decisão inversa da tomada no Acórdão em crise.

30. Resulta do ponto 29.º da matéria se facto dada como assente que o Banco estava autorizado a debitar a conta (da Ré) pelo valor correspondente a despesas, comissões, impostos e juros devidos e resulta dos documentos juntos aos autos – não impugnados e nos quais a própria sentença se estriba – que a Ré pagava sistematicamente as prestações com atraso; que eram devidos juros; que eram devidos impostos e que eram devidas comissões.

31. Resulta provado nos autos que a 1ª renda foi paga com atraso e em 3 vezes, e que embora a partir de Janeiro de 2012 a Ré tenha efectuado novos depósitos, tais depósitos nunca foram suficientes para cobrir as obrigações contratuais que se considerariam vencidas até à data em que foram efectuados – cfr. pontos 31.º, 48.º e 49.º da matéria de facto dada como assente.

32. Não era ao Banco Autor, mas à Ré, que cumpria demonstrar que os montantes que entregou foram suficientes para a fazer face às suas obrigações contratuais que não se resumem ao pagamento das rendas, o que esta não fez, como resulta inequivocamente dos documentos juntos e da matéria de facto dada como provada.

33. A decisão recorrida ao alterar a redacção dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como assente faz uma interpretação e uma aplicação erradas do disposto nos artigos 342.º n.º 2 e 786.º, todos do Código Civil e também do disposto no artigo 414.º CPC, normas que devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de penalizar quem não satisfez o ónus probatório que sobre si impendia, neste caso a Ré.

34. O contrato de locação financeira celebrado entre o Banco A. e a Ré junto aos autos não foi impugnado, pelo que nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 376.º do C.C., goza de força probatória plena relativamente ao seu conteúdo.

35. Daqui resulta que o Acórdão recorrido não podia, como fez, interpretar livremente o conteúdo do contrato, maxime do artigo 4º das condições gerais do contrato, como efectivamente fez, pois que estribou-se no teor da cláusula para basear a sua decisão, apesar de esta expressamente referir que “serão por conta do locatário todos os impostos – sejam correctivos, retroactivos ou extraordinários – encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou locação financeira. Da utilização da conjunção coordenativa ou resulta que a responsabilidade do locatário pelos impostos que recaiam sobre o imóvel desdobra-se em alternativa, isto é, respeita aos impostos (correctivos, retroactivos ou extraordinários) inerentes à aquisição do imóvel, bem como aos impostos (correctivos, retroactivos ou extraordinários) devidos em virtude da locação financeira. Eis como deve ter sido interpretado e aplicado o artigo 376.º do Código Civil e, por inerência, como deveria ter sido interpretado o documento em causa.

36. A decisão recorrida violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no artigo nos artigos 376.º n.º 1 e 2 do CC e 607.º n.º 5 do CPC (aplicável por remissão expressa do disposto no 663.º n.º 2 do CPC), pelo que deve ser revogada, mantendo-se consequentemente a redacção dada pela sentença de 1ª instância aos pontos 7.º e 35.º da matéria de facto dada como provada.

37. É entendimento jurisprudencial dominante que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da interpretação das cláusulas contratuais nos casos em que não esteja provado nos autos a vontade real do declarante, ou seja, nas situações em que o sentido da declaração negocial é determinado por aplicação dos critérios constantes do n.º 2 do artigo 236.º do CC.

38. Um declaratário normal interpretaria o disposto na cláusula 4ª n.º 2 das condições gerais do contrato de locação financeira celebrado entre as partes no sentido de o pagamento dos impostos correctivos, retroactivos ou extraordinários – IMI incluído - serem da responsabilidade do locatário, pelo que a decisão recorrida viola, na interpretação que faz, o disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC.

39. A decisão recorrida não aprecia, de facto – como devia - nem os argumentos, nem a prova invocada pelo Recorrente para fundamentar o pedido de ampliação do objecto de recurso no que se refere à resposta dada ao ponto n.º 7 da matéria de facto dada como assente, o que “integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC”, pelo que no caso de não ser revogado o Acórdão recorrido, sempre deveriam os autos baixar à relação para efectivo conhecimento da requerida ampliação do objecto de recurso.

40. Nos termos supra referidos, o Banco Recorrente entende que a remissão efectuada pelo Acórdão recorrida na página 55 para o teor de fls. 23 a 26 do Acórdão proferido em 23.11.2017 não é válida, pelo que as alterações introduzidas à matéria de facto dada como provada aí referidas não podem ser consideradas e, consequentemente, os factos dados como provados sob os nºs 33 a 38, 41 a 47 e 49 não podem ser expurgados. Não obstante, e sem prescindir, por mera cautela de patrocínio o Banco pronunciar-se-á sobre tal expurgo.

41. O fundamento invocado, quer para a resolução contratual alegada na Petição Inicial, quer na carta remetida em Julho de 2014, foi o não pagamento de rendas, mais concretamente neste último caso o não pagamento de rendas vencidas no montante, à data, de 22.774,96 €.

42. A questão em discussão nos autos nunca foi o recebimento das quantias alegadas pela Ré, mas sim qual o destino do dinheiro por esta depositado, ou seja, que rendas tinham ou não sido pagas através daqueles valores.

43. Não basta provar que os montantes foram entregues, cabia ainda á Ré comprovar que a cada momento o montante depositado era suficiente para pagamento de todas as responsabilidades contratuais em aberto.

44. Nos termos das cláusulas 10.ª das condições particulares e 4.ª das condições gerais, as partes convencionaram que às rendas “acresciam as despesas de processamento e comissões de gestão do contrato (4.9) tendo o réu autorizado a autora a processar a cobrança das rendas, valor residual, bem como as respectivas despesas iniciais por débito na conta abaixo indicada (10.1), e ainda outras prestações pecuniárias, nomeadamente comissões, impostos, taxas e quaisquer outras despesas ou encargos que se mostrem devidos pela execução do contrato.” (10.2)

45. Resulta dos documentos juntos aos autos que além das rendas existiam e foram debitadas na conta muitas outras despesas também contratualmente devidas, que a decisão de 1ª instância julgou legitimamente debitadas e por isso entendeu que o contrato foi legitimamente resolvido com base na falta de pagamento das rendas devidas.

46. Na sequência da excepção do pagamento arguida pela Ré, o Banco veio aos autos explicar qual o destino do dinheiro depositado pela Ré, esclarecendo o porquê de, apesar dos depósitos efectuados, as rendas se encontrarem por liquidar.

47. Na Réplica, a Autora apenas responde à matéria de excepção alegada pela Ré, esclarecendo o destino dos depósitos por esta efectuados, nomeadamente nos artigos 58.º a 66.º, rebatendo, com total fundamento processual, a defesa flanqueada usada pela Ré na contestação, mas sem nunca deixar de se situar no quadro da sua causa de pedir. Assim se explica, aliás, que a réplica haja sido admitida (decisão que há muito transitou em julgado).

48. A referência ao acordo de regularização das rendas vencidas após a resolução de 2011 surge apenas para explicar a forma como foram imputados os montantes que o Autor recebeu da Ré e por que motivo não foram estes suficientes para liquidar as rendas vencidas e, assim, cumprir o acordado e não como fundamento da resolução contratual.

49. Nos termos do disposto no artigo 5.º CPC, o ónus da alegação circunscreve-se aos factos essenciais, pelo que os factos – sejam eles complementares ou concretizadores – podem ser alegados até ao fim do julgamento desde que não alterem o objecto do processo, ou seja, “desde que tenham com os factos principais inicialmente alegados pelo menos uma identidade parcial”.

50. Os factos alegados pelo Banco A. na Réplica sob os artigos 46.º a 66.º são meros factos complementares da causa de pedir e como tal admissíveis, pelo que deles podia o Juiz conhecer nos termos do disposto no artigo 5.º n.º 2 alínea b) CPC.

51. O Tribunal recorrido violou, por isso, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 5.º n.º 1 e 2, 552.º.1.d) e 608.º (aplicável por remissão efectuada pelo artigo 663.º n.º 2) todos do CPC, o que impõe a revogação da decisão, sendo que estes artigos da nossa lei processual devem ser interpretados e aplicados por forma manter-se como provados os factos provados sob os n.ºs 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º e 49.º que correspondem aos factos alegados sob aqueles artigos, que assim têm a virtualidade de ser considerados na sentença.

52. Mesmo que se considere que tais factos consubstanciam uma alteração da causa de pedir (e não consubstanciam, claro está, qualquer alteração), a verdade é que ainda assim poderiam ser conhecidos pelo Tribunal na medida em que foram tacitamente aceites pela Ré, porquanto esta, apesar de notificada da Réplica e depois do despacho saneador, não se pronunciou sobre eles.

Ora, o acordo exigido pelo artigo 264.º para ser admissível a alteração do pedido e da causa de pedir em qualquer fase do processo pode ser tácito, como aqui sucedeu.

53. O Tribunal recorrido violou, por isso, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no artigo 264.º do CPC, que deveria ser interpretado e aplicado de forma que os factos provados sob os n.ºs 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º 47.º e 49.º se mantenham como factos provados e, como tal, possam ser considerados na sentença.

54. O Acórdão agora proferido está em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 22 de Março de 2018, já transitado em julgado e proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de Direito e que para os fins do presente recurso é o Acórdão fundamento.

55. Nos termos do disposto no artigo 342.º n.º 1 e 2 CCiv cabe ao Autor fazer a prova da existência do contrato de locação financeira e à Ré a prova do cumprimento das obrigações dele decorrentes e de quaisquer factos extintivos ou modificativos do direito invocado pelo Banco Autor, o que esta não logrou fazer como o próprio Acórdão recorrido expressamente refere. A decisão recorrida ao alterar a redacção dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como assente faz uma interpretação errada destes normativos e também do disposto no artigo 786.º, todos do CCiv, normas que devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de penalizar quem não satisfez o ónus probatório que sobre si impendia.

56. O Acórdão recorrido entendeu que a prova produzida referente ao número de rendas pagas não era concludente e, face à dúvida, decidiu alterar a redacção dada ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada, penalizando o Autor, sobre quem tal ónus não impedia, o que contraria frontalmente o decidido no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 67525/14.6YIPRT.L1.S1 já transitado em julgado e adiante junto.

57. Verificam-se in casu todos os pressupostos previstos no artigo 671.º n.º 2 alínea b) CPC. Com efeito, quer o Acórdão agora em crise, quer o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça versam sobre a distribuição do ónus da prova em matéria de cumprimento de contrato de locação, mas decidem em sentido inverso, pois que em caso de dúvida fazem recair tal ónus sobre contraentes distintos. Além disso, ambos os arestos se debruçam sobre os mesmos preceitos, a saber os artigos 342.º e 768.º CCiv e o Acórdão fundamento foi proferido pelo STJ e já transitou em julgado, inexistindo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência quanto a esta matéria. Trata-se de fundamento autónomo de recorribilidade, aqui expressamente invocado nos termos do n.º 2 do artigo 637.º do CPC – ainda que não imprescindível, pois que a Recorrente dispõe de todos os fundamentos gerais de recorribilidade constantes de todas as alíneas do n.º 1 do artigo 671.º do CPC.

58. Da análise de todos os factos provados e documentos juntos resulta que, efectivamente, a Ré incumpriu com a sua obrigação contratual de pagamento das rendas, que à data da interpelação para pagamento ascendiam a 22.774,96 € e que apesar de interpelada para o efeito, não procedeu ao pagamento desta quantia pelo que o Banco resolveu o contrato.

59. O Tribunal recorrido cometeu a nulidade de excesso de pronúncia e incorreu em violação do princípio do dispositivo ao condenar o Banco no pagamento dos honorários do mandatário nos termos da clausula 15ª do contrato, pois que tal matéria não foi invocada pela Ré, pelo que foi subtraída à sua possibilidade de conhecimento e pronúncia, pelo que a manter-se a decisão condenatória, o que não se concede, sempre deverá ser julgada improcedente esta parte da condenação no pedido reconvencional, autêntica condenação ultra petitum, processualmente inadmissível.

60. Caso se entenda que o Acórdão recorrido podia condenar o Banco no pagamento dos honorários do mandatário, por aplicação da cláusula 15.ª das condições gerais do contrato de locação, há que verificar se a interpretação desta cláusula contratual feita observou o disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC, quando afastou os limites estabelecidos nos artigos 26.º n.º 3 alínea c) e n.º 5 do RCP.

61. Um declaratário normal entenderia o conteúdo desta cláusula no sentido de o montante a pagar a título de honorários ter como limite o resultante do regulamento das custas, por coerência com os limites já existentes no ordenamento jurídico.

62. O Acórdão recorrido violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no artigo 236.º do CC, pelo que se impõe a sua revogação, devendo ser substituído por outra decisão que aplique aos honorários dos mandatários os limites estabelecidos nos citados artigos do Regulamento das Custas Processuais.

63. A errada interpretação e aplicação da lei de processo (artigo 674.º, n.º 1 alínea b) CPC que o Tribunal da Relação fez relativamente à matéria que considerou – ou não – provada teve

64. são inúmeras as razões de Direito que justificam a anulação e/ou revogação do Acórdão recorrido, sendo certo que cada uma dessas razões, isoladamente, imporia decisão em sentido inverso do acórdão proferido.

65. A procedência da ação determina a improcedência da reconvenção, na medida em que assistindo ao A. o direito à entrega dos imóveis, não tem que suportar qualquer despesa, não tem que reembolsar a Ré das despesas com a presente acção e com o procedimento nem tem que suportar quaisquer honorários do seu mandatário. 

 66. O Recurso é uma forma de impugnação de decisões judiciais, que se destina exclusivamente à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, não admitindo a introdução de questões novas, pelo que ao conhecer de questões que não constam dos articulados e sobre as quais o tribunal de 1ª instância não se pronunciou, o Acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo consagrado nos artigos 3.º e 5.º do CPC. Outra interpretação que não esta é inconstitucional porquanto violadora do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade consagrados na Lei Fundamental, inconstitucionalidade que expressamente se invoca nos termos e para os fins do disposto no artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional

67. O Acórdão recorrido violou, por deficiente interpretação e aplicação o disposto nos artigos 236.º, 342.º, 376.º, 768.º, 785.º e 786.º CCiv e os artigos 3.º, 5.º n.º 1 e 2, 264.º, 414.º, 552.º n.º 1 alínea d), 574.º n.º 1 e 2, 607.º n.º 5, 608.º, 619.º n.º 1, 620.º, 621.º, 662.º, 662.º n.º 2 alínea c), 682.º n.º 3 e 683.º n.º 2 CPC, preceitos que deveriam ter sido e devem ser interpretados e aplicados no sentido das alegações e conclusões que antecedem, além de ter incorrido nas nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), segunda parte do CPC aplicável ex vi o disposto no artigo 666.º e de ter violado o caso julgado formal e material e de ter contrariado Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça proferida sobre a mesma questão fundamental de Direito.


18. A ré respondeu, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1º Vem o autor aqui recorrente, Banco Comercial Português, interpor Recurso de Revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão Proferido em 18 de Dezembro de 2020, Referência: ......., pelo Venerando Tribunal da Relação ……., que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

2º Com o devido respeito, não concordamos com os fundamentos agora invocados e não assiste qualquer razão, ao autor aqui recorrente, nas suas Alegações.

3º Tem sido longa a controvérsia, como resulta dos autos, dos articulados e Decisões, proferidas pelos Tribunais de 1ª instância, pelo Tribunal da Relação …… e pelo Supremo Tribunal de Justiça, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

4º Como resulta também dos autos, e como o referido supra neste articulado, nas considerações introdutórias nos pontos 1. a 12., resultante do Acórdão Proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, foram proferidas decisões e elaborados articulados pelas partes, que por uma questão de economia processual se dão aqui por inteiramente reproduzidos.

5º Com relevo para o presente recurso, a Decisão proferida pelo Douto Supremo Tribunal de Justiça em 08 de Junho de 2018, REF: ......., nas páginas 29 e 30 do Acórdão, decidiu nas alíneas a) e b) mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para, com base nos meios de prova já produzidos ou a produzir, decidir da invocada contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados e julgar em conformidade.

6º O Tribunal da Relação ……, em obediência ao Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 9 de Novembro de 2018, REF: ....... proferiu Acórdão, onde os Senhores Juízes Desembargadores Acordam em anular a sentença recorrida. por não constarem do processo todos os elementos que, nos termos do número 1 do art.º 662º permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e assim sanar as contradições que apresenta, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância, nos termos e para os fins supra expostos, decidindo-se a final, em conformidade.

7º Os autos baixaram ao Tribunal de 1ª instância, a Meritíssima Juiz em 9 de Janeiro de 2019, proferiu Despacho REF: ......., onde determinou ao autor, a junção aos autos do extrato global dos movimentos a débitos e a crédito na conta da ré, a que se refere o contrato celebrado com o autor.

8º O autor, aqui recorrente em 8 de Fevereiro de 2019 REF: ......., junta aos autos dois documentos, segundas vias de Extracto combinado, composto por 9 extractos com 15 páginas e copia de Extracto de Cliente Conta leasing, composto por 19 páginas numeradas de 1 a 19.

9º A ré, aqui recorrida também no cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação de ……., designadamente nos meios de prova a produzir, em 12 de Fevereiro de 2019, REF: ......., junta aos autos dois documentos, como prova do pagamento da renda nº 1, cópia cheque nº ....283 da Caixa de Crédito Agrícola, no valor de 2.880,00 €, com a data de 27-11-2009, correspondente ao pagamento da renda nº 1 e despesas com o Contrato e cópia do comprovativo do depósito, no Millenium bcp.

10º Em 01 de Julho e 9 de Setembro de 2019, foram inquiridas por vídeo conferência, as testemunhas, funcionárias do Banco Comercial Português (bcp) AA e BB.

11º O Tribunal de 1ª instância, em 23 de Setembro de 2019, proferiu nova Sentença, idêntica à Sentença inicial, proferida em 27-04-2017, Referência: ......., alterando a redacção dos factos provados 7º, 31, 32º e 35º.

12º No sentido de sanar a contradição, dos factos provados 7º e 31 e al. c) dos não provados, ordenada pelos Tribunais Superiores, julgou assente no facto 7º que "A ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato., "; no Facto 31º que "A Ré não pagou a 1º renda, que se venceu na data de celebração do contrato, no momento fixado para o efeito, tendo tal renda sido paga, juntamente com a renda número 2, em três pagamentos, ocorridos em 06-01-2010, 22-01-2010 e 03-03-2010. ", mantendo a redacção da alínea c- dos factos não provados.

13º Alterou a redacção dos Factos provados 32º e 35º, julgou assente no facto provado 32º que "O primeiro pagamento que se regista é em 06 de Janeiro de 2010 e é no valor de 1.751,29 €."; no Facto provado 35º  que " Precisamente porque as quantias depositadas não foram imputadas às rendas que a Ré indica, por tal indicação, manuscrita pelo representante da ré, não estar correta."

14º A ré, aqui recorrida, recorreu da sentença, para o Tribunal da Relação ……, em 06 de Janeiro de 2020, REFª: ......., apresentou alegações e conclusões, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

15º O Tribunal da Relação …… em 14 de Maio de 2020, Referência: ......., proferiu Acórdão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no âmbito das suas competências, no sentido de sanar a contradição determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça procede a rectificação da redacção dada pelo tribunal de 1º Instância aos factos provados 7º, 31, 32º e 35; elimina o Facto não provado da alínea c-.

16º Como resulta do Acórdão, o Tribunal da Relação ……. decidiu:

No Facto provado 7º " A Ré liquidou as primeira 51 rendas do contrato.";

No facto provado 31º " A Ré não pagou a 1ª renda, que se venceu na data de celebração do contrato, no momento fixado para o efeito, tendo tal renda sido paga, juntamente com a renda número dois, em três pagamentos, ocorridos em 06-01-2010, 28-01-2010 e 03-03-2010.";

No Facto provado 32º "A Ré não pagou a 1ª renda, que se venceu na data de celebração do contrato, no momento fixado para o efeito, tendo tal renda sido paga, juntamente com a renda número dois, em três pagamentos, ocorridos em 06-01-2010, 28-01-2010 e 03-03-2010.";

No Facto provado 35º "Tal sucedeu porque as quantias depositadas não foram imputadas às rendas que a Ré indica, por tal indicação, manuscrita pelo representante da ré, no entender do Banco autor não estar correcta.";

17º A ré, aqui recorrida entende que sanada, decidida a contradição dos Factos provados 7º e 31º e julgado em conformidade, os autos subiriam novamente ao Supremo Tribunal de Justiça.

18º Contudo, o autor aqui recorrente recorreu do Acórdão, para o Supremo Tribunal de Justiça, arguindo nulidades.

19º A ré, aqui recorrida em 01-09-2020, REFª: ......., apresentou articulado de Contra Alegações.

20º O Tribunal da Relação …… em 02-10-2020, Referência: ......., proferiu Acórdão, decidindo, "Nestes termos, acorda este colectivo de Juízes do Tribunal da Relação de ……. em julgar verificada a arguida nulidade processual, decorrente de não se ter observado o disposto no art. 655º nº 1 do CPC e, em consequência, anulam-se todos os posteriores actos processuais por ela afectados, incluindo o acórdão em crise, determinando-se a notificação de apelante e apelada para, querendo, pronunciarem-se, sobre a questão de não conhecimento parcial do objecto da apelação e da ampliação do objecto do recurso, nos termos já enunciados no acórdão anulado."

21º A ré, recorrida, pronunciou-se em 15-10-2020, Referência: ......., para tal apresentou articulado, requerimento, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

22º O Tribunal da Relação ……. em 18 de Dezembro de 2020, Referência: ......., proferiu Acórdão, pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas, em suma julgou procedente apelação revogando a Sentença recorrida e em sua substituição julgam a acção improcedente absolvendo a ré do pedido, julgam parcialmente procedente o pedido reconvencional.

23º Considerando o Decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 08 de Junho de 2018, REF: ......., que determinou a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para sanar a contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados.

24º Na medida em que no facto provado nº 7 se decidiu que a ré pagou as primeiras 51 rendas e no nº 31 que a ré não pagou a 1ª renda, que se venceu na data da celebração do contrato e correspondente al. c) dos factos não provados.

25º Como resulta dos autos e como o referido supra nos nºs 3.4, 6. e 12., das considerações introdutórias, as Decisões do Tribunal de 1º Instancia e do Tribunal de 2ª Instância, relativamente aos Factos provados 7º e 31, são idênticas.

26ºO Tribunal de 1ª Instância e do Tribunal da Relação ……, relativamente aos factos provado nº 7º e 31º, julgaram assente, que a ré pagou 51 rendas e que a 1ª renda, foi paga juntamente com a renda nº 2, em 06-01-2020, 28-01-2020 e 03-03-2020.

27º Assim, resulta provado que a ré efectivamente pagou as primeiras 51 rendas do contrato.

28º Resulta também que a ré tem cumprido com a sua obrigação de pagar as rendas.

29º A ré, nos articulados defendeu a tese de que a parte não viciada da Sentença e a parte não viciada do Acórdão proferido em 24-11-2017, Referência: ......., pelo Tribunal da Relação ……, mantêm-se, não podendo ser alterada, transitou em julgado, fazendo caso julgado.

30º Defendeu também a tese que, decididas as contradições, dos factos provado nº 7º, 31º e c-dos factos não provados, o processo devia ser remetido ao Supremo Tribunal de Justiça para proferir decisão.

31º Entendemos também, que as Alegações e Conclusões de recurso apresentadas nos autos, pelo autor, aqui recorrente, em 02-02-2021, REFª: ......., não têm fundamento legal, pelo que expressamente se impugnam.

32º O autor vem alegar matéria que já foi julgada e questões novas que nesta fase processual não podem ser suscitadas.

33º Entendemos também que não têm razão de ser, considerando o decidido no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

34º Por outro lado, como resulta dos autos, no Facto provado 18º, pelo tribunal de 1ª Instância, que não foi impugnado, as somatórias dos valores dos depósitos realizados pela ré, para pagamentos das rendas, importam em 110.968,70 €.

35º O valor das 51 rendas importam em 90.001,00 € (51 rendas x 1.765,00 €).

36º A ré depositou a mais a quantia de 20.967,70 € (110.968,70 € - 90.001,00 €).

37º Assim, os valores depositados pela ré, ultrapassam significativamente o valor correspondente a 51 rendas.

38º Resulta que não existe incumprimento contratual por parte da ré.

39º Como resulta também dos autos e do extrato da conta leasing, junto aos autos pelo autor em 08 de Fevereiro de 2019, REFª: ......., por ordem do Tribunal de 1ª Instância; o autor debitou, quantias que não tinham justificação contratual, designadamente o IMI, dos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, (…).

40º A factualidade referida nas conclusões anteriores, foi também suscitada e abordada na audiência de julgamento, no âmbito do Processo Cautelar Processo: 472/15........ (119/14........), apenso aos presentes autos, e consta da Sentença proferida em 10-02-2015, Referência: ......., foi indiciariamente provada.

41º O autor sempre se recusou a fornecer à ré os Recibos de quitação (Facturas Recibo) extractos e conta corrente da conta leasing.

42º Só forneceu o extrato da conta leasing, por ordem do Tribunal, como o referido supra na Conclusão 39º, como o referido também nos nºs 3. e 4., das CONSIDERAÇÕES INTRUDUTÓRIAS

43º Entendemos que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……, faz inteira justiça, não padecendo de qualquer reparo, tanto ao nível dos factos como na aplicação que destes faz ao direito.

44º Um dos princípios estruturantes dos Direito dos contratos é o Princípio da Boa Fé, o art. 762º nº 2 Código Civil, refere que tanto no cumprimento da obrigação como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa fé.

45º Determinando que tanto a conduta do devedor como a do credor, obedeçam a princípios de correcção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor, sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes.

46º Assim o credor deve adequar a sua conduta por forma a permitir a realização da prestação pelo devedor e evitar a ocorrência de danos para este.

47º O autor aqui recorrente é uma entidade bancária de grande dimensão, está vinculado aos Princípio gerais de direito, aos Princípios específicos do direito bancário e normas de conduta, no qual se integram o Princípio da boa fé, o Princípio da verdade material, o Princípio da Cooperação, aos deveres de informação, de esclarecimento, de lealdade, de protecção e de cooperação.

48º Para além de ser uma obrigação ética, devido à sua vinculação aos Princípios gerais de Direito e aos Princípio específicos de Direito Bancário e deveres de conduta e cooperação, há também uma obrigação legal, decorrente dos arts. 7º e 8º do CPC.

49º Salvo melhor opinião, entendemos que a conduta do autor, nos presentes autos, Processo Cautelar nº    472/15........ (119/14........) e no  presente processo nº 472/15.9T8VRL, viola claramente as mais elementares regras de Direito, Principio da Boa Fé e Princípios Ético-Financeiros; provocou na ré enormes prejuízos, danos patrimoniais e não patrimoniais, que devem ser imputados ao autor, através da constituição de uma indemnização.

50º Entendemos também que o autor deve ser condenado como litigante de má fé».

19. Por acórdão proferido em 25.03.2021, o Tribunal da Relação pronunciou-se, ao abrigo do disposto no art.  617º, nº 2, do CPC, das invocadas nulidades do acórdão recorrido.


20. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir.


***


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir  consistem em saber se: 

1ª- o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

2ª- o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, por excesso de pronúncia;

3ª- o acórdão recorrido viola o caso julgado formal formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.06.2018;

4ª- o acórdão recorrido viola a autoridade do caso julgado material formado pela decisão proferida no processo nº 230/14.......;

5ª- a ré tem direito ao pagamento dos montantes despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo  os honorários  do seu mandatário, nos termos do disposto na cláusula 15º do contrato de locação financeira.


***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto

Após decisão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes os Factos Provados:

1º O Autor celebrou com a Ré um contrato de locação financeira sob o nº …9037 (contrato - documento 1, que se rege nos termos e condições constantes das respetivas cláusulas), tendo por objeto os seguintes imóveis:

a) Prédio urbano, composto por edifício para armazém de atividade industrial, sito em ........... – lote ..., freguesia ............., concelho ......., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 986, descrito na Conservatória do Registo Predial ....... sob o número mil duzentos e sessenta e um/.............. Para o referido prédio foi concedida a licença de utilização n.º 164/96 de 21/08/1996, pela Câmara Municipal ........

b) Prédio urbano, composto por edifício para armazém de atividade industrial, sito em ........... – lote ….., freguesia ............., concelho ......., inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial ....... sob o número mil duzentos e sessenta e dois/.............. Para o referido prédio foi concedida a licença de utilização n.º 164/96 de 21/08/1996, pela Câmara Municipal ........

2º O prazo de duração do contrato foi fixado em 360 meses (30 anos).

3º O valor inicial das rendas foi estipulado em 2.451,29 € (a 1ª renda) e da 2ª à 360ª em 1.751,29 €, a pagar mensalmente, com início em 25/11/2009.

4º O valor residual foi estabelecido em 39.347,61 €;

5º Os imóveis locados são propriedade do Autor (cfr. cláusula 7ª das condições gerais do contrato).

6º Os referidos imóveis foram entregues à Ré.

7º A Ré liquidou as primeiras 51 rendas do contrato [suprimida a palavra “apenas”, pelo Tribunal da Relação].

8º E, em consequência, o Autor, por carta registada com A.R. de 31 de Julho de 2014 (documento 2), comunicou-lhe a resolução do contrato, ao abrigo do artigo 11º das condições gerais. [suprimida a expressão palavra “do incumprimento do referido contrato por parte da Ré”, pelo Tribunal da Relação] .

9º Nos termos do artigo 11º, nº 4, das condições gerais do contrato de locação financeira, a resolução obriga a locatária a abandonar de imediato os imóveis, objeto do contrato em crise, e restituí-los ao Autor, em bom estado de conservação e inteiramente devolutos e livres de pessoas e coisas [Nova redação dada pelo Tribunal da Relação].

10º Apesar de interpelada para o fazer, a Ré não procedeu à entrega dos referidos imóveis. [suprimida a palavra “devidamente”, pelo Tribunal da Relação] .

11º Os quais continuam a ser utilizados pela Ré, sem qualquer contrapartida para o Autor e com o inerente risco de depreciação, resultante de uma utilização menos cuidada.

12º O Autor procedeu já ao pedido de cancelamento da locação financeira.

13º A ré não recebeu as cartas com a data de 31 de Julho de 2014 que o autor junta como documento nº 2 e 3 da P.I.

14º A carta com o Registo nº RN……15PT não foi recebida pelo administrador da ré Sr. CC e foi entregue ao remetente "Millennium BCP".

15º A carta com o Registo nº RN…….32PT não foi recebida pela ré "DESTINOS ALICIANTES" e foi entregue ao remetente "Millennium BCPp".

16º O administrador da ré esteve emigrado em Angola.

17º A ré não teve conhecimento do conteúdo das cartas enviadas pela autora em 31/07/2014.

18º A ré desde a outorga do contrato de locação financeira, em 25/11/2009, tem vindo a proceder a pagamentos ao Autor, sendo que até à presente data pagou/depositou nas contas nº .......1269 e na conta nº ...22 do "Banco Comercial Português" (Millenium bcp) os valores seguintes:

- 1.751,29 € em 28/12/2009.

- 1.751,29 € em 26/01/2010.

- 2.950,00 € em 25/02/2010.

- 1.280,00 € em 25/02/2010.

- 1.755,29 € em 26/04/2010.

- 1.770,00 € em 25/05/2010.

- 1.800,00 € em 25/06/2010.

- 1.800, 00 € em 27/07/2010.

- 1.837, 00 € em 26/08/2010.

- 1.837, 00 € em 27/09/2010.

- 1.837, 00 € em 26/10/2010.

- 1.837, 00 € em 26/11/2010.

- 1.837, 00 € em 26/12/2010.

- 1.837, 00 € em 24/01/2011.

- 1.837, 00 € em 28/02/2011.

- 1.837, 00 € em 28/03/2011.

- 1.837, 00 € em 27/04/2011.

- 1.837, 00 € em 26/05/2011.

- 1.837, 00 € em 28/06/2011.

- 7.200,00 € em 30/11/2011.

- 7.500,00 € em 09/12/2011.

- 1.980, 00 € em 25/11/2011.

- 1.500, 00 € em 06/01/2012.

- 2.470,00 € em 30/01/2012.

- 1.882,23€ em 24/02/2012.

- 600,00 € em 23/03/2012.

- 1.300,00 € em 12/04/2012.

- 1.800,00 € em 11/05/2012.

- 1.736,00 € em 15/06/2012.

- 1.715,00 € em 16/07/2012.

- 1.707,00 € em 10/08/2012.

- 1.671,10 € em 24/09/2012.

- 1.647,49 em 25/10/2012.

- 1.660,00 € em 31/11/2012.

- 1.655,00 € em 21/12/2012.

- 1.000,00 € em 24/01/2013.

- 1.649,50 € em 07/03/2013.

- 890,51 € em 18/03/2013.

- 750,00 € em 16/04/2013.

- 1.650,00 € em 13/05/2013.

- 1.620,00 € em 24/06/2013.

- 1.100,00 € em 29/07/2013.

- 1.650,00 € em 28/08/2013.

- 1.650,00 € em 26/09/2013.

- 1.650,00 € em 28/10/2013.

- 1.650,00 € em 25/11/2013.

- 1.650,00 € em 26/12/2013.

- 1.650,00 € em 27/01/2014.

- 1.650,00 € em 21/02/2014.

- 1.650,00 € em 21/03/2014.

- 1.650,00 € em 22/04/2014.

- 1.650,00 € em 21/05/2014.

- 1.650,00 € em 27/06/2014.

- 1.680,00 € em 20/08/2014.

- 930, 00 € em 05/01/2015.

- 1.000, 00 € em 23/01/2015.

- 1.755, 00 € em 04/02/2015.

- 1.755, 00 € em 04/02/2015.

 - 1.700, 00 € em 05/02/2015.

- 1.750, 00 € em 31/03/2015.

- 500, 00 € em 27/04/2015.

19º O Autor recorreu ao processo executivo, para tal intentou em 16 de Dezembro de 2011 ação executiva, tendo como título executivo, livrança preenchida no valor de €156.446,04.

20º O processo executivo nº 170/11...... - Tribunal Judicial ….., atualmente com a organização judiciária corre termos na instância central …...

21º O autor intentou também Providência Cautelar de entrega judicial Processo nº 119/14........ que correu termos na Comarca ....... Secção Civil J...

22º Os Processo judiciais intentados pela autora obrigaram a ré a despesas adicionais judiciais e extra judiciais com a sua defesa.

23º A ré é uma sociedade comercial, o seu sucesso empresarial estará, obviamente dependente do seu próprio bom nome.

24º O Processo Cautelar Entrega Judicial nº 119/14........ que correu termos na Comarca  ....... Secção Civil J.., intentado pelo autor, foi julgado improcedente, por não provado e não foi ordenada a entrega judicial.

25º Tem a ré sentido dificuldades em cumprir com as suas obrigações contratuais e extracontratuais.

26º Nos termos da cláusula 3 das condições gerais e cláusula 5 das condições particulares do contrato de locação financeira celebrado entre as partes, o valor de cada renda é variável em função de um indexante: taxa Euribor a 1 mês, acrescida de um spread.

27º E, de acordo com a cláusula 4.9. das condições particulares, também ficou estabelecido que às rendas acrescem as despesas de processamento e comissões de gestão do contrato, de acordo com o preçário do Banco em vigor a cada momento, sendo estas a cobrar trimestralmente pois que o vencimento das rendas era mensal.

28º E, nos termos da cláusula 4 das condições gerais, definiu-se que os impostos relacionados com o contrato e com os imóveis, objeto do contrato são da responsabilidade da locatária.

29º O contrato estabelece que o Banco fica autorizado a debitar na conta da Locatária todas as prestações pecuniárias: rendas, valor residual, despesas iniciais, despesas administrativas, impostos, taxas, eventuais registos, comissões e quaisquer outras despesas (cláusula 10 das condições particulares).

30º Conta que, nos termos da mesma cláusula, a Locatária se obrigou a ter adequadamente provisionada para o efeito de suportar tais débitos quando devidos.

31º A Ré não pagou a 1ª renda, que se venceu na data de celebração do contrato, no momento fixado para o efeito, tendo tal renda sido paga, juntamente com a renda número dois, em três pagamentos, ocorridos em 06-01-2010, 28-01-2010 e 03-03-2010[ mantido, pelo  Tribunal da Relação, que apenas corrigiu o lapso de escrita, substituindo 22 por 28 ] .

32º O primeiro pagamento que se regista é em 06 de janeiro de 2010 e é no valor de 1.751,29 €...

33º Aquele só foi compensado com os depósitos efetuados em 25 de Fevereiro de 2010.  [suprimida a palavra “incumprimento”, pelo Tribunal da Relação] .

34º Mas, logo em Março de 2010, a Ré voltou a falhar um pagamento, sendo que este jamais foi compensado, o que levou ao vencimento de juros de mora com efeito de “bola de neve”, nunca tendo sido cumprido na totalidade o acordado entre as partes aquando da celebração do contrato de locação financeira.

35º Tal sucedeu porque as quantias depositadas não foram imputadas às rendas que a Ré indica, por tal indicação, manuscrita pelo representante da ré, no entender do Banco autor não estar correta. [aditada a expressão “no entender do banco autor”, pelo  Tribunal da Relação] .

36º Os valores depositados pela Ré na conta que o Autor estava autorizado a debitar, valores depositados que a Ré identifica como destinados a rendas, foram imputados pelo Autor a outros pagamentos da responsabilidade da Ré, designadamente IMI e comissões, ficando várias rendas por pagar.

37º Sendo certo que a totalidade dos depósitos efetuados pela Ré até 09 de Agosto de 2011 não foi suficiente para fazer face à totalidade das obrigações que do contrato emergiram para a Ré até à mesma data.

38º Pelo que, após interpelação de 09 de Agosto de 2011 (documentos 2, 3 e 4), em 20 de Setembro de 2011, o Banco procedeu à resolução do contrato de locação financeira (documentos 5, 6 e 7) e procedeu ao preenchimento da livrança caução, que lhe fora entregue, subscrita e avalizada em branco, no momento da celebração do mesmo.

39º O contrato mais estabelece – cláusula 11.1 das condições gerais – que, para além dos demais casos resultantes da lei e do próprio contrato, o mesmo pode ser resolvido em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do Locatário, se este, interpelado para o efeito por escrito, não suprir a sua falta no prazo de 30 dias a contar da data da emissão daquela notificação.

40º Resolvido o contrato, o Locatário, que não terá direito a qualquer indemnização ou compensação, deverá restituir o imóvel em bom estado de conservação, no prazo máximo de 15 dias a contar da data da resolução, sob pena de se constituir na obrigação de pagar ao Locador uma quantia conforme previsto na cláusula 9ª.8.

41º Conhecedora da resolução do contrato, do preenchimento da livrança e do correspondente requerimento executivo, estando em curso a execução, a Ré efetuou os seguintes depósitos em conta em finais de Novembro de 2011: 1.980,00 € em 25 Nov. 2011 e 7.200,00 € em 30 Nov. 2011.

42º Seguidamente, a Ré promoveu negociações com o Banco.

43º Dessas negociações resultou um acordo sob condição, celebrado após aqueles 2 depósitos:

- o Autor perdoaria juros de mora vencidos e vincendos até 31 de Dezembro de 2011, desde que, até essa mesma data, a Ré procedesse ao pagamento de todas as demais obrigações contratuais que se considerariam vencidas até então, como se o contrato não tivesse sido resolvido incluindo as rendas de Setembro a Dezembro de 2011, tendo fixado a quantia em divida, para efeitos de acordo, no montante global de 17.500,00 €;

- se a Ré efetuasse tais pagamentos, o contrato considerar-se-ia repristinado, considerar-se-iam pagas todas as obrigações vencidas até então e, a partir de Janeiro de 2012, inclusive, seria retomado o plano de pagamento de rendas e demais obrigações, como estabelecido no contrato.

44º Com este intuito, a Ré ainda efetuou o depósito de mais 7.500,00 € em 09 de Dezembro de 2011 e até entregou nova livrança caução em branco.

45º Porém, até 31 de Dezembro de 2011, nada mais depositou, sendo que, por isso, ficaram por pagar 10.000,00 € daquele montante acordado.

46º Nessa medida, por falta de preenchimento das condições estabelecidas, não chegou a efetivar-se o acordo de repristinação.

47º E, porque não chegou a efetivar-se tal acordo, o Banco não desistiu da execução da livrança, execução que prossegue seus termos.

48º A partir de Janeiro de 2012, a Ré efetuou novos depósitos, que identifica na sua petição inicial.

49º Mas, tais depósitos nunca foram suficientes para cobrir todas as obrigações contratuais que se considerariam vencidas até à data em que foram efetuados, como se o contrato não tivesse sido resolvido.


B) Factos julgados não provados:

a - A ré não foi notificada porque o seu único administrador, CC, em 30 de Julho de 2014, por força das circunstâncias, imigrou para Angola, tendo regressado a Portugal em ... de Setembro do corrente ano.

b - Teve que regressar a Portugal para resolver assuntos relacionados com o processo executivo nº 170/11...... relacionado também com o contrato de locação financeira imobiliário nº ….9037, em fase de venda executiva a correr termos na Instância Central de …...

c - Renda nº 1 no valor de 2.451,29 € foi paga em 25/11/209, aquando da outorga do Contrato de Locação Financeira, conforme nº 4.3 das CONDIÇÕES PARTICULARES.

d - A ré desde outorga do contrato de locação até 27 de Abri de 2015 pagou 63 rendas e reforço de capital equivalente a 5 rendas no total de 68 rendas no valor de 113.42,00 €.

e - A ré desde a outorga do contrato de locação até de 31 de Julho de 2014 pagou 55 rendas e reforço de capital equivalente a 5 rendas no total 60 rendas no valor de 102.350,00 €;

f - O autor, tudo tem feito para que a ré não cumpra com a sua obrigação.

g - Resultado da conduta do autor, a ré ficou inibida de utilizar cheques, ficou sem qualquer possibilidade de recorrer a crédito a financiamento, ficou com todos os seus bens penhorados.

h - O administrador da ré com cerca de 60 anos, para tentar salvar o seu património, cumprir com as suas obrigações inclusive o pagamento das rendas ao autor, viu-se obrigado a emigrar para Moçambique e posteriormente para Angola.

i - Os processos intentados pelo autor, as respetivas diligências processuais, têm feito com que o administrador da ré se tenha que deslocar com frequência a Portugal, impedindo- o de cumprir o seu contrato de trabalho em Moçambique e em Angola; e em avultadas despesas de viagens e perda de remuneração.

j - A instauração da presente ação e dos demais processo atrás referidos, diminui por forma drástica a confiança que a ré era merecedora.

k - A comunicação pelo autor ao Banco de Portugal e Instituições Financeiras, de falsas declarações no que toca ao incumprimento contratual por parte da ré».


***



3.2. Fundamentação de direito

Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com as questões de saber  se:    

1ª- o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

2ª- o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, por excesso de pronúncia;

3ª- o acórdão recorrido viola o caso julgado formal formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.06.2018;

4ª- o acórdão recorrido viola a autoridade do caso julgado material formado pela decisão proferida no processo nº 230/14.......;

5ª- a ré tem direito ao pagamento dos montantes despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário, nos termos do disposto na cláusula 15º do contrato de locação financeira.


*


3.2.1. Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamento.

 

Sustenta a recorrente padecer o acórdão recorrido da nulidade prevista no nº1, al c), do  art. 615º, do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Isto porque, no que respeita aos factos dados como provados  no ponto 7, retirou a palavra “apenas” e fundamentou esta alteração no teor da cláusula 4º  das condições gerais  do contrato de locação financeira, que no seu entender, não permitiria ao Banco debitar valores de IMIs referentes a anos anteriores à celebração do contrato de locação, quando é precisamente o nº 2 desta cláusula que legitima tal ação do Banco.

E ainda porque, na fundamentação da sua decisão, refere expressamente que a ré não satisfez um ónus probatório que era o seu, mas apesar da dúvida que fica “no ar” decide – em contradição com a fundamentação exposta – alterar a redação do dito ponto 7, favorecendo claramente a ré em detrimento do banco recorrente, beneficiário último de tal dúvida.

Por outro lado e no que concerne à resposta dada ao ponto 35 dos factos dados como provados, acrescentou a  expressão “ no entender do Banco”, fundamentando esta alteração na cláusula 4.ª das condições gerais do contrato de locação financeira  quando é precisamente a redação desse cláusula que impõe a manutenção da resposta dada pelo Tribunal a quo,  pois é  dela  que resulta a autorização do banco para debitar os IMIs referentes aos imoveis dados em locação, sejam eles corretivos, retroativos ou extraordinários.

Daí pugnar pela anulação destas alterações, mantendo-se a redação original dada a tais pontos pelo Tribunal a quo, sem prejuízo do que, relativamente ao ponto 7.º, refere no seu pedido de ampliação do objeto do recurso.

Vejamos.

No que concerne  à causa de nulidade prevista na c) do nº 1 do art. 615º, do CPC, vem a doutrina e a jurisprudência entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão.

No dizer de Alberto dos Reis[2] e de Antunes Varela[3], trata-se de um vício que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença.

Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de  02.06.2016 (proc  nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1) , « radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso».

Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada.

Ora, nada disto acontece no caso dos autos.

Com efeito, basta atentar na fundamentação da decisão que reapreciou estes dois pontos da matéria de facto para facilmente se constatar que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, para proceder às referidas alterações o Tribunal da Relação não se baseou unicamente  na  cláusula 4.ª das condições gerais do contrato de locação financeira,  não se vislumbrando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Mas, para além disso, importa sublinhar  que a questão de saber se a reapreciação da matéria de facto impugnada foi, ou não, feita pelo Tribunal da Relação à luz dos parâmetros processuais  que lhe são impostos pelo 662º, nº 1 e do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, todos do CPC,  não se reporta à regularidade intrínseca do acórdão recorrido nem integra  vício  de nulidade, reconduzindo-se, antes, a erro na apreciação da prova, que não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, em que fixa a força de determinado meio de prova, conforme resulta do disposto nos arts. 682º, nºs 1 e 2 e  674º,  nº 3, ambos  do CPC.

Não há, assim, que confundir erro de julgamento na matéria de facto (erro facti) a contradição entre os fundamentos e a decisão a que se refere o artigo 615º, nº1, alínea c), do CPC.

Daí concluir-se não ter a recorrente caracterizado qualquer situação evidenciadora da invocada contradição entre os fundamentos e a decisão insertos no acórdão recorrido, carecendo, por isso, de qualquer fundamento a apontada nulidade.


*



3.2.2. Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia.

Sustenta a recorrente  enfermar ainda o acórdão recorrido, no que concerne às alterações das respostas dadas aos pontos 7 e 35 dos factos provados, da nulidade prevista na al. d), do nº1 do citado art. 615º, pois ao pronunciar-se sobre os montantes debitados em data anterior a Setembro de 2011, nomeadamente no que se refere aos IMIs, está a cometer excesso de pronúncia por  se debruçar sobre questões que não constam dos temas da prova, que não foram colocadas à apreciação do tribunal de 1ª instância, tendo apenas surgido já em sede de recurso e que já tinham inclusivamente sido objeto de apreciação por outro Tribunal, em momento anterior, pelo que requer que sejam anuladas tais alterações.

Mas, a nosso ver, também não lhe assiste razão.

Senão vejamos.

O excesso de pronúncia a que alude a al. d), do nº 1 do art. 615º, do CPC, verifica-se quando o tribunal aprecia e toma posição sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram suscitadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

Todavia, relevantes, para tal efeito, são somente as questões  que contendam com  a substanciação da causa de pedir, pedido e exceções invocadas pela defesa[4] ou que devam ser suscitadas oficiosamente.

Particularmente, na fase de recurso, constituem  questões solvendas, as que delimitam o objeto daquele e que se traduzem,  quer nos invocados erros de direito na determinação, interpretação e aplicação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão, nos termos  do disposto no art.º 639.º, n.º 2, do CPC, quer, em sede  de impugnação da decisão de facto, na especificação dos pontos de facto tidos por incorretamente julgados e que cumpre ao impugnante indicar nos termos do art.º 640.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código[5].

Quer isto dizer não se integrarem no conceito jurídico-processual de “questão” os argumentos jurídicos ou probatórios discreteados no âmbito das questões a solucionar nem  as situações de discordância das partes  em relação ao decidido, designadamente no que concerne  à  valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua  livre e prudente convicção.

Essencial é  que o tribunal se contenha no âmbito do objeto do recurso, delimitado pelas conclusões.

Ora, relativamente aos pontos 7 e 35 dos factos provados, o que se verifica é que o Tribunal da Relação, na sequência da impugnação destas respostas  por parte da ré/apelante,  reapreciou esta factualidade e fundamentou as alterações  nelas introduzidas nos seguintes termos:

«Relativamente ao facto nº 7, analisada a prova documental e ouvidos os referidos depoimentos, a nossa convicção, tal como a da Mmª juiz “a quo” é de que a ré pagou as primeiras 51 rendas do contrato.

No entanto a Mmª juiz “a quo” julgou provado que apenas pagou estas 51 rendas.

Ora, se é certo que a prova produzida não nos permite concluir que a ré pagou mais do que estas 51 rendas (e o ónus da prova era da apelante), também é certo que não nos permite concluir que apenas pagou estas.

Decorre do facto provado sob o nº 18, na parte que aqui não vem impugnada, dos comprovativos de depósitos, dos extractos bancários e da conta leasing, que foram depositadas quantias que totalizam montante bem superior a essas 51 rendas, sem que a autora tenha demonstrado, com exactidão, como lhe era exigível, que, na sequência da factualidade provada nos nºs 27º, 28º, 34º e 36º, os concretos valores debitados se mostrassem contratualmente justificados.

Efectivamente, a autora debitou valores relativos ao IMI referente a anos anteriores à celebração do contrato de locação financeira (2006, 2007, 2008 e 2009). Débitos em conta que os termos das respectivas cláusulas não consentiam.

Concretamente:

– Página 3, Linha 23- Data Valor 14-10-2010 - Documento 285027 11829543 descrição 2009/2- U-986-únic - valor 2 314,21 € - (IMI do ano de 2009);

– Página 3, Linha 33- Data Valor 14-10-2010 - Documento 285028 11829543 descrição 2009/2-U-987-únic - valor 954,67 € - (IMI do ano de 2009) ;

– Página 3, Linha 42- Data Valor 14-10-2010 - Documento 290439 11837779 descrição 2006 Anuidade U/-9 - valor 2 603,48 € - (IMI do ano de 2006);

– Página 4, Linha 10- Data Valor 04-11-2010 - Documento 290440 11837779 descrição 2006 Anuidade U/-9 - valor 1 074,00 € - (IMI do ano de 2006);

– Página 5, Linha 14- Data Valor 29-04-2011- Documento 308395 11960755 descrição 2007 Acerto/U-986 - valor 2 603,48 € - (IMI do ano de 2007) ;

– Página 5, Linha 27- Data Valor 29-04-2011- Documento 308397 11960755 descrição 2007 Acerto/U-986 - valor 1 074,00 € -(IMI do ano de 2007);

– Página 7, Linha 13 - Data Valor 11-11-2011 - Documento 335125 12075451 Descrição 2008 Acerto/U-986 - valor 2 314,21 € - (IMI do ano de 2008);

– Página 7, Linha 19 - Data Valor 11-11-2011 - Documento 335126 12075451 Descrição 2008 Acerto/U-987 - valor 954,67 €- (IMI do ano de 2008);

– Página 14, Linha 29 - Data Valor 31-07-2013 - Documento 405658 12450758 Descrição 2006- Acerto U-725 - valor 141,59 €- (IMI do ano de 2006);

- Página 14, Linha 33 - Data Valor 31-07-2013 - Documento 405659 12450760 Descrição 2006- Acerto U-726 - valor 146,73 € - (IMI do ano de 2006);

Ora, nos termos das cláusulas 4ª das condições gerais e cláusula 10ª das condições particulares do contrato de locação financeira (factos 28º e 29º e documento junto aos autos com a P.I.), o pagamento de tais impostos não poderia recair sobre a locatária por se referirem a um período temporal em que não tinha essa qualidade e, por isso, não estava a autora apelada contratualmente autorizada a debitar tais montantes na conta da locatária.

Assim, em face dos valores depositados pela ré e dos valores indevidamente debitados pela autora, sem curar de outros que também não se mostram correctamente justificados, entendemos que se deve retirar a expressão “apenas” à redacção do facto nº 7, porquanto há pelo menos a hipótese de que essas quantias poderiam e deveriam ter sido utilizadas para o pagamento de outras rendas.

Tal dúvida não nos permite assim julgar provado que apenas pagou aquelas 51 rendas.

(…) »

Impugna o apelante a matéria provada sob o nº 35 (…)

(…)

Da análise dos documentos juntos aos autos, apesar de, como atrás referimos a propósito do facto nº 7, entendermos que a autora, aqui apelada, não justificou devidamente quantias que debitou na conta associada ao contrato e destinada ao pagamento das rendas e outras despesas contratualmente devidas, nomeadamente por não encontrarmos justificação para o lançamento a débito de quantias relativas ao IMI de anos anteriores à celebração do contrato de locação financeira, não é possível afirmar que essa foi a única causa para que a conta não estivesse dotada de fundos que permitissem o pagamento das rendas nas datas do respectivo vencimento.

Concedemos apenas, em face do exposto, que a redacção de tal facto seja alterada nos seguintes termos: “Tal sucedeu porque as quantias depositadas não foram imputadas às rendas que a ré indica, por tal indicação, manuscrita pelo representante da ré, no entender do Banco autor não estar correcta”».

Por outro lado, e no que concerne à impugnação da autora /apelada, o acórdão recorrido julgou improcedente a pretensão da autora/apelada de ver alterada a resposta dada ao ponto 7 no sentido de ser dado como provado que a ré apenas liquidou as primeiras 36 rendas do contrato, com base na seguinte fundamentação:

«Por tudo o que se expôs na apreciação da impugnação deduzida pela ré, de sinal contrário, mas à mesma matéria, tal impugnação terá de improceder.

Efectivamente, decorre do facto provado sob o nº 18 (que a apelada não impugnou), que, em contas afectas exclusivamente ao contrato de leasing em questão e para pagamento das obrigações dele decorrentes, somando as parcelas referidas nesse facto, a ré depositou o montante de €110.968,60. Montante bem superior às 36 rendas que a autora pretende se julgue provado [ €2451+ ( 35 x €1751 ) = € 63.736 ]. Isto é, a ré depositou para pagamento das prestações e outras obrigações decorrentes do contrato mais €47.232.

Excedente que a autora não demonstrou, como lhe era exigível – atentas as suas obrigações de depositária, por isso obrigada a prestar contas à depositante da gestão dos fundos que esta lhe confiou – ser necessário ao pagamento de outras obrigações pecuniárias emergentes do contrato.

Pelo contrário, em face da factualidade provada (nºs 27º, 28º, 34º e 36º) verifica-se que a autora lançou a débito na conta da ré valores que não encontram justificação contratual.

Como já antes referimos, a autora debitou valores relativos ao IMI referente a anos anteriores à celebração do contrato de locação financeira (2006, 2007, 2008 e 2009).

Débitos em conta que os termos das cláusulas 4ª das condições gerais e cláusula 10ª das condições particulares do contrato de locação financeira (factos 28º e 29º), por anteriores à celebração do contrato, não contemplam.

Concretamente.

(…)

Assim, uma vez que os valores depositados pela ré (€110.968,60) são mais do que suficientes ao pagamento das 51 prestações (€90.001) – que o Tribunal “a quo” julgou provado estarem pagas – e não logrou a autora produzir prova convincente de outras obrigações da ré, emergentes do contrato, de valor superior ao excedente depositado pela ré (€21.967,60), sempre improcederia a pretensão da apelada de ver alterado este facto num sentido que até contraria o que alegou e a respectiva causa de pedir » .

Daqui decorre ter o Tribunal recorrido formado a sua convicção sobre a factualidade constante dos pontos 7 e 35 dos factos provados com base em  prova testemunhal e  nos  documentos juntos aos autos, de que salientou  os  extratos bancários e da “conta leasing”, o teor da carta remetida à autora em 31 de julho de 2014, que  conjugados  com os factos dados como provados no ponto nº 18,   permitiu-lhe  concluir que «  a autora debitou valores relativos ao IMI referente a anos anteriores à celebração do contrato de locação financeira ( 2006. 2007, 2008 2 2009)».

Vale isto por dizer que, constando os montantes  relativos ao IMI debitados à ré  em data anterior a Setembro de 2011 da prova documental junta aos autos, a alusão aos mesmos  feita em sede de reapreciação da prova, não assume a natureza de questão solvenda, apresentando-se, antes, como o resultado  da apreciação  crítica  feita pelo Tribunal da Relação aos meios de prova existentes  nos autos, sendo certo nada impedir o tribunal recorrido  de atender àquela prova documental e com base nela, fundamentar as alterações introduzidas  nos pontos 7º e 35º dos factos dadas como provados pelo Tribunal de 1ª Instância.

É que,  como decorre do preceituado no art. 662º, nº 1 do CPC e refere  o Acórdão do STJ, de 20.12.2017 (processo nº 3018/14.2TBVFX.L1.S1)[6],   o Tribunal da Relação tem,  em sede de reapreciação da matéria de facto e no âmbito da formação da sua própria convicção acerca do facto impugnado, « um amplo poder inquisitório  sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, (…) sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido».

E a verdade é que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, nem se vê que ao valorar os «  pagamentos de IMIs anteriores à data da resolução bem como as imputações das quantias recebidas/ débitos efectuados até Setembro de 2011 », o acórdão recorrido tenha  conhecido de questões novas e violado o principio do dispositivo consagrado nos artigos 3.º e 5.º do CPC, pois conforme já se deixou dito, tal atividade insere-se no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e  na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência de erro de julgamento.

E muito menos se vislumbra que o acórdão recorrido, ao afirmar que a autora não logrou produzir prova convincente de outras obrigações da ré, emergentes do contrato, de valor superior ao excedente depositado pela ré ( € 21.967,60), viole o disposto nos arts. 342º, nº 2 e 785º, do C. Civil e art. 414º, do CPC e esteja em contradição com o Acórdão do STJ, de 22.03.2018 proferido no processo nº 67525/14.6YIPRT.L1.S1.

Com efeito,  tendo a resolução do contrato de locação financeira operada pela autora em 31.07.2014 por fundamento apenas a  falta de pagamento de rendas e tendo a ré procedido ao depósito  de  vários montantes  para fazer face às suas obrigações contratuais que não se resumem ao pagamento das rendas, era sobre ela, e não sobre a ré,  que impendia o ónus de provar que os montantes depositados, por terem sido  imputados ao pagamento de outras despesas,  não foram suficientes para efetuar o pagamento das rendas devidas, o que, em nada contradiz o decidido no citado acórdão de 22.03.2018, que reporta-se a situação distinta da dos presentes autos. 

Do mesmo modo não se vê que, ao afirmar que os termos da cláusulas 4ª da condições gerais do contrato de locação financeira, não consentia que a autora  debitasse  valores relativos ao IMI referente a anos anteriores à celebração do contrato de locação financeira (2006, 2007, 2008 e 2009), o acórdão recorrido  tenha violado o disposto nos art. 376º  e 236º, ambos do CC, pois se é certo estipular  o ponto 2 daquela cláusula que «  Serão por conta do locatário todos os impostos – sejam correctivos, retroactivos ou extraordinários – encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou locação financeira», certo é também que, contrariamente ao defendido pela recorrente,  o teor desta cláusula  não permite, por si só, concluir no sentido da ré/locatária se ter obrigado/responsabilizado pelo pagamento  dos impostos respeitantes a períodos anteriores à data da celebração  do contrato de locação financeira em causa ( 25.11.2009 ).

De referir, finalmente,  não se encontrar fundamento para determinar a baixa do processo ao Tribunal para reapreciação do pedido de ampliação do objeto de recurso  no que se refere à resposta dada ao ponto 7 dos factos provados, tanto mais que, como já se deixou dito,  nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, observou, quer a disciplina processual a que aludem os arts. 640º e 662º, nº 1, quer o método de análise crítica da prova prescrito no art. 607º, nº 4, aplicável por força o disposto no art. 663º, nº 2, todos do CPC, sem imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua livre e prudente convicção.


*

Mas argumenta ainda a recorrente ter o acórdão recorrido cometido  excesso de pronúncia  quando se refere quer à alteração da causa de pedir na réplica, quer no que respeita à alegada não interpelação para cumprimento antes da resolução, por se tratarem de questões nunca abordadas pela ré em 1ª instância, sobre as quais esse tribunal não se pronunciou, não proferiu decisão e que apenas surgem em sede de segundas alegações de recurso apresentadas pela Ré.

Que dizer?

Desde logo que, conforme se vê  da  petição inicial,  o facto que serviu de base ao pedido de a restituição dos imóveis locados  formulado pela autora, foi a resolução do contrato de locação financeira com fundamento na falta de pagamento de rendas, por ela operada nos termos  do estabelecido na Cláusula  11º das Condições Gerais e através de carta datada  de 31.07.2014 e enviada à ré, tendo a  autora alegado, para tanto,  no art. 7º da  petição inicial que « a ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato» e no art. 8º desta mesma peça processual que « em consequência do incumprimento  do referido  contrato por pare da Ré, o autor, por carta registada com A.R. de 31 de Julho de 2014 (documento 2), comunicou-lhe a resolução do contrato ao abrigo do artigo 11 das condições gerais».

Apenas  no articulado  de resposta à contestação/reconvenção, veio a autora alegar a existência de um “acordo sob condição”, celebrado entre ela e a ré, sobre o  pagamento de todas as outras despesas  devidas nos termos do contrato e vencidas até 31 de dezembro de 2011 e que,  não obstante a partir de janeiro de 2012, a ré ter efetuado os depósitos que identifica, os mesmos « nunca foram suficientes para cobrir  todas as obrigações contratuais que se considerariam vencidas até à data em que foram efectuados» ( cfr. artigos 60º, 61º, 62º e 66º deste mesmo articulado).

E porque  a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância  considerou resultar da matéria de facto que « o autor procedeu  à resolução do contrato, nos termos previstos na cláusula 11ª do mesmo e exigiu da ré locatária  o pagamento de todas as quantias devidas, no termos dessa cláusula, bem como a restituição dos bens locados», veio a ré/apelante,  inconformada com esta decisão, defender, nas suas alegações de recurso, que o Tribunal de 1ªInstância não podia sustentar o incumprimento do contrato de locação financeira com base noutras despesas que, embora  decorrentes do contrato,  não  foram indicadas como causa de pedir nem constam do teor da  interpelação operada pela autora em 31.07.2014 ( cfr. conclusões 75ª, 77ª, 105ª, 108ª, 114ª e 115ª ). 

Mas sendo assim, como é de facto, dúvidas não restam de que as questões atinentes, quer  à  alteração da causa de pedir, quer  à   não validade  da interpelação  feita através da data de 31.07.2014, fazem parte do objeto do recurso de apelação interposto pela ré, pelo que, contrariamente ao sustentado pela recorrente,  a firmação feita no acórdão recorrido de que « nem  a resolução do contrato se pode basear noutras dívidas que não as que nela se mencionam – e o seu texto é claro no sentido de que o que está em dívida e para cujo pagamento interpelou a ré são rendas (“Não tendo V. Exas. Procedido ao pagamento das rendas em débito …”) – nem a causa de pedir na presente acção (resolução operada por falta de pagamento de rendas, outras que não as primeiras cinquenta e uma) se pode transmudar num qualquer outro incumprimento, nos termos constantes dos artºs 60º, 61º, 62º e 66º da réplica (ver factos provados em itálico que a tal matéria correspondem), por a tal obstar o disposto no art.º 265º nº 1 do CPC, pois não há acordo das partes na alteração da causa de pedir, nem ela resulta de confissão feita pela ré», insere-se no âmbito do recurso, não constituindo excesso de pronúncia.

E nem se diga, como o faz a recorrente, que, mesmo a entender-se  que tais factos consubstanciam uma alteração da causa de pedir,  o Tribunal da Relação  não podia deixar de atender aos mesmos, para efeitos de decisão do mérito da causa, na medida em que foram tacitamente aceites pela ré, porquanto, apesar de notificada da réplica e depois do despacho saneador, não se pronunciou sobre eles  e o acordo das partes exigido pelo art. 264º do CPC pode ser tácito.

  É que, não obstante este artigo não determinar qual a forma que deve revestir o acordo ali previsto, julgamos que, não se estando perante uma mera declaração negocial ( caso em que o silêncio teria esse valor, de harmonia com o art. 218º “a contrario” do CC), mas, antes, perante um formalismo processual relativo à modificabilidade do princípio da estabilidade da instância ínsito no art. 260º, do CPC, tal declaração terá que ser expressa.

Se bastasse o silêncio da parte, cremos que o legislador não teria usado a expressão legal “Havendo acordo das partes” que, a nosso ver, implica uma declaração positiva e não meramente omissiva.

Sendo assim e porque, ao contrário do pretendido pela recorrente, a factualidade em causa, não reveste a natureza de factos complementares, sendo, antes, essenciais na aceção de modificativos da causa de pedir, temos por certo que a alteração da causa de pedir operada pela autora na réplica é, por inadmissível, ineficaz, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao não levar em conta a sobredita factualidade.

Se o fizesse estaria a substituir-se à autora na invocação e configuração da causa de pedir e respetivos factos integradores, violando, desse modo, o princípio do dispositivo e da vinculação do juiz ao peticionado, contidos noas arts 5º, nº 1 e 609º, nº 1, do CPC e incorrendo na nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e), do mesmo Código.

Termos em que improcedem, quanto a todos estes segmentos, o recurso interposto pela autora.


***

3.2.3. Violação do caso julgado formal formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.06.2018.

Argumenta a recorrente que o acórdão  viola o caso julgado formal formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.06.2018, pois que, ao invés de proferir nova decisão quanto à totalidade matéria de facto, apenas o faz relativamente aos factos nºs 7, 18, 31, 32 e 35, remetendo quanto à demais para o teor das páginas 23 a 26 do acórdão proferido por esta mesma Relação em 23.11.2017, quando é certo que, ante o disposto no art. 620º, do CPC, impõe-se considerar que este último acórdão  foi  anulado pelo referido acórdão deste Supremo Tribunal.

Defende, por isso, que deve manter-se inalterada a redação dada pela nova sentença proferida pela 1ª instância aos pontos nºs 8.º, 10.º, 32.º a 38.º e 41.º a 47.º dos factos provados, não se podendo considerar tais pontos como excluídos, uma vez que o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa mesma matéria.

Mais argumenta que  ao  referir expressamente que o banco alegou na petição inicial que a ré não pagou as primeiras 51 rendas do contrato, o acórdão recorrido  viola novamente o caso julgado formado pelo acórdão  proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em  14.06.2018, pois tendo este acórdão julgado procedente a conclusão nº 5  do recurso de revista  interposto pelo ora recorrente, onde se afirmava  que  o banco enganou-se  quando alegou, no artigo 7º da petição inicial,  que a ré tinha liquidado as primeiras 51 do contrato, nos termos do disposto no artigo 249º do Código Civil, o  teor daquele  artigo 7.º deve ter-se  por retificado no sentido  de  passar a constar que a ré apenas liquidou as 36 primeiras rendas.

Vejamos.

O acórdão proferido pelo STJ, nos presentes autos e em14.06.2018, constatando ocorrer contradição entre  pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados, decidiu, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3, do CPC,    

« a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para, com base nos meios de prova já produzidos ou a produzir, decidir da invocada contradição, no sentido de compatibilizar as respostas dadas aos pontos 7º e 31º dos factos dados como provados e alínea c) dos factos dados como não provados.

b) Julgar em conformidade ».

Por sua vez, o Tribunal da Relação,  por acórdão proferido em 08.11.2018, considerando-se  impedido de reapreciar os depoimentos das testemunhas AA e BB devido a eficiências da respetiva gravação,  decidiu anular a sentença recorrida, por não constarem do processo todos os elementos que  permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto reputada contraditória, determinando, nos termos nos termos do art.º 662º, nº 1 e 2, al. c), 1ª parte do CPC,  a  baixa do processo à 1ª instância, para repetição da inquirição daquelas  testemunhas e para ordenar a  junção aos autos do extrato global dos movimentos a débito e a crédito na conta da ré, a que se refere o contrato celebrado com a autora, por, no seu entender,  isso ser útil ao completo esclarecimento desta questão.

Baixados os autos ao Tribunal de 1ª Instância, aí se procedeu à reinquirição das sobreditas testemunhas, tendo a autora procedido à junção dos documentos supra referidos e a ré juntado dois documentos para prova do pagamento da 1ª renda do contrato, após o que o Tribunal proferiu decisão sobre a matéria de facto objeto de novo julgamento – pontos 7º, 18º e 31º dos factos provados e alínea c) dos factos - , tendo, em consequência disso, alterado a redação dada aos pontos 31º, 32º e 35º.

Proferida nova sentença, a ré dela apelou e impugnou as respostas dadas aos pontos 7º, 31º, 32º e 35º dos factos provados,  tendo a autora, em sede de ampliação do objeto do recurso,  impugnado também  a resposta dada ao ponto 7 dos factos provados, na sequência do que o Tribunal da Relação voltou a reapreciar  esta factualidade.

Nesta matéria, dispõe o  citado art. 662º, nº 2, al. c) que « a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente»  « anular  a decisão proferida na 1ª instância, quando, (…) repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)», estabelecendo o nº 3, al. b) deste mesmo artigo que « se a decisão  for anulada  (…) procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação  de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições».

Decorre, assim, do preceituado neste artigo que a repetição do julgamento com vista a suprir a deficiência da decisão  sobre determinado ponto da matéria de facto não abrange a parte da decisão de facto  que não esteja viciada, consolidando-se, nessa parte, o julgamento da matéria de facto que não foi objeto de impugnação, desde que não esteja em contradição com a nova decisão, não permitindo, por isso, o citado artigo 662º, nº 3, al. b),  a repetição do julgamento quanto à parte da decisão sobre a matéria de facto  que não esteja viciada e/ou que não esteja conexionada ou dependente  dos factos a corrigir.

Com efeito, consabido que, no nosso regime recursório cível, o meio impugnatório da decisão sobre a matéria de facto  não visa propriamente um novo julgamento global  ou latitudinário da matéria de facto, sendo  a apreciação do erro de julgamento da matéria de facto circunscrita apenas  aos pontos impugnados  [ cfr. art. 640º , nº 1, al. a) do CPC] e que a decisão de facto se consubstancia em juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, mal se compreenderia, à luz destas razões de economia  do julgamento da decisão de facto em sede de recurso de apelação  e da natureza e estrutura da própria decisão de facto, que, uma vez  anulado  o julgamento do Tribunal de 1ª instância para correção do julgamento de determinado(s)  ponto(s) da matéria de facto,  o Tribunal da Relação tivesse de reapreciar toda a matéria de facto não impugnada ou que se  permitisse às partes virem, num segundo recurso de apelação,   impugnar  matéria de facto  que não tinha sido objeto de impugnação no primeiro recurso de apelação.

Vale tudo isto por dizer que a anulação do julgamento determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 682, nº 3, do CPC teve em vista apenas  a correção do julgamento dos indicados pontos da  matéria de facto contraditórios, pelo que contrariamente ao afirmado pela recorrente, a atuação do  Tribunal da Relação  não só está em total  conformidade como o regime legal supra traçado, como também não viola o caso julgado formado pelo  acórdão proferido pelo STJ, em14.06.2018.

E se é certo que o Tribunal da Relação, no seu acórdão de 14.05.2020 e  uma vez dirimidas  as contradições, remeteu, quanto às demais questões, para o acórdão proferido pela mesma Relação em 23.11.2017, certo é também que o mesmo Tribunal acabou, tal como se lhe impunha,  por proferir em 17.12.2020 novo acórdão, pelo que não se descortina qualquer violação  ao caso julgado formado pelo  acórdão proferido pelo STJ, em14.06.2018.

De sublinhar ainda que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, este  acórdão do STJ não se pronunciou sobre a questão de saber se a autora se enganou, ou não, quando alegou, no artigo 7º da petição inicial,  que a ré tinha liquidado as primeiras 51 do contrato, pelo que, carece de total fundamento a invocada violação do caso julgado, consabido que, de harmonia   com art. 621º, do CPC,  uma decisão só constitui caso julgado  nos precisos termos em que julga.

Finalmente, cumpre referir  que o acórdão recorrido não excluiu  os pontos nºs 8.º, 10.º, 32.º a 38.º e 41.º a 47.º dos factos provados,  limitando-se tão só a expurgar do nº 8º a conclusão de direito nele  contida ( incumprimento do referido contrato por parte da ré) e do nº10 o juízo de valor deles constante ( devidamente)  e a afirmar que, em sede de conhecimento  do mérito  da causa, não levaria em conta os factos constantes dos pontos    32.º a 38.º e 41.º a 47.º, por os mesmos consubstanciarem alteração da causa de pedir. 

Termos em que improcede, também quanto a este segmento, o recurso interposto pela autora.


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3.2.4. Violação da autoridade do caso julgado material formado pela decisão final proferida no processo nº 230/14........

Neste capítulo, defende a recorrente que a sentença proferida em 09.10.2015 no processo que correu termos na Instância Central ......., Secção Cíve…. - J2 sob o n.º 230/14....... e confirmada pelo Acórdão da Relação  …….., de 06.10.2016,  impõe-se com força de caso julgado aos presentes autos na medida em que aí ficou decidido que a resolução efetuada pelo banco em Setembro de 2011 foi lícita em virtude do incumprimento contratual da ré decorrente da falta de pagamento de rendas e despesas associadas,  entre as quais os IMIs vencidos e debitados até àquela data,  pelo que não pode o acórdão recorrido apreciar, novamente, os débitos e as imputações feitas pelo Banco autor até data daquela  resolução, quer pelo princípio da preclusão, quer pelo caso julgado.


A este  respeito diremos, desde logo, que, tal como já se afirmou no recente acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 25.03.2021 no processo nº 453/14.0TBVRS-A.L1.S1)[7], os fundamentos da decisão só adquirem o valor de caso julgado quando dizem respeito a relações sinalagmáticas ou quando criam uma relação de prejudicialidade entre a decisão  transitada em julgado e o objeto da ação posterior, ou seja,  quando o fundamento da decisão transitada  condiciona a apreciação  do objeto de uma ação posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objeto da primeira ação, sendo seu pressuposto lógico indispensável.

Ora, a verdade é que nada disto se verifica no caso em apreço, pois, tal como reconhece a recorrente, o que se apreciou e decidiu na sentença proferida, em 09.10.2015, no referido processo  nº 230/14....... e confirmada pelo acórdão da Relação ……. de 06.10.2016, foi a validade da resolução do contrato de locação financeira operada pela autora em 20.09.2011 e que levou ao preenchimento da livrança dada à execução no processo nº 170/11......  e o que se discute  nos presentes autos é a validade da resolução operada pela autora em 31.07.2014, inexistindo entre estas duas ações  qualquer relação de   “ prejudicialidade lógica”.

E muito menos se vê que o acórdão recorrido tenha proferido qualquer decisão sobre os IMIs debitados à ré  em data anterior a Setembro de 2011, pois, tal como já se deixou dito no ponto 3.2.2., o Tribunal da Relação apenas socorreu-se dos documentos a eles referentes  como um dos elementos de prova que serviram de base à formação da sua convicção sobre a matéria de facto constante dos pontos 7  e 35 dos factos provados. 

Daí impor-se concluir pela inexistência de qualquer violação ao caso julgado decorrente da decisão final proferida na dita ação nº 230/14........ 


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3.2.5. Despesas com os honorários do mandatário

Finalmente, sustenta a recorrente que o acórdão recorrido cometeu a nulidade de excesso de pronúncia e incorreu em violação do princípio do dispositivo ao condenar o Banco no pagamento dos honorários do mandatário nos termos da clausula 15ª do contrato, pois, não tendo  tal matéria sido  invocada pela ré, vedada fica a possibilidade de dela se conhecer.

Mais defende que, a não entender-se assim, sempre deverá ser julgada improcedente esta parte da condenação no pedido reconvencional, quer por constituir autêntica condenação ultra petitum, processualmente inadmissível, quer porque, de harmonia com o disposto no art. 236º, nº1, do C.C, um declaratário normal entenderia o conteúdo desta cláusula no sentido do montante a pagar a título de honorários ter como limites os  estabelecido nos artigos 26.º n.º 3 alínea c) e n.º 5 do RCP, que sempre seriam de aplicar.

Que dizer ?

Desde logo que, definindo o art. 581º, nº 3 do CPC, o pedido  como sendo o efeito jurídico  que se pretende obter com a ação, é inquestionável que o pedido formulado pelo autor na petição inicial ( cfr. art. 552º, nº 1, al. e) do CPC) apresenta-se  como o círculo  dentro do qual o tribunal  tem de se mover  para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir, definindo o thema decidendum.

 Estamos, assim, perante o princípio do pedido, tradicionalmente, associado ao princípio da iniciativa da parte ou da necessidade do  impulso processual, consagrado no art. 3º, nº 1 do CPC, e à proibição do juiz de ultrapassar, em quantidade e em qualidade, os limites  constantes do pedido formulado pelas partes[8],  sob pena de ferir de  nulidade a decisão, por excesso de pronúncia ( cfr. arts. 609º, nº1 e 615º, nº 1, al. e), ambos do CPC).

Julgamos, todavia, que o  novo modelo de processo civil por nós adotado, assente no primado do direito substantivo  sobre o direito adjetivo[9] e no princípio da gestão processual[10], consagrado no art. 6º do NCPC e que,  nas palavras de Miguel Mesquita[11], “ atribui ao juiz  o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao  nível do «coração» do processo, ou seja, do pedido, da causa de pedir e das provas”, torna inevitável  a flexibilização  do princípio do pedido contido  no citado art. 609º, nº 1, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação[12].


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No caso dos autos, estamos perante uma ação fundada  no exercício do direito de resolução do contrato de locação financeira por parte da autora/locadora, em que ré defendeu, na sua contestação, que não se mostravam preenchidos, “in casu”, os requisitos condicionantes da validade da resolução do contrato operada pela autora em 31.07.2014 e, deduzindo reconvenção, formulou, para além do mais,  pedido de condenação  da autora a pagar a quantia de, pelo menos, € 250.000,00, acrescida de juros  bem como todas as despesas que se vierem apurar até ao fim do processo.

Alegou, na sua contestação/reconvenção, para além do mais, que «os processos judiciais intentados pela autora, obrigaram a ré a despesas adicionais judiciais e extra judiciais com a sua defesa» (artigo 28º); o comportamento doloso do  autor tem ocasionado danos patrimoniais e não patrimoniais à ré ( artigos. 29º e 30º); apesar de no processo cautelar de entrega judicial nº 119/14........ que correu termos na Comarca de ....... Secção Civil J... pelo autor ter sido julgado improcedente, por não provado,  e apesar de bem saber do infundado da mesma e dos danos  que ocasionaria à ré, não se coibiu de novamente a demandar judicialmente no presente processo»  ( artigos 35º e 36º).    

A este respeito, ficou provado que «Os processos judiciais intentados pela autora obrigaram a ré a despesas adicionais» (nº 22 dos factos provados) e que « o  processo cautelar de entrega judicial nº 119/14........ que correu termos na Comarca ....... Secção Cível J.., intentado pelo autor, foi julgado improcedente, por não provado e não foi ordenada a entrega judicial» ( nº 23 dos factos provados).

Perante esta factualidade e, no que concerne ao dano decorrente das despesas que teve de suportar com a sua defesa nesta ação e no procedimento cautelar 119/14........, afirmou-se no acórdão recorrido que:

«No contrato celebrado pelas partes (art.º 15º das Condições Gerais) convencionou-se, que, no caso de litígio, a parte vencida suportará as despesas dele resultantes, incluindo os honorários dos mandatários forenses da outra parte.

Assim, por força de tal cláusula (responsabilidade contratual), tem a autora/reconvinda a obrigação de suportar as despesas desta acção e do referido procedimento cautelar, incluindo os honorários do advogado da ré, o que sempre resultaria do disposto no art.º 533º do CPC, mas, neste caso, por força de tal cláusula, sem os limites decorrentes do estabelecido no art.º 26º nº 3, al. c) e nº 5 do RCP no tocante aos honorários».

E, com base nesta fundamentação, o acórdão condenou « a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente acção e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense, que vierem a ser liquidados ».

Ora, apreciando, esta atuação à luz das considerações supra traçadas, diremos, desde logo, que não oferece a menor dúvida que os honorários do mandatário constituído pela ré estão abrangidos nas despesas judiciais e extrajudiciais alegadas no artigo 28º da sua contestação/reconvenção, estando, por isso, contido na causa de pedir e pedido formulado pela ré/reconvinte.

E se é certo não ter a ré feito qualquer referência ao disposto na cláusula 15ª das Condições Gerais do contrato de locação financeira em causa, para justifica o seu pagamento,  tendo-se limitado a remeter para os  critérios estabelecidos nos arts. 562º, 563º, 564º e 566º, nº 1, do Código Civil, a verdade é que o tribunal não está vinculado ao enquadramento jurídico invocado pelas partes para sustentar a respetiva pretensão.

Essencial é que, tal como decorre do art. 5º , do CPC, sejam alegados  os factos essenciais  que constituem a causa de pedir[13].     

Questão diferente é, porém, a de saber se, tal sustenta a recorrente, o montante devido a título de honorários   de mandatário está sujeito aos limites decorrentes do estabelecido no art.º 26º nº 3, al. c) e nº 5 do RCP.

Mas também a este respeito a nossa resposta continua a ser negativa, pois não pode deixar de valer o estipulado no contrato de locação financeira, consabido que, atento o princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratual das partes, proclamado  no art. 405º, do CC, as partes são livres de estabelecer  nos contratos as cláusulas que lhes aprouver, ainda que com subordinação aos limites da lei.

E a verdade é que, no caso, não só uma tal obrigação pode ser objeto de convenção entre as partes, como também os limites impostos pelo citado art. 26º nº 3, al. c) e nº 5 do RCP, são imperativos apenas em matéria de custas, tal como decorre  do art. 533º, do CPC.

Não houve, pois, violação do princípio do dispositivo nem o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d) do CPC.

Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso da autora.

Não obstante isso e porque não descortinamos qualquer conduta da autora suscetível de integrar litigância de má fé, nos termos do disposto no art. 542º, nº 2, als. a) a d), do CPC, improcede também a pretensão formulada pela ré, nas suas alegações de recurso, de condenação da autora como litigante de má fé.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrente.

Notifique.


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Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exmª. Senhora Conselheira Catarina Serra e do Exmº Senhor Conselheiro João Cunha Mariano que compõem este coletivo.

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Supremo Tribunal de Justiça, 17 de junho de 2021

Maria Rosa Oliveira Tching (relatora)

Catarina Serra

Cura Mariano

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In, “Código de Processo Civil, Anotada”, vol. V, pág. 141.
[3] In, “Manual de Processo Civil”, 1ª ed., pág. 671.
[4] Cfr., entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 11.02.2015 (proc. 1099/11), in, Sumários 2015, pág. 70.
[5] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 29.10.2015 (processo nº 886/06.5TBEBPS.G2.S1), acessível  in www. dgsi.pt.
[6] Acessível in www. dgsi.pt/stj.
[7] Acessível in www.dgsi/stj.pt.
[8] Cfr. Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil, anotado”, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, págs. 67 e segs.
[9] Consagrado na revisão  do Código de Processo Civil, operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de dezembro.
[10] Introduzido pela Reforma de do Código de Processo Civil, operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.
[11]  “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, in RLJ, ano 143, págs 145 .
[12] Sobre a definição de acto postulativo  e sobre a problemática da sua interpretação, cfr. Paula Costa e Silva, n, “ Acto e Processo”, págs. 66,211, 271 e 450. E nesta mesma linha de entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 33/00, de 12.01.2000 (processo nº 51/98)[12], decidiu não julgar inconstitucional as  normas dos arts 610º, al. b) e 616º, ambos do C. Civil  e do art. 661º, nº1 do CPC ( na redacção anterior à Reforma de 2013) enquanto interpretadas no sentido de permitirem  que uma decisão jurisdicional condene em algo qualitativamente diverso do pedido formulado.   
No mesmo sentido adverte o Acórdão do STJ, de 11.02.2015 (processo nº 607/06.2TBCNT.C1.S1),  que o art. 609º, nº1 do CPC, carece de um esforço interpretativo suplementar, defendendo que  « o princípio do dispositivo impede que o Tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido, mas não obsta a que profira decisão  que se inscreva no âmbito da pretensão formulada».
[13] Cfr, entre outros, Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 348/13.4TCFUN.L1-S1), acessível in www gsi/stj.pt.