Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1337/18.8T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 03/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A lesão do direito ao corpo e à saúde, traduzida em incapacidade permanente, é indemnizável como dano patrimonial futuro, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou repercussões patrimoniais de qualquer natureza;

II - Como não é possível apurar o valor exacto do dano, a indemnização deve ser calculada com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CPC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, instaurou acção de condenação contra SEGURADORAS UNIDAS, SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €745.757,43, como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de acidente de que foi vítima, acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Alega para tanto e em síntese, ter sido vítima de um acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor da viatura segurada na R., sinistro de que resultaram para si danos de natureza patrimonial e não patrimonial. Quanto aos primeiros, e uma vez que ficou afectada de uma incapacidade permanente de 40%, e considerando que previsivelmente ainda teria 32 anos de vida activa, contabiliza em €670.757,43 o dano de perda de rendimento; a título de danos não patrimoniais reclama da Ré uma indemnização de €75.000,00.


A Ré contestou, importando apenas referir que impugnou toda a matéria atinente aos danos invocados pelo A.

Tramitados os autos, com a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que na parcial procedência da acção condenou a Ré a indemnizar a Autora, sendo €209.831,73 por danos patrimoniais, e €75.000,00 por danos não patrimoniais. Condenou ainda a Ré nos juros vencidos por tais quantias, calculados à taxa legal, desde a data do trânsito desta sentença e até efetivo pagamento.


Da sentença apelou a Ré, com impugnação da matéria de facto.

A Relação concedeu parcial provimento ao recurso, alterou a sentença, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de €35.084,30 por danos patrimoniais, e €50.000,00 por danos não patrimoniais.


Para assim decidir, considerou a Relação que Autora recebeu da sua entidade patronal os salários relativos aos meses de 2013 a 2017, e ter já recebido da Ré seguradora a quantia de €75.051,59 a título de indemnização.


É a vez de a Autora interpor recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões:

1ª. O presente recurso de revista tem como fundamento o seguinte:

Erros materiais (artigo 614.º, n.º 1, ex vi art.º 666.º, n.º 1, ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c) in fine CPC), designadamente, “erros (…) de cálculo ou (…) inexatidões devidas a (…) omissão ou lapso manifesto;

Nulidade da sentença (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), ex vi art.º 666.º, n.º 1, ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c) in fine CPC), designadamente, por estar em causauma situação em que “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”.

2ª. A decisão recorrida padece de erros de cálculo, alguns deles resultantes de lapsos manifestos e outros resultantes de decisões que estão em contradição com os seus próprios fundamentos.

3ª. Nos presentes autos estão assentes e dados como provados os seguintes factos absolutamente essenciais para que este Alto Tribunal possa calcular devidamente o quantum indemnizatório, os quais nunca foram contestados por qualquer das partes (factos da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância):

a. Data do acidente: 2013-06-09 (facto 1);

b. Data da alta clínica: 2016-10-19 (facto 37);

c. Período de IT: de 2013-06-09 a 2016-10-19 (facto 38)

d. Período de IP: a partir de 2016-10-19 (facto 39);

e. Percentagem da incapacidade fixada: 13% (facto 39);

f. Idade da Autora na data do acidente: 50 anos (facto 28);

g. Período de vida ativa da Autora: até aos 70 anos de idade (facto 28);

h. Rendimento anual no ano anterior ao acidente (2012): €58.266,33 (facto 24);

i. Rendimento anual no ano posterior à alta clínica (2017): €41.057,82 (facto 25);

j. Valor pago pela à Autora (IT de 2013 a 2015): 75.051,59 (facto 33).

4ª. São estesosúnicos factos já estabilizados nos autos de que este Alto Tribunal necessita para, sem mais, efetuar devidamente o cálculo do quantum indemnizatório.

5ª. Ora, neste articulado da motivação do recurso, para além de se proceder à indicação dos erros e dos lapsos de cálculo constantes da decisão recorrida, a ora Recorrente irá propor aquela que é, na sua opinião, a forma mais simples, clara e objetiva de calcular e apurar esse quantum indemnizatório, sendo também aquela que, precisamente por essa razão, se afigurará como a mais facilmente sindicável por este Alto Tribunal.

6ª. Em primeiro lugar, os factos 25 e 33 dados como provados são absolutamente fundamentais, porquanto é por intermédio deles que se entende o que representa a cifra dos €75.051,59, inúmeras vezes mencionada pelo Tribunal da Relação …..

7ª. Se atendermos ao teor dos referidos factos provados 25 e 33 (bem como ao teor do documento 3 junto com a PI, sempre que necessário e a título interpretativo), somos forçados a concluir que:

a. Em 1.º lugar, esse valor de €75.051,59 corresponde apenas a importâncias referentes período de IT (incapacidade temporária parcial e absoluta);

b. Em 2.º lugar, essa importância é relativa aos anos de 2013, 2014 e 2015;

c. Em 3.ºlugar, essa importância já considera os valores quea Autorarecebeu da sua entidade empregadora, que por isso a Ré deduziu, quando calculou os referidos €75.051,59;

d. Em 4.º lugar, respeitando apenas ao período de IT, essa importância paga pela Ré é relativa apenas ao período de 2013-06-09 (data do acidente) até 2015-12-31;

e. Em 5.º lugar e por consequência do que antecede, está ainda por pagar à Autora o valor da incapacidade (temporária) desde 2016-01-01 a 2016-10-19 (data da alta clínica).

8ª. É importante enfatizar que no cálculo deste valor de €75.051,59, foram deduzidos pela Ré os valores da retribuição que nesse mesmo período a ora Recorrente recebeu da sua entidade empregadora.

9ª. É muito importante insistir neste ponto, porque é aqui que reside um enorme e manifesto lapso do Tribunal recorrido, que considera um recebimento da Autora que diz e considera ter sido em duplicado (em erro) e depois, por essa razão, deduz (erradamente) tal valor ao quantum indemnizatório.

10ª.      Foram os seguintes os montantes que a Ré considerou e deduziu nos valores que veio a pagar à Autora (cfr. documento 3 da PI) e que se resumem no seguinte quadro:

            Contas dos períodos de IT (10.06.2013 a 1910.2016)

Ano     RALF     RALD      RALF-RALD IT liquidada pela Ré    saldo

2103    58.266,33     44.184,23    14.082,10      14.726,93        644,83

2014    58.266,33     39.829,56    18.436,77      25.043,57     6.606,80

2015    58.266,63     22.840,44    35.425,89      35.281,09     - 144,80

2016    58.266,33    38.93225      19.334,08      0,00        - 19.334,08

Total    233.065,32   145.78,648  87.278,84    75.051,59 - 12.227,25

RALF-Rendimento Anual Líquido Fixado (Declaração de IRS de 2012 – facto provado 24)

RALD-Rendimento Anual Líquido Declarado (Declaração de IRS e Recibos do hospital)

11ª.      Donde não qualquer duplicação de pagamentos da à Autora, ao contrário do que, em erro, considera o Tribunal Recorrido.

12ª. Aquichegadose tendo aRecorrida já recebido daRecorrenteos valoresde IT de 2013- 06-09 (data do acidente) até 2015-12-31, tem então a Recorrida ainda a receber o seguinte (cfr. tabela referida no artigo 23 supra):

a. A título de ITP (Incapacidade Temporária Parcial) de 2016-01-01 a 2016-10-19 (data da alta clínica) que a Recorrida nunca recebeu, “ficou pendente”8:

b. ITP a 30% (cfr. artigo 29 v) da PI), de 01/01/2016 a 19/10/2016 = 282 dias (9 meses e 19 dias) 282 dias x 138,72€ x 30% = 11.735,71€.

b. A título de IP (Incapacidade Permanente) de 2016-10-19 em diante:

i. A título de danos emergentes ou dano biológico (considerando a esperança média de vida em Portugal de 82 anos), onde deve considerar-se 32 anos e não 20 anos, como em erro fez o Tribunal Recorrido: 58.266,33€ x13%: 1,5 = €5.049,75 x 32 anos = 161.592€ x 1,09 (9%) = 176.135,23€

Aqui o Tribunal Recorrido também errou, ao deduzir indevidamente os referidos 75.051,59€ de IP (de 2013 a 2015) a este valor de IT (de 2016-10-19 em diante).

ii. A título de lucros cessantes (considerando os 70 anos como limite de vida activa - facto 28 provado) e considerando o seguinte:

58.266,33€ foi o rendimento anual 2012 (facto provado 24);

29,53% é a perda efetiva de rendimento (facto provado 25 último §);

16 anos (e não 20, como em erro aqui também laborou o Tribunal recorrido) é o lapso de tempo que vai desde a alta (2016) até perfazer 70 anos de idade.

Temos que as contas corretas, as únicas possíveis diante dos referidos factos assentes e dados como provados, são então as seguintes:

58.266,33€ x 29,53% = 17.206,05€ x 16 = 275.296,76€

13ª. Este valor dos lucros cessantes (perda de rendimento comprovado da Autora) foi considerado autonomamente pelo Tribunal da 1.ª Instância.

14ª. Contudo, o Tribunal recorrido desconsiderou-o, novamente em erro manifesto, uma vez que a condenação da Ré no pagamento da perda ou dos lucros cessantes (nos 16 anosde esperança de vidaativa) foirevogadopelo Tribunalrecorrido, porque, segundo o próprio – embora em erro - esse valor já estaria incluído ou em “duplicado” na cifra anteriormente referida de €110.084,33 (referente ao dano biológico).

15ª. Ora, isso constitui um erro manifesto, dado que umacoisa é o dano biológico (danos emergentes) e outra os lucros cessantes, que se somam e não se sobrepõem, não havendo lugar a qualquer dedução ou subtração.

16ª. Por outro lado, o Tribunal recorrido acusa contradição, quando a páginas 35 do douto Acórdão e reportando-se ao dano biológico, cita a seguinte passagem de um Acórdão deste STJ: “Nesta perspetiva, deverá aditar-se [o dano biológico] ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal …”» ( in www.dgsi.pt/jstj)”.

17ª. Donde há aqui uma manifesta contradição ou ambiguidade insanável, dado que os fundamentos estão em oposição com o próprio sentido da decisão.

18ª. É assim de 513.167,70€ o valor total do quantum indemnizatório:

Nestes termos e nos melhores de direito (…)deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, sendo a Recorrida SEGURADORAS UNIDAS, S.A., condenada a pagar à ora Recorrente a quantia de €513.167,70 (quinhentos e treze mil, cento e sessenta e sete euros e setenta cêntimos), sendo:

ITP- (de 01.01.2016 a 19.09.2019). €11.735,71

IP - dano biológico: €176.135,23

IP – lucros cessantes: 275.296,76€;

Danos não patrimoniais (fixados pelo Tribunal da Relação ….): €50.000,00;

Contra alegou a Recorrida pugnando pela não admissão do recurso, nos termos do art. 671º, nº 3 do CPC; se assim não se entender, pugna pela improcedência do mesmo, com a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela Relação.

1. No dia 9.6.2013 (domingo), cerca das 19.00 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada ….., zona ….., concelho ….., a cerca de 100 metros antes da entrada de acesso à “….” (no sentido Sul/Norte ou …./…..);

2. No acidente referido em 1. foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula …-…-RE, veículo que, a essa data, possuía contrato de seguro válido, titulado pela Apólice nº……., cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a R;

3. Na referida viatura seguiam, para além do marido da A., a própria (sentada no assento de passageiro da frente) e o filho menor de ambos, BB (no banco traseiro);

4. O local do acidente configura uma estrada reta e sem separador, composta por duas faixas de rodagem afetas a sentidos de trânsito opostos, com a largura total de 5,80 metros, sendo a velocidade máxima de circulação aí permitida de 80 Km/h;

5. No dia em apreço o estado do tempo era bom;

6. Na data e hora referidos, o veículo circulava, na sua hemifaixa de rodagem, no sentido Sul/Norte ou …./………a uma velocidade de cerca de 50 Km/h;

7. Sucede que o veículo, sem que nada o fizesse prever, despistou-se, e foi embater violentamente numa árvore (plátano) que se encontrava junto à estrada, a menos de 10 centímetros da linha limite da faixa de rodagem;

8. O condutor não teve qualquer hipótese de evitar a colisão, atento o súbito acontecimento de despiste;

9. A A. participou o acidente/sinistro à R. em 21.6.2013;

10. Em 12.6.2013 e em consequência do referido acidente, a A. foi sujeita a uma primeira cirurgia que consistiu em “osteossíntese da fratura do fémur e do escafoide társico esquerdo”, necessária em razão do diagnóstico efetuado e que apontava para: (i) fratura do fémur direito e (ii) fratura do escafoide társico esquerdo;

11. Em 21.5.2015 a A. foi sujeita a uma segunda cirurgia…porque a referida fratura do fémur havia sido viciosamente consolidada…o que provocou: (i) OSTEOTOMIA DESROTATIVA DO FÉMUR DIREITO, que se concretizou numa ROTAÇÃO EXTERNA DE 60º e (ii) ENCURTAMENTO DE CERCA DE TRÊS CENTÍMETROS, patologia que careciam e correção;

12. Esta segunda cirurgia corrigiu, ainda que não plenamente, tais patologias, ficando a A. a padecer de uma (i) LIGEIRA OSTEOTOMIA DESROTATIVA DO FÉMUR DIREITO (LIGEIRA ROTAÇÃO EXTERNA) e um (ii) ENCURTAMENTO DE CERCA DE UM CENTÍMETRO DO FÉMUR DIREITO;

13. Em consequência do acidente referido em 1., a A. sofreu as seguintes lesões:

- fratura da diáfise do fémur direito, com desalinhamento dos topos;

- fratura do escafoide társico do pé esquerdo; - laceração do escalpe (pele) da região temporal direita;

- contusão do quinto dedo (mindinho) da mão direita, com infiltração de fragmentos de vidros nos tecidos moles da mão direita;

14. Na fase aguda, logo após o acidente e ainda antes da primeira cirurgia, a A. esteve internada no Hospital ….. e sofrido fortíssimas dores e muito mau estar, num período que durou 11 (onze) dias – de 10 a 21 de junho de 2013 -, com períodos de inconsciência, e debaixo de fortes e potentes doses de morfina, tendo, nesse período inicial e pré-operatório, sido submetida a uma operação de imobilização da perna direita e a vários e dolorosos exames;

15. A primeira cirurgia ocorreu, como se disse, no dia 12.6.2013, no Hospital …… após a qual a A. se submeteu a tratamento de fisioterapia, o qual, contudo, acabou por não ser eficaz, uma vez que, quanto à perna, anatomicamente a mesma estava com o referido desvio externo de 60 graus e, quanto ao pé esquerdo, as lesões mantiveram-se;

16. Em maio de 2015 e porque as lesões tinham sido malcuradas, a A. é, como já se referiu, sujeita a nova cirurgia, com o propósito de tratar: - O encurtamento do fémur direito em de 3 (três) centímetros; e - O desvio de rotação externa da perna direita em 60 graus;

17. A A. apresentou as despesas dessa cirurgia à R., que as pagou integralmente;

18. Dessa cirurgia resultou quer a correção apenas parcial do encurtamento do fémur direito…atendendo a que a A. apresenta ainda um encurtamento de cerca de 1 (um) centímetro, tendo ocorrido uma melhoria anatómica do desvio de rotação externa da perna direita (que era de 60 graus), mas não total, uma vez que mantém um desalinhamento ligeiro;

19. Contudo, a situação da retração da região plantar do pé esquerdo não ficou curada, com dores permanentes, que ainda hoje se mantém;

20. Após esta segunda cirurgia, a A. reiniciou tratamento de fisioterapia, com vista ao fortalecimento da mobilidade e da força muscular, tratamento que durou vários meses, o qual, contudo, não surtiu o efeito desejado, uma vez que, não obstante a recuperação de alguma força muscular, manteve-se a dor, por vezes aguda, na anca direita;

21. Esta nova dor foi participada à R., que determinou novo tratamento de fisioterapia…contudo, sem qualquer resultado ao nível da dor, que se manteve;

22. Em janeiro de 2016 e uma vez que persistia a dor na zona da anca direita, a A. recorreu ao mesmo cirurgião que a tinha operado em maio de 2015 (ortopedista Dr. CC), que efetuou uma infiltração com corticoides, de que resultou um alívio da dor, ocasião em que o referido cirurgião recomendou que fosse retirado o material de osteossíntese (cavilha e parafusos), por constituir um corpo estranho que causa dor e redução da mobilidade;

23. Desde essa altura até à presente data a A. tem sofrido do seguinte, sem melhoras: . Dor crónica permanente no pé esquerdo; . Dor da anca direita, desencadeada pelo andar e o subir de escadas;

24. A A. é …. e pertence aos quadros do Hospital …, com a categoria de Assistente Graduada … e, no ano anterior àquele em que sofreu o acidente (2012), a auferiu um rendimento líquido anual de €58.266,33…sendo que nesse valor se integra o trabalho extraordinário realizado;

25. (eliminado pela Relação).

26. Só nos últimos 5 anos (2013 a 2017) a A., face ao ano de 2012, sofreu uma perda salarial líquida de €104.487,35;

27. (eliminado pela Relação).

28. Na data do acidente a A. tinha 50 anos de idade, sendo legítimo que a mesma pudesse almejar e considerar um período de vida ativa até aos seus 70 anos de idade, e tendo ainda em conta o aumento da esperança média de vida;

29. (eliminado pela Relação).

30. O material de osteossíntese (cavilha e parafusos) colocado no fémur tem provocado dor na anca e incapacidade da A. andar mais que 300 metros sem dor;

31. A A. está forçada a recorrer frequentemente à ajuda de analgésicos, para aliviar a dor sentida na zona da anca;

32. A A. ainda hoje tem receio de conduzir e é frequente lembrar-se daquele fatídico dia, pois o susto de perder a vida foi enorme, bem como de parte da sua família interveniente no acidente;

33. A R., assumindo a responsabilidade pela reparação dos danos causado à A. pelo acidente aqui em causa, já lhe pagou o valor de €75.051,59, respeitantes ao seguinte, e considerando uma retribuição anual da A. de €58.266,33:

a. Do ano de 2013, no total de €14.726,93; 205 dias de ITA (Incapacidade Temporária Absoluta);

b. Do ano de 2014, no total de €25.043,57: 6 dias de ITA (Incapacidade Temporária Absoluta);. 359 dias de ITP (Incapacidade Temporária Parcial) a 40%;

c. Do ano de 2015, no total de €35.281,09: 119 dias de ITP (Incapacidade Temporária Parcial); 138 dias de ITA (Incapacidade Temporária Absoluta).

- A Autora recebeu por conta da sua entidade patronal os salários relativos a todos os meses dos anos de 2013 a 2017 sem se terem considerado os períodos de ITP e ITA;

34. A Ré já indemnizou a A. pelos períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA) e parcial (ITP) relativa aos anos apenas de 2013 a 2015, inclusive;

37. À A foi dada alta clínica em 19.10.2016;

38. Por força do acidente aqui em causa a A.:. teve um défice funcional temporário total, que compreende os períodos de imobilização completa, entre 9.6.2013 a 20.8.2013 e entre 8.5.2015 a 12.5.2015, no total de 78 dias;. teve um défice funcional temporário parcial, que compreende os períodos de imobilização parcial, entre 21.9.2013 a 7.5.2015 e entre 13.5.2015 a 19.10.2016, no total de 1151;. teve uma repercussão temporária na atividade profissional total, entre 9.6.2013 e 31.12.2013 e entre 30.4.2015 a 14.9.2015;. teve uma repercussão temporária na atividade profissional parcial, entre 1.1.2014 e 29.4.2015 e entre 15.9.2015 a 19.10.2016;

39.A partir da data da consolidação das lesões, ficou a A. a sofrer de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos;

40. A A. sofreu desde logo no acidente e dele imediatamente resultantes, dores físicas muito intensas e prolongadas, sofrimento e mal-estar que continuaram enquanto a A. era socorrida e depois transportada para o hospital, assim como decorrentes das duas intervenções cirúrgicas e demais tratamentos médico-cirúrgicos a que foi sendo sucessiva e longamente submetida, tendo o quantum doloris sido fixado em 5/7;

41. Teve a Autora de suportar dolorosas e fisicamente muito exigentes sessões de fisioterapia…tendo estado imobilizada durante largos períodos de tempo;

42. Foi sujeita a internamentos hospitalares, e consequentemente privada das suas rotinas e do contacto diário com familiares e amigos;

43. As sequelas de que a A. ficou a padecer são agravadoras do esforço para o exercício das suas funções profissionais habituais;

44. Tem dores e parestesias frequentes;

45. Em consequência do acidente, a A. não consegue mais correr, dançar, esquiar nem sequer andar por mais de 300 metros sem lhe despontar a dor na anca já que a dor no pé é crónica e permanente;

46. Após uma imobilização normal (sentada por mais de dez minutos), a A. tem enorme dificuldade em andar e claudicando, sobretudo inicialmente;

47. A A. sentiu-se - e sente-se - agora definitivamente diminuída na sua condição e capacidade física…pois, antes do acidente era uma mulher alegre, robusta, saudável e sem qualquer maleita ou enfermidade…e agora, triste, desgostosa, deprimida e angustiada, sentindo-se, outrossim, inferiorizada, acabrunhada e muitas vezes envergonhada;

48. Ficou com várias cicatrizes que lhe provocaram um dano estético fixado em 4/7;

49. A A. praticava regularmente natação, marcha e ski, esta última, na companhia da sua família (marido e quatro filhos), bem como se ocupava regularmente em atividades de jardinagem e bricolage…e tudo isso deixou de poder fazer;

50. A A. viu, todo este quadro, repercutido na sua atividade sexual numa escala de 2/7.

51. Acresce ainda que a A necessita sempre de tratamentos regulares de fisioterapia para fortalecimento para fortalecimento muscular e amplitude articular, com necessidade também de consultasregulares do foro ortopédico para vigilância clínica e radiológica, tendo igualmente necessidade de ajudas medicamentosas, com frequente recurso a analgésicos ou medicação anti-inflamatória, quando em situações de exacerbação da sintomatologia álgica;

52. A apólice apontada em 2. corresponde a apólice uniforme de responsabilidade civil automóvel contra terceiros regulada pelo Decreto Lei nº 291/2007 de 21 de agosto…subscrita pelo proprietário do veículo seguro, DD, marido da A. e com quem está casado segundo regime da comunhão de adquiridos, condutor do mesmo e causador do acidente,

53. A apólice referida refere, conforme o disposto no artº.14 (exclusões) “2 - Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos materiais causados às seguintes pessoas: a) Condutor do veículo responsável pelo acidente; b) Tomador do seguro; c) Todos aqueles cuja responsabilidade é garantida, nos termos do nº.1 do artigo seguinte, nomeadamente em consequência da compropriedade do veículo seguro; d) Sociedades ou representantes legais das pessoas coletivas responsáveis pelo acidente, quando no exercício das suas funções;

e) Cônjuge, ascendentes, descendentes ou adotados das pessoas referidas nas alíneas a) a c), assim como outros parentes ou afins até ao 3.º grau das mesmas pessoas, mas, neste último caso, só quando elas coabitem ou vivam a seu cargo;

54. A A. trabalha em regime de exclusividade para o Hospital … não exercendo qualquer atividade como profissional liberal e, enquanto se manteve de baixa, recebeu os salários que lhe eram devidos;

55. Nas condições gerais da apólice referida em 2. faz-se dá-se a definição que, para as partes deve ser entenda por “danos materiais, patrimonial e não patrimonial” - artigo 1º, alíneas h), i) e j) do respetivo clausulado: (…) h) Dano material, prejuízo resultante de lesão de coisa móvel, imóvel ou animal; i) Dano patrimonial, prejuízo que, sendo suscetível de avaliação pecuniária, deve ser reparado ou indemnizado; j) Dano não patrimonial, prejuízo que, não sendo suscetível de avaliação pecuniária, deve, no entanto, ser compensado através de uma obrigação pecuniária.


*


A Relação alterou a matéria de facto, nestes termos:

Julgou não provado o ponto 25, que tinha o seguinte teor:

 Dada a incapacidade já supra descrita e resultante do acidente, a A. não mais pôde realizar a quantidade de horas de trabalho que antes realizava, tendo sofrido uma fatal e inevitável quebra no seu rendimento anual líquido já que:

. Rendimento anual de €44.184,23 em 2013, com redução, relativamente a 2012, de 24,16% ou €14.082,10;

. Rendimento anual de €39.829,56 em 2014, com redução, relativamente a 2012, de 31,64% ou €18.436,77;

. Rendimento anual de €22.840,44 em 2015, com redução, relativamente a 2012, de 60,80% ou €35.425,89;

. Rendimento anual de €38.932,25 em 2016, com redução, relativamente a 2012, de 33,18% ou €19.334,08;

. Rendimento anual de €41.057,82 em 2017, com redução, relativamente a 2012, de 29,53% ou €17.208,51;

Eliminou por terem um teor conclusivo:

27. Com efeito, não fora o acidente, a atividade da A., a manterem-se estáveis todas as demais condições, nomeadamente, número de médicos no serviço e a necessidade de trabalho extraordinário, seria apta a proporcionar-lhe um ganho médio anual equivalente ao do ano de 2012;

29. Após o acidente a A. não pôde trabalhar como antes fazia, designadamente, nunca mais pôde realizar 24 a 48 horas de urgência por semana, realizando agora o máximo de 12 horas diurnas de urgência por semana;

O direito.

Como questão prévia, importa começar por apreciar se o recurso deve ser rejeitado como defende a Recorrida por ser inadmissível nos termos do nº 3 do art. 671º do CPC.

Esta disposição consagra a inadmissibilidade de recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, “sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.”

Mas não é manifestamente uma situação destas que se verifica no caso dos autos. O acórdão da Relação alterou a sentença, seja na parte respeitante à indemnização por dano patrimonial, seja na indemnização por dano não patrimonial, o que afasta a situação de dupla conforme impeditiva do recurso de revista.

Não havendo obstáculo à apreciação da revista, cumpre apreciar os fundamentos da mesma.

Trata-se de uma acção de indemnização por acidente de viação, em que já está estabelecido que: i) a Autora sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial em consequência do acidente; e ii) que a Ré é civilmente responsável pelo pagamento da indemnização.

Em causa está apenas o quantum indemnizatório.

A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente, tendo decidido da seguinte forma os pedidos indemnizatórios formulados pela Autora:

- Absolveu a Ré do pedido por perda de rendimentos relativos aos períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA), e por incapacidade temporária parcial (ITP), por “a Autora ter recebido da sua entidade patronal o salário correspectivo”;

- Fixou em €110.084,33 a indemnização por dano patrimonial futuro;

- Ainda por dano patrimonial futuro, pelo rendimento que deixou de auferir a título de trabalho extraordinário “durante os 20 anos de actividade”, fixou uma indemnização de €174.798,99;

- Ao total da indemnização por dano patrimonial, €284.883,82 (110.084,33 + 174.798,99), subtraiu o valor já pago pela Ré (€75.051,59), alcançando assim, o valor de €209.831,73;

- A título de danos não patrimoniais, fixou a indemnização em €75.000,00.

A Autora não apelou da sentença; apenas o fez a Ré Seguradora.

A Relação revogou a sentença em parte, alterou a matéria de facto, tendo fixado as seguintes indemnizações:

- €35.084,30 por dano patrimonial, por perda de rendimento, valor que resulta da dedução à indemnização de €110.084,30, da importância já paga pela Ré, (€75.051,59);

- €50.000,00   título de danos não patrimoniais.

 No recurso de revista, pretende a Autora a alteração do quantum indemnizatório, para serem fixadas as seguintes indemnizações:

  - €11.735,71, a título de incapacidade temporária parcial, entre 01.01.2016 e 19.10.2016;

 - €176.135,23, a título de danos emergentes ou dano biológico;

  -€ 275.296,76, a título de lucros cessantes, por perda de rendimento no período de 16 anos, “desde a data da alta (2016) até perfazer 70 anos de idade.

   Vejamos se lhe assiste razão.

 No que tange ao pedido de indemnização a título de Incapacidade Temporária Parcial (ITP), entre 1 de Janeiro de 2016 e 19 de Outubro do mesmo ano, a Recorrente não tem direito à indemnização de €11.735,71 pela razão simples de não sofrido qualquer perda de rendimentos durante o período em que esteve com incapacidade temporária, uma vez que se provou que a sua entidade patronal pagou-lhe os salários no período em causa, “sem ter sido considerado os períodos de ITA e de ITP” (nº 33 da matéria de facto).

Refira-se que este fundamento do pedido improcedeu na 1ª instância, decisão com que a Autora se conformou, pois, que não usou da faculdade de requerer a ampliação do objecto do recurso, nos termos previstos no nº 1 do art. 636º do CPCivil.

Nesta parte, pois, improcede a revista.

Vejamos agora a indemnização por danos emergentes.

Peticiona a Recorrente a indemnização de €275.296,76, “a título de lucros cessantes”.

Para chegar a este valor, a Recorrente pondera o rendimento anual de €58.266,33 (valor do ano de 2012; 29,53% de perda efectiva de rendimentos (ponto 25 da matéria de facto); e o período de 16 anos contado da data da alta até aos 70 anos.

Sucede que a Relação alterou para não provado o facto 25, no qual a Recorrente se estriba para fundamentar este pedido indemnizatório.

Não provado que a Recorrente tenha tido uma perda de rendimento de 29,53%, ou outro, falece o substracto fáctico que justifique a indemnização peticionada, pelo que também nesta parte a revista está votado ao insucesso.


*


Ainda a título de dano emergente, como “dano futuro”, a 1ª instância atribuiu a indemnização de €110.084,43, como perda previsível de rendimento da Autora, durante 20 anos, desde a data do acidente até atingir os 70 anos, como “tempo de vida útil”.

O acórdão recorrido aceitou aquele valor, mas entendeu que ao mesmo deve ser deduzida a importância já paga pela Ré (€75.051,59), concluindo pela indemnização de €35.084,30.

Insurge-se a Recorrente contra esta dedução, “por não haver qualquer duplicação de pagamentos”, por a importância de €75.051,59 ter sido paga a título de indemnização por incapacidade, total e parcial.

 Na dilucidação desta questão, importa lembrar aqui alguns princípios em matéria de indemnização.

Estabelece-se no art. 564º do Código Civil que:

1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

2. Na fixação da indemnização, pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Por sua vez, a obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cf. art. 562º, nº 1 do CC).

E, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará segundo a equidade, conforme preceitua o nº 3 do art. 566º do CCivil.

No caso, está em causa a indemnização por dano futuro, decorrente de a Recorrente, … de profissão, ter ficado afectada de uma incapacidade de 13%, que sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo.

Na jurisprudência, maxime do Supremo Tribunal de Justiça, está consolidado o entendimento de que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física; por isso, não deve ser arbitrada uma indemnização que tenha em conta apenas aquela redução (cf. Acórdão do STJ de 19.09.2019, P. 2706/17).

E acrescenta este douto acórdão, citando o Acórdão do STJ de 26.01.2017, P. 1862/13):

“Havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dele resultará uma afectação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível das actividades laborais, recreativas, sexuais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução de tais tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.”

É justamente uma situação deste tipo que temos perante nós. Em consequência da incapacidade de 13% e das limitações de que ficou a padecer não resultou uma perda patrimonial directa, pois que a A. continua a poder exercer a sua profissão, sem perda de rendimentos; apenas a executará com maiores dificuldades, podendo antever-se com segurança que essa penosidade se agravará com o decorrer dos anos.

Esta perda de capacidade de trabalho permanente de 13%, que impõe à Autora esforços acrescidos no desempenho da sua profissão é indemnizável como dano patrimonial, conforme entendimento constante da jurisprudência (cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 21.03.2013 (Salazar Casanova), de 13.07.2017 (Tomé Gomes), e o já citado Acórdão de 19.09.2019 (Maria do Rosário Morgado).

Neste tipo de situações, não há que recorrer nem ao regime da Portaria nº 377/2008 de 26.05, alterada pela Portaria nº 679/09, nem se obtém pela aplicação das tabelas financeiras, antes se devendo recorrer a juízos de equidade.

Na verdade, “concluindo-se pela reparabilidade das consequências patrimoniais do dano biológico, num quadro em que se não provou a perda de rendimentos, o montante indemnizatório devido a esse título não se obtém pela aplicação das tabelas financeiras resultantes de IPP para a profissão habitual, devendo antes ser fixada segundo juízos de equidade (art. 566º/3 do CC), em função dos seguintes factores: i) idade do lesado; ii) o seu grau de incapacidade permanente; iii) e outros que relevem casuisticamente” (Ac. STJ de 14.12.2016, Maria da Graça Trigo), bem como o recente acórdão de 21.01.2021, P. 6705/14).

Mas como observa este último acórdão, relatado por Maria dos Prazeres Beleza:

“A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações: “A prossecução desse princípio implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22.01.2009, P. 07B242). Nas palavras do acórdão deste Supremo de 31.01.2012, P. 875/05, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida de adequação, de relativa previsibilidade, é no campo do direito privado e, mais, precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva consagração do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.”

Vejamos então algumas decisões mais recentes do STJ em matéria de indemnização por dano patrimonial futuro, num quadro em que a incapacidade não impede o exercício da profissão, mas torna o exercício profissional, e a vida, mais penosa em consequência das sequelas do acidente:

- Acórdão de 07.03.2019, (Tomé Gomes): lesada com 35 anos, défice funcional de 19 pontos: indemnização por dano biológico de €40.000,00;

- Acórdão de 29.10.2020, P. 111/17, (Maria da Graça Trigo), lesada com 62 anos de idade, IPP de 9,71%: indemnização por perda de capacidade geral fixada em €32.000,00;

- Acórdão de 21.01.2021, supra citado: sinistrado com 32 anos, défice funcional de 27 pontos: o Supremo confirmou o Acórdão da Relação que fixou a indemnização por dano patrimonial futuro em 90.000,00.

Tendo presente os exemplos citados e as particularidades do caso, a Autora tinha à data do acidente 50 anos, o tempo previsível de vida que lhe resta, tendo em conta a esperança média de vida nas mulheres que aponta para os 83 anos, a IPP de 13%, com repercussões negativas na qualidade de vida e não apenas no exercício da sua profissão …., afigura-se-nos adequada a indemnização de €45.000,00.

  Este valor, como compensação pelo dano patrimonial futuro, tem um fundamento diverso da indemnização já paga pela Ré à Autora, €75.051,59, que se destinou a ressarci-la pelos períodos de ITA e ITP, entre 2013 e 2015, pelo que não entra nesta equação, não havendo, pois, que proceder a qualquer dedução.

Relativamente à indemnização por dano não patrimonial, que a Relação fixou em €50.000,00, não vem questionado este montante, merecendo até a concordância da Recorrente, pelo que nada há a decidir neste particular.

Nestes termos procede a revista.


Sumário:

I - A lesão do direito ao corpo e à saúde, traduzida em incapacidade permanente, é indemnizável como dano patrimonial futuro, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou repercussões patrimoniais de qualquer natureza;

II - Como não é possível apurar o valor exacto do dano, a indemnização deve ser calculada com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CPC).


Decisão.

Pelo exposto, concede-se parcial provimento à revista, pelo que se altera o acórdão recorrido, ficando a Recorrida condenada a pagar à Recorrente a indemnização global de €95.000,00, sendo €45.000,00 a título de indemnização por dano patrimonial futuro, e €50.000,00 por danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora nos termos fixados no acórdão recorrido.

Custas por Recorrente e Recorrida na medida do decaimento.


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/ de 13.03., aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.


Lisboa, 18.03.2021


Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva