Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S2713
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS
DOCUMENTO IDÓNEO
Nº do Documento: SJ200801160027134
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através das ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
II - Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
III - Para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, é fundamental averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade e proceder à análise do condicionalismo em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.
IV - Existindo um contrato escrito denominado de «prestação de serviços» pode o prestador do trabalho demonstrar que esse «nomen juris» não corresponde à realidade face ao comportamento das partes na execução do contrato e ao enquadramento em que o mesmo se desenvolve, sendo certo que a força probatória do documento escrito que as partes celebraram e a que atribuíram aquela qualificação se circunscreve à materialidade da declaração e não à sua exactidão, não se reflectindo, como tal, na relação material subjacente.
V - É de qualificar como de trabalho, o contrato escrito que as partes intitularam, aquando da celebração, de prestação de serviços, mediante o qual o autor, após um mês de formação técnica nas instalações da ré, passou a prestar a actividade para esta, em regime de exclusividade e em conformidade com os manuais da ré, que controlava o cumprimento do horário de trabalho do autor, lhe fornecia os instrumentos de trabalho, designadamente peças e ferramentas utilizadas nas reparações e manutenções, lhe ministrava várias acções de formação, além de jornadas de convívio, tendo o autor que estar sempre disponível ao longo do dia, não afastando tal qualificação o facto de a partir de determinada data o autor ter passado a emitir os recibos das quantias pagas pela ré em nome de uma sociedade da qual era sócio, de ter sido firmado pela ré e por essa sociedade um escrito visando a revogação do referido contrato, e de o autor nunca ter reclamado desta o pagamento do subsídio de férias ou de Natal, nem nunca terem sido efectuados descontados para a segurança Social.
VI - A contradição na decisão sobre a matéria de facto, a que se refere o n.º 3 do artigo 729.º do CPC, consiste em afirmar-se e negar-se ao mesmo tempo determinada realidade ou em afirmar-se realidades inconciliáveis, por opostas entre si, de tal modo que a existência de uma delas, de acordo com um raciocínio lógico, exclui a existência da outra.
VII - Ainda que o autor tenha formulado na acção um pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exacto montante do seu demonstrado direito não obsta à condenação da ré em quantia a liquidar em execução de sentença.
VIII - O artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho – que corresponde, no direito anterior, ao artigo 38.º, n.º 2, da LCT –, ao determinar que os créditos correspondentes à indemnização por falta de gozo de férias, vencidos há mais de cinco anos, só podem ser provados por documento idóneo, refere-se apenas às consequências de índole sancionatória para o caso de violação do direito a férias, não abrangendo o direito às remunerações a título de férias.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. "AA" instaurou, em 30 de Novembro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Braga, contra “Empresa-A – Equipamentos de Escritório Lda.”, acção como processo comum, pedindo que: i) seja declarada a existência de uma relação de trabalho entre ele e a Ré, desde Janeiro de 1986 até 11 de Janeiro de 2005 (1), e, portanto, do direito que lhe assiste de ser beneficiário da Segurança Social; ii) a Ré seja condenada a readmiti-lo no seu posto de trabalho, e a pagar-lhe “a quantia de € 16.500,00 – artigo 437.º do Código do Trabalho –, além das prestações vincendas até à data da sentença”, sem prejuízo de optar pela indemnização por antiguidade, no montante de € 28.500,00; a quantia de € 83.797,70 de férias, subsídio de férias e de Natal e proporcionais; a quantia de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii) seja “ordenada a reposição, por parte da Ré, das quantias em dívida à Segurança Social”.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré, no último trimestre de 1985, para trabalhar na reparação e manutenção de fotocopiadores, impressoras e outro tipo de equipamento da marca Empresa-A, com a categoria de mecânico, trabalhando das 9:00 às 12:30 e das 14:00 às 18:00 horas, e mediante remuneração, que ultimamente era de € 1.500,00 por mês, tendo sido, verbalmente, despedido em 27 de Dezembro de 2004.

Na contestação, a Ré, impugnando a qualificação do contrato que o Autor conferiu à relação jurídica que vigorou entre as partes, defendeu tratar-se de um contrato de prestação de serviços, concluindo pela improcedência da acção.

Houve resposta do Autor para concluir como na petição inicial.

2. Na 1.ª instância, após a realização da audiência de discussão e julgamento, com registo das provas, e fixada, sem reclamações, a matéria de facto, foi proferida sentença, em que se decidiu, na parcial procedência da acção, condenar a Ré a pagar ao Autor a importância de € 22.788,45 – devida a título de retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal, correspondentes aos anos de 2000 a 2004 –, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data do vencimento de cada uma das verbas parcelares, e absolver a Ré do restante pedido.

Da sentença apelaram Autor e Ré, tendo ambos, além do mais, impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto.

No acórdão que apreciou os recursos, o Tribunal da Relação do Porto, alterando alguns pontos da decisão sobre a matéria de facto, veio a conceder parcial provimento aos dois recursos, em consequência do que condenou a Ré “a pagar ao Autor, a título de remuneração de férias, subsídios de férias e de Natal, a quantia que se liquidar oportunamente”, declarando que os “juros são devidos nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 3, do CC.”.

3. Ambos os litigantes vêm pedir revista do acórdão da Relação:
– O Autor, para ver declarado ilícito o alegado despedimento e decretada a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 16.500,00, nos termos do artigo 437.º do Código do Trabalho, além das prestações vincendas “até à data da sentença”, a indemnização de antiguidade, no montante de € 28.500,00, a quantia de € 83.797,70, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, e, ainda, os proporcionais relativos ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, bem como a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00;
– A Ré, a pugnar pela absolvição de todos os pedidos, persistindo em sustentar o ponto de vista defendido na contestação, e reiterado no recurso de apelação, segundo o qual a relação estabelecida entre as partes configura um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de trabalho.

Formularam, a terminar as respectivas alegações, conclusões, nos termos que se transcrevem:

Da Revista do Autor:

A – Há contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do objecto da lide. O que deverá ser feito nos termos e ao abrigo do disposto nos art.os 729.º-3 e 730.º do CPC, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida, que desatendeu as correspondentes pretensões da R., desaplicando, como devia, o art.º 712.º do mesmo Código;

B – Pelo teor do próprio documento junto pela Ré na sua douta contestação, tem que se entender que o Autor foi despedido pela Ré, sem qualquer processo disciplinar, pois a cessação de um contrato de trabalho está sujeita às regras e às condições impostas pelo Código de Trabalho, nomeadamente, dos referidos artigos 382.º e seguintes.

C – Se estamos perante um contrato de trabalho, não poderia o contrato ser revogado, ou denunciado pela Ré, sem o pagamento da competente indemnização de antiguidade, seja por aplicação directa do 429.º do Código de Trabalho, seja porque se entenda que a rescisão foi por extinção do posto de trabalho, como parece timidamente entender a própria Ré.

D – O Autor tem direito à indemnização por antiguidade que deverá ser fixada nos termos do art.º 439.º do Código de Trabalho, pela qual optou o Autor em audiência de julgamento e, ainda à compensação a que se refere o art.º 437.º do Código de Trabalho, até à data do trânsito em julgado da decisão.

Da Revista da Ré:

A) Andou mal o Tribunal “a quo” ao declarar a existência de um contrato de trabalho entre as partes.

B) Com efeito, as partes subscreveram, em 26.02.1986, um contrato de prestação de serviços, tendo assim manifestado ser sua vontade real o estabelecimento, entre si, de uma relação de prestação de serviços, e não de uma relação laboral.

C) Acresce que, durante toda a execução do mencionado contrato, sempre as partes pautaram a sua actuação pelo estrito cumprimento de quanto [foi] acordado nesse contrato de prestação de serviços, não pretendendo o estabelecimento de quaisquer vínculos ou obrigações além dos que expressamente estão previstos nesse documento.

D) Deverá entender-se que o facto de o recorrido prestar a sua actividade em conformidade com os manuais da recorrente sucede por a actividade de assistência técnica em causa necessitar de bastante especialização e precisão, pelo que o recorrente sempre teria de conformar-se a prestá-la de acordo com os manuais da recorrente, por forma a respeitar as características técnicas dos equipamentos em causa e efectuar uma reparação adequada e que oferecesse as necessárias garantias.

E) O mesmo se diga quanto às peças e ferramentas utilizadas pelo recorrido nas reparações efectuadas e que eram fornecidas pela recorrente, uma vez que, dadas as garantias prestadas pela recorrente às peças e equipamentos da marca “Empresa-A”, não poderá deixar de se compreender que qualquer técnico que preste assistência técnica em nome e por conta da recorrente se conforme com a utilização de peças e de ferramentas da respectiva marca, pois só assim a recorrente poderá, com segurança, prestar as garantias associadas.

F) Já no que ao horário estabelecido diz respeito, cumpre apenas salientar que o mesmo sempre foi entendido entre as partes como o período temporal durante o qual o recorrido deveria prestar assistência técnica aos equipamentos junto dos clientes da recorrente, e não com o significado de “horário de trabalho” decorrente da legislação laboral.

G) Também os factos de a recorrente determinar diariamente quais os locais onde o recorrido deveria prestar o seu trabalho e de o recorrido ter estado dependente do departamento de assistência técnica da R., pois era este departamento que atribuía ao recorrido os serviços que pretendia que fossem por ele prestados, não servem para, no caso concreto, indiciar a existência de subordinação jurídica e, portanto, de um contrato de trabalho entre as partes.

H) Com efeito, na prestação de serviços também pode haver orientações do beneficiário da actividade, tal como num contrato de trabalho, sendo certo que a diferença entre as duas situações reside no facto de as orientações dadas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços apenas visarem o resultado que se pretende obter, não se dirigindo à forma como a actividade deveria ser prestada.

I) As instruções dadas pela recorrente ao recorrido apenas visavam atingir um resultado – ser assegurada aos Clientes da recorrente a prestação de assistência técnica adequada aos equipamentos em causa pelo técnico da correspondente área geográfica.

J) O facto de o recorrido ter de elaborar e enviar relatórios diários da sua actividade e resumos mensais desses mesmos relatórios e contas para o departamento técnico da recorrente, também não servirá de indício para considerar a existência de um contrato de trabalho, pois os mesmo serviam apenas para habilitar a recorrente com os dados necessários para apresentar os custos do serviço prestado ao cliente final, e não para exercer um poder de fiscalização sobre o recorrido.

L) O facto de não ter sido dado como provado que ao recorrido era vedado delegar noutras pessoas os serviços por si prestados, deverá ser tido em conta como um indício de que o que as partes pretenderam e sempre executaram foi um contrato de prestação de serviços.

M) Com efeito, sendo o contrato de trabalho, por natureza, “intuito personae”, não seria permitida a possibilidade de ser outra pessoa para além do recorrido a prestar a actividade que este estaria obrigado a prestar, conforme o poderia permitir um contrato de prestação de serviços.

N) Já o facto de o vencimento do recorrido depender do número de clientes da recorrente a que dava assistência, também é absolutamente revelador de que o contrato querido e praticado pelas partes sempre foi o contrato de prestação de serviços, pois tal facto permite concluir que o pagamento do recorrido não era a contraprestação da sua actividade, mas sim o pagamento do resultado desta actividade.

O) Tal também se depreende facilmente do facto de, durante toda a execução do contrato, o recorrido nunca ter reclamado da recorrente o pagamento de qualquer prestação devida caso o contrato fosse qualificado como sendo de trabalho, designadamente de subsídios de férias ou de Natal.

P) Decorre do exposto que o contrato celebrado, querido e praticado pelas partes, foi o de prestação de serviços, pelo que andou mal o Tribunal “a quo” ao considerar ter existido um contrato de trabalho que vinculasse as partes tendo, em consequência, condenado a recorrente no pagamento ao recorrido de quantia a liquidar em execução a título de remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

Q) O Tribunal “a quo” interpretou e aplicou incorrectamente as normas substantivas relativas ao contrato de trabalho, nomeadamente o disposto no art. 10.º do Cód. do Trabalho, ao considerar ter existido um contrato de trabalho entre as partes, pois tal qualificação foi feita sem se ter efectuado prova bastante de estarem reunidos os elementos necessários para tanto.

R) Face à matéria dada como provada, e nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 236.º e 238.º do Cód. Civ., sempre haveria de considerar-se que, quer no momento de assinatura do contrato, quer durante a execução do mesmo, a vontade real das partes sempre foi a de se vincularem por meio de um contrato de prestação de serviços e não por meio de um contrato de trabalho.

S) O facto de, a partir de 2001 e com o acordo da recorrente, o recorrido ter passado a emitir os recibos da totalidade das quantias que lhe eram pagas pela recorrente em nome de uma sociedade da qual era sócio, no caso, a Empresa-B, Lda., permite concluir que não existia, na relação entre a recorrente e o recorrido, qualquer dependência económica – requisito, aliás, essencial para se considerar a existência de um contrato de trabalho.

T) E permite ainda concluir-se ter existido uma cessão da posição contratual no âmbito do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido, por via da qual este cedeu à sociedade da qual era sócio, Empresa-B, Lda., a sua posição no contrato de prestação de serviços celebrado com a recorrente.

U) Tendo em conta tal cessão, sempre haverá considerar-se ter o contrato sido denunciado, conforme declaração de fls...., que deverá valer, de acordo com o disposto no art. 236.º do Cód. Civ., com o sentido que o recorrido (declaratário) depreendeu da mesma, ou seja, que o contrato que ligava a Empresa-B, Lda. e a recorrente cessaria os seus efeitos.

V) Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese de patrocínio se admite, sem no entanto conceder, sempre se deverá entender, caso se considere ter existido um contrato de trabalho a vincular as partes, ter o mesmo cessado, por revogação, por acordo das partes.

X) Assim sendo, não se poderá considerar ter existido qualquer despedimento do recorrente.

Z) O recorrido não provou (nem por testemunhas, nem por documento, nem por qualquer outra forma) ter auferido as quantias que indicou na sua petição inicial de fls...., conforme lhe competia e lhe era perfeitamente possível, uma vez que lhe bastaria juntar cópias dos recibos passados, das declarações de IRS apresentadas ou até mediante um pedido de inspecção judicial às contas da recorrente.

AA) Aquele que invoca um direito deve fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, conforme decorre do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civ..

BB) Não tendo o recorrido logrado fazê-lo no presente processo, não será admissível que, em sede de execução de sentença, possa vir a fazer a prova das quantias por si auferidas durante os anos de 1986 a 2004.

CC) Cumpre por fim relevar que, caso se entenda terem as partes celebrado um contrato de trabalho e ter o recorrido sido ilicitamente despedido pela recorrente, o que por mera hipótese se admite, sem conceder, sempre se dirá que, uma vez que não resultou provado que o recorrido não tenha gozado as férias a que teria direito durante a execução do contrato, não lhe assiste o direito de ser indemnizado por falta de gozo de férias.

DD) Além do exposto, releva-se que os créditos resultantes de indemnização por falta de gozo de férias vencidos há mais de cinco anos apenas poderiam ter sido provados por meio de documento idóneo, conforme resulta do disposto no art. 381.º, n.º 2, do Cód. do Trab. (e anteriormente resultava do disposto no art. 38.º, n.º 2, da Lei do Cont. de Trab.), o que manifestamente não foi o caso.

Ao recurso do Autor respondeu a Ré para sustentar a sua improcedência.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público, em parecer que não suscitou reacção das partes, pronunciou-se no sentido de serem negadas ambas as revistas.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Matéria de Facto:

1. 1. Na exposição dos factos provados, tanto a sentença da 1.ª instância como o acórdão da Relação apresentam lapsos que importa corrigir.

Assim,

Na sentença, entre os pontos 7) e 10) dos factos provados, escreveu-se:

[...]

8)

O autor tinha que prestar o seu trabalho enquanto técnico destas máquinas fotocopiadoras, em regime de exclusividade, só podendo prestar o seu trabalho relativamente a equipamento .... .... e, mesmo dentro do desta marca, só aqueles que a Ré autorizasse, e sempre depois de uma ordem expressa, conforme é estabelecido pela cláusula oitava do referido contrato.

8)

As peças e as ferramentas utilizadas pelo Autor nas reparações e manutenções eram fornecidas pela Ré e nunca foram pagas pelo Autor, mas pelo cliente final.

9)

Era a Ré que determinava, diariamente, quais os locais onde o Autor deveria prestar o seu trabalho, o que fazia, inicialmente através do telefone fixo, mais tarde por fax e, ultimamente, através do envio de mensagens SMS para o telemóvel, ou de telefonemas dos controladores técnicos da Ré, que ultimamente eram os Senhores BB ou CC, tendo antes sido o Sr. DD, D. EE ou o Sr. FF, que tanto trabalhavam nos escritórios do Porto, como na sede em Lisboa.

[...]

Certamente devido à repetição do n.º 8, o acórdão veio a consignar, no capítulo da “Matéria dada como provada pelo Tribunal a quo”, entre os pontos 7 e 10.:

[...]

8. O Autor tinha que prestar o seu trabalho enquanto técnico destas máquinas fotocopiadoras, em regime de exclusividade, só podendo prestar o seu trabalho relativamente a equipamento ... ... e, mesmo dentro do desta marca, só aqueles que a Ré autorizasse, e sempre depois de uma ordem expressa, conforme é estabelecido pela cláusula oitava do referido contrato.

9. As peças e as ferramentas utilizadas pelo Autor nas reparações e manutenções eram fornecidas pela Ré e nunca foram pagas pelo Autor, mas pelo cliente final.

[...]

Disto resultou que os factos constantes do n.º 9) da sentença deixaram de figurar na descrição que o acórdão fez da matéria de facto declarada provada pelo veredicto da 1.ª instância

Tendo esses factos sido impugnados, no recurso de apelação, decidiu a Relação alterar “o ponto 9 da matéria provada nos seguintes termos”:

“Era a Ré que determinava, diariamente, quais os locais onde o Autor deveria prestar o seu trabalho, o que fazia, inicialmente através de telefone fixo, mais tarde por fax e, ultimamente, através do envio de mensagens SMS para o telemóvel”.

Resultando do contexto das duas decisões que, em ambos os casos, houve manifestos lapsos de escrita, a narração da matéria de facto provada a que se vai proceder terá em consideração – além das demais alterações nela introduzidas pelo Tribunal da Relação (eliminação do ponto 16 e modificação dos pontos 18, 19, 20 e 22) – a necessária rectificação dos mencionados erros de escrita, mantendo-se a ordem numérica oriunda da sentença, passando, todavia, o texto do redito n.º 8 a figurar sob o n.º 8-A.

1. 2. De acordo com o atinente veredicto do acórdão recorrido, rectificado nos termos sobreditos, estão provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma empresa que comercializa em todo o território português equipamentos de escritório, designadamente máquinas fotocopiadoras, faxes, impressoras, dando subsequentemente assistência técnica aos equipamentos vendidos.

2. Quando vende equipamentos aos seus clientes, a Ré garante assistência técnica aos mesmos, seja gratuitamente durante o período de garantia, seja através de contratos de assistência técnica, em que os clientes pagam uma prestação fixa e têm direito a assistência sempre que necessário e sem custos adicionais, seja através de assistência paga pelos clientes apenas se e quando os equipamentos disso necessitarem.

3. Com data de 26.2.86, a Ré e o Autor subscreveram um contrato a que deram o título de “contrato de prestação de serviços” no qual se consignou, designadamente, que a prestação de assistência técnica convencionada não determinava o estabelecimento de qualquer relação laboral (cl.ª 12.ª do contrato).

4. Apesar da data da assinatura do referido contrato, desde Outubro de 1985, que o Autor trabalhava para a Ré, a convite do então director da Ré, Sr. GG, depois de ter tido um mês de formação técnica nas instalações da Ré, na Rua do Bom Sucesso, no Porto, aprendendo a trabalhar com os modelos de fotocopiadoras impressoras e outro tipo de equipamento da marca Empresa-A que a Ré então comercializava.

5. O Autor prestou o seu trabalho em conformidade com os manuais da Ré, conforme se refere na cláusula segunda do referido contrato.

6. O Autor tinha um horário de trabalho, estabelecido na cláusula segunda, ponto 5 do dito contrato, das 9 às 12.30 horas e das 14 às 18 horas.

7. A Ré controlava o cumprimento desse horário, telefonando para o primeiro cliente da manhã e depois, durante o dia, telefonando aleatoriamente para os clientes para verificarem se o Autor estava a cumprir o roteiro estabelecido pelo Departamento Técnico da Ré.

8. O Autor tinha que prestar o seu trabalho enquanto técnico destas máquinas fotocopiadoras, em regime de exclusividade, só podendo prestar o seu trabalho relativamente a equipamento ... ... e, mesmo dentro desta marca, só aqueles que a Ré autorizasse, e sempre depois de uma ordem expressa, conforme é estabelecido pela cláusula oitava do referido contrato.

8-A. As peças e as ferramentas utilizadas pelo Autor nas reparações e manutenções eram fornecidas pela Ré e nunca foram pagas pelo Autor, mas pelo cliente final.

9. Era a Ré que determinava, diariamente, quais os locais onde o Autor deveria prestar o seu trabalho, o que fazia, inicialmente através do telefone fixo, mais tarde por fax e, ultimamente, através do envio de mensagens SMS para o telemóvel.

10. Foram, também, entregues ao Autor os instrumentos de trabalho elencados no anexo VIII do contrato referido, além de serem entregues, sem qualquer pagamento, ferramentas e peças utilizados pelo Autor nas reparações e manutenções que efectuava nas máquinas Empresa-A, sendo que essas peças incorporadas pelo Autor nas máquinas dos clientes finais da Ré eram-lhe enviadas directamente pelo correio, sem que este efectuasse qualquer pagamento.

11. O Autor não podia utilizar peças e acessórios de outras marcas, para além das adquiridas à Ré, incorporando-os nas máquinas a que prestava assistência, segundo as regras e manuais que lhe impunha.

12. Ao Autor foram ministrados várias acções de formação, além de jornadas de convívio, que pretendiam incutir no Autor o que a Ré apelidava de espírito da Companhia Empresa-A, através de técnicas que pretendiam influenciar a sua atitude perante os clientes da Ré.

13. O Autor esteve sempre directamente dependente do departamento de assistência técnica da Ré pois era este departamento que atribuía ao Autor os serviços que pretendiam fossem por ele prestados, tendo aquele que enviar relatórios diários, por telefone ou fax, da sua actividade e os resumos mensais desses mesmos relatórios e contas para o referido departamento técnico da Ré.

14. O Autor deslocava-se com alguma regularidade aos escritórios da Ré no Porto, na Rua Gonçalo Sampaio, para receber peças novas, entregar as usadas, ou simplesmente para receber instruções.

15. O Autor tinha que estar sempre disponível ao longo do dia, pois muitas vezes era contactado pela Ré que lhe fornecia indicações sobre os clientes que, logo que lhe era possível, tinha que visitar, sempre sob a direcção do Supervisor para a área técnica do Norte da Ré, sendo que sempre que um cliente necessitava de assistência, entrava em contacto com a Ré que, acto contínuo, contactava o Autor para se deslocar ao local da máquina.

16. [Eliminado]. (2)

17. A Ré pagava as refeições do Autor, quando a manutenção era prestada em máquinas fora do concelho de Braga, pagando os quilómetros percorridos na viatura do Autor e os telefonemas feitos em serviço que o Autor tinha que discriminar nos já referidos relatórios mensais.

18. O vencimento do Autor dependia do número de clientes da Ré e a quem dava assistência técnica, tendo auferido mensalmente nos anos de 1986 a 2004 (inclusive) quantias cujo montante não foi possível determinar.

19. O Autor desde o início da vigência do contrato celebrado com a Ré sempre emitiu os respectivos recibos após recebimento das quantias pagas pela Ré.

20. A partir de 2001 e com o acordo da Ré, o Autor passou a emitir os recibos da totalidade das quantias pagas pela Ré em nome de uma sociedade da qual era sócio, no caso a “Empresa-B, Lda.”.

21. Por documento datado de 28.12.04 a Ré enviou à empresa “Empresa-B.” um documento subscrito por FF, enquanto representante da Ré, e pelo Autor, designado nesse documento como técnico de contrato, uma carta na qual formaliza a denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado entre a “Empresa-B, Lda.” e a Empresa-A, com efeitos a partir de 31.12.04.

22. O Autor nunca recebeu subsídio de férias, nem de Natal, sob a alegação mantida pela Ré de estar subordinado a um contrato de prestação de serviços, sendo que tais pagamentos nunca foram reclamados pelo Autor.

23. Autor e Ré nunca fizeram descontos para a Segurança Social por força do trabalho prestado a esta por aquele.

2. Questões a resolver:

Perante o teor das conclusões de cada uma das revistas, as questões que vêm colocadas à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:

No recurso do Autor:

Existência de contradições na decisão sobre a matéria de facto;
A caracterização como despedimento do Autor da comunicação enviada pela Ré à sociedade “Empresa-B, Lda.”, em 28 de Dezembro de 2004.

No Recurso da Ré:

A qualificação da relação contratual que vigorou entre as partes – contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços –, neste tema se incluindo a questão da cessão da posição contratual, a propósito suscitada;
Verificação dos pressupostos para a condenação em montante a liquidar ulteriormente;
A exigência de documento idóneo para prova dos créditos correspondentes a indemnização por falta de gozo de férias vencidos há mais de cinco anos.
3. A qualificação do contrato:

Da resolução desta questão, suscitada na revista da Ré, depende a apreciação de todas as outras questões, por isso que deve ela ser conhecida em primeiro lugar. E porque a questão da cessão da posição contratual vem suscitada para alicerçar o ponto de vista defendido pela Ré no sentido da qualificação do contrato como de prestação de serviços, será a mesma abordada a propósito deste tema.

3. 1. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, definidos, respectivamente, nos artigos 1152.º (3) e 1154.º do Código Civil, assenta, como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Fevereiro de 2005 (4) – cuja exposição, pelo seu valor elucidativo, reflectindo a doutrina e jurisprudência pacíficas, aqui será acompanhada –, em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

Nem sempre, através do critério do objecto do contrato, surge, com nitidez, a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho (5), ou se obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviços (6) – todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.

Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção.

Tratando-se, em qualquer caso, de um negócio consensual, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.

Quanto à vontade das partes, há que indagar, à luz das regras dos n.os 1 e 2 do artigo 236.º do Código Civil (7), quais as opções jurídicas relevantes de quem tenha celebrado o contrato questionado, qual o sentido dessa vontade, atendendo-se, no texto do contrato, à sua denominação e às cláusulas estabelecidas.

Havendo contrato escrito, a vontade das partes expressa no documento, sendo, naturalmente, muito relevante para o juízo qualificativo a formular perante a situação concreta, pode não ser decisiva para a qualificação do contrato, pois que, como se observa no referido Acórdão de 23 de Fevereiro de 2005, citando Heinrich Horster, “[para] a qualificação jurídica de um negócio é decisiva, não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva”.

E, assim, o “nomen juris” de acordos escritos com a designação de “contrato de prestação de serviços” ou de “contrato de trabalho” pode nada querer dizer, se os factos respeitantes ao cumprimento dos contratos vertidos nesses documentos desmentirem o que neles foi declarado, prevalecendo nestas hipóteses a qualificação jurídica dos factos efectivamente sucedidos (8).

Tal significa que, existindo contrato escrito denominado de “prestação de serviços”, pode o prestador de trabalho demonstrar que esse “nomen iuris” não corresponde à realidade face ao comportamento das partes na execução do contrato e ao enquadramento em que o mesmo se desenvolve (9), do mesmo modo que, sendo o contrato escrito denominado “contrato de trabalho”, pode o credor da prestação demonstrar que tal qualificação não corresponde, pela sua execução efectiva, à realidade.

A subordinação jurídica, característica fundamental do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.

A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.

A subordinação “traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade” (10). E “pode comportar diversos graus, não sendo incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador” (11.

A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

Mesmo usando o critério do relacionamento entre as partes, existem muitas vezes dificuldades no juízo qualificativo, por exemplo, em situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos, para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém, sobretudo nos casos de maior autonomia técnica, em que é mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar qual o tipo de relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

É, assim, fundamental, para alcançar a identificação da relação laboral, proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviços, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho, além do comportamento declarativo expresso nas estipulações contratuais.

3. 2. Postas estas considerações de carácter genérico, coincidentes, no essencial, com as que foram explanadas na sentença da 1.ª instância, com pertinentes referências doutrinárias, regressemos ao caso que nos ocupa.

A sentença da 1.ª instância, para concluir que o Autor se encontrava vinculado à Ré através de um contrato de trabalho, discorreu como segue:

[...]

Assim, indiciam a existência de um contrato de trabalho:

- o autor trabalhava já para a ré desde Outubro de 1985, depois de ter tido um mês de formação técnica nas instalações da Ré, na Rua do Bom Sucesso, no Porto, sendo que o contrato designado de prestação de serviços apenas foi outorgado em Fevereiro de 1986;

- o autor prestou o seu trabalho em conformidade com os manuais da Ré;

- o autor tinha um horário de trabalho, das 9h às 12h30m e das 14h às 18 horas;

- a ré controlava o cumprimento desse horário;

- o autor tinha que prestar o seu trabalho enquanto técnico destas máquinas fotocopiadoras, em regime de exclusividade;

- as peças e as ferramentas utilizadas pelo Autor nas reparações e manutenções eram fornecidas pela Ré;

- a Ré determinava quais os locais onde o Autor deveria prestar o seu trabalho;

- os instrumentos de trabalho utilizados pelo Autor foram entregues pela ré;

- as peças incorporadas pelo Autor eram-lhe enviadas pela ré;

- o Autor não podia utilizar peças e acessórios de outras marcas;

- ao autor foram ministrados várias acções de formação, além de jornadas de convívio, que pretendiam incutir no Autor o que a Ré apelidava de espírito da Companhia Xerox;

- o autor esteve sempre directamente dependente do departamento de assistência técnica da Ré pois era este departamento que atribuía ao Autor os serviços que pretendiam fossem por ele prestados, tendo aquele que enviar relatórios diários e os resumos mensais desses mesmos relatórios e contas para o referido departamento técnico da Ré;

- o Autor tinha que estar sempre disponível ao longo do dia;

- ao autor era vedado delegar noutras pessoas os serviços por si prestados excepto eventuais trocas ou substituições com outros colaboradores que igualmente trabalhavam para a ré.

- a Ré pagava as refeições do Autor, quando a manutenção era prestada em máquinas fora do concelho de Braga, pagando ainda os quilómetros percorridos na viatura do Autor e os telefonemas feitos em serviço que o Autor tinha que discriminar nos já referidos relatórios mensais.

- o autor, nos últimos cinco anos que esteve ao serviço da ré, gozou, em média, dez dias úteis de férias, por ano.

Indícios eventuais em sentido contrário, teremos a ponderar os seguintes:

- as partes celebraram um contrato que intitularam de prestação de serviços desenvolvendo essa vertente ao longo de algumas cláusulas;

- a partir de 2001 e com o acordo da R., o A. passou a emitir os recibos das quantias pagas pela ré não em seu nome mas no de uma sociedade da qual era sócio, no caso a “Empresa-B, Lda.”;

- por documento datado de 28/12/2004, a “Empresa-Bl, Lda.” e a R., acordaram revogar o contrato em causa nos autos;

- o autor nunca reclamou junto da ré o pagamento de subsidio de férias ou de Natal nem nunca foram efectuados descontos para a Segurança Social.

Quanto à força do contrato escrito celebrado pelas partes, não se põe em dúvida que o documento em causa junto à petição inicial, não tendo sido impugnado quanto à veracidade da letra e da assinatura, se tem de considerar como dotado de força probatória plena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º n.º 1, e 376.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, e que, por outro lado, não é admissível a prova testemunhal relativamente a convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo desses documentos (artigos 393.º, n.º 2, e 394.º, n.º 1).

No entanto, a força probatória dos documentos apenas evidencia a conformidade da vontade declarada das partes, ao passo que o que o autor alega na acção, e que constitui fundamento do pedido, é que o contrato foi executado em termos que divergem do clausulado e poderão conduzir a uma qualificação jurídica diversa daquela que lhe foi atribuída. E não há obstáculo a que esta prova possa ser efectuada, porquanto a força probatória dos documentos se circunscreve à materialidade da declaração e não à sua exactidão e não se reflecte, como tal, na relação material subjacente (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14 de Novembro de 1990, in Acórdãos Doutrinais n.º 350, pág. 261, de 3 de Março de 1998, Revista n.º 157/97, de 30 de Novembro de 2000, Revista n.º 56/00, e de 9 de Abril de 2003, Revista n.º 2329/02).

Na verdade, o documento contratual em causa contém indicadores que apontam para a existência de um contrato de prestação de serviços, começando pela própria designação dada pelas partes

Contudo, a matéria dada como assente revela que o autor se encontrava sujeito a um horário de trabalho, cujo cumprimento era rigorosamente controlado pela ré, esteve sempre directamente dependente do departamento de assistência técnica da Ré, utilizava apenas as ferramentas e materiais que lhe eram fornecidos pela ré, suportando a ré todas as despesas com as deslocações do autor e a própria ré providenciava férias ao autor, de comum acordo.

É certo que o autor recebia a sua remuneração através de uma empresa de que era sócio, a “Empresa-B, Lda.”.

Mas, tal situação, bem vistas as coisas, em nada releva no essencial. Na verdade, esta empresa está ligada ao turismo de habitação; é, pois, manifesto que a ré não se socorria dos seus serviços para reparar as suas fotocopiadoras.

Quem prestava o trabalho em causa era obviamente o autor e este também não o faria seguramente enquanto sócio de uma empresa turística.

Ou seja, o aparecimento desta empresa é completamente artificial e forjado e nada altera os dados da questão quanto à relação de trabalho subordinado.

Na verdade, era antes a ré quem dirigia a execução do trabalho pelo autor, indicando diariamente os locais de trabalho e controlando a presença do autor nesses locais, não se limitando a fiscalizar o seu resultado, o que permite inferir que a prestação laboral se desenrolava sob a autoridade e a direcção do empregador.

Todos os indicados elementos não indiciam apenas um certo grau de controlo do produto do trabalho, mas denotam antes uma forma de inserção do trabalhador na organização funcional da empresa, e apontam para a existência do requisito de subordinação jurídica que, como já se disse, constitui o elemento basilar do contrato de trabalho.

E é certo que esses dados não são sequer desmentidos pelo carácter evolutivo das remunerações praticadas, que não é mais do que a aplicação de um princípio de actualização retributiva que tem igualmente cabimento no domínio da relação laboral de carácter subordinado.

Neste contexto, assume um diminuto relevo o nomen juris dado pelas partes ao contrato, bem como certos desvios detectados quanto ao exercício de direitos laborais, como seja o facto de o autor não efectuar os descontos para a segurança social ou não receber subsídio de férias e natal.

Como se sabe o nomen juris não é decisivo na qualificação da relação jurídica, que deverá antes ser estabelecida em função de elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato, sendo que esse, como outros elementos formais da relação de trabalho subordinado, como sucede em matéria de segurança social, no caso dos referidos descontos, são muitas vezes definidos por meras razões de conveniência e não representam um suporte declarativo inequívoco no sentido da escolha de um certo tipo contratual.

O juízo de globalidade, no contexto geral e em face de todos os elementos de informação disponíveis, tendo por base o modo como o contrato foi executado, e não tanto os termos do clausulado escrito, indicam que estamos, pois, perante um contrato de trabalho.

[...]

O acórdão da Relação, conquanto tenha eliminado a matéria do item 16) da sentença, segundo o qual “ao autor era vedado delegar noutras pessoas os serviços por si prestados excepto eventuais trocas ou substituições com outros colaboradores que igualmente trabalhavam para a ré”, e excluído do ponto 22) (12) a referência ao gozo de dez dias de férias por ano, nos últimos cinco anos, não deixou de considerar que o recurso de apelação da Ré, “atenta a matéria de facto provada, terá de improceder no que respeita à inexistência de um contrato de trabalho entre ela e o Autor”, assim aderindo, implicitamente, ao essencial dos considerandos da sentença supra transcritos.

Pondo de lado, a referência ao facto constante do referido item 16), afigura-se que a ponderação dos índices – tal como foi operada na sentença da 1.ª instância, em consonância com as considerações genéricas acima expostas, cuja pertinência se mantém na vigência do artigo 10.º do Código do Trabalho – se mostra correcta, não podendo deixar de conduzir, numa apreciação global, à qualificação da relação que vigorou entre as partes, face à materialidade de facto espelhada na sua execução, como relação de natureza laboral.

Sublinha-se a particular relevância do apertado controlo do cumprimento do horário a que estava sujeita a actividade do Autor (pontos 6 e 7 da matéria de facto), a permanente disponibilidade ao longo do dia para cumprir instruções sobre os locais onde deveria prestar a actividade (pontos 9 e 15) e a prestação de trabalho em regime de exclusividade (ponto 8), indicadores fortes de subordinação jurídica, a significar que a Ré, diversamente do que alega, além de, naturalmente, visar a obtenção de determinados resultados da actividade do Autor, dominava, efectivamente, a forma como ele a executava, no tempo e no espaço, o que associado aos demais indícios da existência de um contrato de trabalho – propriedade dos instrumentos de trabalho, reembolso de despesas de transporte e alimentação, efectuadas em serviço prestado fora da área do respectivo concelho – permite conferir escasso valor aos indícios que poderiam apontar no sentido da autonomia, como, bem, explica a sentença da 1.ª instância, em termos que aqui se sufragam.

Irrelevante se mostra, face aos sobreditos fortes indícios de subordinação, o facto de não de se ter demonstrado que “ao recorrido era vedado delegar noutras pessoas os serviços por si prestados”, pois, por um lado, de tal não decorre que tenha de se considerar provado o contrário, ou seja, que ao Autor era permitido fazer-se substituir nas tarefas que lhe eram atribuídas pela Ré, e por outro lado, de harmonia com o despacho que decidiu a matéria de facto, não resultou provado que “o A. não estivesse impedido de encarregar terceiros de desempenhar os serviços objecto do contrato celebrado com a R.”, assim como não se provou “que o autor se fizesse substituir por mais que uma vez na execução dos serviços a seu cargo sem que a R. nisso tivesse tido qualquer influência ou sequer manifestado oposição” (fls. 226/227).

Finalmente, o facto de, a partir de 2001, por acordo das partes, o Autor ter passado a emitir os recibos da totalidade das quantias, que lhe eram pagas pela Ré, em nome da “Empresa-B, Lda.”, de que ele era sócio, que a Ré apresenta como cessão da posição contratual do Autor, indiciando a existência de um contrato de prestação de serviços, não assume, para o efeito em causa, o relevo que a Ré pretende, dado que tal simples facto não constitui manifestação de um encontro de vontades tendo por objecto a transmissão da titularidade dos direitos e dos vínculos obrigacionais do Autor, emergentes do contrato celebrado com a Ré, para a dita sociedade – só um acordo com esse objecto poderia configurar cessão da posição contratual, tal como este negócio se acha definido no artigo 424.º do Código Civil.

Ora, de um acordo para a emissão de recibos em nome da sociedade não decorre que as importâncias a que respeitavam deixassem de se destinar a retribuir a actividade prestada pelo Autor e passassem a remunerar a prestação de serviços pela sociedade, aliás, dedicada à indústria de turismo de habitação, totalmente estranha à actividade de assistência técnica e reparação de máquinas fotocopiadoras.

Não merecendo censura o que, a tal respeito, foi decidido pelas instâncias, improcede a atinente alegação da Ré [Conclusões A) a T)].

4. Da existência de contradições na decisão da matéria de facto:

Afirma o Autor, na primeira das conclusões da sua alegação:

[...]

A – Há contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do objecto da lide. O que deverá ser feito nos termos e ao abrigo do disposto nos art.os 729.º-3 e 730.º do CPC, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida, que desatendeu as correspondentes pretensões da R., desaplicando, como devia, o art.º 712.º do mesmo Código;

[...]

Segundo as regras da lógica, é contraditória uma proposição que aspire a ter, simultaneamente, o valor de verdade e o valor de falsidade, e só existe contradição entre duas proposições quando uma delas exclui a outra.

A contradição na decisão sobre a matéria de facto, a que se refere o n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, consiste em afirmar-se e negar-se ao mesmo tempo determinada realidade ou em afirmar-se realidades inconciliáveis, por opostas entre si, de tal modo que a existência de uma delas, de acordo com um raciocínio lógico, exclui a existência da outra.

Examinado todo o texto da peça alegatória, constata-se que o recorrente não diz em que consistem as contradições que, em sede de conclusões, imputa à decisão sobre a matéria de facto.

Analisando o texto da decisão recorrida, não se surpreende nele a afirmação de que se demonstraram realidades factuais, que, segundo as regras da lógica, não poderiam ter ocorrido, porque a verificação de umas exclui a de outras.

Não se vislumbra, pois, motivo para convocar os preceitos invocados pelo recorrente na referida conclusão.

5. O problema do despedimento:

Na petição inicial, o Autor alegou ter sido verbalmente despedido pelo representante da Ré, Eng.º FF, em 27 de Dezembro de 2004.

Este facto foi declarado não provado (fls. 227).

Na contestação, a Ré, sustentando tratar-se de um contrato de prestação de serviços, alegou que, “por documento datado de 28/12/2004, o A., por meio da Empresa-B, Lda., e a R. acordaram revogar o contrato [...], com efeitos a partir do dia 31/12/2004”.

O documento em causa, junto a fls. 102 e referido no ponto 21 da matéria de facto, é uma carta, com data de 28 de Dezembro de 2004, dirigida a “Empresa-B, Lda.”, na qual se pode ler:

Exmos. Senhores,

Na sequência [da] conversa efectuada no dia 27 de Dezembro p.p. entre V. Exa. e o signatário, e tal como acordado entre ambas as partes, vimos por este meio formalizar a denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado entre V. Exas. e a Empresa-A, Lda., com efeitos a partir do dia 31 de Dezembro de 2004.

Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos com consideração.

De V. Exas.
Atentamente
Empresa-A, Lda.

Seguem-se duas assinaturas, ilegíveis, uma sob a menção “Supervisor Técnico”, atribuída a “FF” e outra sob a menção “Técnico de Contrato”, atribuída ao Autor, aposta sobre a indicação “Empresa-B”.

Na resposta à contestação, o Autor alegou ter sido coagido a assinar tal documento, facto que o tribunal declarou não provado.

O tribunal de 1.ª instância considerou não poder afirmar-se que o Autor foi despedido, verbalmente, ou por qualquer outro meio, juízo que veio a ser sufragado pela Relação.

O Autor discorda, argumentando que em face do teor daquele documento “tem que se entender que o Autor foi despedido pela Ré”.

O despedimento, na acepção que ao caso interessa, consiste na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, acto esse de carácter receptício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, deve tal desígnio ser levado ao conhecimento do trabalhador (13), quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade, quer através de actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, n.º 1, do referido Código (14) .

O documento em causa não tem como destinatário o Autor, mas a sociedade “Empresa-B, Lda.”, a quem, através dele, a Ré pretendeu comunicar a “formalização” de uma acordada “denúncia do contrato de prestação de serviços” entre elas celebrado.

Não tem, por conseguinte, virtualidade para ser interpretado no sentido propugnado pelo recorrente, do que resulta ter de confirmar-se o decidido pelas instâncias.

Na ausência de prova do despedimento, cuja demonstração competia ao Autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, por se tratar de facto constitutivo do invocado direito a ser indemnizado e a receber as retribuições que deixou de auferir, ao abrigo dos artigos 436.º, 437.º e 439.º do Código do Trabalho, improcede a pretensão adrede formulada.

6. Da condenação ilíquida:

O Tribunal da Relação, reconhecendo os créditos do Autor reclamados a título de remuneração de férias, subsídios de férias e de Natal, respeitantes a todo o período de vigência do contrato, cujo valor, face à modificação do teor do ponto 18 da matéria de facto (15), ficou por apurar, condenou a Ré no pagamento da quantia que, oportunamente, vier a liquidar-se.

Alega a Ré que, não tendo o Autor logrado provar as quantias médias auferidas, que indicou na petição inicial, como lhe competia e lhe era possível, “não será admissível que, em sede de execução de sentença, possa vir a fazer a prova” dessas quantias.

Sobre o problema colocado pela recorrente, teve este Supremo ensejo de se pronunciar, no Acórdão de 2 de Fevereiro de 2006 (16, do qual se transcrevem os seguintes passos.

[...]

A questão prende-se essencialmente com o âmbito de aplicação do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC, norma que, procurando definir os limites da condenação, dispõe que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.

É certo que não existe uma completa uniformidade de pontos de vista quanto ao alcance deste preceito. Mas haverá no mínimo que chamar à colação os critérios que a este propósito têm sido adoptados.

Já se tem entendido que o apontado preceito só permite remeter para liquidação em execução de sentença, quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas apenas como consequência de não se conhecerem ainda, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda não se terem revelado ou estarem em evolução todas as consequências, e não também no caso em que a carência de elementos resulte da falta de prova sobre os factos alegados (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1995, in BMJ n.º 443, pág. 404).

Esta é uma interpretação restritiva, que reconduz o âmbito de aplicação do preceito aos casos em que o autor tenha deduzido um pedido genérico, nos termos previstos no artigo 471.º do CPC, ou tenha formulado um pedido específico, mas não tenha sido possível, no momento da decisão, fixar o objecto ou a quantidade da condenação por se desconhecerem todas ou algumas consequências do facto ilícito, por estas ainda não se terem produzido ou por não se terem produzido todos os factos influentes na determinação do quantitativo de uma dívida.

A questão não é, no entanto, pacífica e ainda no recente acórdão de 28 de Setembro de 2005 (Processo n.º 578/05), tendo embora presente a referida argumentação, acabou por concluir-se que a condenação em liquidação de sentença poderá ocorrer mesmo quando o autor, tendo formulado pedido líquido, não tenha logrado provar, no processo declarativo, o exacto montante do que lhe é devido (no mesmo sentido, também o acórdão de 2 de Dezembro de 2005, Processo n.º 2850/05).

[...]

É certo que numa interpretação lata do artigo 661.º, n.º 2, como preconiza o citado acórdão de 28 de Setembro de 2005, acaba por se conceder uma nova oportunidade ao demandante. No entanto, nas circunstâncias do caso (17), essa segunda oportunidade de prova não incide sobre a existência da situação de violação do direito laboral que constitui o fundamento do pedido, mas apenas sobre a quantidade da condenação a proferir.

Nada parece obstar, nestes termos, a que em face da insuficiência de elementos para determinar o montante da dívida se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para execução de sentença.

[...]

A jurisprudência, amplamente dominante, vai no sentido das transcritas considerações, ou seja, no sentido “de que, mesmo quando o autor formulou pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exacto montante do seu demonstrado direito não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença” (18) .

É esta a orientação que se considera correcta e se ajusta ao caso que nos ocupa, na constatação de que se provou o direito do Autor às prestações correspondentes a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sem contudo se ter apurado o seu exacto valor.

Daí que se conclua pela improcedência, também neste ponto, do alegado pela Ré.

7. Da prova dos créditos resultantes da indemnização por falta de gozo de férias, vencidos há mais de cinco anos:

De acordo com o disposto no artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho – que corresponde, no direito anterior, ao artigo 38.º, n.º 2, da LCT – os créditos correspondentes à indemnização por falta de gozo de férias, vencidos há mais de cinco anos, só podem ser provados por documento idóneo.

Tais preceitos reportam-se às consequências, de índole sancionatória, estatuídas, respectivamente, nos artigos 222.º do Código do Trabalho e 13.º da LFFF (19) , para o caso de violação do direito a férias.

Com efeito, o citado artigo 13.º estabelecia que, “[n]o caso de a entidade patronal obstar ao gozo de férias [...], o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta [...]”.

O preceito do Código consigna que, “[c]aso o empregador, com culpa, obste ao gozo das férias [...], o trabalhador recebe, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta [...]”.

Nem a sentença nem o acórdão da Relação reconheceram ao Autor o direito a receber qualquer indemnização, ou compensação, por falta de gozo de férias.

A sentença afastou expressamente o direito à indemnização, por não se ter provado que o Autor fora impedido pela Ré de gozar férias (fls. 298).

O acórdão, como acima se referiu, apenas reconheceu ao Autor o direito às “remunerações a título de férias, subsídios de férias e de Natal”, o que, obviamente, não contempla a indemnização ou compensação por violação do direito a férias.

A prova dos créditos correspondentes a “remunerações a título de férias” vencidas há mais de cinco anos não está sujeita à restrição dos preceitos supra mencionados.

Carece, portanto, também neste particular, de fundamento a alegação da Ré.

III

Em face do exposto, decide-se negar ambas as revistas.

Custas de cada um dos recursos pelos respectivos recorrentes.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2008.

Vasques Dinis (Relator)*
Bravo Serra
Mário Pereira
-------------------------------------------------------------------------------
(1) Queria, porventura, dizer 1 de Janeiro de 2005, uma vez que, no artigo 2.º da petição, alega ter trabalhado para a Ré até 31 de Dezembro de 2004.
(2) O Tribunal da Relação considerou não escrito, por versar “matéria conclusiva”, o teor do item 16) da sentença: “Ao Autor era vedado delegar noutras pessoas os serviços por si prestados excepto eventuais trocas ou substituições com outros colaboradores que igualmente trabalhavam para a ré”.
(3) Cujo texto foi reproduzido no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, traduzindo a noção que veio ser consignada no artigo 10.º do Código do Trabalho, ao dispor: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade ou direcção destas”.
(4) Disponível em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200502230022684.
(5) Artigo 1152.º do Código Civil.
(6) Artigo 1154.º do Código Civil.
(7) “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na real posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
(8) Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 2003 (Processo n.º 3302/02 - 4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.
(9) Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 13 de Maio de 2004 (Processo n.º 4050/03 - 4.ª Secção), e de 2 de Novembro de 2004 (Processo n.º 2845/04 - 4.ª Secção), sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.
(10) Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21 de Março de 2001 (Processo n.º 3918/00 - 4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.
(11) Idem.
(12) Na sentença, segundo o ponto 22), “[o] autor, nos últimos cinco anos que esteve ao serviço da ré, gozou, em média, dez dias úteis de férias, por ano, quase sempre em Agosto, conforme era acordado voluntariamente por autor e ré, nunca tendo recebido subsídio de férias, nem de Natal, sob a alegação mantida pela ré de estar subordinado a um contrato de prestação de serviços, sendo que tais pagamentos nunca foram reclamados pelo autor”. O acórdão considerou provado, apenas, que “[o] Autor nunca recebeu subsídio de férias, nem de Natal, sob a alegação mantida pela ré de estar subordinado a um contrato de prestação de serviços, sendo que tais pagamentos nunca foram reclamados pelo Autor”.
(13) Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão), Verbo, Lisboa, 1996, p. 478.
(14) Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2005 (Processo n.º 924/04), de 10 de Março de 2005 (Processo n.º 3153/04), de 19 de Maio de 2005 (Processo n.º 3678/04), e de 13 de Julho de 2005 (Processo n.º 916/05) – todos da 4.ª Secção, sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.
(15) Na sentença, segundo o ponto 18 da decisão da matéria de facto, “[o] vencimento do Autor dependia do número de clientes da Ré e a quem dava assistência técnica, tendo, porém, auferido uma média mensal não inferior a 120.000$00 durante o ano de 1986, 130.000$00 em 1987, 140.000$00 em 1988, 150.000$00 em 1989, 220.000$00 em 1990, 230.000$00 em 1991, 240.000$00 em 1992, 250.000$00 em 1993, 260.000$00 em 1994, 280.000$00 em 1995, 300.000$00 em 1996, 320.000$00 em 1997, 1998, 1999 e 2000 e 300.000$00 e € 1.500,00 mensais durante os anos de 2001 a 2004”. O acórdão considerou provado que “[o] vencimento do Autor dependia do número de clientes da Ré e a quem dava assistência técnica, tendo auferido mensalmente nos anos de 1986 a 2004 (inclusive) quantias cujo montante não foi possível determinar”.
(16) Proferido no Processo n.º 3225/05-4.ª Secção e disponível em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200602020032254
(17) Tratava-se de um caso em que o trabalhador logrou provar que prestava trabalho suplementar, embora não tivesse sido possível determinar com rigor o número de horas que efectivamente cumpriu para além do horário normal.
(18) Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Março de 2006, no Processo n.º 3140/05-4.ª Secção, onde se faz uma pertinente resenha doutrinária e jurisprudencial sobre a questão.
(19) Sigla comummente usada para designar o Regime Jurídico das Férias, Feriados e Faltas, constante do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro.