Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3309/08.1TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
PRESTAÇÕES FRACCIONADAS
MORA DO CREDOR
LEGITIMIDADE DA INVOCAÇÃO DA EXCEPÇÃO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA.
Doutrina:
- Ana Taveira da Fonseca, Teses, Almedina, Maio 2015, pp. 171 e 175/16.
- Calvão e Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p.334.
- José Baptista Machado, “Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, p.386.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I vol., p. 406.
- Vaz Serra, in RLJ, Ano 105º, 238.
- José Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, p. 39 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 406.º, 428.º, 429.º, 483.º, N.º1, 562.º, 564.º, 762.º, 799.º, N.º1, 1207.º, 1208.º, 1155.º, 1211.º, N.º2, 1221.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4.12.2008, PROC. 08B3415, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 20.11.2012, PROC.114/09.1.TBMTR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – corolário do princípio da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” – art. 1208º do Código Civil – e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço – “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra” – nº2 do art. 1211º do citado diploma.

2. A exceptio non inadimpleti contractus – art. 428º, nº1, do Código Civil – faculta ao excipiente não realizar a prestação a que se encontra adstrito (que tanto pode ser uma prestação de coisa, como uma prestação de facto), enquanto a outra parte não efectuar a contraprestação no contrato bilateral ou sinalagmático que a ambos vincula.
A exceptio não é de conhecimento oficioso, carece de ser invocada pela parte de que dela pretende beneficiar.

3. O contrato de empreitada, sub judice, pelo seu clausulado, revela que as prestações recíprocas do dono da obra e do empreiteiro eram fraccionadas; com efeito, os pagamentos parcelares do preço, com datas pré-estabelecidas, eram devidos em função da execução e entrega de fases da obra.

4. Poderá, na pureza da exceptio, considerar-se que, tendo o empreiteiro que oferecer a sua prestação em primeiro lugar, – a entrega da obra ou da parte convencionada – lhe é defeso invocar a excepção, atento o princípio da simultaneidade das obrigações e da reciprocidade das prestações sinalagmáticas, e porque é o contraente que deve cumprir em primeiro lugar.

5. Todavia, nos contratos com prestações fraccionadas, o contraente credor de prestações vencidas pode invocar perante o seu devedor a excepção de não cumprimento do contrato para suspender a sua prestação – execução do remanescente da obra – até que lhe sejam pagos débitos correspondentes à parte já executada da obra, desde que essa actuação não exprima violação da actuação de boa fé.
Decisão Texto Integral:

Proc. 3309/08.1TJVNF.G1.S1.

R-499[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            AA, intentou, em 10.10.2008, nos Juízos de Competência Cível, da comarca de Vila Nova de Famalicão, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

             BB e mulher CC.

            Pedindo que sejam os Réus condenados:

           a) A pagar ao autor a quantia de € 10.872,29 a título de lucros cessantes, a que acresce o respectivo IVA à taxa de 21%;

           b) A pagar ao autor a quantia de € 36.240,99 a título de remuneração pelos serviços prestados, a que acresce o respectivo IVA à taxa de 21%;

           c) A pagar ao autor a quantia de € 11.312,74 relativa à execução dos trabalhos a mais, a que acresce IVA à taxa de 21%;

            d) E a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00 a título de danos morais;

            e) A pagar ao autor os juros legais à taxa de 11,07% ao ano, contados sobre as quantias acima mencionadas e desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

           Para tanto alega que, no exercício da sua actividade e a solicitação dos réus, realizou trabalhos de construção civil que os réus não pagaram na sua totalidade. Além disso, proibiram a entrada dos trabalhadores do autor na obra, acabando por contratar outro empreiteiro.

           Devidamente citados, os réus contestaram, impugnando a matéria invocada pelo autor, concluindo pelo incumprimento contratual deste.

           Deduziram pedido reconvencional de condenação do autor a indemnizá-los pelos prejuízos decorrentes desse incumprimento, no montante de €115.644,44 e respectivos juros de mora.

           Replicou o autor, impugnando a matéria invocada pelos réus, bem como a reconvenção e, terminando com uma ampliação do pedido, para que estes sejam ainda condenados no pagamento de € 39.300,00, respeitante a 393 dias de atraso entre a data em que a obra devia ter ficado concluída e a data em que os réus desistiram da empreitada.

           Ainda treplicaram os réus, terminando como na contestação/reconvenção.

           Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todos os formalismos legalmente prescritos, sendo que, no seu início, face à declaração de insolvência do autor, julgou-se extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide.

***

           A final, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os Réus do pedido.

***

           Inconformado, recorreu a Massa Insolvente do Autor, , para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 15.1.2015 – fls. 454 a 475 –, julgou improcedente a apelação e, embora por fundamento diverso, confirmou a sentença recorrida.

***

           De novo inconformada a Massa Insolvente recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e alegando, formulou as seguintes conclusões:

           1. Vem o presente Recurso interposto da douta decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que julgou improcedente o recurso de apelação apresentado pelo ora Recorrente, ainda que por fundamentos diversos dos sufragados pela douta sentença do Tribunal da 1ª Instância, e, em consequência, absolveu os ora Recorridos de todos os pedidos contra si deduzidos.

            2. O presente recurso é admissível uma vez que a fundamentação utilizada pelo Tribunal da Relação é essencialmente diferente da adoptada pelo Tribunal da 1ª Instância — cfr. artigo 671.°, n°3, a contrario do Código de Processo Civil.

           3. Não pode o Recorrente conformar-se com o teor da douta decisão do Tribunal da Relação de Guimarães por ser sua firme convicção que com base na matéria de facto dada como provada entende o Recorrente que foi erroneamente aplicado o direito aos factos.

           4. Entende o Recorrente que o acórdão recorrido viola a lei substantiva e aplica erradamente a lei de processo.

            5. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães derrogou em parte a decisão preferida pelo tribunal da lª Instância, considerando que não se verificou qualquer abandono da obra por parte do ora Recorrente, mantendo, no entanto, o sentido da decisão proferida.

            6. Sufragando o entendimento de que ao presente caso se aplica o instituto da excepção de não cumprimento.

            7. Entende o Recorrente que o Tribunal da Relação não podia ter decidido como decidiu.

            8. Desde logo, a excepção de não cumprimento é um instituto que carece de ser invocado e, nos presentes autos, os Réus/Recorridos em momento algum o fizeram, sendo que o próprio aresto recorrido apercebe-se de tal facto quando sente a necessidade de afirmar que “Parece resultar dos autos que os réus pretendem prevalecer-se deste instituto, para não pagar à Autora parte do preço por esta reclamado”.

            9. A jurisprudência é unânime no sentido de que a excepção de não cumprimento não é de conhecimento oficioso e de que cabe à parte a quem seja exigido o cumprimento da obrigação o dever de a invocar — neste sentido cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2009, proferido no âmbito do processo n°674/02.STJVNF.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.02.2008, proferido no âmbito do processo n° 4820/2007-2, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.01.2013, proferido no âmbito do processo n°17498/11.4YIPRT.Cl.

           10. Outro entendimento seria intolerável para os princípios da certeza e segurança jurídicas, bem como para o princípio do contraditório.

            11. Resulta da matéria de facto dada como provada (a contrario) que os Recorridos nunca interpelaram o Recorrente para o cumprimento.

           

            12. Mas mesmo que tal interpelação tivesse ocorrido, sempre os Recorridos teriam de invocar e demonstrar nos presentes autos estarem preenchidos os demais pressupostos de que depende o instituto da excepção de não cumprimento, o que não fizeram.

            13. Pelo que o douto Tribunal Recorrido não podia ter decidido como decidiu. Acresce que,

           14. Como resulta da matéria provada, os Recorridos obrigaram-se a pagar o preço acordado nas datas indicadas na alínea i) da matéria assente.

           15. As partes convencionaram que o preço seria pago naquelas datas, não fazendo qualquer referência ao estado em que a obra se deveria encontrar.

           16. A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter exigido o cumprimento, a substituição da prestação, a sua realização de novo, a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pelos danos circa rem.

            17. Nada disto foi feito pelos Recorridos antes das datas em que os pagamentos deveriam ocorrer.

            18. Ora, a excepção não pode ser invocada pelo contraente que primeiro deva cumprir — cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2009, preferido no âmbito do processo no 163/O2.OTBVCD.S1.

            19. Pelo que não se verificam os requisitos de que depende a aplicação deste instituto.

           

            Mais,

20. Ficou também demonstrado que, sem interpelarem o ora Recorrente para o cumprimento do contrato, os Recorridos contrataram uma terceira entidade que levou a cabo a prestação contratada com o Recorrente.

            21. Desse modo impossibilitando o Recorrente de cumprir com a sua obrigação.

           22. E desse modo incumprindo definitivamente o contrato celebrado.

            Por outro lado,

           23. A consequência prática retirada da aplicação (errónea) daquele instituto foi, também ela, errada.

           24. A excepção de não cumprimento não determina a extinção do direito, apenas o paralisa temporariamente.

           25. Não destrói o vínculo contratual, apenas suspende temporariamente os seus efeitos — cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.2009, proferido no âmbito do processo n° 09B0212.

           26. Ora, nos presentes autos temos que o Recorrente não abandonou a obra e que a extinção do contrato de empreitada não ocorreu por sua iniciativa, não lhe tendo sido permitido terminar a sua prestação, como largamente se discorreu em sede de petição inicial e réplica — cfr. documentos juntos com a réplica e que constam das alíneas n), o) p) e q) da matéria assente.

           27. Uma vez que os Recorridos não interpelaram o Recorrente para cumprir, uma eventual mora nunca se transformou em incumprimento definitivo.

           28. Consequentemente, não se encontravam preenchidos os pressupostos para que os Recorridos procedessem à resolução do contrato de empreitada.

            29. Inexistiu por parte dos Recorridos um acto de resolução do contrato de empreitada.

           30. Dos dados que constam dos autos, verifica-se um reiterado incumprimento das obrigações a cargo dos Recorridos.

           31. Não estando demonstrado o incumprimento definitivo por parte do Recorrente, não podia o Tribunal Recorrido legitimar o incumprimento dos Recorridos com o instituto da excepção de não cumprimento.

            32. Nos presentes autos temos que o incumprimento definitivo e culposo ocorreu, isso sim, quando os Recorridos contrataram uma terceira entidade para terminar a prestação contratada com o Recorrente — cfr. quesitos 42°, 43° e 44°.

           33. Desse modo impossibilitando definitivamente o Recorrente de cumprir com a sua prestação.

           34. Pelo que estamos perante um incumprimento contratual culposo, imputável aos Recorridos.

           35. Nestes termos, outra não poderia ser a decisão, que não a condenação dos Recorridos nos termos peticionados,

           36. A decisão deverá, assim, ser revogada porque viola os artigos 342.°, 406.°,428.°, 801.°, 804.° e 808.° do Código Civil.

           

           Nestes termos e nos melhores de direito deve o acórdão recorrido ser revogado, julgando-se procedente por provado o presente recurso.

            Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

            Dos factos assentes:

            a) O autor é empresário da construção civil.

           b) Os réus são donos e legítimos possuidores de uma moradia sita na Travessa ..., freguesia ..., deste concelho e comarca.

           c) No início do ano de 2003, o autor foi contactado pelo réu marido, como dono da obra, propondo-lhe a celebração de um contrato de empreitada para a construção da moradia referida no item anterior.

           d) Pelo que em 14.08.2003 foi celebrado, entre autor e réu, o aludido contrato.

            e) Consistia o objecto desse contrato na construção de uma casa de habitação na Travessa ..., freguesia ..., deste concelho e comarca.

            f) A obra englobava os trabalhos que fazem parte do caderno de encargos, com vista à execução do respectivo projecto de arquitectura.

            g) A obra encontrava-se devidamente licenciada.

            h) Autor e réu celebraram o contrato que se encontra junto aos autos a fls. 14 e seguintes dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

            i) Preço que o réu se obrigou a pagar do seguinte modo:

           

            1 – Início da obra --------------------------  € 31.174.87;

            2 – 1 mês após início da obra -----------   € 31.174,87;

            3 – 3 meses após o início da obra ------   € 46.762,30;

            4 – 5 meses após início da obra ---------  € 46.762,30;

            5 – 8 meses após o início da obra --------€ 46.762,30;

            6 – 11 meses após o início da obra ------ € 46.762,30;

            7 – 15 meses após o início da obra -------€ 31.174,87;

            8 – Arranjos exteriores e final da obra--- € 31.174,87.

            j) Das oito prestações referidas supra em i), os réus só pagaram ao autor as quatro primeiras e a quantia de € 31.174,00 referente à quinta prestação.

            l) Em Fevereiro de 2005, celebraram um aditamento ao referido contrato de empreitada em que os réus se obrigaram a pagar ao autor a importância de € 196.240,99, para conclusão das obras.

            m) Tais pagamentos seriam realizados do seguinte modo:

            a) € 40.000,00 com a assinatura do aditamento;

            b) € 40.000,00 em 15/04/2005;

            c) € 40.000,00 em 15/06/2005;

            d) € 40.000,00 em 30/07/2005;

            e) € 36.240,99 em 15/09/2005.

          n) O mandatário forense do Autor, em representação deste, remeteu ao réu marido a carta registada com aviso de recepção, datada de 20.01.2005.

            o) O autor remeteu ao réu marido a carta registada com aviso de recepção, datada de 15.09.2005.

            p) O autor remeteu ao réu marido a carta registada com aviso de recepção, datada de 15.09.2005.

            q) O autor remeteu ao réu marido a carta registada com aviso de recepção, datada de 29.08.2006.

            Da Base Instrutória:

            Do quesito 1º: Abrangia ainda a execução dos trabalhos e o fornecimento dos materiais de carpintaria, electricidade, cerâmicas, sistema de rega, grades e muros e outros extras.

            Do quesito 2º: Em Agosto de 2003 o autor fez deslocar para o prédio dos réus material, equipamento e pessoal e deu início à execução da obra contratada.

            Do quesito 3º: O dono da obra, ora réu marido, já depois de meio da obra, nomeou o Senhor DD para em seu nome acompanhar e fiscalizar a obra.

            Do quesito 4º: O que fez, verificando regularmente o andamento da mesma.

           Do quesito 5º: Para além disso ficaram por orçamentar vários extras, nos termos da cláusula 5ª do aludido aditamento.

           Dos quesitos 12º, 13º e 14º: Entretanto, os réus foram fazendo entregas, não tendo, contudo, pago a última prestação prevista no aditamento ao contrato, no valor de € 36.240,99.

            Do quesito 22º: Acabando por contratar outro empreiteiro.

           Do quesito 33º: A construção do edifício destinava-se à habitação própria e permanente dos Réus.

           Do quesito 34º: Não obstante o prazo peremptório acordado entre as partes, no início do mês de Outubro de 2006, ou seja, volvido mais de um ano sobre a data limite fixada, ainda o autor tinha a obra bastante atrasada.

           Do quesito 35º: Em data não concretamente apurada, mas situada entre Setembro e Outubro de 2006, houve uma reunião entre autor e réu, tendo sido efectuado pelo Sr. DD um levantamento das obras e trabalhos que estavam por realizar.

           Do quesito 36º: No dia e hora agendado compareceram as partes interessadas.

           Do quesito 40º: Aquando da reunião referida em 35 ainda faltavam realizar as obras referidas no documento de fls. 76 a 78.

            Do quesito 41º: As quais foram verificadas pelo perito nomeado pelo réu/contestante, no dia da dita reunião.

           Dos quesitos 42º, 43º e 44º: Os réus recorreram ao fornecimento e prestação de serviços de terceiros para ver a obra totalmente concluída, no que gastaram quantia superior àquela não entregue ao autor.

            Do quesito 45º: Para permitir a conclusão da obra, autor e réus celebraram, em 22.2.2005, um aditamento ao contrato no qual ficou acordada a realização das obras, descritas no seu artigo 1º.

           Do quesito 46º: Mais se consignou, no artigo 2º deste aditamento, que todas as alterações às obras inicialmente orçamentadas e às constantes neste mesmo aditamento teriam de ser acordadas, entre autor e réus, até 15.04.05.

            Do quesito 48º: O réu não assinou o aditamento do contrato.

           Do quesito 55º: Em data não concretamente apurada, mas situada entre Setembro e Outubro de 2006, houve uma reunião entre autor e réu, tendo sido efectuado pelo Senhor DD um levantamento das obras e trabalhos que estavam por realizar.

           Do quesito 61º: A obra iniciou a um ritmo bastante lento, que nunca se alterou, sendo que em momento algum atingiu um volume de obra que tivesse alguma correspondência com os valores pagos.

           Do quesito 62º: O volume da obra concluída nunca teve correspondência com os valores pagos.

           Do quesito 63º: Os réus só efectuaram pagamentos à medida que a obra ia avançando.

            Do quesito 65º: O relatório de fls. 76 a 78 foi apresentado no dia em que se realizou a reunião entre as partes. 

            Fundamentação:

            Sendo pelo teor das conclusões da alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se os RR. incumpriram o contrato celebrado com o Autor.

            As partes não dissentem que entre o Autor – porque, entretanto, foi declarado insolvente a Massa Insolvente do seu património, tomou o lugar daquele – e os RR. foi celebrado um contrato de empreitada – art. 1207º do Código Civil – tendo por objecto a construção de uma vivenda destinada à habitação destes.

            O Autor invocou como causa de pedir o não pagamento pontual do preço da empreitada, que foi acordado deveria ter sido pago em função do tempo decorrido desde o início da construção e não como é usual em função de fases determinadas da construção, tendo essa situação culminado com a desistência por parte dos donos da obra (os RR.).

            Como resulta de I) dos factos assentes, as parcelas do preço da empreitada venciam-se tendo como termo inicial a data em que começou a construção e prolongavam-se por um mês, três, cinco, oito, onze e quinze meses após ela, num total de oito pagamentos.  

            Alegou o Autor, e foi logo dado como assente, que dessas oito prestações os RR. apenas pagaram as quatro primeiras e a quantia de € 31.174,00 referente à quinta prestação – j) dos factos assentes.

           As quatro primeiras eram de: € 31.174.87, € 31.174,87, € 46.762,30 e € 46.762,30.

            O Autor alegou, como dissemos, terem os RR. incumprido com os pagamentos acordados e que se a sua prestação não foi atempadamente executada, isso deveu-se ao facto dos RR. não terem cooperado em aspectos essenciais, para que pudesse realizar a obra integralmente.

            Que a obra não estava a ser executada no prazo convencionado resulta inquestionável do facto de, em Fevereiro de 2005, o Autor, empreiteiro, e os RR., donos da obra, terem celebrado um “Aditamento a Contrato de Empreitada” – com data de 22.2.2005 – fls. 24 a 29 – assumindo os RR. pagar ao Autor a quantia de € 196 240,99, em cinco prestações, vencendo-se a primeira na data do “aditamento”, 22.2.2005 e as demais entre 15.4.2005 e 15.9.2005, para que fossem concluídas as obras.

           Nesse aditamento estava acordada a realização de obras “não previstas” – (ponto 1º) e prevista a realização de obras extra (ponto 5º): foi fixado o prazo impreterível de 15.9. 2005 – cláusula 11º – e fixada no art. 13º, uma cláusula penal – “Os outorgantes fixam, a título de cláusula penal a importância de € 100,00/dia, para o atraso no cumprimento de qualquer dos outorgantes por culpa que lhe seja exclusivamente imputável”. 

            Sendo o contrato de empreitada um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático, sendo as prestações correspectivas, o facto de ter sido celebrado um “aditamento” ao contrato, que, objectivamente, estendia o prazo inicialmente previsto, assumindo os RR. pagar aquela quantia, mostra-se que o valor agora acordado é superior ao que estava em falta após o pagamento das quatro primeiras prestações e de parte da quinta que ascendia a € 124 134,34.

            Não consta dos autos se a causa impulsiva desta prorrogação do prazo se deveu ao facto do Autor não estar a cumprir pontualmente o calendário de execução das obras que temporalmente não consta fixado.

           

           Apenas, como dissemos, é factual que os pagamentos foram combinados em função de datas, após o termo inicial (começo das obras) e em cinco prestações; não se sabe se o acordo de Fevereiro de 2005 se deveu ao facto dos RR. reconhecerem que estavam em mora quanto ao pagamento do preço, ou se aquele valor superior ao que era devido inicialmente, incluía a realização de outras obras que não constam desse “aditamento”.

           Também não é de excluir que visassem reformular o vínculo contratual inicial.

            Nas alíneas n) a q) considerou-se assente que o Autor remeteu ao Réu marido cartas em 20.1.2005, 15.9.2005 (duas têm esta data) e 29.8.2006.

            As instâncias deram como reproduzido o teor dessa cartas, mas nunca lidaram com o seu conteúdo, contribuindo para falta de clareza quanto à cronologia dos acontecimentos.

             Vejamos o teor dessas cartas:

            - a carta de 20.1.2005, enviada pelo mandatário do Autor aos RR., sob registo e com aviso de recepção, em data anterior à do aditamento de 22.2.2005, foi junta com a réplica – a fls. 156 – e reza:

             “Pela presente informo haver sido procurado, no meu escritório, pelo Sr. AA, empreiteiro da obra de que V. Exa. é dono respeitante à construção de uma vivenda na Travessa ..., freguesia ..., deste concelho, que me manifestou a intenção de suspender a execução dos trabalhos na referida obra em virtude de V. Exa. não ter até ao presente, procedido ao pagamento das 5ª, 6ª e 7ª prestações previstas na Cláusula 4ª do contrato de empreitada celebrado em 14.8.03, nos montantes, respectivamente, de 46.762,30 €, 46.762,30 € e 31.174,87 €, usando, assim, da faculdade de excepção de não cumprimento do contrato.

            Para além das obras inicialmente previstas, V. Exa. não pagou igualmente todas as obras extraordinárias cuja execução foi posteriormente acordada e realizada.

           Assim, aguardo notícias de V. Exa., pelo prazo de oito dias, findo o qual recorrei ao tribunal, no zelo dos interesses que me estão confiados”.

           Nesta carta o Autor invoca, claramente, a excepção do não cumprimento do contrato – art. 428º do Código Civil – decorrendo do seu teor que tinha cumprido a prestação que lhe incumbia e que os RR. não tinham pago o valor acordado, razão pela qual anunciou que suspenderia a execução da obra se, no prazo de oito dias, não fosse paga a quantia que considerava em débito – as 5ª, 6ª e 7ª prestações.

           O ulterior “Aditamento de 22 de Fevereiro de 2005”, deve ser interpretado – art. 236º, nº1, do Código Civil – como declaração negocial que não manteve o contrato em vigor, uma vez que os RR. se comprometiam a pagar, agora, € 196 240,99 “para a conclusão das obras”, em cinco prestações com novos prazos:

            a) € 40.000,00 com a assinatura do aditamento (22.2.2005);

            b) € 40.000,00 em 15/04/2005;

            c) € 40.000,00 em 15/06/2005;

            d) € 40.000,00 em 30/07/2005;

            e) € 36 240,99 em 15/09/2005.

           Logo, em 23.6.2005, o Autor remeteu ao Réu a carta de fls. 159, onde no essencial o acusa de não ter pago a prestação de € 40 000,00 vencida em 15.6.2005, portanto já relativa ao dito “aditamento de Fevereiro”.

            Nessa carta alude, ainda, ao litígio que opõe o Réu ao arquitecto contratado por ele, facto que poderia atrasar a obra e, finalmente, afirma que o Réu deveria ter acordado com o Autor até 15.4.2005 “todas as alterações à obra contratada o que não fez…pelo que “também por este meio nenhuma responsabilidade pelo atraso da obra me pode vir a ser assacada no futuro”.

            Em 15.9.2005, nova carta do Autor, remetida sob registo e com aviso de recepção – fls. 163 a 165, – afirmando ao Réu:

             “A obra de edificação da moradia não pôde ter sido concluída até ao dia de hoje pelas razões já amplamente relatadas nas minhas anteriores cartas.

           Acresce que V. Exa continua sem apresentar desenhos para a churrasqueira e para o portão de entrada. Continua sem definir o tipo de granito para as paredes da lavandaria para a arrecadação/bar. Continua sem determinar as cores que pretende para a pintura dos interiores da casa, facto que, só por si, impede a realização da obra de carpintaria – portas, aros, rodapés, etc., etc., pois esta só pode iniciar-se após a aplicação de uma primeira mão de tinta. Falta igualmente V. Exa. trazer as caixas de electricista – focos para aplicar no exterior.

            Assim, o reiterado incumprimento do contratado por parte de V. Exa., impede a conclusão e entrega da obra na data fixada.”

            Em 29.8.2006, o Autor remeteu ao Réu a carta de fls. 169, sob registo e com aviso de recepção.

            “Apesar dos meus sucessivos e reiterados pedidos, V. Exa. continua sem apresentar os seguintes desenhos de pormenor:

           - Grades interiores e exteriores em inox (varões), designadamente a determinação da respectiva espessura e modelo;

            - Portas das várias bases de chuveiro;

            - Portão e respectivo automatismo para definição da soleira a colocar;

            - Churrasqueira (modelo, estrutura, dimensões do fogão e do grelhador, bem como da eventual laje de cobertura do mesmo),

            - Porta de entrada para o court de ténis;

            - Grelhas exteriores (dimensões e material a utilizar)

            Assim a conclusão da obra continua há largos meses dependente do fornecimento dos referidos desenhos, bem como da definição concreta dos materiais pretendidos aplicar por V. Exa., facto a que não é alheio a incompatibilização que mantém com o responsável técnico da obra.

            Assim, a obra continua inacabada por única  e exclusiva culpa do respectivo dono, não me podendo ser assacado qualquer responsabilidade, como tenho referido nas minhas sucessivas cartas.

           Solicito, por último, se digne fornecer-me as peças desenhadas que faltam colocar, ao prazo máximo de 10 dias, por forma a poder dar por concluída a mencionada obra”.

            No art. 7º da tréplica os RR. afirmam que deixaram de pagar as prestações “pelas razões já referidas na contestação/reconvenção e que para os devidos efeitos se reitera” e, no art. 8º desse articulado: “Não é verdade que a quinta prestação estivesse em dívida, pois os RR. tinham pago € 31.174,00, por isso é que, na cláusula oitava do aditamento celebrado em 22.02.2005, se diz que na obra contratada faltava pagar € 124 700,34”.

            Nos arts. 14º e 15º os RR., afirmam que “De qualquer modo, ao celebrar-se o aditamento que se celebrou em 22 de Fevereiro de 2005, parece-nos, salvo melhor opinião, que todos os conflitos se sanaram por acordo.” – “Ajustaram-se novos prazos, acordaram-se valores e prazos de pagamento”.

           Depois de referirem que a obra continuou a ser executada “ao mesmo ritmo, ou seja vagarosamente” apesar de terem pago imediatamente € 40 000,00 (na data de 22.2.2005, a do “aditamento”), “isso motivou que os RR. só fossem pagando à medida que a obra ia avançando”, confessando no art. 19º “Sendo certo que, de todos os valores acordados, os RR. apenas deixaram de pagar ao Autor a quantia de € 36.240,99 (vide art. 25º da P.I)”.

            Os RR., no art. 35º, impugnaram o teor das cartas do Autor em que este dá conta da impossibilidade de executar a obra nos prazos por falta de colaboração do Autor, mas nem sequer aduzem factos que possam sustentar as conclusões, ou juízos de valor que formulam, como quando afirmam “que a obra continuou a ser executada ao mesmo ritmo, ou seja vagarosamente”.

           A sentença de 1ª Instância considerou improcedente a acção, decidindo que o Autor (empreiteiro) abandonou a obra, o que evidenciou incumprimento definitivo e que não executara até aí os trabalhos contratualizados com os RR., não fazendo concreta indicação dos factos (65 da B.I. e 15 da Matéria de Facto Assente), que, por subsunção ao Direito, fundassem o desfecho da acção.

           O Acórdão recorrido, depois de manter inalterada a matéria de facto, e de enunciar que o objecto do recurso, quanto ao mérito, era saber se os recorridos deviam ou não ser condenados a pagar “as quantias alegadamente devidas a parte do preço da empreitada que não recebeu”, discordou do entendimento da sentença apelada, não considerando que o Autor tivesse abandonado voluntariamente a obra – cfr. fls. 469/470 – afirmando:

          “Não se olvide, no entanto, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e que os apelados não pagaram a totalidade do preço acordado, restando, portanto, averiguar se encontram sustento legal para a sua conduta, recordando-se, também, que não interpelaram o empreiteiro para cumprir, com vista a transformar a simples mora em incumprimento definitivo, possibilitando-lhes a resolução do contrato. Temos, então que nem a obra foi acabada, nem o preço total foi pago.

            Pelo lado do empreiteiro, não tendo realizado toda a obra a que se obrigou, resulta um incumprimento contratual e não um cumprimento defeituoso.” (destaque e sublinhado nosso)

           Depois, a fls. 472, afirma o Acórdão que “parece resultar dos autos que os RR. pretendem prevalecer-se do instituto (da excepção do não cumprimento do contrato) – para não pagar ao Autor parte do preço reclamado”.

            Depois de considerações sobre o art. 428º do Código Civil e os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, e sem que houvesse demonstração factual dos factos que legitimam o funcionamento da excepção, o Acórdão afirma – fls. 474:

            “E, assim, concluindo:

              Mostrando-se provado, pelo menos, um incumprimento parcial da apelante, era lícito aos apelados (AA.) recusar o pagamento residual do preço da empreitada, ao abrigo disposto no art. 428° do Código Civil, pelo que terá de improceder o pedido formulado nesta acção.”

           O Acórdão recorrido, tendo considerado que não houve abandono da obra por parte do Autor (empreiteiro), e que não lhe foi pago integralmente o preço acordado, considerou, apesar das dúvidas antes expressas, que os AA./Recorridos, (donos da obra), tinham fundamento para invocar a excepção do não cumprimento do contrato e com base no art. 428º, nº1, do Código Civil, recusar o pagamento “residual do preço da empreitada”.

           No recurso, a questão nodal colocada pela ora Recorrente, Massa Insolvente do Autor, é justamente saber se os Recorridos invocaram a excepção do incumprimento do contrato no contexto do contrato de empreitada.

            Vejamos:

           Não existe dissídio entre as partes quanto à qualificação da relação jurídico-contratual a que se vincularam.

           Entre ambas foi celebrado um contrato de empreitada, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviço – art.1155º do Código Civil.

           

Nos termos do art. 1207º do Código Civil –  “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”

           O contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático.

           O sinalagma, no contrato de empreitada, é genético e funcional. É genético porquanto a reciprocidade das prestações do empreiteiro e do dono da obra nasce no momento em que é celebrado o contrato e é funcional porque perdura durante a sua execução.

           Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art. 1208º do Código Civil e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. - “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº2 do art. 1211º do citado diploma.

           O cumprimento da obrigação resulta da pontual execução do programa negocial, nos termos clausulados e de harmonia com as regras de boa fé e do princípio da concretização: “a conduta devida deve realizar, no terreno, o interesse do credor” – art. 762º do Código Civil.

           Na responsabilidade contratual o incumprimento presume-se culposo – art. 799º, nº1, do Código Civil.

            “Cumprimento defeituoso ou inexacto – a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correc­ção e boa fé. b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa. c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obriga­ção. d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto” – José Baptista Machado, “Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, 386”.

           A excepção do não cumprimento do contrato, assim como o direito de retenção, são meios lícitos de que um dos sujeitos contratuais pode lançar mão para não cumprir, temporariamente, a prestação a que se acha vinculado.

            Dispõe o art. 428º do Código Civil:

“1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”

“A “exceptio non adimpleti contractus” constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento ou cumprimento defeituoso” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20.11.2012, in www.dgsi.pt – Proc.114/09.1.TBMTR.P1.S1 – em que foi Relator, o aqui Relator.

“São pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade á boa-fé” – cfr. “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, de José João Abrantes, 1986, 39 e segs.

O art. 429º do Código Civil faz excepção à regra da simultaneidade do cumprimento, estatuindo:

Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do beneficio do prazo.”

         Como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, I vol, pág. 406:

“A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.

Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.° do Código de Processo Civil).

 E vale tanto para o caso de falta inte­gral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consa­grado nos artigos 227.° e 762.°, n.° 2 (vide, a este respeito, na RLJ., Ano 119.°, págs. 137 e segs., o acórdão do S. T. J., de 11 de Dezem­bro de 1984, com anotação de Almeida Costa).” (sublinhámos).

Também, a propósito deste princípio legal, escreveu o Professor Calvão e Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág.334:

“Processualmente, o demandado a quem se exija o cum­primento tem de invocar a exceptio, que não é de conheci­mento oficioso.

Trata-se, efectivamente, de uma excepção sensu proprio e strito sensu (Einrede, na terminologia alemã), correspondente às exceptiones iuris da doutrina romanista, cuja relevância e eficácia só operam por vontade do excipiens, não podendo o juiz conhecer dela ex officio.

Logo, se não opõe a exceptio, o demandado será condenado.

Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque coro­lário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumpri­mento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for reali­zada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevale­cendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.

É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulte­rior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo...”.

Aparentemente, a exceptio só funcionaria quando ambas as partes fossem obrigadas a cumprir, simultaneamente, as obrigações emergentes do sinalagma contratual. Contudo não é esse o entendimento mais correcto do regime do art. 428º, nº1, do Código Civil, na perspectiva do Prof. Vaz Serra, in RLJ, Ano 105º, pág. 238 (...):

 “A fórmula legal não é inteiramente rigorosa, pois o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro; se não o estiver pode ele, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação...Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes…apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro...” – (nota 2).

Decorre do art. 1221º do Código Civil, que inexistindo cláusula em contrário, o preço deve ser pago no “acto de aceitação da obra”.

A lei consagra, assim, em princípio, a simultaneidade das prestações; aceitação da obra/pagamento do preço.

A exceptio inadimpleti contractus permite ao excipiente não realizar a prestação a que se encontra adstrito (que tanto pode ser uma prestação de coisa, como uma prestação de facto), enquanto a outra parte não efectuar a contraprestação no contrato bilateral ou sinalagmático que a ambos vincula.

A exceptio não é de conhecimento oficioso, carece de ser invocada pela parte de que dela pretende beneficiar.

 Se atentarmos na carta do Autor, datada de 20.1.2005, constante de N) dos factos assentes, afirma ele invocando expressamente “a faculdade de excepção de não cumprimento do contrato”, que por não lhe terem sido pagas as 5ª, 6ª e 7ª prestações previstas na Cláusula 4ª do contrato de empreitada nos montantes que indica, suspenderá a execução da obra, aguardando pelo prazo de oito dias, findo o qual recorrerá a tribunal.

Poderá, na pureza da exceptio, considerar-se que tendo o empreiteiro que oferecer a sua prestação em primeiro lugar – a entrega da obra ou da parte convencionada – não pode, atento o princípio da simultaneidade das obrigações e da reciprocidade das prestações sinalagmáticas, e porque é o contraente que deve cumprir em primeiro lugar oferecer a sua prestação, invocar a excepção.

O sentido da declaração não visa recusar concretas prestações a seu cargo, uma vez que o empreiteiro tendo executado a obra a que se referiam os pagamentos, reagindo à mora do credor, afirma que suspenderá a execução da obra (digamos da construção da parte futura da obra), caso não seja dada uma resposta à sua exigência do pagamento de prestações vencidas, existindo no caso mora do devedor dono da obra.

O que o Autor pretendeu foi suspender as suas prestações futuras, no que respeita à execução da empreitada, até que o dono da obra, por sua vez, cumprisse as prestações que lhe eram devidas, o que parece, dada a particularidade das prestações a seu cargo, compatível com a invocação da exceptio.    

           José Abrantes, in “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, 61, nota de pé, parece defender a legitimidade o excipiente no quadro que referimos, quando afirma:

           “O contraente obrigado ao cumprimento prévio deve poder suspender a sua execução, fazendo cessar temporariamente as suas prestações, até ao momento em que a contraparte realize as prestações correspondentes a outras que ele já anteriormente tenha efectuado…”.
               

            “A razão de ser desta interpretação extensiva do n.º1 do artigo 428.º é referida por este Autor, ao afirmar ainda que: “o contraente tem ao seu dispor o nosso meio de defesa como única forma de o garantir contra o não cumprimento pelo outro de prestações atrasadas” – cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.12.2008, Proc. 08B3415, in www.dgsi.pt.

          O contrato de empreitada, sub judice, pelo seu clausulado, revela que as prestações recíprocas do dono da obra e do empreiteiro eram fraccionadas; com efeito, os pagamentos parcelares do preço, com datas pré estabelecidas, eram devidos em função da execução e entrega de fases da obra.

            Se os donos da obra não pagaram prestações vencidas, poderá o empreiteiro suspender, temporariamente, invocando a excepção do não pagamento do contrato a execução da parte restante sem que o dono da obra pague as fracções do preço em mora?

           Como vimos o citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, entendeu ser lícito esse procedimento, perspectiva com que se concorda.

           Na muito recente obra “Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito-Em Especial Na Excepção de Não Cumprimento, No Direito de Retenção e Na Compensação” – de Ana Taveira da Fonseca – Almedina -Teses - Maio 2015 – nas págs. 171 e 175/16, pode ler-se:

           “Também não se duvida que, num contrato de execução fraccionada, o devedor pode recusar a realização da sua fracção da prestação por o credor não cumprir a fracção correspondente ou que, num contrato de execução continuada ou sucessiva, o devedor pode recusar o cumprimento de uma prestação até à contraprestação correspectiva ser realizada, quando num caso e noutro o cumprimento deva ser realizado em simultâneo.”

           […] Em suma, o contrato seja ele de execução instantânea, fraccionada, continuada ou sucessiva tem que ser visto como um todo, pelo que o incumprimento de parte da prestação principal deve conferir direito à outra parte a suspender as prestações seguintes, desde que tal não viole o princípio da boa fé’’.  

          Mas, mesmo que se considere que a invocação da excepção o não foi validamente, apenas pelo facto do excipiente estar obrigado a cumprir, em primeiro lugar e, portanto, não poder antecipar qualquer recusa quando não sabe se o outro contraente cumpriria a sua prestação, o comportamento do Autor não poderia ser desconsiderado, relevando que, ao ter agido como agiu, transmitiu aos RR. que considerava existir uma situação de mora quanto ao pagamento das prestações de que se considerava credor, por ter executado a obra e estar vencido e não pago o preço correspondente acordado, actuação conforme ao princípio da boa fé – art. 762º, nº2, do Código Civil.

           De notar que esta actuação do Autor conduziu à referida celebração do “Aditamento do Contrato”, de 22.2.2005, onde os RR. reconheceram que deviam ao Autor a quantia de € 36 240,99 – cfr. respostas aos quesitos 12º, 13º e 14º. 

            Salvo o devido respeito, não se considera que os AA. tivessem, por sua vez, invocado validamente a excepção de não cumprimento do contrato, para recusar o pagamento desta quantia.

           Na conclusão C) das suas contra-alegações os AA., ante a alegação do Recorrente, censurando o Acórdão quando decide confirmar a sentença, considerando, ainda que dubitativamente, que a exceptio foi invocada, afirmam que o fizeram nos arts. 14º a 17º e 29º a 38º da contestação.

           Com o devido respeito, os recorridos só agora afirmam tê-lo feito. O que consta naquele articulado são considerações sobre o estado dos pagamentos ligados ao contrato e à muito discutida imputação, sempre feita pelos RR., de que o Autor não o cumpriu definitivamente, ainda antes das partes o terem reformulado com o falado “Aditamento”.

           Na resposta ao quesito 34º consta – “Não obstante o prazo peremptório acordado entre as partes, no início do mês de Outubro de 2006, ou seja, volvido mais de um ano sobre a data limite fixada, ainda o Autor tinha a obra bastante atrasada”.

           Esta resposta não pode manter-se e considera-se não escrita, nos termos do art. 646º, nº4, do Código de Processo Civil vigente ao tempo em que foi elaborada a peça condensadora.

            Com efeito, enferma de dois vícios; contém um conceito jurídico – “prazo peremptório” e um juízo de valor não factual, tanto mais que no contexto da controvérsia o considerar que “ainda o autor tinha a obra atrasada”, é uma conclusão só extraível de factos.

          Também assim com as respostas aos quesitos 61º, 62º, e 63º que não encerram matéria de facto, mas antes contêm proposições conclusivas.

            Assim, e uma vez que não existiu abandono da obra pelo Autor, e que os RR. não invocaram a excepção do não cumprimento do contrato – art. 428º, nº1, do Código de Processo Civil – para não pagarem ao Autor a quantia que lhe devem, não pode manter-se a decisão recorrida, antes sendo de condenar os RR. a pagar à Recorrente a quantia de € 36 240,99, acrescida de IVA à taxa de 21% e juros de mora nos termos peticionados em e) do pedido.

           Os factos apurados permitem imputar aos donos da obra a cessação do contrato, pelo que deveriam ser condenados a indemnizar o Autor pelos danos sofridos – art. 483º, nº1, 562º e 564º do Código Civil. Todavia, não se provaram quaisquer outros danos peticionados pela Recorrente.

           

            Decisão:

           Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, condenando-se os Réus a pagar à Recorrente a quantia de € 36 240,99, acrescida de IVA à taxa de 21%, e juros de mora, nos termos peticionados em e) do pedido, desde a citação até efectivo reembolso.

            Custas pela Recorrente e pelos Recorridos, na proporção de vencido, neste Tribunal e nas Instâncias.

                              Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Junho de 2015

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot (voto o Acórdão com a declaração de que não subscrevo asserção que o quesito 63º encerra matéria conclusiva e por isso não o declararia como não escrito)  

     

__________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.