Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
060395
Nº Convencional: JSTJ00004304
Relator: ALBERTO TOSCANO
Descritores: LETRA
AVAL
RELAÇÕES IMEDIATAS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196602010603951
Data do Acordão: 02/01/1966
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DG Nº 44, I-S DE 1966/02/22, PÁG. 231 - BMJ N º 154, ANO 1966, PÁG 131
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR COM - TIT CREDITO.
Legislação Nacional: LULL ARTIGO 31 N4.
CCIV867 ARTIGO 2516.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1960/10/14 IN BMJ N100 PAG582.
ACÓRDÃO STJ DE 1964/04/28 IN BMJ N136 PAG367.
ASSENTO STJ DE 1964/11/27 IN BMJ N141 PAG171.
ACÓRDÃO STJ PROC60890 DE 1965/12/14.
Sumário :
Mesmo no dominio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado e sempre prestado a favor do sacador.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Vem este recurso interposto por A do acordão de 28 de Abril de 1964 com fundamento de que nele se firmou a doutrina de a presunção constante da 4 alinea do artigo 31 da Lei Uniforme relativa a letras não admitir prova em contrario, quer no dominio das relações mediatas quer no dominio das relações imediatas, doutrina esta que e oposta a consignada no acordão deste Tribunal, de 14 de Outubro de 1960, no qual se estabeleceu a de que, no dominio das relações imediatas a presunção de ser dado a favor do sacador o aval oposto na letra não obsta a que o sacador e portador dela prove, em contrario, que o aval fora dado a favor do aceitante.
E esta a questão fundamental de direito posta no objecto do recurso.
Não sofre duvida terem sido proferidas as duas decisões no dominio da mesma legislação.
O acordão de folhas 21 julgou existir oposição de doutrina nas duas decisões em confronto.
Tem-se como transitado em julgado o referido acordão, de 1960.
Mantem-se como existente a oposição dos julgados sobre esta questão.
Conhecendo:
Esta em apreciação o enunciado na segunda parte da 4 alinea do artigo 31 da Lei Uniforme sobre Letras, que e do seguinte teor: "O aval deve indicar a pessoa por quem se da. Na falta de indicação, entender-se-a pelo sacador".
O aval representa a garantia do pagamento de uma letra, quanto a totalidade ou a parte do seu montante, por terceiro ou pelo proprio interveniente, com a expressa declaração de "bom para aval" ou outra forma equivalente, seguida da respectiva assinatura, - quando no verso do titulo.
Nos termos do preceito que regimenta a constituição do aval o dador deve indicar a pessoa por quem e dado; tem de referir expressamente, qual ou quais, de entre os obrigados ao pagamento da letra, ficam por ele avalizados.
A lei, porem, dispensa-o de fazer essa declaração quando o avalizado seja o sacador. Assim acontecendo, por disposição legal, como avalizado se tem de considerar o sacador.
Na falta de manifestação expressa de vontade do dador, o aval implica, juridicamente, a sua relacionação a exclusiva pessoa do sacador.
Conformes com o lucido parecer do ilustre Procurador da Republica, dizemos que o "legislador se preocupou em criar para o aval uma certa estrutura formal simples, segura e pratica a determinar a pessoa avalizada. Tal pessoa e aquela que o dador indica; na falta de indicação a pessoa do sacador - e so essa".
Daqui deriva que não nos encontramos em face da figura juridica das presunções - consequencias ou ilações que a lei ou o julgador deduz de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 2 516 do Codigo Civil.
E certo ter-se sustentado e julgado que a disposição da alinea 4 do artigo 31 da Lei Uniforme constitui uma presunção, ilidivel por prova em contrario, admitindo-se que se venha a demonstrar que o aval foi prestado a favor de outro interessado.
Este entendimento esta em oposição com o principio da literalidade da letra, segundo o qual, os direitos emergentes deste titulo de credito valem pelos seus proprios termos.
O respeito a literalidade do titulo, que essencialmente importa a fixação e definição do seu conteudo e modalidade nele incorporado conduz a afirmação da generalidade de que o titulo vale pelos seus dizeres, exactamente pela incorporação do direito no proprio documento.
A mobilização constante e rapida dos direitos que se incorporam nos titulos de credito implica ser decisivo o seu contexto para a pronta definição desses direitos, cuja certeza se deve impor a geral confiança.
Estas razões justificam o dominante principio de que o preceito legal em apreço não contem nenhuma presunção.
Esse preceito contem uma disposição supletiva, integradora da vontade das partes.
Nos termos expostos, confirma-se o acordão recorrido e lavra-se o seguinte assento:
"Mesmo no dominio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado e sempre prestado a favor do sacador".
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 1966

Alberto Toscano (Relator) - Lopes Cardoso - Albuquerque Rocha - Torres Paulo - Antonio Laranja - Joaquim de Melo -
- H. Dias Freire - Francisco Soares - Fernando Toscano Pessoa - A. Vera Jardim - J. Santos Junior - Ludovico da Costa (Vencido.Penso que a doutrina da presunção juris tantum, limitada ao dominio das relações imediatas, e a que, embora tecnicamente menos sugestiva, melhor satisfaz a realização do suum cuique tribuere (v.g., Boletim, ns. 107, pagina 582, e 117, pagina 623). Pois, em tais relações e consoante o principio informador do assento de 27 de Novembro de 1964 (Boletim, n. 141, pagina 171), mais concretamente traduzido no recente acordão deste Supremo, de 14 de Dezembro de 1965 (revista n. 60890), em tais relações, dizia, não esta em causa a estrutura da letra -
- titulo destinado a generalidade - mas simplesmente os interesses dos sujeitos da relação fundamental, os quais, so por si, não justificariam um especial regime juridico, como o e o dos titulos de credito, dado que as caracteristicas destes, nomeadamente a literalidade e a abstracção, visam apenas assegurar a circulação dos mesmos e proteger a boa fe de terceiros portadores.
Em uma palavra: a literalidade e o concernente caracter supletivo do preceito em causa pressupõem que se transpõs a fronteira das relações imediatas, que a letra entrou em circulação; pois, so então pode funcionar o condicionalismo juridico de tais titulos. Ate la, tudo se passa como no regime comum das obrigações.
Votei, por isso, pelo provimento do recurso e consequente solução do conflito segundo a doutrina do acordão invocado em oposição).
Gonçalves pereira (vencido pelos mesmos fundamentos).