Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | GREGÓRIO SILVA JESUS | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | ENFITEUSE EXTINÇÃO DA ENFITEUSE CONTRATO DE ARRENDAMENTO POSSE USUCAPIÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 03/12/2015 | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | REVISTA | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / POSSE / DIREITO DE PROPRIEDADE / ENFITEUSE. DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA / POLÍTICA AGRÍCOLA. | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Doutrina: | - Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu, na RLJ, Ano 140.º, n.ºs 3967, 3968 e 3969, pp. 206-239, 266-300 e 326-345. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Vol. I, 4.ª ed., pp. 379/394, 1062, 1063 nota III ao artigo 96.º. - Henrique Mesquita, Direitos Reais, p. 68. - Menezes Cordeiro, “Da enfiteuse: extinção e sobrevivência”, in Revista “O Direito”, Ano 140.º, 2008, II, pp. 285 a 315. - Mota Pinto, Direitos Reais, p. 189. - Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 1983, p. 119. - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. III, 1972, p. 526, Vol. III, 2.ª ed., pp. 5, 9, 477/488, 496, 580. | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1251.º, 1252.º, N.º2, 1256.º, 1287.º, 1290.º, 1293.º, 1306.º, N.º1, 1491.º, 1492.º, 1493.º, 1495.º, 1497.º, 1499.º, AL. A), 1501.º, AL. A). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, 96.º, N.º 2. D.L. N.º 195-A/76, DE 16/03, FOI ALTERADO PELO D.L. N.º 546/76, DE 10/07, PELAS LEIS N.ºS 22/87, DE 24/06 E 108/98, DE 16/09: - ARTIGO 1.º. | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 30/10/14, PROC. Nº 5658/07.7TBALM.L2.S1, EM WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -Nº. 786/2014, DE 12/11/2014, NO PROC. Nº 412/2013 EM WWW.DGSI.PT . | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário : | I - A enfiteuse era um direito real menor – regulado nos arts. 1491.º a 1523.º do CC –, em que a usucapião do domínio directo pelo enfiteuta, de que ele era possuidor em nome alheio, dependia da inversão do título da posse (sendo ele apenas possuidor em nome próprio do domínio útil). II - Usucapindo o enfiteuta o domínio directo, ocorria confusão dos dois domínios (directo e útil) na mesma pessoa, com a consequente extinção da enfiteuse e surgimento do direito de propriedade na sua titularidade. III - Estando provada, tão só, uma relação jurídica de arrendamento e não estando demonstrada a posse em termos de domínio útil, não se pode reconhecer a qualidade de enfiteuta – cf. arts. 1491.º, n.º 3, e 1492.º, n.º 2, do CC. IV - Os factos referidos nas alíneas constantes do n.º 5 do art. 1.º do DL n.º 195-A/76, de 16-03, não consubstanciam “presunções” ou “indícios” de uma “modalidade específica de usucapião”, mas um conjunto de requisitos que configuram uma situação específica de que depende a constituição da enfiteuse por usucapião, para lá dos pressupostos a que o “regime normal” da usucapião, ou seja, o constante dos arts. 1287.º e segs. do actual Código Civil, condiciona a verificação desta última. V - Se os factos provados apenas são susceptíveis de integrar o corpus correspondente à posse do domínio útil, nada constando do acervo factual apurado que seja demonstrativo do animus de enfiteuta, nem mesmo por recurso à via presuntiva do n.º 2 do art. 1252.º do CC, não se alcança a posse ad usucapionem em termos de domínio útil e, consequentemente, não se pode reconhecer que o autor se tornou proprietário do prédio, por força da abolição da enfiteuse operada pelo DL n.º 195-A/76. | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Revista nº 4583/07.6TBALM.L2.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
AA, residente em …, ..., Almada, intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra o Município de Almada, pedindo: - se declare ser o autor o legítimo proprietário das parcelas e edificações dos autos; - se condene o réu Município de Almada a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício e que, em consequência: - se declare ser o autor legítimo enfiteuta/rendeiro/utilizador/possuidor dos seus invocados direitos; e - se condene o réu Município de Almada/CM Almada a reconhecer ao autor os referidos direitos e, por via desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois, os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o autor na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição. Alega, para tanto, em síntese, que é rendeiro/enfiteuta/cultivador directo das "T...", sitas na freguesia da ..., concelho de Almada, há mais de setenta anos. O Município de Almada/Câmara Municipal de Almada comprou, por escrituras de 16/11/71 e 17/3/72, a chamada "...", vulgo "T...". O autor, por si e seus antecessores, é enfiteuta/arrendatário das referidas "terras" por contrato verbal, celebrado há mais de 200 anos. O autor tem direito a cultivar as referidas terras e à passagem pelo caminho ali existente há mais de duzentos anos, pois paga a respectiva renda, a ser indemnizado por benfeitorias, e igualmente lhe assiste o direito de retenção até ser efectivamente indemnizado e a ser declarada judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se depois os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o autor na situação de pleno proprietário. Aos olhos de todos, o autor e antepossuidores permaneceram em detenção e fruição plena do acesso às T..., dos terrenos que cultiva e das benfeitorias por si e seus antepassados efectuados, posse essa ininterrupta, pacífica, de boa fé, titulada, sem qualquer turbação, pelo que se não tivessem adquirido esses direitos por qualquer título, sempre o autor os teria adquirido por acessão e usucapião, que expressamente invoca. A CM senhoria não pode diminuir, sem o acordo do autor/rendeiro/enfiteuta/cultivador directo, a extensão da coisa locada ou acesso às T..., pois tal resulta em prejuízo manifesto da dimensão, da utilização e aproveitamento da sua exploração agrícola. Regularmente citado, o réu contestou impugnando a factualidade vertida na petição inicial, acrescentando, além do mais que não poderá aceitar-se a alegação de que o autor é “rendeiro/cultivador directo/enfiteuta” das “T...”, pois verdadeiramente não se sabe quais são essas terras, uma vez que o próprio autor não as identifica. Também não é verdadeiro que o autor seja por si e seus antecessores arrendatário das referidas terras por contrato verbal celebrado há mais de 200 anos, pois que o autor, à semelhança de muitas outras pessoas, aproveitando-se da contestação ao direito de propriedade que atravessou o País depois do 25 de Abril de 1974 e as mudanças ocorridas na administração local, ocupou uma parcela das “T...”, passou a intitular-se rendeiro e sublocou a sua exploração. A Câmara Municipal sempre se recusou a receber rendas pela exploração das “T...”, pelo que se o autor pagou alguma quantia a título de renda tê-lo-á feito de livre e espontânea vontade, provavelmente através de depósitos na Caixa Geral de Depósitos. Há mais de 30 anos que o autor não explora quaisquer terras no local denominado “T...”, pois, à semelhança de todos os outros rendeiros que em 74 ficaram no local, entregou a terceiros, mediante o recebimento de rendas, a exploração dos terrenos. Actualmente, quem ainda cultiva aquelas terras são indivíduos que nada têm a ver com o autor ou com as demais pessoas a que se faz referência na petição inicial. Nunca a Câmara Municipal de Almada autorizou e muito menos incentivou a construção no local de edificações. Todos os que nesse, como noutros locais, construíram clandestinamente, sabiam, porque foram por várias vezes advertidos pela autarquia, que aquelas construções teriam que ser demolidas, por serem ilegais e porque os terrenos pertenciam à Câmara. De todo o modo, as construções que actualmente existem no local, têm um valor de mercado de € 0 (zero euros), pois são clandestinas, sendo insusceptíveis de legalização. No local, não existiu, nem existe, caminho algum. Existiu, sim, em tempos, um atravessadouro servindo as “T...”, no entanto, há já alguns anos, o atravessadouro foi abolido tendo a Câmara Municipal de Almada procedido à construção, em sua substituição, de uma azinhaga (caminho público) que passou a servir as “T...”. O autor não permaneceu, por isso, na detenção e fruição do acesso à passagem, visto esta constituir um atravessadouro público, logo insusceptível de apropriação individual devido a este carácter. Concluiu pela improcedência da acção. De fls. 114 a 189 e 190 a 200, o autor juntou, respectivamente, Pareceres do Prof. Menezes Cordeiro e do Eng. Alberto Alarcão. Foi proferido despacho saneador, no qual se considerou ser o réu parte ilegítima, absolvendo-o da instância. O autor agravou e o Tribunal da Relação, por Acórdão de 25/06/2009, inserto a fls. 431/444, revogou essa decisão considerando o réu parte legítima. Elaborado novo despacho saneador, foi fixada a matéria assente e organizada a base instrutória, sem reclamação. Foi proferido despacho que não admitiu o rol de testemunhas apresentado pelo réu, a fls. 536, por intempestivo, nos termos do art. 8.º, nº 5, do DL nº 108/2006, de 8 de Junho. Ultrapassadas outras vicissitudes processuais que no momento não importam, o réu juntou dois Pareceres, um do Prof. Gomes Canotilho e Dr. Abílio Vassalo Abreu, de fls. 597 a 909, e outro do Prof. Jorge Bacelar Gouveia de fls. 910 a 988, titulado de A Abolição da Enfiteuse relativa a prédios rústicos à luz da Constituição da República Portuguesa de 1976. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção procedente declarando-se “o direito de propriedade do Autor sobre a parcela que integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com talhões 8 e 9, sul com talhão 20, a nascente com caminhos de acesso e a poente com malha urbana, condenando-se o réu a reconhecer esse direito” (fls. 1146/1152). Inconformado, apelou o réu, e a Relação de Lisboa, por unanimidade, no acórdão de 16/01/14, decidiu negar provimento ao agravo que fora interposto por não ter sido atendido o seu requerimento probatório, com fundamento na circunstância de se estar perante processo a que se aplica o regime experimental aprovado pelo DL n° 108/2006, de 8/06, e julgar procedente a apelação, em consequência revogando a sentença recorrida e absolvendo o réu do pedido. Foi a vez de o autor se mostrar irresignado pedindo revista. Das alegações que apresentou, com as quais requereu a junção de um Parecer Técnico - Económico Agrário sobre Capital Benfeitorias em Agricultura, de Alberto de Alarcão (fls. 1436 a 1446), tirou conclusões que não observavam o estabelecido no art. 685.º-A do CPC, com correspondência no art. 639.º do Novo Código de Processo Civil (NCPC), introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26/06, razão pela qual foi convidado a completá-las em ordem cumprir com o disposto no citado normativo. Veio fazê-lo apresentando e formulando as seguintes conclusões de fls. 1570 a 1575: 1ª - Dão-se aqui por integradas e reproduzidas, para todos os devidos legais efeitos, os conteúdos/teores das referidas alusões às opções feitas nas Instâncias pelos Pareceres juntos, da referida DECISÃO/ACÓRDÃO do TR PORTO de 08-11-2010, bem como do aludido estudo de CARACTERIZAÇÃO SOCIO-CULTURAL DOS AGRICULTORES DAS T... nos indicados sítios da internet; 2ª - Outrossim se mantém, nos exatos termos, as considerações tecidas sobre a condição de enfiteuta do A./Recorrente e o conteúdo do Parecer Técnico Económico Agrário sobre o Capital Benfeitorias em Agricultura pelo Investigador e Professor Coordenador Alberto de Alarcão junto aos autos em 09-02-2014, a fls. 1377 a 1387; 3ª - O A./recorrente louva-se também no douto ACÓRDÃO do TC n.º 159/2007, de 06-03¬2007 inserido no mencionado sítio da internet, referenciado na Conclusão Décima terceira. 4ª - E, uma vez que o presente recurso de REVISTA já foi admitido por DESPACHO proferido em 16-10-2014, refª 7740299, a fls. 1559, subsiste o demais do petitório recursivo no sentido de a REVISTA ser julgada procedente por provada, concedendo-a, com as legais consequências, revogando o ACÓRDÃO do TRLx de 16-01-2014, de fls. , e repristinando a sábia Sentença do TJ Almada de 18-01-2013, de fls. , porque legal e constitucional; 5ª - Aliás, na discussão de direito constitucional intertemporal, o Parecer encabeçado pelo Professor Gomes Canotilho não chega à conclusão da inconstitucionalidade do DL 195-A/76, de 16-3;
7ª - As referidas Leis são constitucionais e de aplicação imediata (art. 18.- da CRP), devendo ter-se em conta a ampliação do conceito de usucapião e a facilitação da sua prova/demonstração; II. ANÁLISE DOS FACTOS 8ª - O Tribunal firmou a sua convicção no depoimento das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF, todas elas com parcelas no local, conhecedores da parcela ocupada pelo Autor, mais revelando conhecimento do modo como tal parcela passou a ser explorada pelo Autor e bem assim o que nela se cultiva, mais revelando conhecimento como era explorada pelos seus pais e avós, todos referindo que sempre pagaram rendas, inicialmente ao sr. GG e após a aquisição pela Câmara passaram a depositar após a recusa desta em as receber. Já no que respeita ao valor da parcela e suas edificações a convicção do Tribunal firmou-se no relatório pericial a fls. 1011 a 1042. III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 9ª - Peticiona o Autor que seja declarada judicialmente o direito de propriedade sobre a parcela de terreno que ocupa e pertence ao réu, com base na aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção legal deste direito e a convolação em propriedade plena; 10ª - E verifica-se a procedência da sua pretensão: Efetivamente, o Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, aboliu a enfiteuse sobre prédios rústicos, transferindo a propriedade plena para o titular do enfiteuta. A Lei n.º 22/87, de 24 de junho aditou ao artigo 1° do diploma anteriormente referido os seguintes pressupostos especiais para a constituição da enfiteuse por usucapião, que teria de ser reconhecida notarial ou judicialmente: - titularidade do domínio útil da terra; - decurso, à data de 16 de março de 1976, dos prazos legais de usucapião; - pagamento de prestação anual ao senhorio; - realização de benfeitorias em pelo menos metade do valor da terra inculta, sem atender a eventual aptidão para fins não agrícolas. Mais tarde, com a Lei n.º 108/98, de 16 de setembro, aquele diploma original voltou a ser alterado nos requisitos para a constituição da enfiteuse por usucapião, mantendo-se a necessidade de reconhecimento notarial ou judicial, nos seguintes termos: 11ª - Os diplomas legais ora referidos criaram uma forma especial de aquisição por usucapião, com requisitos menos exigentes do que os previstos em geral para essa forma de aquisição do direito, designadamente dispensando a prova da existência de uma relação enfitêutica, da inversão do título, nos casos em que a posse se iniciou numa relação de arrendamento, e até do animus de atuação na convicção de exercício de direito próprio como enfiteuta, que era exigido no n.º 5, al. a) do preceito, na redação introduzida pela Lei n.º 22/87, mas que entretanto foi eliminada. No mesmo sentido, admitindo a aquisição por enfiteuse num caso em que o título da posse é precisamente o arrendamento, pode consultar-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de novembro de 2010; 12ª - Ou seja, independentemente da existência ou validade do título inicial constitutivo ou transmissivo da posse (cfr. art. 2.º da Lei n.º 108/97), e até de se estar ou não na presença de uma relação jurídica com natureza enfitêutica, para se operar a aquisição por usucapião da enfiteuse basta a prova do cultivo da terra mediante o pagamento de uma prestação anual, desde 15 de março de 1946 até 16 de março de 1976, e da realização de benfeitorias de valor superior a pelo menos metade do valor da parcela ou do prédio; 13ª - Ora vistos os requisitos legais para a aquisição da enfiteuse por usucapião e percorridos os factos que resultaram provados temos que in casu o Autor logrou provar a verificação de todos os requisitos, com efeito logrou provar: - já provou explorar a parcela identificada nos autos e mediante o pagamento de uma renda há mais de quarenta anos e reportados à data de 1976; - mais provou que tal parcela lhe adveio dos seus antecessores que exploravam tal parcela havia mais de cem anos e também mediante o pagamento da renda; e por último provou; - a realização de benfeitorias no prédio, cujo valor excede a metade do valor da parcela; 14ª - Posto isto é de concluir ser de reconhecer a aquisição da enfiteuse por usucapião, nos termos referidos, e bem assim declarar o Autor proprietário da parcela em questão, por concentração na sua titularidade dos domínios direto e útil, atento o disposto no artigo l.º do mencionado Decreto-Lei n.º 195-A/76; IV. ALTERAÇAO/ANULAÇÃO DA DEClSÃO/ACORDÃO DO TRLX 15ª - Pelo exposto, deve julgar-se a presente ação procedente por provada e, em consequência, decidir-se julgar procedente o pedido formulado e declarar-se o direito de propriedade do Autor sobre a parcela que integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com os talhões 8 e 9, Sul com o talhão 20 a Nascente com caminhos de acesso e a Poente com malha urbana, condenando-se o réu a reconhecer tal direito; V. ÓNUS CONCLUSIVO A. INDICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS 16ª - O A./recorrente defende que o DL 195-A/76, de 16-3, com as alterações introduzidas pela Lei 22/87, de 24-6 e pela Lei 108/97, de 16-9 é diretamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art. 18.º da CRP), conforme supra referido na Conclusão Sétima, motivo por que foi violada a norma do art. 18.º da Lei Fundamental (Ac. TR Porto de 08-11¬2010; e Ac. do TC 159/07). Donde, foi violada expressamente a norma do art. 1.º do mencionado DL 195-A/76, de 16-3 com as alterações que lhe foram introduzidas; 17ª - Também a aplicação arqueológica do Código de Seabra de 1867 e dos art.ºs 1491.º a 1523.º do Cód. Civil/66, revogados pelos DL's 195-A/76, de 16-3 e 223/76, de 2-4 enferma de ilegalidade; 18ª - É manifesto que os arrendamentos de muita longa duração por 100 anos ou tempo superior, como sucede in casu em que há benfeitorias consideráveis, devidamente quantificadas são equiparáveis à ENFITEUSE, motivo por que foi violada também a norma do art. 1287.º do Cód. Civil; B. O SENTIDO COM QUE AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO RECORRIDA DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS 19ª - A este item já foi respondido supra nas Conclusões nona, décima, décima primeira, décima segunda, décima terceira e décima quarta; C. FACE AO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL, QUAL A NORMA JURÍDICA QUE DEVIA TER SIDO APLICADA 20ª - Deviam ter sido aplicadas as seguintes normas: - art. 1.º do DL 195-A/76, de 16-3, com as sucessivas novas redações; - art. 1287.º do Código Civil/66; e - art. 18.º da Lei Fundamental/CRP. Mais deviam ter sido tomadas em consideração, entre outros, os seguintes ACÓRDÃOS: - Ac. do TC 159/07; - Ac. do TR Porto de 08-11-2010; e - Ac. do STJ de 22-02-2011, da 6.ª Secção, no Proc. 200359/1994.El.SI -REVISTA, de que foi relator o Ex.mo CONSELHEIRO J. A. FERNANDES.
O réu/recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
ª As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684.º nº 3 e 685.º-A, nº 1, do Código de Processo Civil[2] - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões: a) Se é de reconhecer ao autor a aquisição da enfiteuse por usucapião, e bem assim declará-lo proprietário da parcela em questão; b) Se foi violada a norma do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa. II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
No acórdão recorrido foi considerada assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica: «A) Estão já assentes por documento e por acordo os seguintes factos: 1. Por escrituras públicas de compra e venda em 16/11/1971 e 17/03/1972, o Réu adquiriu a particulares a chamada “...”, vulgo “T...”, com a área de 67.587,75 m2 e 270.350,00 m2, respectivamente descritas na Conservatória do Registo Predial de … sob os nº …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, freguesia da ..., concelho de Almada – Alínea A) da matéria de facto assente; 2. À data existiam explorações agrícolas nos terrenos referidos em 1. – Alínea B) da matéria de facto assente; 3. Em 17 de Julho de 1972, o Réu dirigiu, aos cultivadores, cartas registadas com A/R para estes entregarem as terras arrendadas em 30 de Setembro seguinte - Alínea C) da matéria de facto assente; 4. Os cultivadores não entregaram as terras por considerarem que as podiam reter até serem pagos dos melhoramentos que nelas fizeram – Alínea D) da matéria de facto assente; B) Da audiência de julgamento resultaram Provados os seguintes Factos: 5. O Autor há mais de setenta anos e os seus antecessores há mais de cem anos, têm vindo a explorar e cultivar directamente uma parcela do prédio referido em 1. supra, com a área total de 51.795 m2 e com área de construção de 918,64 m2 –artigo 1º da Base Instrutória; 6. E, após GG se intitular o proprietário das T..., mediante o pagamento a este de contrapartida anual de valor não concretamente apurado – artigo 2º da Base Instrutória; 7. Aos olhos de todos, pacificamente, e, até à ocorrência referida no ponto 3 da matéria de facto, sem oposição de ninguém - artigo 3º da Base Instrutória; 8. A referida parcela integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com talhões 8 e 9, sul com talhão 20, a nascente com caminhos de acesso e a poente com malha urbana, como consta dos docs. de fls. 397-400 e 400-410 que aqui se dão por reproduzidos – artigo 4º da Base Instrutória. 9. Pelo acesso às T... passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, quaisquer materiais para obras ou trabalhos e o produto agrícola para ser vendido nos mercados da ..., Almada e Lisboa – artigo 5º da Base Instrutória; 10. Foi o Autor que, há mais de 70 anos, fez uma horta irrigada na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couve-flor, couve portuguesa, couve lombarda, alface, pimento, feijão verde, batata, cebola e milho de regadio – artigo 6º da Base Instrutória; 11. E desde essa altura, os referidos produtos são vendidos diariamente, durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – artigo 7º da Base Instrutória; 12. O caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela tem uma corrente metálica suspensa entre dois pilares com um dístico proibindo a entrada a estranhos e foi feito pelos antecessores do Autor – artigo 8º da Base Instrutória; 13. Está exclusivamente afecto à actividade do Autor e é utilizado por si – artigo 9º da Base Instrutória; 14. Tem acesso à via pública – artigo 10º da Base Instrutória; 15. Durante os últimos 70 anos AA e o Autor, erigiram edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 5., com autorização do Réu – artigo 11º da Base Instrutória. 16. O Autor e os seus antecedentes (pais e avós) viveram e habitavam na referida parcela referida em 5. supra – artigo 12º da Base Instrutória. 17. A parcela tem actualmente o valor de 68.015,00 euros valendo há cerca de quarenta anos, não sendo cultivada – 1.329 euros – artigo 13º da Base Instrutória 18. As edificações instaladas na parcela valem actualmente 251.029,00 euros, valendo há cerca de quarenta anos 4.903,00 euros – artigo 14º da Base Instrutória. 19. O autor habita no local e cultiva a parcela referida em 5.– artigo 15º da Base Instrutória. 20. A Ré sempre se recusou a receber rendas pela exploração das T... – artigo 17º da Base Instrutória
DE DIREITO
A) Se é de reconhecer ao autor a aquisição da enfiteuse por usucapião, e bem assim declará-lo proprietário da parcela em questão
Nesta acção, como acima se anotou, peticiona o autor/recorrente, que: - se declare ser o legítimo proprietário das parcelas e edificações dos autos; - se condene o réu/Município de Almada a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício e que, em consequência: - se declare ser o autor legítimo enfiteuta/rendeiro/utilizador/possuidor dos seus invocados direitos; e - se condene o réu Município de Almada/CM Almada a reconhecer ao autor os referidos direitos e, por via desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois, os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o autor na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição. A sentença proferida na 1ª instância julgou procedente o petitório formulado declarando “o direito de propriedade do Autor sobre a parcela que integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com talhões 8 e 9, sul com talhão 20, a nascente com caminhos de acesso e a poente com malha urbana, condenando-se o réu a reconhecer esse direito” (fls. 1146/1152). Todavia, esta solução não foi acolhida pela Relação que a revogou, negando procedência ao pedido do autor e dele absolvendo o réu Município de Almada/CM Almada. Naturalmente dissente o autor, procurando a repristinação da decisão da 1ª instância, cuja fundamentação jurídica recuperou integralmente para textualizar a sua argumentação recursiva. Em síntese, assenta ela nos seguintes pilares: - o DL n.º 195-A/76, de 16/03, que aboliu a enfiteuse sobre prédios rústicos, transferindo a propriedade plena para o titular do domínio útil, e as Leis n.º 22/87, de 24/06 e n.º 108/98, de 16/09, criaram uma forma especial de aquisição por usucapião, com requisitos menos exigentes do que os previstos em geral para essa forma de aquisição do direito, designadamente dispensando a prova da existência de uma relação enfitêutica, da inversão do título, nos casos em que a posse se iniciou numa relação de arrendamento, e até do “animus” de actuação na convicção de exercício de direito próprio como enfiteuta; - independentemente da existência ou validade do título inicial constitutivo ou transmissivo da posse (cfr. art. 2.º da Lei n.º 108/97), e até de se estar ou não na presença de uma relação jurídica com natureza enfitêutica, para se operar a aquisição por usucapião da enfiteuse basta a prova do cultivo da terra mediante o pagamento de uma prestação anual, desde 15 de Março de 1946 até 16 de Março de 1976, e da realização de benfeitorias de valor superior a pelo menos metade do valor da parcela ou do prédio; - o autor logrou provar a verificação de todos os requisitos, com efeito: - provou explorar a parcela identificada nos autos, e mediante o pagamento de uma renda, há mais de quarenta anos e reportados à data de 1976; - mais provou que tal parcela lhe adveio dos seus antecessores que a exploravam havia mais de cem anos e também mediante o pagamento da renda; - por último provou a realização de benfeitorias no prédio, cujo valor excede a metade do valor da parcela. Vejamos. A enfiteuse, também designada aprazamento ou aforamento, era um direito real menor que estava regulado nos artigos 1491.º a 1523.º do Código Civil (a que pertencerão os normativos doravante citados sem expressa menção de origem) e estava definida no art. 1491.º pela seguinte forma: “1. Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil. 2. O prédio sujeito ao regime enfitêutico pode ser rústico ou urbano e tem o nome de prazo. 3. Ao titular do domínio directo dá-se o nome de senhorio; ao titular do domínio útil, o de foreiro ou enfiteuta”. Qualquer dos dois domínios se podia adquirir por usucapião, mas a usucapião do domínio directo pelo enfiteuta dependia da inversão do título da posse (cf. art. 1290.º), visto ele ser possuidor em nome próprio apenas do domínio útil, pois que do domínio directo é possuidor em nome alheio[3]. Usucapindo o enfiteuta o domínio directo, ocorreria confusão dos dois domínios na mesma pessoa, com a consequente extinção da enfiteuse e surgimento do direito de propriedade na titularidade do enfiteuta. A enfiteuse era de sua natureza perpétua, sem prejuízo do direito de remição, sendo tidos como arrendamento os contratos que fossem celebrados com o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, mas estipulados por tempo limitado (art. 1492.º), podendo ser constituída por contrato, testamento ou usucapião (art. 1497.º). O prazo e o domínio directo eram indivisíveis (nº 1 dos arts. 1493.º e 1495.º), o senhorio tinha direito, além do mais, a receber anualmente o foro (art. 1499.º, al. a)), e o enfiteuta a usar e fruir o prédio como coisa sua (al. a) do art. 1501.º). A enfiteuse sobre prédios rústicos foi abolida pelo DL 195-A/76, de 16/03[4]/[5], em cujo preâmbulo se fez constar a sua ratio: “Através da forma jurídica da enfiteuse têm continuado a impender sobre muitas dezenas de milhares de pequenos agricultores encargos e obrigações que correspondem a puras sequelas institucionais do modo de produção feudal. Com efeito, encontram-se ainda hoje extremamente generalizados os foros, podendo referir-se que só o Estado, segundo estimativas feitas pela Direcção-geral da Fazenda Pública, é titular de domínios directos que atingem cerca de 400 000, ultrapassando o seu valor 1 milhão de contos. Uma política agrária orientada para o apoio e a libertação dos pequenos agricultores não pode deixar de integrar a liquidação radical de tais relações subsistentes no campo. Previu-se, no entanto, a particularidade de situação dos pequenos senhorios, tendo-se adoptado uma solução que permitirá ao Estado identificar rapidamente tais situações.”. Com esse propósito no seu art. 1.º estabeleceu que: “1. É abolida a enfiteuse a que se acham sujeitos os prédios rústicos, transferindo-se o domínio directo deles para o titular do domínio útil. 2. Nos contratos de subenfiteuse de pretérito a propriedade plena radica-se no subenfiteuta. 3. Serão oficiosamente efectuadas as correspondentes operações de registo”. O DL n.º 195-A/76, de 16/03, foi alterado pelo DL n.º 546/76, de 10/07, que, dando uma nova redacção ao n.º 3 do artigo 1.º, veio estabelecer a gratuitidade das operações de registo a que, oficiosamente, a extinção da enfiteuse dava lugar, e, mais significativamente, pelas Leis n.ºs 22/87, de 24/06 e 108/98, de 16/09. A primeira aditou dois novos números ao artigo 1.º do DL n.º 195-A/76, destinados a facilitar a prova da constituição da enfiteuse no caso de não haver título nem registo, e a segunda alterou o nº 5 do aludido art. 1.º e aditou-lhe um nº 6, de modo a que o art. 1.º do DL 195-A/76 passou a ter a seguinte redacção: “1 - É abolida a enfiteuse a que se acham sujeitos os prédios rústicos, transferindo-se o domínio directo deles para o titular do domínio útil. 2 - Nos contratos de subenfiteuse de pretérito a propriedade plena radica-se no subenfiteuta. 3 - Serão oficiosa e gratuitamente efectuadas as correspondentes operações de registo. 4 - No caso de não haver registo anterior nem contrato escrito, o registo de enfiteuse poderá fazer-se com base em usucapião reconhecida mediante justificação notarial ou judicial. 5 - Considera-se que a enfiteuse se constituiu por usucapião se: a) Desde, pelo menos, 15 de Março de 1946 até à extinção da enfiteuse o prédio rústico, ou a sua parcela, foi cultivado por quem não era proprietário com a obrigação para o cultivador de pagamento de uma prestação anual ao senhorio; b) Tiverem sido feitas pelo cultivador ou seus antecessores no prédio ou sua parcela benfeitorias, mesmo que depois de 16 de Março de 1976, de valor igual ou superior a, pelo menos, metade do valor do prédio ou da parcela, considerados no estado de incultos e sem atender a eventual aptidão para urbanização ou outros fins não aptidão para urbanização ou outros fins não agrícolas. 6 - Pode pedir o reconhecimento da constituição da enfiteuse por usucapião quem tenha sucedido ao cultivador inicial por morte ou por negócio entre vivos, mesmo que sem título, desde que as sucessões hajam sido acompanhadas das correspondentes transmissões da posse”. Por seu turno, a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu original artigo 101.º, n.º 2, estabeleceu que: “Serão extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efetiva abolição do regime de parceria agrícola”, a que corresponde hoje o artigo 96.º, n.º 2, decorrente da Revisão Constitucional de 1982, com a seguinte redacção: “São proibidos os regimes de aforamento e colonia e serão criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime de parceria agrícola”[6]. A extinção da enfiteuse foi assim constitucionalmente sancionada Revertendo aos autos e mais precisamente à enunciada questão central, consubstanciada em saber se é de reconhecer ao autor a aquisição da enfiteuse por usucapião, e bem assim declará-lo proprietário da parcela rústica em causa, por concentração na sua titularidade dos domínios directo e útil, diz-se no acórdão da Relação: “Não se vê que da petição resultem alegados factos demonstrativos de uma relação enfitêutica, marcada pela divisão em domínio directo e domínio útil e com a perpetuidade própria da enfiteuse. A alegação de que se tratava de um contrato com início em 1 de Outubro e termo em 30 de Setembro seguinte, renovável, contraria, desde logo, aquela característica. Configura-se, salvo melhor opinião – e, como, aliás, é admitido pelo A. –, considerando a data em que o R. adquiriu, por compra, as “T...”, um contrato de arrendamento rural a cultivador directo (arts. 1079º a 1082º do C. Civil de 1966)”. E, ponderado o conteúdo normativo do art. 1.º do DL nº 195-A/76, complementarmente com os esclarecimentos aprofundados das questões de direito oferecidos pelos Pareceres constantes dos autos, concluiu a Relação, em concordância com o Prof. Gomes Canotilho e o Dr. Abílio Vassalo Abreu, que: “No caso que nos ocupa e como resulta do que supra se deixou dito, não se provou mais do que uma relação jurídica de arrendamento, não estando demonstrada a posse em termos de domínio útil (recordando-se que no nº1 do art. 1º do DL 195-A/76 se decreta a abolição da enfiteuse a que se acham sujeitos os prédios rústicos, transferindo-se o domínio directo deles para o titular do domínio útil), nem que tenha havido inversão do título de posse. Entende-se, assim, em concordância com as conclusões AA) a FF) do Apelante, não resultar, desde logo pelo que se acaba de referir e sem necessidade de outras apreciações, demonstrada a pretendida aquisição, por usucapião, por parte do A., da parcela em causa, razão por que a douta sentença terá de ser revogada “. Reitera-se inteiramente a linha argumentativa seguida no trecho transcrito que antecede. Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro: - Por escrituras públicas de compra e venda em 16/11/1971 e 17/03/1972, o réu adquiriu a particulares a chamada “...”, vulgo “T...”, com a área de 67.587,75 m2 e 270.350,00 m2, respectivamente descritas na Conservatória do Registo Predial de Almada sob os nº…, …, …, …, …, …, …, ..., … e …, freguesia da ..., concelho de Almada (1. dos factos provados); - À data existiam explorações agrícolas nos terrenos referidos em 1. (2. dos factos provados); - Em 17 de Julho de 1972, o réu dirigiu, aos cultivadores, cartas registadas com a/r para estes entregarem as terras arrendadas em 30 de Setembro seguinte (3. dos factos provados); - Os cultivadores não entregaram as terras por considerarem que as podiam reter até serem pagos dos melhoramentos que nelas fizeram (4. dos factos provados); - O autor há mais de setenta anos e os seus antecessores há mais de cem anos, têm vindo a explorar e cultivar directamente uma parcela do prédio referido em 1. supra, com a área total de 51.795 m2 e com área de construção de 918,64 m2 (5. dos factos provados);; - E, após GG se intitular o proprietário das T..., mediante o pagamento a este de contrapartida anual de valor não concretamente apurado (6. dos factos provados); - Durante os últimos 70 anos AA e o autor, erigiram edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 5., com autorização do Réu (15. dos factos provados). Por outro lado, historiando a sua presença nas “T...”, o autor na petição inicial alegou, além do mais, que os rendeiros/enfiteutas, por si ou por seus antecessores, celebraram, relativamente às ditas “T...”, contratos de arrendamento verbais com início em 1 de Outubro e termo em 30 de Setembro seguinte, renováveis, com um anterior proprietário, GG, das áreas que indica e com as rendas também referidas, há mais de 70 anos (art. 36.º, al. c) da petição inicial). Nessa consonância, ao longo do mesmo articulado inicial sempre foi afirmando a sua qualidade de “legítimo arrendatário/enfiteuta”, “rendeiro/cultivador directo”, “arrendatário das referidas “terras” por contrato verbal”, que com o falecimento dos pais “exerceu direito à transmissão do arrendamento por morte dos arrendatários”, que “os contratos de arrendamento em causa estão em vigor”, que após as cartas de 17 de Julho de 1972 que o réu lhes dirigiu “os rendeiros/enfiteutas não entregaram as terras por se considerarem com direito de retenção até serem pagos das benfeitorias”, e que a C. M. de Almada foi judicialmente notificada “de que os rendeiros/enfiteutas não aceitaram o despedimento” (arts. 36.º, als. ff), gg) e hh), 39.º, 44.º, 45.º, 49.º e 50.º). E, embora referentes a outros, juntou aos autos recibos de renda passados por HH, para atestar a relação de arrendamento que desde longa data perdura naquelas “T...”[7], envolvendo um significativo número de pessoas (cfr. docs. fls. 28/30). Perante este quadro geral tido por relevante, entende-se que é de considerar que os contratos invocados são contratos de arrendamento verbais, temporários, com início em 1 de Outubro e termo em 30 de Setembro seguinte, renováveis. Ora, perante o carácter da perpetuidade da enfiteuse, estes contratos de arrendamento temporários não podem ser geradores duma relação enfitêutica. Como elucidam a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela: “Manteve-se o carácter da perpetuidade da enfiteuse, embora temperado pelo direito de remição forçada do foro que o artigo 1511.º confere ao enfiteuta. Era já esta a orientação consagrada no artigo 1654.º do Código de 1867, ao considerar como arrendamentos todos os contratos que fossem celebrados por tempo limitado, com o nome e a forma de enfiteuse. (...) O novo Código não se afastou da orientação fixada na legislação anterior, apesar de se ter reconhecido a impossibilidade de atribuir hoje à enfiteuse a mesma finalidade económica e social que o instituto teve no passado. Entendeu-se, porém, que a perpetuidade, constituindo um índice seguro do desmembramento da propriedade e do carácter real do direito enfitêutico, deve ser aproveitada no comércio jurídico como um sinal característico do emprazamento. Assim se facilitará a distinção entre o aforamento, de um lado, e o arrendamento (a curto ou a longo prazo), o mútuo com garantia predial ou o usufruto, do outro, dando a cada uma dessas figuras uma finalidade própria, capaz de justificar a sua existência autónoma. Note-se, a propósito, que o facto de o enfiteuta poder remir o foro não significa o mesmo que consentir na enfiteuse temporária, quer porque o enfiteuta tem de pagar o preço da remição, quer porque o senhorio não pode, por si, pôr termo à enfiteuse. Afastada a enfiteuse temporária, prejudicados ficam, por maioria de razão, os chamados prazos de vidas (cfr. arts. 1697.º e segs. do Cód. de 1867), os quais, como reminiscência que são do sistema vincular, devem considerar-se banidos com este”[8]. Nesta ordem de ideias, estando provada tão só uma relação jurídica de arrendamento, não estando demonstrada a posse em termos de domínio útil, não se pode reconhecer ao autor a qualidade de enfiteuta (art. 1491.º, nº 3 e 1492.º, nº 2). Para além de que resultando da enfiteuse a aquisição de um domínio sobre coisa imóvel, quando dela não provém a aquisição dos dois domínios como seria o caso presente, o contrato de enfiteuse para ser válido necessita de constar de escritura pública, do que carece[9]. ª Porém, de acordo com o artigo 1497.º, a enfiteuse podia ser constituída, para além de por contrato, por testamento ou usucapião. E é por esta última via que o recorrente pretende alcançar o reconhecimento da sua qualidade de enfiteuta, pela usucapião do domínio útil. Para tanto, faz sua a fundamentação jurídica traçada na sentença da 1ª instância, e esta, por sua vez, acolheu a posição do Prof. Menezes Cordeiro. No que da mesma ora releva, e em breve síntese, tendo o DL n.º 195-A/76 posto cobro à enfiteuse, defende o Ilustre Professor que a Lei nº 22/82, de 24/06, veio estabelecer uma presunção de usucapião com base em quatro indícios, a provar pelo interessado: 1) terem, em 16/03/76, decorrido os prazos civis de usucapião; 2) pagar uma prestação anual ao senhorio; 3) haver benfeitorias feitas pelo próprio ou por seus antecessores na convicção de exercer direito próprio como enfiteuta; 4) terem as benfeitorias um valor equivalente a, pelo menos, metade do valor da terra inculta, sem atender à sua virtual aptidão para a urbanização ou outros fins não agrícolas. Estes indícios de usucapião, quando existam constituem uma concretização ex lege dessa figura. Com eles se pretendeu facilitar a usucapião, dispensando os requisitos normais, pelo que “verificados os requisitos em causa, o enfiteuta não teria de provar a inversão do título, mormente quando tivesse iniciado uma posse em termos de arrendamento. Nestes casos, aliás, bem poderia acontecer que as partes tivessem chamado "arrendamento" a uma verdadeira enfiteuse”. E acrescenta que, a alteração introduzida pela Lei nº 108/97, de 16/09, veio facilitar ainda mais tais “indícios” da usucapião, permitindo (art. 1.º, nº 5) “equiparar os arrendamentos de muita longa duração à enfiteuse, desde que tenha havido benfeitorias consideráveis, devidamente quantificadas”, dispensando-se qualquer inversão do título e, ainda, o próprio animus emphytheutae (págs. 71/72 do Parecer, fls.184/185 dos autos). Em suma, para o Prof. Menezes Cordeiro face às alterações ao DL n.º 195-A/76 resultantes das Leis n.ºs 22/87, de 24/06 e 108/97, de 16/09, fora introduzida uma “modalidade específica de usucapião”, o “interessado em afirmar-se enfiteuta” podia em alternativa “invocar a usucapião nos termos normais” ou provar os “indícios” da “modalidade específica de usucapião”, correspondente aos factos previstos nas duas alíneas do n.º 5 do artigo 1.º do DL n.º 195-A/76, os quais, uma vez reunidos, dispensavam os requisitos normais da usucapião, constituindo, de facto, “uma concretização, ex lege, dessa figura”[10]. A decisão recorrida perfilhou outra linha de entendimento, a expressa pelo Prof. Gomes Canotilho e Dr. Abílio Vassalo Abreu[11] que reputam a antecedente interpretação de “desconforme com a Constituição” e “uma distorção dogmaticamente inaceitável na noção de usucapião há muito arreigada na nossa tradição jurídica e consagrada no actual Código Civil”. Considera-se, no seu douto parecer, que a Constituição da República Portuguesa, ao proibir o “regime de aforamento” no actual nº 2 do art. 96.º da CRP (correspondente ao art. 101.º, nº 2 da primitiva versão de 1976), “tomou este conceito na sua tradicional acepção civilística, consagrada, entre nós, nos artigos 1491.º e segs. da versão primitiva do Código Civil em vigor”, significando isto que “o legislador constitucional teve em mira o desmembramento ou o fraccionamento do direito de propriedade em dois domínios paralelos que versam sobre o mesmo bem – o “domínio directo” e o ”domínio útil” –, perfeitamente autónomos e separados entre si, cada um deles com o seu próprio conteúdo, inconfundível como o do outro”, o que “é incompatível, sob a perspectiva jure Constitutionis, com a pretensão de «equiparar os arrendamentos de muito longa duração à enfiteuse», “[s]endo seguro que, independentemente do resto, não existe, sob o prisma jure civili, qualquer fusão-confusão possível entre a enfiteuse e o arrendamento, por mais prorrogações (voluntárias ou automáticas) que deste tenha havido e, em consequência, por mais que este se tenha prolongado no tempo” (págs. 185/186 do Parecer, fls. 782/783 dos autos). Refere-se também que com a proibição do “regime de aforamento” estatuída na Constituição, a extinção da enfiteuse sobre os prédios rústicos anteriormente operada pelo DL 195-A/76, de 16/03, passou a dispor de uma explícita credencial constitucional, o que é relevante ao nível do Direito Civil, atendendo, sobretudo, ao princípio do “numerus clausus” dos direitos reais (art. 1306.º, nº 1), sendo, a partir da entrada em vigor daquele Decreto-Lei, nulos os actos tendentes à sua constituição no futuro. O que importa a impossibilidade de o legislador ordinário não só reintroduzir a enfiteuse como tipo legal de direitos reais de gozo, como também de legitimar ou caucionar situações de facto que surjam no terreno e que consubstanciem, ainda que camufladamente, uma revivescência ou um renascimento da figura. Sublinha-se, igualmente, que “a verificação da usucapião depende, em primeira linha e sem prejuízo de outros pressupostos ou requisitos, da existência de posse de uma coisa nos termos correspondentes ao direito de propriedade (uti dominus) ou de outro direito real de gozo não excluído expressamente da mesma ex vi legis (cfr. os artigos 1251º, 1287º e 1293º do Código Civil)”, pelo que, vigorando entre nós o princípio do “numerus clausus” dos direitos reais (art. 1306.º, nº 1), não pode existir posse nos termos correspondentes a um direito real de gozo não previsto na lei, como passou a suceder com a enfiteuse depois de ter sido abolida, logo não pode haver aquisição (originária) da enfiteuse por usucapião relativamente às mencionadas situações de facto surgidas no terreno e que consubstanciam, ainda que de uma maneira disfarçada, uma revivescência ou um renascimento da figura após a sua extinção (págs. 186/188 do Parecer, fls. 783/785 dos autos). Comentando as alterações introduzidas pela Lei nº 22/87, de 24/06, refere-se, entre o mais, que o legislador teve a pretensão de resolver os problemas com que os interessados continuavam a defrontar-se em relação à prova da sua qualidade de enfiteutas e ao consequente reconhecimento de jure da mesma, bem como no tocante às operações de registo predial referentes à extinção da enfiteuse sobre prédios rústicos, nos casos de aforamentos sem título nem registo, e não uma atenuação do rigor da constituição da enfiteuse por usucapião (págs. 201 e 215 do Parecer, fls. 798 e 812dos autos). Os factos referidos nas alíneas constantes do nº 5 aditado ao art. 1.º, consubstanciam não “presunções” ou “indícios”, mas “um conjunto de requisitos que configuram uma situação específica de que depende a constituição, nos termos especiais previstos nessa norma, da enfiteuse por usucapião, para lá dos pressupostos a que normalmente a lei condiciona a verificação desta última”. (pág. 203/204 do Parecer, fls. 800/801 dos autos). Chama-se a atenção para o facto de só ter legitimidade para pedir o reconhecimento da constituição de enfiteuse por usucapião “quem alegar a titularidade do domínio útil”, impondo-se que o interessado alegue que, em 16 de Março de 1976, (data da extinção da enfiteuse sobre prédios rústicos), tinha posse nos termos correspondentes ao domínio útil (pág. 206/207 do Parecer, fls. 803/804 dos autos). No mais que aqui importe sobremaneira relevar nas extensas e detalhadas reflexões, considera-se que, quando a lei fala de “antecessores” (do interessado) na posse do prédio ou parcela, inferindo-se que se trata da posse do domínio útil, a lei se refere, ainda que implicitamente, ao mecanismo de acessão na posse (art. 1256º do C. Civil), com tudo o que isso pressupõe e implica, sendo necessário que as benfeitorias realizadas pelo interessado ou antecessores tenham sido feitas nos termos correspondentes ao domínio útil (ou seja, com animus emphytheutae), no dizer da lei “...na convicção de exercer direito próprio como enfiteuta.” – (págs. 213/214 do Parecer, fls. 810/811 dos autos). Comentando-se as alterações introduzidas pela Lei nº 108/97, de 16/09, insiste-se em que “só é, histórica e dogmaticamente possível, e inteligível, falar de usucapião quando há posse, e posse em nome próprio, porquanto é mais do que sabido que aquela constitui, ab origine e natura sua, um efeito (defectível) desta. Por isso “carece de sentido contrapor o «regime normal» da usucapião – ou seja, o constante dos artigos 1287.º e seguintes do actual Código Civil – a uma pretensa «modalidade especifica de usucapião», na qual, pura e simplesmente, não se exige sequer que haja posse, mas apenas o que se designa por “indícios” de usucapião”, pois, na verdade, em linguagem metafórica, “a usucapião postula a posse como o fruto a árvore”. “Nesta ordem de ideias, e salvaguardando o devido respeito, não pode aceitar-se, nomeadamente, que, sendo o «interessado em afirmar-se enfiteuta» um mero detentor – ainda que com uma detenção qualificada (in terminis juris) enquanto arrendatário –, se dispense em relação a ele «qualquer inversão do título e, ainda, o próprio animus emphyteutae», a fim de poder beneficiar, ex lege, de um regime especial de constituição da enfiteuse por «usucapião»” (págs. 220/221 do Parecer, fls. 817/818 dos autos). Vinca-se que não há nada, quer na letra quer no espírito da lei (Lei nº 108/97, de 16/09), que permita inferir uma equiparação dos arrendamentos de muito longa duração à enfiteuse, ou, por qualquer forma, a legitime ou caucione (pág. 224 do Parecer, fls. 821 dos autos). Por fim, reafirma-se que o nº 4 do aludido art. 1º, aditado pela Lei nº 22/87, se mantém em vigor, conservando-se, por isso, “o quadro conceptual de fundo que ele pressupõe e implica, inter alia, em matéria de enfiteuse, posse, usucapião e respectivos pressupostos” (pág. 231 do Parecer, fls. 828 dos autos), quadro conceptual que persiste com a Lei nº 108/97 apesar de terem sido eliminados alguns termos e conceitos próprios do direito enfitêutico (pág. 235 do Parecer, fls. 832 dos autos). Feita esta síntese, excessiva, do aludido Parecer, diga-se que a sua linha de entendimento merece a nossa plena concordância. Como tal, por esta via definida pelo autor, a usucapião tem de ser entendida com a sua configuração nos termos gerais resultantes dos artigos 1287.º e seguintes, como tal dependendo de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251.º), podendo definir-se como a afectação material de uma coisa corpórea aos fins de pessoas individualmente consideradas[12]. A posse adquire-se, nomeadamente, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, e necessita de dois elementos: o corpus, elemento material que consiste no domínio de facto sobre a coisa, e se traduz no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício, e o animus, seu elemento psicológico ou subjectivo que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente àquele domínio de facto. Segundo a nossa lei, não basta a mera obtenção do poder de facto, é necessário algo mais, ou seja, é preciso que haja, da parte do detentor, a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa[13]. Se o constante dos factos provados acima descritos sob os nºs 5.º a 7.º, 10.º a 13.º, 15.º, 16.º e 19.º é susceptível de integrar o “corpus” correspondente à posse do domínio útil, no acervo factual apurado releva nada constar que seja demonstrativo do”animus”, nem mesmo com recurso à via presuntiva do nº 2 do art. 1252.º, face ao que acima anotámos de onde ressuma nunca ter o autor se posicionado e invocado factos correspondentes ao “animus” de enfiteuta. Isto é, não se alcança a posse ad usucapionem em termos de domínio útil, não há factos que suportem a tese do recorrente/autor de que se esteja perante uma relação enfitêutica. Consequentemente, não se pode reconhecer que se tornou proprietário do prédio rústico em causa por força da abolição da enfiteuse operada pelo DL nº 195-A/76, de 16/03, transferindo o domínio directo do mesmo para o titular do domínio útil. Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30/10/14, Proc. nº 5658/07.7TBALM.L2.S1[14], tirado numa situação perfeitamente idêntica à dos presentes autos, com o mesmo réu e uma outra cultivadora das T.... Improcedem, pois, as conclusões recursivas.
B) Se foi violada a norma do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa
Defende o recorrente que o DL 195-A/76, de 16/3, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 22/87, de 24/6 e 108/97, de 16/9 é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art. 18.º da CRP), devendo, como tal, ter-se em conta a ampliação do conceito de usucapião e a facilitação da sua prova/demonstração. Por assim não se ter entendido, a decisão recorrida violou expressamente a norma do art. 1.º do DL nº 195-A/76, de 16/3, com as alterações que lhe foram introduzidas, assim como a norma do art. 18.º da Lei Fundamental. Vejamos. O artigo18.º da CRP dispõe que: “1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”. O recorrente não confere à sua crítica a necessária robustez, que só as necessárias concretização e especificação da forma e da rigorosa medida pelas quais no seu entender a decisão recorrida viola o regime constitucional específico dos “direitos, liberdades e garantias” lhe poderiam dar, e que estão ausentes. Despojados desse contributo, não se descortina no acórdão sindicado que por algum modo tenha posto em crise a eficácia imediata de preceito constitucional referente aos “direitos, liberdades e garantias”, e desrespeitado a vinculação que a ele estão sujeitas, entidades pública ou privada, ou a interpretação normativa nele perfilhada se traduza num cometimento de restrição ilegítima do exercício de algum desses “direitos, liberdades e garantias”[15]. Bem pelo contrário, se repararmos que muito recentemente o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº. 786/2014, de 12/11/2014, no Proc. nº 412/2013[16] decidiu “Julgar inconstitucional as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que aí se estabelece um regime de constituição de enfiteuse por usucapião, o qual, conjugado com o regime de consolidação dos domínios útil e direto decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em termos gerais, de indemnização “[17]. Daqui decorre, sem necessidade de outros considerandos, não se mostrar desrespeitado o disposto no art. 18.° da CRP, assim como não se mostram violadas as disposições legais invocadas pelo recorrente.
III – DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente a revista e, consequentemente, manter a decisão recorrida. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 12/03/15
Gregório Silva Jesus (Relator) Martins de Sousa Gabriel Catarino
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