Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5438/21.7JAPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
HOMICÍDIO TENTADO QUALIFICADO
MEDIDA DA PENA
ATENUANTES
AGRAVANTES
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Ao contrário do que o recorrente alega em sede de recurso, pelo que resulta do texto do acórdão recorrido, tendo em atenção a sua idade, crime cometido e posicionamento em relação ao crime cometido (não havendo sequer sinais exteriores de arrependimento), verifica-se que, além de manifestar indiferença pelo bem jurídico violado, ainda não interiorizou o desvalor da conduta que praticou, não revelando sentido crítico.

II. Diferentemente do que invoca na motivação de recurso, as declarações que o arguido prestou em audiência, pelo que resulta do acórdão sob recurso, mostram que procurou desresponsabilizar-se em relação aos factos que praticou, não sendo relevantes para a descoberta da verdade, nem demonstrativas de arrependimento, nem tão pouco reveladoras de estar determinado a mudar o seu rumo de vida.

III. Portanto, a 1ª instância ponderou todas as circunstâncias favoráveis ao arguido, sendo que a avaliação que este faz das suas declarações e propósitos em sede de recurso não encontram apoio no acórdão recorrido.

IV. Também, faz-se notar que a jurisprudência citada pelo recorrente não tem aplicação neste caso concreto, até considerando as particularidades de cada um desses processos citados, os quais devem ser lidos com atenção, para melhor se perceber as diferenças em relação às circunstâncias particulares do sucedido nestes autos, como melhor se pode verificar da leitura dos factos dados como provados na decisão sob recurso.

V. De qualquer o modo, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena aplicada pela 1ª instância, de 7 (sete) anos de prisão, que se mostra devidamente justificada e fundamentada.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório


1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 5438/21.5JAPRT do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão proferido em 22.02.2023, o arguido AA, foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado p. e p. nos arts. 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. j), com referência aos arts. 22.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), do CP, na pena de 7 (sete) anos de prisão e a pagar ao demandante BB, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros, a contar da data da prolação do acórdão, à taxa supletiva dos juros civis, atualmente fixada em 4%.


2. Inconformado com essa decisão, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição sem negritos):

1º A decisão ora colocada em crise, condenou o recorrente na pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), com referência aos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), 23.º n.º 2 e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal.

2º O recorrente não sindica a condenação pelo crime pelo qual foi acusado e condenado, outrossim a discordância do recorrente prende-se com a medida da pena aplicada e, na procedência da redução peticionada, com o modo de execução da pena.

3º O recorrente, desde o primeiro interrogatório, prestou declarações e confessou que agrediu o assistente.

4º De igual modo, o recorrente assumiu a compra das ferramentas, a deslocação ao local na manhã do crime e ainda o facto de ter utilizado um novo cartão sim no seu telemóvel pela primeira vez para contactar com o assistente naquele dia.

5º O recorrente não procurou subterfúgios ou narrativas do fantasioso quanto ás agressões, assumindo a sua autoria, outrossim optou por admitir a sua culpa, não obstante ter contado a sua versão dos factos, a qual veio a ser desconsiderada pelo tribunal.

6º No entanto, as declarações do recorrente demonstram já uma sincera interiorização do desvalor da sua conduta.

7º A postura processual do recorrente permite concluir que apresenta consciência crítica e que reconhece a conduta errónea que malogradamente assumiu.

8º Nessa medida, a confissão, ainda que parcial, não pode ser sopesada, mas, outrossim, deve ser tida em linha de conta não só para efeitos da medida da pena, mas, também, para permitir que seja realizado um juízo de prognose favorável quanto ao futuro do recorrente.

9º O caminho para a almejada ressocialização inicia-se sempre com a assunção de responsabilidade e a consciência crítica da ilicitude da conduta e das consequências da mesma. Caminho esse que o recorrente já começou a percorrer.

10º Os factos cometidos pelo recorrente surgem como um ato isolado, cometido num contexto pessoal e financeiro adverso, fruto da pressão que sentia por parte do assistente em liquidar a quantia mutuada acrescida de juros brutalmente usurários.

11º Como resulta dos factos provados, o recorrente encontra-se inserido, social e familiarmente, mantendo o apoio de quem o rodeia, apresenta ainda hábitos de trabalho, tendo começado a atividade laboral aos 18 anos.

12º Por outro lado, o recorrente encontra-se em obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, adotando um comportamento irrepreensível no cumprimento de tal medida.

13º Os antecedentes criminais do recorrente foram por um crime de condução em estado de embriaguez e por um crime de desobediência, que claramente nada têm a ver com a situação dos autos e que decorreram há mais de 6 anos.

14º Na determinação e fixação da pena aplicada, o tribunal a quo colocou o enfoque nas necessidades de prevenção geral, porquanto entendeu, e bem, que as necessidades de prevenção especial “são médias”.

15º Conforme dispõe o artigo 40º do CP, a finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir, a sua aplicação, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada, sem perder de vista, na medida do que for possível, a reinserção social do arguido, ou seja, as exigências de prevenção e de repressão geral da criminalidade, por um lado, e, por outro, as exigências específicas de socialização e de prevenção da prática de novos crimes.

16º No caso vertente, a decisão recorrida considerou que as exigências de prevenção geral são muito elevadas.

17º Com efeito, estamos perante delito que é alvo de grande censura comunitária e que cada vez é mais frequente no nosso país, sendo embora certo que cada caso transporta em si a natureza de “caso único”, é de reconhecer a importância do referente jurisprudencial na atividade, sempre judicialmente vinculada, de determinação da pena.

18º A preocupação com o referente jurisprudencial contribui decisivamente para a atenuação (e, se possível, erradicação) de disparidades na aplicação prática dos critérios legais de determinação de pena.

19º Neste seguimento, atentemos nas seguintes decisões: - Acórdão do STJ de 20.06.1991 no Processo nº 74/90; - Acórdão do STJ de 17.02.2005 no Processo 04P4324; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/11/2012; - Acórdão do STJ de 19.02.2014: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.01.2015;

20º Entende assim o recorrente que a pena aplicada é manifestamente exagerada e desproporcional, até porque, sem querer retirar gravidade á conduta do arguido, como resulta do relatório pericial, a vida do assistente não esteve nunca em perigo.

21º Assim, atento tudo quanto se expôs, entende o recorrente que deve ocorrer a redução da pena aplicada para 5 anos de prisão, porquanto tal pena acautela as exigências de prevenção geral e especial do caso em concreto e tem enquadramento na corrente jurisprudencial do nosso Supremo Tribunal de Justiça.

22º Operada a redução da pena para 5 anos de prisão, importa discorrer sobre a possibilidade de suspensão a pena, porquanto tal é legalmente admissível.

Vejamos,

23º A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.

24º Acreditamos que é hora de experimentar na pessoa do recorrente uma reação penal diversa da reclusão, uma vez que estamos perante alguém integrado familiar, social e com hábitos de trabalho.

25º Indubitavelmente o recorrente não deixaria de aproveitar a oportunidade que decorreria da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado.

26º Embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral são elevadas, o certo é que nos parece que existem condições para que o recorrente possa vir a beneficiar de uma última oportunidade antes de ser encarcerado por um longo período de tempo.

27º O tempo que o recorrente já leva de privação da liberdade e a ameaça da pena (que pode vir a ser revogada a qualquer momento em que incumpra com apertadas regras de conduta), poderá vir a satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e ao mesmo tempo possibilitar ao recorrente a interiorização de que “o crime não compensa”.

28º Não ignora o recorrente a gravidade e o alarme social que provocam os crimes contra a vida atentas as elevadíssimas necessidades de prevenção geral. No entanto, cada caso é um caso, e o do recorrente merece ponderação.

29º A conduta do recorrente é reprovável, mas surge num contexto de elevada pressão financeira e psicológica que inclusivamente levou a que o mesmo pedisse dinheiro a familiares para tentar diminuir a dívida para com o assistente.

30º Desde o primeiro momento que o recorrente admitiu a prática das agressões, demonstrou arrependimento e consciência crítica do desvalor da sua conduta.

31º Tal como resulta dos factos provados o recorrente está bem inserido socialmente, mantém-se laboralmente ativo e sempre teve hábitos de trabalho.

32º Ora, no caso mais do que a ameaça de prisão o recorrente sentiu, e bem, na pele a privação de liberdade, ainda que dentro do lar, pelo que entendemos que a censura do facto acrescida ao tempo de permanência na habitação que o recorrente já cumpriu servem para a realizar a finalidade das penas quanto ao efeito dissuasor do recorrente voltar a cometer ilícitos criminais, seja de que natureza for.

33º Aqui chegados, louvamo-nos no brilhante aresto proferido pelo Conselheiro Maia Costa - cfr. acórdão do STJ, proferido em 13.03.2019 em que é relator o Conselheiro Maia Costa, disponível em www.dgsi.pt – e entendemos que o recorrente merece uma oportunidade, merece a possibilidade de arrepiar caminho e ser uma aposta ganha por parte do tribunal.

34º Nestes termos, deve ser reduzida para cinco anos de prisão a pena aplicada ao recorrente, devendo a mesma ser suspensão na sua execução, ainda que com regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 51º e 53 do CPP.

35º A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 40º, 70, 71º do CP.

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida nos termos sobreditos.


3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição sem negritos, nem sublinhados):

I – O recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., pelos arts. 131 e 132 n.º 1 e 2, al. j), com referência aos arts. 22, n.º 1 e 2 als. a) e b), 23, n.º 2 e 73, n.º 1 als. a) e b) do C. Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

II – Entende o recorrente ser aquela pena manifestamente exagerada e desproporcional, pugnando pela redução da mesma para cinco (5) anos de prisão, visto acautelar as exigências de prevenção geral e especial.

III – Consideramos, contudo, que em face dos elementos relevantes para a determinação da medida concreta da pena se apresenta adequada e justa a pena de sete (7) anos de prisão aplicada ao recorrente, uma vez que, não excedendo a medida da culpa, satisfaz plenamente as exigências preventivas, gerais e especiais.

IV - Na decorrência da medida concreta da pena que o recorrente defendeu dever situar-se em cinco (5) anos de prisão, argumenta ainda quanto à suspensão da sua execução.

V - Dado que defendemos que a pena aplicada, ou seja, sete (7) anos de prisão, se apresenta como justa e adequada fica essa possibilidade de suspensão de execução da pena prejudicada porquanto aquela pena de substituição apenas pode ser equacionada em penas concretas até cinco anos de prisão, o que não se verifica no caso concreto.

VI - Os M.ºs Juízes “a quo” ponderaram devidamente todos os elementos necessários à determinação da medida concreta da pena pelo que se apresenta como justa e adequada a condenação do recorrente na pena de sete (7) anos de prisão efectiva, não susceptível, em face da sua moldura concreta, de ser suspensa na sua execução.

VII – Não foram violadas as normas invocadas pelo recorrente.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e, em consequência, mantido o acórdão impugnado.


4. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA sustentou, em resumo, que a pena aplicada no acórdão recorrido deve ser mantida, não havendo justificação para dar provimento ao pedido pelo recorrente, sendo que todas as atenuantes alegadas no recurso foram tidas em consideração na decisão sob recurso, não se podendo esquecer que a conduta do arguido também facilmente integraria as circunstâncias qualificativas das alíneas e) e i) do art. 132.º, n.º 2, do CP, que não foram atendidas e, além disso que a vítima ainda continua a sofrer as consequências do ato levado a cabo pelo recorrente, não havendo similitude com os casos distintos a que o recorrente apela na jurisprudência que invoca, nada justificando a redução da pena que lhe foi aplicada, devendo ser mantida na integra a decisão recorrida e negado provimento ao recurso.


5. Não houve resposta ao parecer do Sr. PGA.


6. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.


II. Fundamentação


7. Com interesse para a decisão deste recurso consta do acórdão impugnado, o seguinte:

Factos provados

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1. Em data anterior a 6 de Dezembro de 2021, AA, arguido e demandado nos presentes autos, havia contraído dívidas para com BB, assistente e demandante neste processo.

2. Como não dispunha de meios para liquidar as referidas dívidas e como os respectivos pagamentos lhe estavam a ser exigidos, no dia 6 de Dezembro de 2021 o arguido pediu ao seu irmão CC e à sua cunhada DD que lhe emprestassem a quantia de € 5.250 (Cinco mil, duzentos e cinquenta Euros), prometendo devolver esse valor no período de uma semana.

3. Acedendo a esse pedido, na mesma data, DD, conforme instruções dadas pelo arguido, efectuou:

- Uma transferência bancária no valor de € 1.950 (Mil, novecentos e cinquenta Euros) para a conta com o IBAN  ...03, titulada por EE; e

- Uma transferência bancária no valor de € 3.300 (Três mil e trezentos Euros) para a conta com o IBAN  ...47, titulada por FF.

4. Essa transferência de bancária de € 3.300 (Três mil e trezentos Euros) foi efectuada para a conta atrás referida, titulada por FF, por indicações que o assistente tinha transmitido ao arguido.

5. Decorrida uma semana após a data da realização das referidas transferências, o arguido não reuniu condições para devolver as quantias em apreço, pelo que CC e DD, que necessitavam do dinheiro para pagar obras que haviam realizado, insistiram com o arguido para que este lhes entregasse o montante que lhe haviam emprestado.

6. Para se ver livre dos encargos das dívidas que mantinha para com o assistente, que exigia o respectivo pagamento, e também por se sentir pressionado a entregar ao seu irmão e à sua cunhada a quantia que estes exigiam que devolvesse, o arguido formulou um plano para terminar com esta situação que vivenciava e que consistiu em convencer o assistente a deslocar-se a um local ermo e, ali, tirar-lhe a vida.

7. Na execução deste plano, no dia 29 de Dezembro de 2021, cerca das 10.30 horas, o arguido solicitou a GG, sua companheira, a criação de um código de MB Way de forma a levantar a quantia de € 30 (Trinta Euros) em numerário.

8. De seguida, o arguido dirigiu-se à ATM do posto de abastecimento de combustíveis da ... sito no ..., onde procedeu ao levantamento da quantia em questão.

9. Na posse desse montante em numerário, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial M..., ..., onde adquiriu, às 10.59 horas, uma pá de marca Tefer, uma marreta de 1 kg de marca Toptools e um sacho de bico, tendo efectuado o respectivo pagamento em numerário, no valor global de € 27,38 (Vinte e sete Euros e trinta e oito cêntimos).

10. Depois, dirigiu-se a uma zona de mato sita na Rua ..., em ..., ..., local que o arguido sabia ser adequado ao seu plano, pois não era visível da estrada mais próxima e era pouco frequentado e, ali chegado, deixou no referido local a pá que havia adquirido.

11. Às 12.18 horas, regressou à M..., devolveu o sacho de bico e comprou uma enxada da marca Serfer, tendo entregado a quantia de € 5 (Cinco Euros) em numerário e recebido o troco de € 1 (Um Euro).

12. Prosseguindo na execução do plano atrás referido, o arguido activou no seu telemóvel de marca Samsung e modelo SM-G965F Galaxy S9+ o cartão SIM associado ao número de telemóvel ...57, número esse que até então nunca havia utilizado.

13. Cerca das 14.00 horas, o arguido contactou o assistente, desse número para o número ...81, tendo ambos combinado encontrar-se junto da Escola ..., no ..., para abordarem a questão das dívidas atrás relatadas.

14. Chegados às imediações da referida Escola, o arguido propôs ao assistente que o acompanhasse até ao terreno atrás indicado, para desenterrarem um cofre com dinheiro.

15. O arguido tinha consigo a enxada que comprara, estando a marreta no saco de desporto.

16. Atraído por essa proposta, o assistente acedeu à mesma.

17. De seguida, ambos se dirigiram, no veículo automóvel de marca Mercedes, modelo A e matrícula ..-..-PG, conduzido pelo assistente, até ao ..., no ....

18. Ali chegados, combinaram que se encontrariam mais tarde, para irem ao terreno atrás mencionado, para desenterrar o cofre.

19. De novo juntos, e conforme acordado entre ambos, o arguido e o assistente deslocaram-se, no mesmo veículo automóvel, até à Rua ..., em ..., ..., de acordo com indicações dadas pelo arguido.

20. Chegados ao local em apreço, o assistente estacionou o veículo, levando consigo a quantia de € 700 (Setecentos Euros) em numerário.

21. Depois, o arguido, munido da enxada e de um saco de desporto, circulou apeado pela rua até junto de um terreno que estava cultivado de um dos lados e entrou numa zona de mato que ficava do lado oposto, sempre seguido pelo assistente.

22. Quando avistaram uma pedra com a pá, objecto que o arguido havia deixado no local durante a manhã do mesmo dia, o arguido indicou ao assistente dois pontos possíveis, distanciados entre si cerca de 2 m, onde alegadamente se encontraria, enterrado, o cofre supra mencionado.

23. O arguido entregou ao assistente a enxada, para que o mesmo cavasse num dos pontos, mais afastado da estrada.

24. Por seu turno, o arguido dirigiu-se ao outro ponto, mais próximo da estrada.

25. O arguido abriu o saco de desporto, dele retirou a marreta e começou a escavar com a pá, munido de luvas.

26. Quando o assistente já tinha escavado durante algum tempo, entregou a enxada ao arguido, ficou com a pá para si e prosseguiu a escavação.

27. Nessa altura, aproveitando a circunstância de o assistente se encontrar de costas, o arguido aproximou-se e desferiu-lhe um golpe com a enxada na cabeça, atingindo-o na zona occipital.

28. Entretanto, o assistente agarrou na enxada e o arguido, momentaneamente, afastou-se.

29. O assistente começou a andar e o arguido aproximou-se de novo dele e desferiu-lhe golpes com a marreta, atingindo-o na cabeça.

30. O assistente conseguiu prosseguir a marcha e chegar à estrada, seguindo na direcção do veículo atrás referido.

31. Nesse percurso, o assistente acabou por desfalecer, caindo no chão.

32. Persistindo no seu desígnio, e quando o assistente se encontrava prostrado, no chão, em decúbito dorsal (de costas para o chão), sem reacção, o arguido aproximou-se mais uma vez do assistente, exerceu pressão com as suas pernas no tronco do assistente e, utilizando uma pedra em forma de paralelepípedo que encontrou no local, desferiu pelo menos duas pancadas na cabeça do assistente, atingindo-o na região fronto-parietal direita.

33. Nessa altura, o arguido apertou o pescoço do assistente com uma mão.

34. O arguido cessou a sua conduta quando ali acorreram outras pessoas, umas das quais, HH, puxou o arguido para o lado, afastando-o do assistente.

35. O arguido permaneceu no local até à chegada da GNR.

36. Por seu turno, o assistente foi transportado para o Serviço de Urgência do Hospital ..., onde veio a ser admitido às 16.56 horas.

37. Em consequência direta e necessária das condutas do arguido, o assistente sofreu dores, bem como as seguintes lesões e os seguintes resultados:

- Três feridas corto-contusas, uma das quais na região parieto-occipital esquerda, extensa, outra na região frontal e outra na região maxilar esquerda;

- Edema e equimoses periorbitários, dos dois lados;

- Escoriações nos membros superiores, no tórax e na região dorsal;

- Uma fractura cominutiva, afundada, na região parietal esquerda, com necessidade de correção cirúrgica;

- Uma fractura alinhada na região parieto-temporal direita, com hematoma epidural agudo subjacente;

- Fracturas dos tectos das órbitas, com ligeiro afundamento do lado esquerdo;

- Hematoma epidural agudo;

- Hematoma epicraniano nas regiões fronto-parietais dos dois lados, com predomínio do lado direito;

- Lesão contusional do plexo braquial; e

- Paresia grave na região proximal do membro superior direito.

38. Em 2 de Março de 2022, o assistente apresentava:

- No crânio:

- Uma cicatriz rosada na região parietal, à esquerda da linha média, em “Y”, medindo os ramos occipitais 4 x 0,5cm e o ramo frontal 5 x 0,5cm, com alopécia nesta área;

- Uma cicatriz rosada na região occipital, à direita da linha média, com uma porção transversal de 5 cm e longitudinal de 2 cm, com alopécia nesta área;

- Uma área cicatricial nacarada ovalada na região occipital, à esquerda da linha média, com 3 x 1cm de maiores eixos, com alopécia (sendo visíveis algumas raízes) e distalmente a esta, uma cicatriz nacarada transversal com 2 cm de comprimento;

- Na face:

- Uma cicatriz rosada longitudinal na região fronto-parietal, à direita da linha média, com 2 cm de comprimento, coberta por cabelo;

- Uma cicatriz nacarada em “Y” na região frontal, à direita da linha média, numa área com 3 cm de diâmetro, discretamente visível a distância social;

- Uma cicatriz rosada longitudinal na linha média da região frontal, com 4 cm de comprimento, visível a distância social;

- Áreas rosadas nas regiões malares, dos dois lados, com 4 x 1cm de maiores eixos, que o assistente relaciona com escoriações decorrentes da agressão;

- No membro superior direito:

- Múltiplas cicatrizes hipocrómicas em várias direções, na sua maioria lineares e poupando a face anterior do braço e do antebraço, a maior das quais com 6 x 3cm de maiores eixos, na face lateral do terço médio do antebraço e a menor linear com 2 cm de comprimento; uma dessas cicatrizes desfigura uma tatuagem de pigmento preto feita previamente ao evento, numa área antero-lateral do terço médio-superior do braço;

- Dormência da mão e do ombro direitos;

- Limitação, por dor, do movimento do ombro direito a 130º de flexão e abdução;

- Limitação da força muscular do braço, do antebraço e da mão para 4/5;

- No membro superior esquerdo:

- Múltiplas cicatrizes hipocrómicas com várias orientações, na sua maioria lineares e poupando a face anterior do braço e do antebraço, a maior das quais com 5 x 2cm na face lateral do terço médio do antebraço e a menor linear com 3 cm de comprimento;

- Duas cicatrizes longitudinais rosadas no terço proximal da face anterior do antebraço, com 4 x 0,5cm de maiores eixos paralelas entre si;

- Equimose azulada infracentimétrica do leito ungueal de D2;

- Limitação, por dor, do ombro esquerdo a 130º de flexão e abdução;

- No membro inferior direito:

- Uma cicatriz nacarada na face anterior do joelho, oblíqua para baixo e para dentro com 3 cm de comprimento;

- Limitação da força muscular da coxa, da perna e da coxa para 3/5;

- Hemiparésia do lado direito, de predomínio crural, na força muscular do braço, do antebraço e da mão para o grau 4/5 e da coxa, da perna e do pé para o grau 3/5;

39. Como consequências permanentes, resultaram para o assistente as cicatrizes atrás descritas, as quais, sob o prisma médico-legal, não são consideradas desfigurantes e tenderão a atenuar-se com o tempo.

40. Actualmente, o assistente ainda não teve alta clínica, não sendo ainda possível determinar outras consequências permanentes que poderão resultar para o assistente, nomeadamente ao nível do membro superior direito e ao nível neuro-psíquico.

41. Em relação às lesões do membro superior direito, em 7 de Junho de 2022, não era perspectivado um quadro de sequelas com privação deste membro, ou a afectação grave da capacidade de trabalho ou da possibilidade de usar o corpo.

42. Ao actuar da forma atrás descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, na execução de um plano previamente gizado, atraindo o assistente para o local ermo supra referido, sob o falso pretexto de liquidação das dívidas, tendo-se munido previamente de uma marreta, uma enxada e uma pá.

43. Chegados ao referido local, sem que nada o fizesse esperar, o arguido desferiu ao assistente as pancadas acima descritas na cabeça, primeiro com uma enxada, depois com uma marreta e, finalmente, face à resistência evidenciada pelo assistente, munindo-se de uma pedra em forma de paralelepípedo que encontrou no local, com o propósito de assim lhe provocar lesões susceptíveis de tirar a vida, o que queria, para se livrar das dívidas que contraíra.

44. O arguido não logrou atingir o seu propósito por ter sido interrompido pela intervenção de outras pessoas.

45. Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

46. O arguido foi condenado:

1) Por sentença de 31 de Maio de 2016, proferida no Processo Abreviado nº 183/14.... do Juízo Local de Pequena Criminalidade ... – Juiz ..., transitada em julgado em 30 de Junho de 2016, pela prática, em 28 de Março de 2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, o que perfaz o montante global de € 275 (Duzentos e setenta e cinco Euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses, penas essas que, entretanto, foram declarada extinta, pelo respectivo cumprimento; e

2) Por sentença de 30 de Maio de 2019, proferida no Processo Comum (Tribunal Singular) nº 13528/17.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., transitada em julgado em 1 de Julho de 2019, pela prática, em 12 de Julho de 2016, de um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz o montante global de € 540 (Quinhentos e quarenta Euros), pena essa que, entretanto, foi declarada extinta, pelo respectivo cumprimento.

47. O arguido tem actualmente 37 anos de idade.

48. É solteiro.

49. Vive em união de facto.

50. Tem dois filhos, actualmente com 10 anos de idade e com 2 anos de idade.

51. O seu agregado familiar reside em casa pertencente à sua companheira, a qual paga uma prestação mensal aproximada de € 380 (Trezentos e oitenta Euros) para amortização de um empréstimo contraído para a respectiva aquisição.

52. Estudou até ao 10º ano de escolaridade.

53. Com 18 anos de idade, abandonou os estudos, tendo começado a trabalhar como técnico de ..., profissão que exerceu durante 11 anos.

54. Posteriormente, trabalhou em áreas diversificadas.

55. Até à sua detenção, no âmbito dos presentes autos, o arguido prestava serviços para uma empresa norte-americana de ..., exercendo funções como técnico de mecânica, sem vínculo laboral.

56. Habitualmente, prestava serviços durante 15 dias, em média, e depois passava cerca de uma semana com o seu agregado familiar.

57. Auferia cerca de € 20 (Vinte Euros) por hora.

58. Retirava do exercício da sua actividade um rendimento mensal variável, dependente dos dias de prestação de serviços como técnico de mecânica naval, rendimento esse, em média, próximo dos € 2.000 (Dois mil Euros).

59. Por outro lado, recebia subsídio por desemprego no valor mensal de € 614 (Seiscentos e catorze Euros).

60. A sua companheira é auxiliar de ....

61. Praticava futebol ....

62. Entre 15 de Março de 2022 e 25 de Maio de 2022 frequentou, com êxito, um curso online de gestão e ....

63. Em consequência dos actos praticados pelo demandado, acima descritos, além de quanto se expôs, o demandante teve medo de perder a vida e, mesmo depois da ajuda médica, teve medo de ficar fortemente incapacitado.

64. Sofreu perturbações do sono.

65. Teve dificuldades em se alimentar.

66. Sofreu dificuldades nos movimentos do corpo e limitações na sua mobilidade.

67. Durante meses, necessitou da ajuda de outras pessoas para a prática de actos da vida corrente, tais como os relacionados com a sua alimentação e os seus cuidados de higiene.

68. Ficou nervoso e sentiu-se angustiado.

69. Sentiu vergonha perante as cicatrizes.

70. As cicatrizes e marcas das lesões ardiam e as respectivas suturas provocavam comichão e mal-estar.

71. Por vezes, ainda tem dificuldade em algumas tarefas, tais como apertar os sapatos, fechar as calças e segurar em certos objectos.

72. Passou a ser mais triste, introvertido e inseguro.

73. Continua a sujeitar-se a sessões de fisioterapia.


Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente os que a seguir se enunciam:

1. Que em data anterior a 6 de Dezembro de 2021 o arguido também tivesse contraído dívidas em relação a EE.

2. Que a quantia de € 1.950 (Mil, novecentos e cinquenta) indicada na lista dos factos provados se destinasse à liquidação de uma dívida do arguido em relação a EE.

3. Que depois da transferência de € 3.300 (Três mil e trezentos Euros) o arguido ficasse a dever ao assistente valor não inferior a € 1.100 (Mil e cem Euros), montante que deveria ser pago até 30 de Dezembro de 2021.

4. Que o arguido pretendesse que o assistente, em 29 de Dezembro de 2021, levasse consigo uma quantia monetária, para dela se apropriar.

5. Que tivesse sido o arguido quem, no dia 29 de Dezembro de 2021, tivesse a iniciativa de propor ao assistente um encontro junto da Escola ..., para resolver o pagamento da alegada dívida.

6. Que junto da Escola ... o arguido tivesse exibido a enxada ao assistente.

7. Que nessa ocasião o arguido tivesse dito ao assistente que o terreno onde se encontraria alegadamente um cofre pertencia a um seu tio, emigrante na ....

8. Que o arguido tivesse dito ao assistente que o dinheiro contido no referido cofre ascendia a € 22.000 (Vinte e dois mil Euros).

9. Que o arguido tivesse dito ao assistente que com esse montante e com uma quantia de € 5.000 (Cinco mil Euros) com a qual o assistente contribuiria, procederia à compra, em ..., de umas máquinas, as quais iriam ser vendidas nesse dia.

10. Que o arguido tivesse dito ao assistente que com o produto da alegada venda entregaria ao assistente a quantia de € 10.000 (Dez mil Euros), devolveria os € 5.000 (Cinco mil Euros) e ainda lhe daria € 1.200 (Mil e duzentos Euros).

11. Que tivesse sido a pedido do arguido que este e o assistente se dirigiram no veículo de matrícula ..-..-PG ao ..., no ....

12. Que enquanto o arguido permaneceu no ... o assistente tivesse ido diligenciar pela obtenção do dinheiro necessário à concretização do aludido negócio das máquinas.

13. Que a profundidade de um dos buracos escavados atingisse meio metro.

14. Que depois de ter desferido uma pancada ao assistente com a enxada, o arguido tivesse saltado para a cova onde o assistente se encontrava e lhe tivesse colocado aos mãos no pescoço, apertando-o.

15. Que nessa ocasião o assistente tivesse cambaleado.

16. Que actualmente o demandante ainda receie pela sua vida em consequência dos actos praticados pelo demandado. Que presentemente o demandante ainda sinta que pode voltar a ser agredido pelo demandado.

17. Que actualmente o demandante nunca de desloque de sua casa ou não conduza.

18. Que o demandante tenha dificuldades de orientação no tempo e no espaço.

19. Que o demandante continue a ter cefaleias e mal-estar geral, tomando medicação diária para superar as dores.

20. Que actualmente o demandante ainda acorde em gritos de socorro, ou com suores fritos, chorando convulsivamente, trémulo.

21. Que o demandante tivesse deixado de se ver ao espelho.

22. Que os hematomas do demandante tivessem feito com que pessoas se afastassem do mesmo.

23. Que o demandante tivesse ficado com a fala ou especificamente com a dicção afectadas.

24. Que o demandante, actualmente, nunca saia de casa sozinho.

25. Que o demandante passasse a sofrer de hiper-vigilância.


8. O Direito

A questão que o recorrente coloca no recurso prende-se com o facto de considerar excessiva a pena de 7 anos de prisão que lhe foi aplicada por, na sua perspetiva, não ter sido atendido, em resumo, à sua confissão parcial dos factos, à interiorização do desvalor da sua conduta, apresentando consciência crítica e reconhecendo a conduta errónea adotada, o que teria permitido realizar um juízo de prognose favorável quanto ao seu futuro, tudo não passando de um ato isolado, cometido em contexto pessoal e financeiro adverso, fruto da pressão que sentia por parte do assistente em liquidar a quantia mutuada acrescida de juros brutalmente usurários, sendo que perante o que se apurou quanto às suas condições de vida e profissional, as razões de prevenção especial são médias e as de prevenção geral (que foram consideradas muito elevadas na decisão impugnada) perante a jurisprudência que cita justificam a redução da pena para 5 anos de prisão e, perante todo o circunstancialismo atenuativo apurado, tendo em atenção o seu processo de socialização, merece uma oportunidade, justificando-se a suspensão da execução da pena, com regime de prova, nos termos dos arts. 51.º e 53.º do CP.

Não ocorrendo quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente sustentada e fundamentada.

Não está em discussão a qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados, sendo que o arguido/recorrente constituiu-se autor material de um crime de homicídio qualificado tentado p. e p. nos arts. 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. j), com referência aos arts. 22.º, n.º 1, n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, als. a) e b) do CP.

Com interesse para o conhecimento deste recurso, escreveu-se ainda na decisão impugnada o seguinte sobre a determinação da medida concreta da pena:

Nos termos do disposto no artº 132º, nº 1, do Código Penal, ao crime de homicídio qualificado na forma consumada corresponde pena de prisão de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos.

Por seu turno, o artº 23º, nº 2, do Código Penal dispõe que “A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada”.

Ora, nos termos do disposto no artº 73º, nº 1, do Código Penal, “Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativameànte aos limites da pena aplicável:

a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;

b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior”.

Assim, a moldura penal abstracta correspondente ao crime de homicídio qualificado na forma tentada é de pena de prisão de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Estabelecida a moldura abstractamente aplicável, cumpre proceder à determinação da medida concreta da pena.

O artº 40º, nº 1, do Código Penal estatui que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, acrescentando o nº 2 do citado preceito legal que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Prevenção e culpa são, assim, os dois vectores de determinação da medida concreta da pena.

FIGUEIREDO DIAS assinala que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” (Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, p. 227).

O patamar mínimo de cada pena corresponde ao nível abaixo do qual a comunidade jurídica não sente suficiente e eficazmente protegido o bem jurídico que foi violado com a prática do crime em questão, atendendo-se ao factor da prevenção geral positiva. Quanto a este factor, importa ter presente que uma das finalidades das penas consiste na reafirmação perante a comunidade da manutenção da confiança na validade das normas jurídicas que, com a prática do crime, foram infringidas, com vista a prevenir, ao nível societário, a prática de novos crimes, do mesmo ou de outros tipos. A este respeito, FIGUEIREDO DIAS salienta que “[…] primordialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto […] protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida” (idem, ibidem, pp. 227-228).

O nível máximo é fornecido pelo grau de culpa, já que esta, constituindo o fundamento ético e jurídico da aplicação das penas, representa também o seu máximo inultrapassável, como explicita o artº 40º, nº 2, do Código Penal. A este propósito, o Autor atrás indicado destaca que a verdadeira função da culpa, na doutrina da medida da pena “reside, efectivamente, numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (idem, ibidem, pp. 229-230).

Finalmente, a medida concreta da pena deve ser encontrada atendendo às exigências de prevenção especial que o caso reclame. No que concerne a este factor, cumpre salientar que uma das finalidades das penas consiste na reintegração do agente do crime na sociedade, afastando-o, por essa via, da prática de outros delitos. Sobre o contributo da prevenção especial na determinação da medida concreta da pena, FIGUEIREDO DIAS remata “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos –, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena” (idem, ibidem, pp. 230-231).

Sobre a relevância e a articulação da prevenção e da culpa na determinação da medida concreta da pena, pode consultar-se, com muito interesse, na doutrina, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, maxime p. 312, e O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, nº 12 (Abril/Junho de 2002), bem como MARIA JOÃO ANTUNES, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 40-44.

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 11 de Fevereiro de 2021 (Processo nº 762/19.1GBAGD.P1.S1), expendeu as seguintes considerações: “para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o citado artº 71º, nº 2, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e, assim, avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial. […]

Há que, como se acentuou, ponderar as exigências antinómicas de prevenção geral e de prevenção especial, em particular as necessidades de prevenção especial de socialização «que vão determinar, em último termo, a medida da pena», seu «critério decisivo», com referência à data da sua aplicação, tendo em conta as circunstâncias a que se refere o artº 71º do Código Penal, nomeadamente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta tenha em vista a reparação das consequências do crime, que relevam por esta via.

Em síntese: a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto com os artigos citados – 40º e 71º –,deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente”.

Tendo presentes estas considerações de prevenção e culpa, na tarefa de determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor das arguidas e contra as mesmas, nos termos do artº 71º, nº 2, do Código Penal.

No caso concreto, importa ponderar os seguintes factores de determinação da medida concreta da pena:

- Os actos de execução do crime de homicídio consistiram em sucessivas agressões, primeiro com uma enxada, depois com uma marreta e finalmente com uma pedra, para além do facto de o arguido ter, na parte final, também apertado o pescoço do assistente, circunstâncias expressivas de um grau de ilicitude acentuado, mesmo dentro do tipo legal de crime de homicídio qualificado, na forma tentada;

- A tentativa foi exaurida, na medida em que o arguido praticou todos os actos de execução tendentes ao resultado letal, o qual só não sobreveio por razões alheias ao arguido, concretamente, a resistência do assistente e sobretudo a intervenção de outras pessoas, pelo que o modo de execução do ilícito foi, objectivamente, grave;

- Para além do elevado desvalor da acção, transparece da matéria de facto provada em audiência de julgamento um desvalor de resultado muito elevado, porquanto em consequência directa e necessária das condutas do arguido o assistente sofreu, para além de dores, lesões físicas graves e múltiplas (concretamente, três feridas corto-contusas, uma das quais na região parieto-occipital esquerda, extensa, outra na região frontal e outra na região maxilar esquerda, um edema e equimoses periorbitários, dos dois lados, escoriações nos membros superiores, no tórax e na região dorsal, uma fractura cominutiva, afundada, na região parietal esquerda, com necessidade de correção cirúrgica, uma fractura alinhada na região parieto-temporal direita, com hematoma epidural agudo subjacente, fracturas dos tectos das órbitas, com ligeiro afundamento do lado esquerdo, um hematoma epidural agudo, um hematoma epicraniano nas regiões fronto-parietais dos dois lados, com predomínio do lado direito, uma lesão contusional do plexo braquial, tendo ficado, na altura, com paresia grave na região proximal do membro superior direito); além disso, o assistente ficou com consequências permanentes, correspondentes a cicatrizes no crânio (uma na região parietal, uma na região occipital, uma área cicatricial na região occipital), bem como na face (uma na região fronto-parietal, duas na região frontal e ficou com áreas rosadas nas regiões malares), no membro superior direito (tendo na altura padecido de dormência, limitação, por dor, do movimento do ombro e limitação da força muscular do ombro), no membro superior esquerdo (com cicatrizes no antebraço, bem como limitação, por dor, no ombro), no membro inferior direito (uma cicatriz na face anterior do joelho, para além de limitação da força muscular da coxa, da perna e da coxa), tendo ainda sofrido hemiparesia do lado direito, sendo certo que actuamente o assistente ainda não teve alta clínica, não sendo ainda possível determinar outras consequências permanentes que poderão resultar para o assistente, nomeadamente ao nível do membro superior direito e ao nível neuro-psíquico e em relação às lesões do membro superior direito, em 7 de Junho de 2022, não era perspectivado um quadro de sequelas com privação deste membro, ou a afectação grave da capacidade de trabalho ou da possibilidade de usar o corpo;

- O arguido agiu com dolo directo, modalidade mais comum na prática dos crimes de homicídio e de homicídio na forma tentada;

- As exigências de prevenção geral são muito elevadas, em função da gravidade objectiva e do alarme social que os crimes contra a vida provocam, assinalando-se ser ainda significativo o número de crimes atentatórios da vida (em Portugal, por crimes contra vida, em 2019 foram condenadas 347 pessoas, 108 das quais por homicídio tentado, em 2020 foram condenadas 346 pessoas, 123 das quais por homicídio tentado e em 2021 foram condenadas 344 pessoas, 133 das quais por homicídio tentado; dados acessíveis no URL https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Condenados-em-processos-crime-nos-tribunais-judiciais-de-1-instancia.aspx);

- Por outro são médias as exigências de prevenção especial, pois o arguido, quando cometeu o crime aqui em questão, já tinha sido condenado duas vezes, embora por crimes objectivamente pouco graves (ainda que muito frequentes), a primeira das quais em 2016, pela prática, em 2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e da segunda vez em 2019, pela prática, em 2016, de um crime de desobediência; em contraponto, pesam a favor do arguido, no que concerne à prevenção especial, as circunstâncias de o mesmo trabalhar, denotar hábitos de trabalho e ter inserção familiar, vivendo em união de facto e tendo dois filhos, menores de idade;

- De entre as condições pessoais e sócio-económicas do arguido, destacam-se as seguintes: tem actualmente 37 anos de idade; vive em união de facto; tem dois filhos, actualmente com 10 anos de idade e com 2 anos de idade; estudou até ao 10º ano de escolaridade; com 18 anos de idade, abandonou os estudos, tendo começado a trabalhar como técnico de ..., profissão que exerceu durante 11 anos; posteriormente, trabalho em áreas diversificadas; até à sua detenção, no âmbito dos presentes autos, o arguido prestava serviços para uma empresa norte-americana de ..., exercendo funções como técnico de mecânica, sem vínculo laboral; habitualmente, prestava serviços durante 15 dias, em média, e depois passava cerca de uma semana com o seu agregado familiar; auferia cerca de € 20 (Vinte Euros) por hora; retirava do exercício da sua actividade um rendimento mensal variável, dependente dos dias de prestação de serviços como técnico de mecância naval, rendimento esse, em média, próximo dos € 2.000 (Dois mil Euros); por outro lado, recebia subsídio por desemprego no valor mensal de € 614 (Seiscentos e catorze Euros); praticava futebol ...; e entre 15 de Março de 2022 e 25 de Maio de 2022 frequentou, com êxito, um curso online de gestão e ....

Quanto ao mais, a circunstância de o arguido ter preparado o crime, reflectindo sobre os meios empregados para o praticar, já foi valorada no enquadramento dos factos (no tipo qualificado do homicídio) e a circunstância de não se ter verificado a morte da vítima também foi considerada no enquadramento dos factos (o arguido cometeu o crime na forma tentada), pelo que essas circunstâncias já não são valoradas outra vez no capítulo da graduação da pena.

Tudo visto e ponderado, considera-se necessária, suficiente, adequada e proporcional uma pena de 7 (sete) anos de prisão.


Vejamos então.

Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[1].

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida[2].

Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.

Diz Jorge de Figueiredo Dias[3], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”

Mais à frente[4], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.

Acrescenta, também, o mesmo Autor[5] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Depois, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum (caso seja aplicada pena de prisão até 5 anos) impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.

Feitas estas considerações teóricas e analisando a decisão sob recurso no que respeita à fundamentação da referida pena aplicada ao arguido recorrente, percebe-se bem a razão pela qual a 1ª instância aplicou a pena de 7 anos de prisão, o que corresponde a cerca do tripo do mínimo legal da moldura abstrata do crime por si cometido e a muito menos de metade do limite máximo da mesma moldura abstrata desse crime.

Note-se que a moldura abstrata do crime de homicídio qualificado tentado p. e p. nos arts. 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. j), com referência aos arts. 22.º, n.º 1, n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, als. a) e b) do CP, cometido pelo arguido/recorrente, é de pena de prisão de 2 anos 4 meses e 24 dias de prisão a 16 anos e 8 meses de prisão.

A 1ª instância foi esgotante na fundamentação que apresentou da pena concreta que aplicou, tendo observado os princípios e normas aplicáveis, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º e 71.º do CP.

Assim.

Importa considerar que o arguido agiu com dolo (direto) e com consciência da ilicitude da sua conduta.

Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a ação concreta em questão nos autos, por si praticada.

A ilicitude dos factos apurados é elevada, atento o seu modo de atuação, impondo-se que agisse de outro modo, sendo de elevada gravidade as consequências da sua conduta (considerando as lesões sofridas pelo ofendido, que permanecem e não se mostram ultrapassadas).

Aliás,, como bem chama à atenção o Sr. PGA, não se podendo ”utilizar, para a escolha da pena, elementos que serviram já para a qualificar o crime”, a verdade é que dos factos resulta que a atividade e forma como o arguido agiu em relação à vítima, atacando-a “inesperadamente quando esta se encontrava de costas para si, impossibilitada de se defender, integra a prática dos factos através de meio insidioso”, sendo certo que “os motivos determinantes da prática dos factos (o não pretender pagar uma dívida que tinha para com a vítima) não pode igualmente deixar de se entender que configura um motivo fútil para retirar a vida de um ser humano” (o que só não aconteceu por circunstâncias alheias à vontade do arguido), sendo certo que a “vítima – não pode esquecer-se – ainda hoje sofre as consequências do ato levado a cabo pelo recorrente”, que em nada foram atenuadas por este, sequer depois da prática dos factos.

Nem há motivos (os invocados juros usurários) que justifiquem minimamente a sua atuação.

A forma como atuou em relação ao crime cometido é grave, revelando uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito. 

São muito elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção o bem jurídico violado (a vida) no crime de homicídio tentado cometido, que deve ser combatido com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso.

São médias as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida do recorrente, notando-se que beneficia de apoio familiar e no meio social onde reside, o que favorece a sua reinserção social, quando chegar o momento de ser libertado.

Pondera-se igualmente o seu comportamento anterior aos factos (ainda que com antecedentes criminais, embora por crimes distintos, mas a revelar uma desconformidade da sua personalidade em relação ao direito), bem como o comportamento posterior (comportamento adequado, quanto às medidas de coação a que tem vindo a ser sujeito).

Considera-se igualmente o que se apurou em relação às suas condições pessoais, familiares (nomeadamente toda a fase de crescimento e percurso que foi seguindo), profissionais e situação económica que revelam alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.

Igualmente se atenderá à respetiva idade (nasceu em .../.../1985), quer à data do cometimento do crime, quer à data em que foi proferida a decisão da 1ª instância, ao tempo entretanto decorrido e, ao efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro.

Ao contrário do que alega em sede de recurso, pelo que resulta do texto do acórdão recorrido, tendo em atenção a sua idade, crime cometido e posicionamento em relação ao crime cometido (não havendo sequer sinais exteriores de arrependimento), verifica-se que, além de manifestar indiferença pelo bem jurídico violado, ainda não interiorizou o desvalor da conduta que praticou, não revelando sentido crítico.

Ainda, diferentemente do que invoca na motivação de recurso, as declarações que o arguido prestou em audiência, pelo que resulta do acórdão sob recurso, mostram que procurou desresponsabilizar-se em relação aos factos que praticou, não sendo relevantes para a descoberta da verdade, nem demonstrativas de arrependimento, nem tão pouco reveladoras de estar determinado a mudar o seu rumo de vida.

Portanto, a 1ª instância ponderou todas as circunstâncias favoráveis ao arguido, sendo que a avaliação que este faz das suas declarações e propósitos em sede de recurso não encontram apoio no acórdão recorrido.

Também, faz-se notar que a jurisprudência citada pelo recorrente não tem aplicação neste caso concreto, até considerando as particularidades de cada um desses processos citados, os quais devem ser lidos com atenção, para melhor se perceber as diferenças em relação às circunstâncias particulares do sucedido nestes autos, como melhor se pode verificar da leitura dos factos dados como provados na decisão sob recurso.

De qualquer o modo, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena aplicada pela 1ª instância, de 7 (sete) anos de prisão, que se mostra devidamente justificada e fundamentada.

Na perspetiva do direito penal preventivo, essa pena de 7 anos de prisão, mostra-se adequada, equilibrada e proporcionada em relação à gravidade dos factos cometidos, satisfazendo as finalidades das penas.

A pretendida redução da pena para 5 anos de prisão, bem como suspensão da sua execução, mesmo com regime de prova (sendo certo que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, apenas podem ser atendidos os factos dados como provados e ao que deles se pode extrair) mostram-se desajustadas perante as gravosas circunstâncias do caso concreto e comprometiam irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena inferior à que lhe foi imposta na decisão sob recurso.

Em conclusão: improcede o recurso do arguido, sendo certo que não foram violados os princípios e preceitos legais por ele citados.

                                                *

III - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 21.06.2023


Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Lopes da Mota (Adjunto)

Teresa Almeida (Adjunta)

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[1] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40.º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[2] Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p.198.
[3] Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[4] Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[5] Jorge de Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.