Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3558/04.1TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS REFLEXOS
DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
EQUIDADE
FUNDO GARANTIA AUTOMÓVEL
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA AOS RECORRENTES AA E CC, CONCEDIDA PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DOS AUTORES BB
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 494.º, 496.º, 562.º, 566.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º.
PORTARIAS N.º 377/2008, DE 26 DE MAIO, E Nº 679/2009, DE 25 DE JUNHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

– DE 28 DE OUTUBRO DE 1999, PROC. N.º 99B717;
– DE 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. N.º 02A1321;
– DE 25/10/2007, PROC. N.º 07B3026;
– DE 30 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. N.º 07B2978;
– DE 22 DE JANEIRO DE 2009, PROC.N.º 07B4242;
– DE 5 DE NOVEMBRO DE 2009, PROC. N.º 381-2002.S1;
– DE 20 DE JANEIRO DE 2010, PROC. N.º 203/99.9TBVRL.P1.S1;
– DE 20 DE MAIO DE 2010, PROC. N.º 103/2002.L1.S1;
– DE 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1;
– DE 16 DE NOVEMBRO DE 2010, PROC. N.º 1612/05.1TJVNF.P1.S1;
– DE 20 DE OUTUBRO DE 2011, PROC. N.º 428/07.5TBFAF.G1-S1;
– DE 23 DE NOVEMBRO DE 2011, PROC. N.º 90/06.2TBPTL.G1.S1;
– DE 31 DE JANEIRO DE 2012, PROC. N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
– DE 31 DE MARÇO DE 2012,PROC. N.º 1145/07.1TVLSB.L1.S1;
– DE 31 DE MAIO DE 2012, PROC. N.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1;
– DE 10 DE OUTUBRO DE 2012, PROC. N.º 643/2001.G1.S1;
– DE 31 DE JANEIRO DE 2012, PROC. N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
– DE 21 DE FEVEREIRO DE 2013, PROC.N.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1;
– DE 20 DE NOVEMBRO DE 2014, PROC. N.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1;
– DE 6 DE ABRIL DE 2005, PROC.N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1;
– DE 4 DE JUNHO DE 2015, PROC. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1;
TODOS EM WWW.DGSI.PT .

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– ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 16 DE JANEIRO DE 2014, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 6430/07.0TBBRG.S1, DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE, DE 22 DE MAIO DE 2014.

– ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 14 DE MAIO DE 2015 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 687/10.6TVLSB.L1.S1-A).
Sumário :
1. O âmbito subjectivo do direito a ser indemnizado com fundamento em responsabilidade civil extra-contratual é delimitado pelo nº 1 do artigo 483º do Código Civil, que exige a titularidade de um direito violado ou a inclusão no círculo de protecção do interesse legalmente protegido.

2. A interpretação fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 16 de Janeiro de 2014 para os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil não pode ser estendida a familiares não contemplados no nº 2 do artigo 496º do Código Civil, como sucede com a recorrente.

3. No entanto, mantém-se e indemnização definida pela Relação para os danos não patrimoniais invocados pela recorrente AA, na parte correspondente ao “sofrimento da A. pela situação dos seus familiares acidentados no veículo que conduzia, porque o Fundo de Garantia Automóvel não interpôs recurso de revista.

4. A equidade é o critério fundamental de fixação das indemnizações correspondentes a danos patrimoniais futuros (no caso, à vertente patrimonial do chamado dano biológico) e por danos não patrimoniais, tem de se basear nos factos apurados e de ter em conta o princípio da igualdade.

5. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações que lhe foram introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao que é fixado pelo Código Civil.

6. Uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs. do Código.

7. A especificidade da profissão do lesado pode conferir relevância patrimonial a um dano estético permanente.

8. Confirma-se o montante de € 20.000,00 fixado pela Relação para a indemnização “pelo dano biológico traduzido na perda de ganho” sofrido pela recorrente BB, mas retoma-se o valor de € 40.000,00 atribuído em 1ª Instância como compensação pelos danos não patrimoniais.

9. Mantém-se a compensação de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor CC.

10. Se o cálculo efectuado para a compensação por danos não patrimoniais teve como ponto de referência, na Relação, o momento da sentença – ou seja, os montantes que, considerando essa data, a Relação considerou equitativos –, é a partir de então que são devidos juros de mora.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, BB e CC (menor, representado por seus pais, BB e DD) propuseram uma acção contra EE e o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a sua condenação solidária no pagamento das seguintes quantias (com dedução da franquia de € 299,28 quanto ao Fundo de Garantia Automóvel):

– a AA, € 44.404,31, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano;

– a BB, € 142.214,04, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano;

– a BB e DD, “na qualidade de pais e representantes legais do menor CC”, € 75.000,00, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano;

– a BB, “o custo da intervenção cirúrgica a que esta, ainda em consequências das lesões que sofreu com o acidente (…), terá de ser submetida”;

– a BB e DD, “na qualidade de pais e representantes legais do menor CC”, uma indemnização pelas eventuais sequelas que ainda se venham a revelar no menor, a liquidar ulteriormente.

Para o efeito, e em síntese, alegaram ter sido vítimas de um acidente de viação ocorrido em 17 de Dezembro de 2002, provocado por culpa exclusiva de EE, sem que esta dispusesse de seguro válido de responsabilidade civil, do qual resultaram diversos danos, patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretendem.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou, impugnando alguns factos e aceitando outros, e concluindo que a acção apenas deve proceder em parte.

No mesmo sentido contestou EE, igualmente aceitando alguns dos factos alegados e impugnando outros.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 476, que condenou os réus, solidariamente (com dedução da franquia de € 299,28 quanto ao Fundo de Garantia Automóvel), no pagamento:

«– À A. AA a quantia global de 2.134,91 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 19.500,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais;

– À A. BB a quantia global de 25.572,80 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 40.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como na quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença correspondente aos custos da intervenção cirúrgica a que foi submetida em 28/2/2008 à perna.

– Ao A. CC a quantia global de 15.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais.»,

com juros de mora, contados à taxa legal de 4% anuais, desde 8/7/2004 (ou seja, desde a citação, efectuada em 7 de Julho de 2004), até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os quanto ao mais que fora pedido.


O Fundo de Garantia Automóvel recorreu. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Março de 2015, de fls. 576, foi concedido provimento parcial à apelação:

«Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar, nessa parte, a sentença recorrida, condenando os Réus a pagar, solidariamente, com dedução da franquia de € 299, 28 por lesado, quanto ao Réu Fundo de Garantia automóvel:

a) À Autora AAs, a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

b) À Autora BB, a quantia de € 20.572,80 (vinte mil quinhentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

c) Ao Autor CC, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) de indemnização a título de danos não patrimoniais.

d) Sobre as quantias atribuídas a título de danos não patrimoniais incidem juros moratórios, à taxa legal, a contar da prolação da sentença em 1ª instância.

No mais, permanece inalterada a sentença recorrida, designadamente, quanto aos danos patrimoniais fixados à 1ª Autora, aos juros moratórios incidentes sobre as quantias fixadas a título de danos patrimoniais, e quanto às despesas que se vierem a apurar em liquidação correspondente aos custos da intervenção cirúrgica a que foi submetida a 2ª Autora, que não foram impugnados.»


2. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, por não se conformarem com as reduções determinadas pela Relação.

Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:

«I - A imagem da possível morte de familiares, maxime de uma irmã e de um sobrinho com um mês de idade, causada de forma violenta, num acidente de viação, é fortíssima e causadora de um dano profundo.

II - Em particular, a morte ou um ferimento grave infligido de forma violenta a uma criança indefesa ofende a sensibilidade humana de uma forma muito intensa.

III - A medida da intensidade do sofrimento da Autora e ora recorrente AA com a brutalidade do acidente de viação em causa e das suas consequências é dada pela alteração verificada na sua personalidade, resultante da experiência vivida.

IV - A redução da indemnização arbitrada à Autora e ora recorrente AA pelos danos sofridos pela situação dos seus familiares e pelas angústias sofridas não tem justificação – devendo manter-se o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) fixados em primeira instância.

V - A carreira profissional da Autora e ora recorrente BB como gestora hoteleira tem uma componente de relações públicas muito pronunciada, que leva a que o dano estético se repercuta a perda de ganho profissional muito para lá do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica estabelecido em abstracto.

VI - Uma jovem profissional de gestão hoteleira, que tem de mostrar qualificação na área do atendimento ao público para poder evoluir na carreira e para poder responder afirmativamente aos desafios que lhe surjam na vida laboral, fica muito afectada, ao nível da sua capacidade de ganho profissional, por ter o rosto cheio de cicatrizes bem visíveis.

VII - A fixação em €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), feita em primeira instância, da indemnização devida à Autora e ora recorrente BB pelo dano biológico traduzido na perda de ganho afigurava-se inteiramente correcta e não passível de qualquer censura.

VIII - O quantum doloris reconhecido à Autora e ora recorrente BB é muito elevado (5/7) e muito prolongado. Por outro lado,

IX - O sentimento de uma mulher pelo filho que acaba de nascer (ainda por cima o primeiro) é dos mais fortes que a alma humana pode experimentar, situando-se nessa medida a intensidade do dano não patrimonial sofrido pela Autora e ora recorrente BB.

X – Também no caso da indemnização devida à Autora e ora recorrente BB pelo dano não patrimonial, a redução do valor dessa indemnização de €40.000,00 (quarenta mil euros) para €30.000,00 (trinta mil euros) não tem justificação.

XI - As marcas que as lesões e as dores sofridas deixaram no menor CC existem, mesmo ao nível do subconsciente.

XII - O menor não sofreu menos dores por não se lembrar delas e o trauma que essas dores provocaram não é eliminado por o menor não ter memória delas. Por outro lado,

XIII - Os recém-nascidos precisam da companhia física da mãe e da amamentação com o leite materno, que é essencial para o seu desenvolvimento harmonioso e para o seu equilíbrio.

XIV - Em consequência do acidente, e tal como foi dado como provado, o menor CC viu-se privado da companhia da mãe e da amamentação com o leite materno, o que constituiu uma fonte de sofrimento, a par das dores expressas no quantum doloris fixado (3/7).

XV - A indemnização fixada em primeira instância para os danos não patrimoniais sofridos pelo menor CC devia ter sido mantida.

XVI - Em primeira instância, os montantes atribuídos a título de indemnização pelos danos não patrimoniais não foram actualizados à data da prolação da sentença. Assim,

XVII - Não tem aplicação ao caso dos autos o Acórdão para Fixação de Jurisprudência n° 4/2002, de 9 de Maio, devendo manter-se a condenação dos Réus no pagamento de juros sobre os montantes arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais, a contar da data da citação (8 de Julho de 2004) e até integral pagamento.

XVIII – Ao decidir em sentido contrário, o douto Acórdão violou o disposto nos arts. 483º, nº 1, 496º, nº 1, 562º, 564º, nº 1, 566º, nº 1 e 805º, nº 2, c), CC.


Concluíram no sentido de que devia manter-se o decidido em 1ª instância.

Não houve contra-alegações.


O recurso foi admitido como revista e com efeito devolutivo.


3. A fls. 681 foi proferido um despacho, convidando as partes sobre a possibilidade de não ser apreciado o recurso interposto por CC, por parecer que o não permitiria o valor da sucumbência relevante – diferença entre as condenações determinadas nas instâncias, nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14 de Maio de 2015 (www.dgsi.pt, proc. nº 687/10.6TVLSB.L1.S1-A): «Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação.»

Os representantes do menor CC responderam no sentido de que o recurso devia ser admitido, porque a diferença entre os juros arbitrados na sentença e na Relação deveriam ser somados à diferença de capital, alcançando-se um valor da sucumbência superior a metade da alçada da Relação (vigente à data da propositura da acção).

Admite-se que tenham razão e, portanto, decide-se conhecer do presente recurso, na parte respeitante a CC.


4. Vem provado o seguinte:


A)

No dia 17 de Dezembro de 2002, cerca das 16.00 horas, a Autora AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca FIAT, modelo Punto 55 SX, com a matrícula ...-...-LB, pela E.N. nº 10, no sentido Setúbal-Azeitão, num local denominado Alto das Necessidades

B)

No veículo com a matrícula ...-...-LB, para além da Autora AA, que conduzia, seguiam ainda como passageiros a Autora BB, sua irmã, e o filho menor desta, CC, que tinha ao tempo um mês e meio de idade.

C)

O veículo ...-...-LB conduzido pela AA, havia descrito uma curva à esquerda e iniciava uma descida.

D)

No local, a estrada encontrava-se dividida por um traço contínuo, separando a parte da faixa de rodagem destinada a cada um dos sentidos de trânsito.

E)

A Autora AA conduzia o veículo ...-...-LB na sua mão, pelo lado direito da faixa de rodagem, na via de trânsito reservada aos veículos que seguiam na direcção Setúbal - Azeitão.

F)

Nesse mesmo local, mas em sentido contrário, circulava um outro veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca RENAULT, modelo Megane, com a matrícula ...-...-RG, conduzido pela ré EE.

G)

No momento em que os dois veículos se cruzavam, o veículo ...-...-RG despistou-se, ultrapassou o traço contínuo e invadiu a faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, por onde seguia o veículo ...-...-LB.

H)

O embate deu-se entre a frente do veículo ...-...-RG e a frente do lado esquerdo do veículo conduzido pela Autora AA.

I)

A ré EE circulava com o veículo ...-...-RG sem que a responsabilidade civil decorrente da sua circulação se mostrasse coberta por qualquer seguro.

J)

Do embate entre os dois veículos, resultaram para a Autora AA os seguintes ferimentos: escoriações nos membros superiores, na face, em ambos os joelhos e no pé esquerdo, tendo sido assistida no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, para onde foi transportada.

K)

Pelo facto de não ter podido trabalhar durante os dez dias de baixa, a Autora AA deixou de auferir do Hospital Pulido Valente a quantia de € 56,17 (cinquenta e seis euros e dezassete cêntimos), correspondente ao desconto de uma sexta parte do vencimento durante dez dias, e de € 24,43 (vinte e quatro euros e quarenta e três cêntimos), de subsídio de alimentação, num total de € 80,60 (oitenta euros e sessenta cêntimos).

L)

Por não ter podido prestar serviços ao Hospital da Cruz Vermelha, a Autora AA deixou de auferir a quantia de € 263,56 (duzentos e sessenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente a uma terça parte do que recebia mensalmente.

M)

A Autora AA pagou à ITALSADO, da recolha do veículo ...-...-LB, a quantia de € 642,60 (seiscentos e quarenta e dois euros e sessenta cêntimos).


*


1º)

A Autora AA seguia atenta à condução e ao tráfego.

2º)

Conduzindo o seu veículo a uma velocidade de cerca de 60km/h.

3º)

A Autora AA ainda guinou o veículo que conduzia para a sua direita, mas não lhe foi possível evitar o embate.

4º)

O acidente ocorreu por a ré circular com o seu veículo ...-...-RG a uma velocidade que não lhe permitiu controlar o veículo.

5º)

A R. não conseguiu controlar a sua viatura.

6º)

A Ré seguiu ao volante do veículo ...-...-RG com uma taxa de álcool no sangue de 1,12g/l.

7º)

Em consequência dos ferimentos que sofreu e dos tratamentos a que teve de ser submetida, a Autora AA esteve ausente do trabalho por motivo de doença de 18/12/2002 a 27/12/2002.

8º)

A Autora AA é enfermeira, exercendo funções no Hospital Pulido Valente, em Lisboa, como enfermeira graduada.

9º)

E no hospital da Cruz Vermelha, também em Lisboa, como enfermeira prestadora de serviços em regime de meio horário.

10º)

Devido ao impacto do choque, a camisola que a Autora AA envergava na altura do acidente rasgou-se e ficou sem uso.

11º)

Sendo o valor dessa camisola de € 100,00 (cem euros.

12º)

Ainda em consequência do embate, o veículo automóvel que a Autora AA conduzia ficou danificado sendo a reparação do mesmo inviável.

13º)

Os salvados do veículo foram vendidos por € 350,00.

14º)

A Autora AA utilizava o veículo ...-...-LB para se deslocar para os seus locais de trabalho.

15º)

Ao ficar sem poder dispor do seu veículo, a Autora AA viu-se obrigada a alugar um outro veículo, de características semelhantes ao seu, para o substituir.

16º)

A Autora AA pagou à FF, pelo aluguer de um veículo no período de 6/01/2003 a 5/02/2003, a quantia de € 1.048,15 (mil e quarenta e oito euros e quinze cêntimos).

17º)

Após o acidente, o veículo da Autora AA foi removido para as oficinas da GG, em Setúbal, onde ficou a aguardar que fossem feitas as perícias necessárias para determinar se era ou não viável a sua reparação, tendo aí permanecido, durante dezoito dias.

18º)

A Autora AA sofreu dores muito fortes com os ferimentos causados pelo acidente.

19º)

E bem assim, com os tratamentos que lhe foram ministrados no Hospital de São Bernardo, em Setúbal.

20º)

Durante os dias que se seguiram ao acidente, a Autora AA sentiu dores intensas em todo o corpo.

21º)

Que a impediam de se movimentar com à-vontade e lhe causavam mau estar.

22º)

A autora AA ficou com uma ferida no peito, provocada pela fricção do cinto de segurança e com nódoas negras nessa região e joelhos.

23º)

O que muito a incomodou.

24º)

Logo após o acidente, a Autora AA entrou em pânico por ter julgado que a irmã e o sobrinho recém-nascido haviam morrido.

25º)

Até se aperceber de que, afinal a irmã e o sobrinho não tinham morrido, a Autora AA viveu momentos de autêntico desespero e horror, como nunca tinha sentido na vida.

26º)

Mesmo depois de saber a irmã e o sobrinho livres de perigo, a Autora AA ficou perturbadíssima com as consequências para eles resultantes das lesões sofridas com o acidente.

27º)

A Autora AA ficou amargurada pela produção do acidente ter ocorrido com o seu carro.

28º)

Ainda hoje, a memória do acidente e dos momentos que se seguiram não larga a Autora AA, incomodando-a, perturbando o seu dia-a-dia, angustiando-a e retirando-lhe conforto e bem estar psicológico.

29º)

A autora AA era uma pessoa ligeira e bem disposta.

30º)

Passou a ter, em resultado do trauma psicológico sofrido com o acidente, comportamentos de má disposição, irritação e angústia, que antes não se verificavam.

31º)

A Autora AA só veio a comprar um carro novo em data indeterminada de Junho de 2003.

32º)

De Fevereiro a Junho de 2003, inclusive, a Autora AA teve de utilizar os transportes públicos nas suas deslocações para os locais de trabalho, ao contrário do que sucedia anteriormente em que se deslocava sempre em veículo próprio.

33º)

A Autora AA vivia, no período em questão (Fevereiro a Junho de 2003), em Setúbal.

34º)

No Hospital de Pulido Valente, a Autora AA trabalhava por turnos rotativos, podendo entrar ao serviço às 8.00 horas e sair às 16.00 horas, ou entrar às 16.00 horas e sair às 23.00 horas.

35º)

No Hospital da Cruz Vermelha, a Autora AA trabalhava igualmente por turnos rotativos, podendo entrar ao serviço às 8.00 horas e sair às 16.00 horas, ou entrar às 16.00 horas e sair às 23.00 horas.

36º)

No período de Fevereiro a Junho de 2003, a Autora AA encontrava-se a frequentar o Curso de Complemento de Formação em …, no Instituto Português de Oncologia, na Palhavã, em Lisboa, com aulas às 3ªs, 4ªs, 5ªs e 6ªs feiras, das 17,00 horas às 21.00 horas.

37º)

No período de Fevereiro a Junho de 2003 a A. AA encontrava-se a frequentar o Curso de Complemento de Formação em …, no Instituto Português de Oncologia, na Palhavã, em Lisboa, pelo menos três dias por semana, das 17h às 21h.

38º)

Por ter de se deslocar em transportes públicos, a Autora AAs passou a levar muito mais tempo nas deslocações que tinha de fazer.

39º)

O que implicou que tivesse muito menos tempo para repousar.

40º)

As deslocações que a Autora AA passou a ter de fazer em transportes públicos, mormente de Setúbal para Lisboa e de Lisboa para Setúbal, tornaram-se muito mais cansativas do que quando viajava em veículo próprio.

41º)

A Autora AA estava sempre preocupada com a possibilidade de qualquer atraso que a impedisse de estar à hora ao serviço ou às aulas.

42º)

A Autora AA sofreu, de Fevereiro a Junho de 2003, com a privação de veículo próprio, um desgaste físico e psicológico muito acentuado.

43º)

Em consequência do acidente em causa a A. BB sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento e fractura cominutiva do terço proximal da tíbia direita.

44º)

Tendo sido conduzida para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, onde ficou internada até 19/12/2002, tendo sido posteriormente transferida para o Hospital do Outão, onde permaneceu internada até 3/01/2003.

45º)

A Autora BB foi submetida no Hospital do Outão a uma intervenção cirúrgica à perna direita no dia 20/12/2002.

46º)

Mais tarde, em 18/11/2003, a Autora BB voltou a ser submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital do Outão.

47º)

Devido ao impacto do choque, ficou completamente destruída a roupa que a Autora BB trazia vestida; um par de calças no valor de € 100,00 (cem euros); uma camisola de lã, no valor de € 80,00 (oitenta euros); um soutien (próprio para mães que estão a amamentar os filhos) no valor de € 50.00 (cinquenta euros) e um casaco, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros).

48º)

A cadeira de bebé em que seguia o menor ficou destruída, tendo sido necessário comprar outra que custou € 135,00 (cento e trinta e cinco euros).

49º)

Após o período de internamento hospitalar, a Autora BB continuou a ser assistida no Hospital do Outão para tratamento das lesões sofridas com o acidente.

50º)

De taxas moderadoras referentes a consultas médicas no Hospital do Outão nos dias 9/1/2003 e 5/6/2003 a A. BB pagou, cada dia, a quantia de 4,75 €, e no dia 7/8/2003 pagou a quantia de 3 €.

51º)

No dia 6/11/2003 a A. BB pagou de taxas moderadoras no Hospital do Outão, por consulta e exame as quantias de 4,10 € e 1,20 €, respectivamente.

52º)

Em medicamentos para tratamento das lesões sofridas com o acidente a mãe da A. BB pagou em 30/1/2003 a quantia de 39,01 €.

53º)

Após ter recebido alta do primeiro período de internamento hospitalar, a A. BB teve de se socorrer, de um andarilho articulado para se movimentar, que a sua mãe adquiriu, no valor de 47,00 €.

54º)

Quando pôde dispensar o andarilho, a A. BB teve de se socorrer de um par de canadianas articuladas com punho macio, que a sua mãe adquiriu no valor de 13,96 €.

55º)

A A. BB efectuou tratamentos de fisioterapia na Clínica da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal (que o R. Fundo de Garantia Automóvel pagou), tendo recorrido a uma consulta de fisiatria na mesma instituição, no dia 28/3/2003, pela qual pagou a quantia de 40,00 €.

56º)

A A. BB foi funcionária da empresa HH - Gestão Hoteleira, S.A. de Dezembro de 1997 a Dezembro de 2002 com o vencimento mensal de 822,27 €.

57º)

O filho de BB nasceu no dia 25/10/2002.

58º)

A partir de 12/3/2003 a A. BB esteve de baixa por doença até 6/8/2003, em consequência das lesões sofridas com o acidente.

59º)

A A. BB esteve com baixa por doença durante o período de 12/3/2003 a 6/8/2003, tendo recebido o subsídio diário de 18,64 €, no total de 2.702,80 €.

60º)

A A. BB, à data da entrada da acção em juízo, trabalhava para a Pestana Tours, auferindo o vencimento mensal de 900,00 €, encontrando-se actualmente a trabalhar para o II, Setúbal.

61º)

Durante o período inicial de internamento hospitalar e mesmo depois, quando mal se podia movimentar, a Autora BB deixou de poder tomar conta de si própria, de sua casa e do seu filho menor.

62º)

A Autora BB teve de recorrer a familiares, sobretudo à sua mãe, para assegurar essas tarefas.

63º)

A mãe da Autora BB teve de deixar o seu próprio trabalho para poder acorrer à filha e ao neto, deslocando-se diariamente vezes ao Hospital durante o período de internamento hospitalar e a casa da própria Autora quando esta recebeu alta hospitalar.

64º)

A mãe da Autora BB exerce funções no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, trabalhando em regime de turnos.

65º)

Para acorrer à filha e ao neto, a mãe da A. BB pediu licença para assistência à família e findo esse período a marcar férias.

66º)

Em resultado do sucedido, a mãe da Autora BB ficou sem qualquer descanso durante o período de férias, que passou a cuidar da filha e do neto.

67º)

Perdeu, por trabalhar em regime de turnos, subsídio que receberia se tivesse trabalhado, mormente durante o período em que pediu dispensa do serviço para assistência à família.

68º)

A Autora BB, vendo o sacrifício e as despesas que a mãe fez durante este período, comprometeu-se a compensá-la com a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

69º)

Mesmo após a segunda intervenção cirúrgica a que foi submetida e depois de ter sido dada como consolidada a sua situação clínica, a Autora BB não ficou completamente restabelecida.

70º)

A Autora BB, em resultado das lesões que sofreu com o acidente e ao contrário do que anteriormente sucedia, ficou a coxear da perna direita.

71º)

Tem dores quando sujeita a referida perna direita a qualquer tipo de esforço.

72º)

Não se consegue apoiar na perna direita quando tem de ficar algum tempo de pé.

73º)

Agravando-se todas estas situações quando se verifica qualquer mudança de tempo.

74º)

A A. BB sofreu:

· Défice funcional temporário total entre 17/12/2002 e 3/1/2003 ao qual acrescem mais dois dias em que lhe foi retirado o material de osteossíntese em 18/11/2003 e em 28/2/2008, num total de 19 dias;

· Défice Funcional Temporário Parcial entre 4/1/2003 e 5/6/2003; de 19/11/2003 a 3/1272003 e 29/2/2008 a 15/3/2008, num total de 181 dias;

· Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica fixável em 3 pontos.

75º)

A Autora BB submeteu-se, em 28/2/2008, por indicação médica, a nova intervenção cirúrgica à perna.

76º)

A Autora BB sempre deu muita importância à sua aparência, gostando de se apresentar sempre muito bem arranjada e atraente.

77º)

A Autora BB sempre cuidou do seu corpo com todo o cuidado e atenção.

78º)

Na profissão de gestora hoteleira, a aparência física constitui um factor de valorização no desempenho de determinadas tarefas, mormente de atendimento ao público.

79º)

Na sua profissão, a Autora BB sempre se sentiu muito segura na área das relações públicas, por saber ser a sua aparência muito agradável, o que a levava a sentir-se confiante em si própria, revelando o maior à - vontade no trabalho.

80º)

Em resultado das lesões que sofreu e das intervenções cirúrgicas a que teve de ser submetida, a A. BB, para além de ter passado a coxear, ficou com uma cicatriz no couro cabeludo da região parietal esquerda, arciforme de concavidade posterior com 10 cm; Cicatriz na região nasogeniana, a cerca de 0,5 cm acima da comissura labial direita, linear, oblíqua para a direita e muito ligeiramente para baixo com 1,4 cm; Vestígio cicatriz na região geniana anterior, cerca da linha média, oblíqua para baixo e para a esquerda com 1,7 cm; cicatriz, muito ligeiramente hipertófica, na região mandibular esquerda, oblíqua para baixo e para a esquerda com 1,3 cm; cicatriz com marcas de sutura nas faces anteriores do joelho e terço superior da perna direita, hipopigmentada, vertical com 15 cm x 1,5 cm de largura máxima; duas cicatrizes na face Antero-interna do terço superior da perna direita, hipopigmentadas, verticais, sensivelmente verticais com cerca de 17 cm cada; cicatriz na face anterior do terço superior da perna direita, hipopigmentada, vertical com 2,2 cm; cicatriz vestigial na face anterior do terço médio da perna direita, de contornos irregulares e eixo maior oblíquo para baixo e ligeiramente para a direita com 4cm x 1cm de largura máxima; cicatriz na face antero-interna do terço inferior da perna direita, hipopigmentada, vertical com 2,5cm x 0,3 cm de largura máxima.

81º)

A Autora BB passou, no seu dia-a-dia a comportar-se com menos naturalidade e menos confiança, por se sentir diminuída com as sequelas bem visíveis das lesões que sofreu.

82º)

O que perturba o seu relacionamento com as outras pessoas e prejudica o seu desempenho profissional.

83º)

A Autora BB deixou de ir à praia, de sair à noite e de conviver com amigos.

84º)

Ao contrário do que sucedia anteriormente.

85º)

A Autora BB sofre um grande desgosto por se ver esteticamente desvalorizada, sendo o dano estético permanente quantificável em 3/7.

86º)

Com os graves ferimentos que sofreu em consequência do embate entre os dois veículos, a Autora BB sofreu dores muito intensas, sendo o quantum doloris quantificável em 5/7.

87º)

Durante todo o período de internamento hospitalar, com os tratamentos que lhe foram ministrados, nos períodos pós operatórios e durante as sessões de fisioterapia a Autora BB sofreu igualmente dores muito intensas.

88º)

A Autora BB, ao verificar que o seu filho de apenas um mês e meio de idade se encontrava ferido em consequência do acidente, entrou em pânico, temerosa de que o menor morresse ou ficasse incapacitado.

89º)

O menor CC sofreu um défice funcional temporário total entre 17/12/2002 e 23/12/2002, num total de 7 dias e um défice Funcional temporário Parcial entre 24/12/2002 e 28/1/2003 num total de 36 dias, sem défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.

90º)

A Autora BB vive permanentemente angustiada com a possibilidade de se vir a revelar no menor CC qualquer sequela das lesões sofridas.

91º)

Após o acidente, a Autora BB ficou seis dias sem poder ver o seu filho, muito angustiada com o estado de saúde deste.

92º)

A Autora BB viveu no hospital momentos de desespero, ao pensar que o filho poderia morrer.

93º)

Ainda em consequência das lesões sofridas com o acidente, a Autora BB deixou de poder amamentar o seu filho, como estava a fazer até aí.

94º)

O que lhe causou um enorme desgosto.

95º)

A Autora BB tornou-se uma pessoa sombria e triste.

96º)

Quando era antes ligeira, optimista e despreocupada.

97º)

A Autora BB, passou as quadras do Natal e Ano Novo sob internamento hospitalar, ficou privada do convívio, da festa e da celebração que caracterizam esses dias, o que lhe provocou contrariedade, desgosto e amargura.

98º)

Em consequência do acidente o menor CC sofreu traumatismo crânio encefálico e pielonefrite aguda, tendo sido assistido no Hospital S. Bernardo em Setúbal.

99º)

Atenta a gravidade do seu estado de saúdo o menor CC foi transferido, no próprio dia do acidente, para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa onde permaneceu internado até 23/12/2002.

100º)

O menor CC recebeu alta hospitalar em 23/12/2002 continuando medicado com Cefuroxime axetil até 28/12/2002.

101º)

Durante o período de internamento hospitalar o menor CC foi submetido a uma transfusão de concentrado de eritrócitos devido à fractura parietal direita com hematoma epicraneano volumoso, responsável por queda do valor de hemoglobina (8,72 g).

102º)

O menor CC sofreu dores muito intensas com a violência do embate e com os tratamentos que lhe ministraram sendo o quantum doloris fixável em 3/7.

103º)

O menor CC sofreu com a separação da mãe.


*


Nos termos do art.º 659º, n.º 3 do Código de Processo Civil:

a)

A A. BB nasceu no dia 2 de Junho de 1974 (certidão de nascimento de fls. 105 dos autos).


5. Estão assim em causa neste recurso:

– Quanto à recorrente AA, a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais, na parte correspondente ao “sofrimento da A. pela situação dos seus familiares acidentados no veículo que conduzia”, fixada em € 15.000,00 pela 1ª Instância e reduzida para € 7.500 pela Relação;

– Quanto à recorrente BB, a indemnização “pelo dano biológico traduzido na perda de ganho”, fixado em € 25.000,00 na sentença e reduzida para €20.000,00 na Relação;

– Também quanto à recorrente BB, a redução da indemnização por danos não patrimoniais (sofrimento, angústia, dano estético), de € 40.000,00 para € 30.000,00;

– Quanto ao menor CC, também a redução da compensação por danos não patrimoniais, de € 15.000,00 para 10.000,00;

– Quanto a todos os recorrentes, o momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora, no que toca aos danos não patrimoniais, fixado na citação, em 1ª instância, e diferido para a sentença, pela Relação.


6. Danos não patrimoniais invocados pela recorrente AA, na parte correspondente ao “sofrimento da A. pela situação dos seus familiares acidentados no veículo que conduzia”, fixada em € 15.000,00 pela 1ª Instância e reduzida para € 7.500 pela Relação:

Ambas as instâncias consideraram que a autora AA tem direito a ser indemnizada pelo sofrimento que lhe causou “a situação dos seus familiares” – a irmã e o sobrinho – em resultado do acidente, num veículo que a própria conduzia.

Julgando o recurso de apelação interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel, que sustentou que AA não tinha direito a ser indemnizada por danos não patrimoniais por estes sofridos, por se tratar de danos de terceiros, a Relação decidiu no sentido de que do nº1 do artigo 496º do Código Civil “não resulta que sejam apenas indemnizáveis a título de danos não patrimoniais os decorrentes de lesões corporais sofridas pelo próprio, nele também cabem os danos psicológicos sofridos pelo próprio, como é o caso, em consequência de lesões e sofrimentos causados a terceiros próximos, designadamente familiares, ainda mais quando essas lesões decorrem de acto (o acidente) em que o reclamante da indemnização foi interveniente (ainda que sem culpa).”

No entanto, não basta apelar-se ao nº 1 do artigo 496º do Código Civil para concluir que a recorrente tem direito a ser indemnizada por estes danos, que seriam danos meramente reflexos, porque resultantes de danos directamente sofridos pelos seus familiares.

O âmbito subjectivo do direito a ser indemnizado com fundamento em responsabilidade civil extra-contratual é delimitado pelo nº 1 do artigo 483º do Código Civil; o nº 1 do artigo 496º apenas respeita à definição dos danos indemnizáveis, e tem de ser conjugado com aquele preceito para determinar a titularidade do direito  – nomeadamente, em situações nas quais,  resultam do mesmo facto danos para diversas pessoas, como é o caso.

Ora, relativamente ao dano de que agora se trata, nem as instâncias, nem a recorrente identificam que direito subjectivo seu foi violado, ou que disposição legal destinada a proteger interesses seus foi infringida pela causadora do acidente (cfr. o nº 1 do artigo 483º citado).

O Código Civil apenas prevê expressamente, no nº 2 do artigo 496º, que, em caso de morte da vítima, certos familiares tenham direito a ser indemnizados por danos que essa morte lhes tenha causado. Como desenvolvidamente se pode ver no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 16 de Janeiro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 6430/07.0TBBRG.S1, Diário da República, I Série, de 22 de Maio de 2014, tem vindo a ser sustentado por parte da doutrina e da jurisprudência que o mesmo direito deve ser reconhecido em casos particularmente graves mas nos quais não ocorreu a morte da vítima; assim se decidiu, aliás, no referido Acórdão de Uniformização, que fixou jurisprudência no sentido de que “Os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”.

No entanto, e independentemente de saber se os danos alegados cumpririam o requisito de particular gravidade ali enunciado, tal jurisprudência não pode ser estendida a familiares não contemplados no nº 2 do artigo 496º do Código Civil, como é o caso da recorrente.

A verdade, porém, é que o Fundo de Garantia Automóvel não recorreu do acórdão da Relação e que, portanto, “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso” de revista, nos termos do nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil; mantém-se, pois, a condenação determinada pelo acórdão recorrido.


7. Danos sofridos pela recorrente BB – indemnização “pelo dano biológico traduzido na perda de ganho”, fixada em € 25.000,00 na sentença e reduzida para € 20.000,00 na Relação e indemnização por danos não patrimoniais (sofrimento, angústia, dano estético), igualmente reduzida pelo acórdão recorrido, de € 40.000,00 para € 30.000,00:

Antes de mais, cumpre recordar, seguindo de perto o que se escreveu no acórdão deste mesmo colectivo, de 4 de Junho de 2015, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, o seguinte:

– Em ambos os casos, estão em causa indemnizações correspondentes a danos patrimoniais  futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) e por danos não patrimoniais, ou seja, indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1 ou de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, que se segue de perto;

– A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.);

– Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações que lhe foram introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, invocadas pelo Fundo de Garantia Automóvel no recurso de apelação mas não expressamente considerados pelo acórdão recorrido, e, aliás, posteriores ao acidente dos autos – o que significa que não lhe seriam aplicáveis –, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, o acórdão de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1). Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor elativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002, www.dgsi.pt, proc. nº 02ª1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição”;

– Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”;“uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º” (acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, proc, nº 428/07.5TBFAF.G1.S1);

– Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º) – cfr., por exemplo, os acórdãos de 31 de Maio de 2012 (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), o que desde logo revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar;

– Finalmente, cumpre recordar que não ficaram provados factos que possibilitem a redução dos montantes indemnizatórios considerados equitativos, nos termos previstos no artigo 494º do Código Civil, conjugado com o nº 3 do artigo 496º do mesmo Código; e que a equidade tem de ser justificada nos factos provados (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).

8. Relativamente ao “dano biológico traduzido na perda de ganho”, não está em discussão neste recurso a sua ressarcibilidade, mas apenas o montante da indemnização, que a recorrente sustenta que deve ser de novo fixado em € 25.000,00, e não em € 20.000,00.

Ambas as instâncias consideraram que a indemnização deveria corresponder “a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida” (acórdão recorrido, pág. 39), corrigido segundo critérios de equidade e, para o alcançar, recorreram aos elementos habitualmente considerados para o efeito: idade da autora à data do acidente, tempo de vida activa de que dispunha, salário que auferia (quanto ao salário de referência, verificou-se uma pequena divergência de montantes), “défice funcional permanente da integridade física” de 3 pontos percentuais e encontraram montantes semelhantes (12.852,00 €. a sentença, € 12.433,00 o acórdão recorrido). A diferença entre € 25.000,00 e € 20.000,00 resulta do peso que atribuíram à repercussão do “dano estético permanente” na profissão de gestora hoteleira, que conduziu a que a sentença quase duplicasse o montante matematicamente alcançado.

Recorde-se que ficou provado que a recorrente ficou a sofrer de um “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica fixável em 3 pontos.”, que “sempre cuidou do seu corpo com todo o cuidado e atenção” e que, na profissão que exerce, de gestora hoteleira, “a aparência física constitui um factor de valorização no desempenho de determinadas tarefas, mormente de atendimento ao público”, e que ficou com as sequelas descritas no ponto 80º da matéria de facto, que prejudicam “o seu desempenho profissional”.

Significa isto que, tal como sucedia no caso a que se refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2010, www.dgsi.ot, proc. nº 1612/05.1TJVNF.P1.S1 – embora aí se tratasse da actividade de manequim e modelo fotográfico e, portanto, o dano estético tivesse relevância superior –, ocorreu também aqui “a perda de aptidões para o exercício de actividades profissionais designadamente aquelas – e são inúmeras – em que releva a presença, o porte, o gesto , a atitude, o semblante, o que vai implicar para o autor um esforço acrescido para conseguir um desempenho positivo, esforço esse de que não careceria antes de ficar a padecer das mencionadas notórias deformidades físicas.”

Reconhece-se, pois, tratar-se de um factor que não pode deixar de ter um peso significativo na determinação da perda de capacidade de ganho; mas não se encontra fundamento para censurar o valor fixado pela Relação, mais próximo do capital calculado segundo os critérios objectivos que a jurisprudência normalmente utiliza. A quase duplicação é excessiva, por não corresponder a uma consideração equilibrada de uns e outros factores.


9.  Indemnização por danos não patrimoniais (sofrimento, angústia, dano estético) sofridos pela recorrente BB, que a Relação baixou de € 40.000,00 para € 30.000,00. A recorrente pretende que volte a ser fixada a compensação de € 40.000,00.

Para assim decidir, a Relação considerou a matéria de facto provada, nestes termos (pág. 44 do acórdão recorrido):

“Deste modo, considerando os factos provados e as circunstâncias acima referidas, designadamente, as dores (quantum doloris de 5/7); o tempo de incapacidade (com défice funcional temporário total de 19 dias, e parcial de 181 dias); as intervenções cirúrgicas a que se submeteu, a angústia sofrida pela preocupação com o estado do seu filho de um mês e meio de idade; a interrupção do aleitamento materno; o internamento, que abarcou a quadra natalícia e ano novo, sendo a primeira vez que as passaria com o seu filho; o incómodo decorrente da incapacidade de cuidar de si e do seu filho após o acidente e a duração do mesmo, a preocupação mantida com as possíveis sequelas para o seu filho; e ainda o dano estético sofrido (quantificável em 3/7), aqui considerado na vertente da sua repercussão na vida social e de lazer da Autora, bem evidenciado nos factos descritos sob ao pontos 81º a 85º doa factos provados, julga-se adequado atribuir à Autora, a título de danos não patrimoniais a quantia de € 30.000,00, reduzindo-se, assim a indemnização fixada na sentença para este valor.”

Indemnizações de € 40.000,00, por danos não patrimoniais, têm sido atribuídas a casos comparativamente mais graves, do estrito ponto de vista dos danos apenas relacionados com a pessoa do lesado: cfr., a título de exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2005, www.dgsi.pt, proc.nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relativo a um acidente ocorrido em 2005, no qual ficou gravemente ferida uma jovem de 17 anos, que sofreu dores de grau 6 numa escala de 7, teve de se submeter a tratamentos, intervenções e internamentos diversos e prolongados, tendo alta apenas ao fim de 4 anos, ficando afectada de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 ponto, sujeita a dores e sofrimentos que se prolongarão por vários anos, e com sequelas estéticas e funcionais permanentes.

No entanto, no caso presente, a recorrente encontrava-se na situação particularmente vulnerável, por ter tido um filho um mês e meio antes do acidente e ter ficado privada do contacto com ele nos dias imediatamente a seguir e de o continuar a amamentar. A natureza desses específicos danos e dos direitos lesados justifica que se retome a indemnização determinada em 1ª Instância, de € 40.000,00.

Procede, nesta parte, o seu recurso.


10. Danos não patrimoniais sofridos pelo menor CC, baixados pela Relação de € 15.000,00 para € 10.000,00:

Está provado que CC “sofreu um défice funcional temporário total entre 17/12/2002 e 23/12/2002, num total de 7 dias e um défice funcional temporário parcial entre 24/12/2002 e 28/1/2003 num total de 36 dias, sem défice funcional permanente da integridade físico-psíquica”, que, tendo apenas um mês e meio de vida, foi privado de ser amamentado pela mãe em consequência do acidente, sofreu “traumatismo crânio encefálico e pielonefrite aguda”, o que obrigou a internamento hospitalar e a tratamentos diversos, sofreu dores intensas (grau 3, numa escala de 7) e esteve uns dias separado da mãe. Não ficou afectado de nenhuma incapacidade permanente.

As razões apontadas pela Relação, ligadas à tenra idade do menor à data do acidente e à ausência de prova de sequelas, justificam suficientemente o abaixamento da indemnização que lhe foi atribuída, que assim se confirma. Esclarece-se que ao falar-se em sequelas não se está a pensar em “eventuais sequelas que ainda se venham a revelar no menor”, objecto de um pedido autonomizado de condenação em montante a “liquidar ulteriormente” (petição inicial), mas de consequências que se tivessem prolongado no tempo subsequentes aos tratamentos que vêm provados.


11. Finalmente, quanto a todos os recorrentes, e quanto ao momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora, no que toca aos danos não patrimoniais: foi fixado na citação, em 1ª instância, e diferido para a sentença, pela Relação.

Cumpre começar por recordar que o acórdão recorrido afirma expressamente que fixou os valores a que chegou por referência ao momento da sentença:

“De facto, não se pode considerar que o pedido de indemnização formulado pelos AA. a este título esteja desactualizado, tendo em conta os valores que foram fixados na sentença e que agora foram revistos. Assim, e porque na atribuição dos valores de indemnização a título de danos não patrimoniais se ponderaram os referenciais quantitativos normalmente atendíveis na jurisprudência para indemnização deste tipo de danos à data da sentença, há que concluir que os montantes atribuídos, que ficaram bastante aquém dos peticionados, estão actualizados a esta data, pelo que sobre eles, em aplicação da doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, que se segue, incidem juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença, e não da citação.”

O cálculo efectuado para a compensação teve pois como ponto de referência, na Relação, o momento da sentença – ou seja, os montantes que, considerando essa data, a Relação considerou equitativos. Nada há, pois, a censurar ao acórdão recorrido, também quanto a este ponto.

Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indirecta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B4242), disse-se: “No sentido de que os juros de mora se contam desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2007 (…). Como se escreveu no acórdão deste Supremo tribunal de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt) “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui”  [no acórdão da Relação, é o que agora está em causa] – “concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado. De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”».


12. Nestes termos, decide-se:

a) Negar provimento aos recursos interpostos por AA e pelo menor CC, representado por seus pais, BB e DD;

b) Conceder provimento parcial ao recurso interposto por BB, subindo para € 40.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, nesta parte revogando o acórdão recorrido;

c) Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.


Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento


Lisboa, 17 de Dezembro de 2015


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego