Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A471
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: DOCUMENTOS
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
EFICÁCIA PROBATÓRIA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
NÃO USO DOS PODERES DO ART.º 712º DO C.P.C
Nº do Documento: SJ20070327004711
Data do Acordão: 03/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – O sentido do disposto no art.º 376º, n.º 2, do Cód. Civil, é o de que o documento particular faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que contrárias ao interesse do declarante, mas apenas nas relações entre declarante e declaratário.
II – Assim, só o declaratário pode invocar, contra o declarante, a eficácia probatória plena do documento, que, em relação a terceiros, já não dispõe de tal eficácia, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
III – Havendo vários réus em situação de litisconsórcio necessário e sendo a declaração confessória prestada só por um deles sobre factos respeitantes a todos, o art.º 353º, n.º 2, do Cód. Civil afasta a eficácia daquela declaração confessória.
IV – Da inadmissibilidade de alteração da decisão da Relação sobre matéria de facto pelo Supremo resulta a inadmissibilidade de censura à Relação pelo não uso dos poderes só a ela concedidos pelo art.º 712º do C.P.C.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 3/5/02, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e mulher, CC, DD e mulher, EE, FF, GG, HH e marido, II, JJ e LL.
Peticiona a autora que seja declarado que o contrato de compra e venda a que se refere a escritura pública junta como doc. n.º 1, foi celebrado com os 2ºs e 3º réus e autora, como compradores, em compropriedade e partes iguais, procedendo-se à respectiva rectificação;
Que seja declarada nula, na parte que dispõe do referido prédio rústico, a escritura de doação junta como documento n.º 2;
Que seja ordenada a substituição do todos os registos feitos com base na aludida escritura de compra e venda ficando o referido prédio rústico inscrito em comum e partes iguais a favor dos 2ºs e 3º réus e autora, por serem os seus reais proprietários.
Alega a autora que, em finais de 1992, juntamente com o 3º réu, com quem se encontrava casada, e com os 2ºs réus (irmão e cunhada deste) decidiram adquirir, em comum e partes iguais para cada casal, o prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 7710º.
Contudo, o 1º réu marido (que é pai do 2º réu marido e do 3º réu) era arrendatário daquele prédio havia muitos anos. Em virtude de tal facto, os 2ºs e 3º réus e a autora decidiram adquirir aquele prédio, figurando como adquirente o 1º réu, para beneficiarem do direito de preferência e não pagarem o respectivo imposto de sisa.
A escritura pública veio a ser outorgada em 15.1.1993, sendo a 4ª ré, então com o nome GG, que agia em representação dos vendedores, 5ºs, 6ª e 7ª réus, conhecedora de toda esta situação.
O dinheiro com que a autora e o 3º réu entraram para pagamento do preço era proveniente das economias que haviam conseguido aforrar na constância do matrimónio.
A partir dessa altura, os 2ºs e 3º réus e a autora passaram a usufruir do prédio, agindo como proprietários, que eram, do mesmo, na proporção de ½ indiviso para cada um dos casais.
Porém, os 1ºs réus, em conluio com o 2º réu marido e o 3º réu, com a intenção de prejudicar a autora, outorgaram uma escritura pública de doação, em 21.5.1997, através da qual os 1ºs réus doaram aquele prédio, na proporção de metade para cada um, aos seus filhos (2º réu marido e 3º réu).
Conclui a autora que foi celebrada uma escritura de compra e venda com interposição fictícia de pessoas, ou seja, os aí identificados como compradores (1ºs réus) agiram nesse negócio como meros intermediários entre os seus filhos e noras (2ºs réus, 3º réu e autora). Porque se verifica uma simulação subjectiva, os 1ºs réus não adquiriram os direitos e obrigações inerentes ao respectivo contrato de compra e venda que realizaram. Assim, todos os actos de disposição do referido prédio rústico efectuados pelos interpostos 1ºs réus, nomeadamente a doação realizada, na parte em que a esse prédio se refere, são nulos.
Os co-réus FF, BB e CC, contestaram a presente acção, invocando ilegitimidade da autora por ser casada com o 3º réu, embora separada de facto dele, e impugnando que tivesse sido a autora ou o seu marido a adquirir o prédio e a pagá-lo aos vendedores. Negam, por isso mesmo, que tenha ocorrido uma simulação e que a doação tivesse sido celebrada para prejudicar a autora.
A co-ré GG veio arguir a excepção da ilegitimidade da autora. Por outro lado, impugnou a factualidade alegada pela autora. A compra e venda foi negociada e realizada com quem, de facto, segundo ela afirma, interveio na escritura pública, ou seja, o 1º réu marido.
A autora apresentou réplica, onde respondeu às arguidas excepções.
Entretanto, por sentença de 19/2/03, transitada em julgado em10/3/03, foi decretado o divórcio entre a autora e o 3º réu.
Realizada uma audiência preliminar que não conduziu a conciliação, foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias – julgando nomeadamente improcedente a de ilegitimidade deduzida -, nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração da matéria de facto desde logo dada por assente e a elaboração da base instrutória.
Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
Apelou a autora, tendo a Relação negado provimento ao recurso e confirmado a sentença ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - A produção antecipada de prova tem como objectivo prevenir de algum modo o risco (iminente) da perda de uma prova enquanto aguarda o momento próprio (normal) da respectiva produção (audiência de julgamento);
2ª - Pese embora o princípio da oralidade e da imediação tenham a sua máxima expressão na audiência de discussão e julgamento, estes princípios também se aplicam à produção antecipada de prova, pois a mesma respeita a prova dos autos (só que por motivos justificados é feita antecipadamente), mas a sua antecipação não afasta a aplicabilidade dos princípios da oralidade e da imediação a esta diligência processual;
3ª - A produção antecipada de prova é de facto uma situação excepcional, mas não deixa de ser produção de prova por isso (só se antecipa o momento da sua produção).
O princípio da imediação e da plenitude da prova implicam que o Juiz assista a todos os actos que possam influir no exame e na decisão da causa, incluindo-se nestes aqueles actos que justifiquem ou não o prosseguimento da acção (Ac. da Relação de Coimbra de 9/5/00, proc. n.º 3393/99, in www.dgsi.pt);
4ª - A percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação, sendo que a nossa lei processual lhe concede primado;
5ª - Mesmo com a gravação dos depoimentos escapam pormenores, gestos, emoções, silêncios, etc., capazes de servirem de elemento aferidor da veracidade ou falsidade das declarações;
6ª - E foram estes factos deveras importantes para aquilatar a veracidade do depoimento de parte do réu que escaparam à cognição da Mer.ma Juíza da 1ª instância, em virtude de não ter sido ela a presidir à produção desse depoimento, e consequentemente não valorou tal depoimento como se impunha;
7ª - Assim sendo, se mais não for extensivamente, aplica-se o art.º 654º do Cód. Proc. Civil, e à produção antecipada de prova deve presidir o Mer.mo Juiz que irá presidir à restante produção de prova em sede de audiência de julgamento;
8ª - Só assim será respeitado o princípio da imediação, se assim não fosse criar-se-ia situações de grande melindre em termos decisórios, pois o julgador que preside a uma prova e não preside a parte de outra não pode, com a certeza que se lhe impõe, aquilatar a verdade dos factos e fazer a subsunção dos mesmos ao Direito e aplicá-lo;
9ª - A experiência demonstra que o Juiz que aprecia a matéria de facto, mas que não imediou toda a produção de prova (no caso, a que foi feita antecipadamente) produzida oralmente, não pode com a certeza que se exige proferir decisão; pois não basta a gravação e a informação de que o réu ao quesito X respondeu afirmativamente ou negativamente, é necessário para decidir ter uma percepção global do depoimento;
10ª - A apreciação do depoimento de parte do réu em causa ficou prejudicada pela limitação da inexistência de imediação;
11ª - A não assistência da Juíza da 1ª instância a este depoimento decidiu a sorte da acção, uma vez que o aludido depoimento, conjugado com a declaração prestada por este réu, era a peça chave para o conluio existente entre os réus;
12ª - Em face do supra alegado, na situação retractada nos presentes autos houve uma violação clara do princípio da plenitude da assistência dos Juízes ou princípio da identidade do órgão julgador, consagrado no n.º 1 do art.º 654º do Cód. Proc. Civil, que aqui expressamente se invoca;
13ª - Por isso a sentença da 1ª instância estava ferida de nulidade, havendo inexistência jurídica de decisão, e assim deveria ter sido decidido no acórdão recorrido;
14ª - Sem prescindir, o acórdão recorrido, face à prova carreada para os autos, nomeadamente a documental, e face à dificuldade manifesta de prova directa na simulação, deveria ter considerado que houve uma errónea interpretação e valoração da prova por parte da Mer.ma Juíza da 1ª instância;
15ª - Uma vez que se sobrepôs à certeza da prova documental, a fragilidade e falibilidade da prova testemunhal e dos depoimentos de parte;
16ª - Na simulação, atenta a dificuldade de prova directa, a estes meios de prova (prova testemunhal e depoimento de parte) só pode estar reservado um papel secundário de determinar o alcance dos documentos que à simulação se referem ou de complementar ou consolidar o começo de prova a que neles seja lícito fundar;
17ª - O STJ tem entendido que, por razões de certeza e segurança, não se deve desprezar os indícios da simulação contidos em suporte documental (Ac. do S.T.J. de 8/3/01, in www.dgsi.pt, n.º SJ20013080000202, e Ac. do S.T.J. de 17/6/03, in Col. Jur., Acs. do STJ, 2003, Tomo II, pg. 112);
18ª - As provas indirectas são as que permitem a apreensão dos factos a partir de deduções e induções objectiváveis a partir de factos indiciários, segundo as regras de experiência comum;
19ª - Sendo muito difícil a prova por simulação entre os simuladores, ela radica muitas vezes em indícios e ilações, baseados em factos como os referidos supra, que à luz da experiência comum revelam a existência de simulação;
20ª - É necessário ter presente que a simulação é algo que não se prova directamente, por razões óbvias os simuladores fogem das testemunhas. E a prova directa é extremamente difícil de conseguir, uma vez que todos os réus agem em consonância e de acordo com o mesmo objectivo;
21ª - Há que deitar mão de presunções retiradas de um conjunto de factos que indiciam suficientemente, de acordo com as regras de experiência e senso comuns (Ac. do STJ de 26/10/04, in Col. Jur., Acs. do STJ, 2004, Tomo III, pg. 78);
22ª - E sendo como supra se alega, os indícios e presunções supra referidos não foram convenientemente valorados; o acórdão recorrido não teve em atenção, como se impunha, a extrema dificuldade de prova da simulação, pois se tivesse facilmente aquilataria, pelos factos e indícios simulatórios, a simulação patente nos presentes autos;
23ª - Assim como não se atendeu às regras da experiência comum quando se fala em conluio de todos os réus;
24ª - A atribuição de credibilidade ou não sobre determinada prova assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, todavia o Tribunal de recurso pode criticar e/ou alterar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum, havendo assim erro notório na apreciação da prova;
25ª - Acresce ainda que, operou-se a presunção consagrada no n.º 2 do art.º 376º do Cód. Civil (uma vez que não foi ilidida pelo recorrido DD), de que “quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros”;
26ª - Em face do alegado, o Tribunal a quo deveria ter valorado todas as provas directas e/ou indirectas carreadas para os autos à luz da experiência comum, e se o tivesse feito certamente concluiria que existiu simulação e consequentemente houve erro notório na apreciação da prova por parte da Mer.ma Juíza da 1ª instância;
27ª - A decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nas situações descritas nas als. a), b) e c) do n.º 1 do art.º 712º do Cód. Proc. Civil;
28ª - No caso sub judice o Tribunal a quo podia e devia ter alterado a matéria de facto, uma vez que possuía todos os elementos de prova para decidir;
29ª - Não o tendo feito, o acórdão recorrido violou nomeadamente os art.ºs 712º, n.º 1, al. a), e 654º, ambos do Cód. Proc. Civil, e os art.ºs 376º e 240º do Cód. Civil.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido por violação do princípio da imediação, sendo em consequência a decisão proferida considerada nula e inexistente, ou, caso assim se não entenda, que seja considerada procedente a invocação de simulação, com as consequências legais.

Não houve contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos dados por assentes pelas instâncias são os seguintes:
1 - Por escritura pública lavrada em 15.01.1993 no Cartório Notarial de Sever do Vouga, em que intervieram GG , em representação de HH e marido II, JJ e LL, na qualidade de primeiro outorgante, e BB, na qualidade de segundo outorgante, a primeira outorgante declarou que “vende ao segundo outorgante, pelo preço de um milhão duzentos mil escudos que já recebeu o seguinte prédio (…) pinhal, milho, centeio. E cinquenta videiras, no Pisão da Fonte, com a área de cinquenta e nove mil e quarenta metros quadrados, a confrontar do norte com caminho, ... e outros, nascente e sul com Rio Vouga e limite do Concelho e Freguesia e poente com a Corga e caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo número 7710 (…), omisso nas Conservatórias do Registo Predial deste concelho e de Águeda” e o segundo outorgante declarou que “aceita o contrato”.
2 – Por escritura pública de justificação e doação, datada de 21.05.1997, lavrada no Cartório Notarial de Sever do Vouga, em que intervieram, na qualidade de primeiro outorgante, BB e CC, como segundo outorgante, ..., ... e ..., e como terceiro outorgante, ... , por si e na qualidade de procurador de seus irmãos ... e ..., e ainda FF, ... , ..., e ..., os primeiros outorgantes declararam que, relativamente ao imóvel identificado no n.º 1º, ali referenciado sob o n.° 12, “fazem as seguintes doações: (…) ao terceiro outorgante identificado sob o número UM, DD, seu filho, metade do número DOZE”, bem como “ao terceiro outorgante identificado soo o número DOIS, Manuel, seu filho, (…) metade do número DOZE”.
3 - Por sua vez, declararam os terceiros outorgantes que aceitavam as respectivas doações.
4 – Pela ap. N.º 01/930503 encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga, a favor de BB, casado com CC, por compra, a aquisição do prédio rústico descrito sob a ficha n.° 00199 da freguesia de Couto de Esteves.
5 – FF e AA casaram no dia 28.08.1977 sem convenção antenupcial.
6 – DD e EE casaram no dia 20.08.1977 sob o regime de comunhão geral de bens.
7 – BB eCC casaram no dia 13.01.1945.
8 - FF nasceu no dia 27.10.1948, sendo filho de BB e CC.
9 – DD nasceu no dia 26.12.1953, sendo filho de BB e CC.
10 – Por Ap. 05/20030214 encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga a favor de FF, casado com AA, por doação, a aquisição de l /2 do prédio rústico descrito sob a ficha n.° 00199 da freguesia de Couto de Esteves.
11 - Por sentença datada de 19.02.2003, proferida pelo Tribunal Judicial de Arouca, transitada em julgado, foi declarado dissolvido o casamento entre a Autora e o Réu FF.
12 – Antes de 15.1.1993 o gozo do terreno identificado no n.º 1º era cedido ao réu BB para fins de exploração agrícola ou pecuária, e por um período de tempo limitado, mediante o pagamento, por este, de uma contrapartida aos respectivos donos.

A primeira questão suscitada nas conclusões das alegações da recorrente consiste na eventual violação do princípio da imediação ou da plenitude de assistência dos juízes previsto no n.º 1 do art.º 654º do Cód. Proc. Civil, no respeitante à prova produzida antecipadamente, que, no entender da recorrente, devia ter sido presidida pela mesma Mer.ma Juíza que presidiu à restante produção de prova em sede de audiência de julgamento.
No seu requerimento de produção de prova (fls. 217), a autora pedira efectivamente a produção antecipada de prova no tocante ao depoimento de parte do réu DD, o que foi deferido (fls. 251), constatando-se pelas respectivas actas (fls. 268 e 485) que o Ex.mo Magistrado Judicial que presidiu à produção antecipada de prova e o que presidiu à audiência de julgamento não são o mesmo.
Por outro lado, essa mesma questão foi suscitada pela recorrente nas suas alegações, e respectivas, conclusões, apresentadas no recurso de apelação, tendo a Relação começado por apreciar esse fundamento do recurso, que julgou improcedente.
Ora, em face dos termos do art.º 721º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, o fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva, podendo alegar-se também, mas acessoriamente, alguma das nulidades previstas nos art.ºs 668º e 716º do mesmo diploma. Para além disso, de acordo com o disposto no art.º 722º, n.º 1, ainda do Cód. Proc. Civil, sendo o recurso de revista, como é o caso, o próprio (por o acórdão recorrido decidir do mérito da causa – n.º 1 daquele art.º 721º), pode a recorrente alegar, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 754º, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.
Não vem apontada, porém, ao acórdão recorrido, nenhuma das nulidades previstas nos ditos art.ºs 668º e 716º, nem qualquer outra, pois a única nulidade invocada pela recorrente, consistente apenas no que ela qualifica como violação do princípio da plenitude de assistência dos Juízes, teria sido cometida na 1ª instância, e nem sequer na sentença, mas, ou no próprio acto da produção antecipada de prova, ou em plena audiência de julgamento.
Não se trataria, portanto, de uma nulidade principal, mas secundária, das previstas no art.º 201º, n.º 1, pelo que, a existir, devia ter sido arguida até ao termo da audiência de discussão e julgamento, eventualmente no próprio acto da leitura da decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância, a que o digno mandatário da autora esteve presente conforme a acta de fls. 574, ou, no máximo, no prazo determinado nos art.ºs 205º, n.º 1, e 153º, do Cód. Proc. Civil, a contar dessa decisão.
Como não o foi, sempre teria de ser considerada sanada, ficando também sanada, por isso, a nulidade da sentença porventura dela resultante nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 201º.
Assim, não se verifica a hipótese prevista no dito n.º 2 do art.º 721º, pelo que é inadmissível a arguição daquela eventual nulidade no presente recurso.
Quanto à situação prevista no n.º 1 do citado art.º 722º, remete-nos ele para o disposto no art.º 754º, n.º 2, segundo o qual, para ser admissível recurso (de agravo), é necessário que o acórdão da Relação esteja em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não haja sido fixada pelo Supremo, nos termos dos art.ºs 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme.
Tal dispositivo implica a necessidade de identificação, logo no requerimento de interposição do recurso, de acórdão em oposição com o recorrido, o que a recorrente não fez, nem nesse requerimento, nem, aliás, nas suas alegações, tanto mais que o único acórdão que aí invoca se refere à situação específica do despacho de prosseguimento da acção previsto no art.º 25º do C.P.E.R.E.F. e não à situação excepcional da produção antecipada de prova prevista no art.º 520º do Cód. Proc. Civil.
Por isso, também não se verifica o fundamento previsto no dito n.º 1 do art.º 722º para ser admissível à recorrente arguir, neste recurso, violação de lei de processo.
Improcedem, pois, as conclusões 1ª a 13ª das alegações da recorrente.
Quanto à questão restante, diz respeito à fixação da matéria de facto, sustentando a recorrente que a prova produzida nos autos ou para eles trazida, nomeadamente a documental, e face à manifesta dificuldade de prova directa da simulação, deveria ter conduzido a decisão diferente sobre essa matéria, atendendo ao princípio de prova constituído pelo documento incluído nos autos na segunda folha numerada com o n.º 266, a indícios, presunções, e a regras da experiência comum, tendo havido errónea interpretação e valoração da prova por parta da Ex.ma Juíza da 1ª instância.
Entende, por isso, que devia ter sido dada por provada, e não por não provada como foi, a matéria constante dos pontos 2º a 12º da base instrutória.
Como se sabe, em recurso de revista, face ao disposto no art.º 729º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art.º 722º, de acordo com o qual o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Portanto, só violada uma tal disposição legal é que este Supremo pode sindicar a decisão da Relação sobre matéria de facto, o que exclui desde logo qualquer eventual inobservância, no momento da fixação dessa matéria na 1ª instância ou na Relação, de indícios, presunções ou regras da experiência comum.
Resta apenas o citado documento particular da segunda fl. 266, de que consta uma declaração, subscrita apenas pelo réu DD e sem destinatário concreto, segundo a qual, em resumo, o prédio em causa teria sido comprado por ele, por seu irmão (réu FF) e pela ora autora, embora figurando na respectiva escritura pública como comprador o pai do declarante e de seu dito irmão (o qual era arrendatário agrícola desse prédio) para que estes não tivessem de pagar sisa.
Face ao princípio de prova constituído por tal documento, foi admitida prova testemunhal, que, porém, não logrou convencer o Tribunal do constante dessa declaração. Por isso, entende a recorrente ter sido violado o disposto no art.º 376º, n.º 2, do Cód. Civil, que considera provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Tem–se entendido, porém, que o sentido deste dispositivo é o de que o documento particular faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que contrárias ao interesse do declarante, mas apenas nas relações entre declarante e declaratário. Isto é, só o declaratário pode invocar, contra o declarante, a eficácia probatória plena do documento, que em relação a terceiros já não dispõe de tal eficácia, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
E, como se referiu, o documento em causa não indica destinatário, pelo que se ignora qual o respectivo declaratário. Para além do que a declaração do réu DD não respeita apenas a ele, mas também ao réu FF, seu irmão, aos pais de ambos, à quarta ré (vendedora GG) e à própria autora, referindo-se-lhes não como declaratários mas como intervenientes nos factos declarados, sendo estes, não declarantes, em consequência, terceiros em relação a tal declaração, não podendo ficar vinculados por ela, pois o declarante só a si próprio se poderia vincular.
Aliás, e por outro lado, encontrando-se os réus numa situação de litisconsórcio necessário, o art.º 353º, n.º 2, do Cód. Civil, afasta a eficácia da declaração confessória do réu DD.
Donde que o mencionado documento não disponha de eficácia probatória plena, podendo ser apreciado livremente pelo Tribunal.
Assim, não se verifica qualquer das hipóteses excepcionais do n.º 2 do art.º 722º, referido, pelo que não pode este Supremo alterar a decisão proferida nas instâncias sobre a matéria de facto.
Sustenta a recorrente, porém, que a Relação violou o disposto no art.º 712º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Civil, porque, dispondo de todos os elementos de prova necessários, devia ter alterado a matéria de facto.
Não é exacto, porém que a Relação dispusesse de todos os elementos de prova produzidos, uma vez que a prova testemunhal e por depoimento de parte não foi gravada nem transcrita, com excepção da produzida antecipadamente.
Além disso, da inadmissibilidade da alteração da decisão da Relação sobre matéria de facto pelo Supremo resulta, como é entendimento praticamente unânime, a inadmissibilidade de qualquer censura à Relação pelo não uso dos poderes só a esta conferidos pelo dito art.º 712º: tal censura implicaria a imposição à Relação de uma decisão sobre a matéria de facto distinta da que ela, face aos elementos de que podia dispor, entendeu por bem tomar, quando, precisamente, o Supremo não pode alterar, nem, em consequência, impor-lhe a alteração, dessa decisão, para outra que o próprio Supremo entenda mais adequada.
Neste sentido aponta, aliás, o n.º 6 do mesmo art.º 712º: não cabendo recurso das decisões da Relação previstas nos anteriores números desse artigo, têm tais decisões, quer no sentido do uso, quer do não uso, dos poderes nesses números concedidos, de se considerar definitivas.
Não pode, portanto, ser alterada a matéria de facto acima dada por assente, nem determinada a sua alteração, improcedendo as conclusões das alegações da recorrente sob os n.ºs 14º a 29º.
E, sendo a alteração da decisão de mérito dependente da pretendida alteração da matéria de facto, sem que a recorrente sustente a alteração daquela decisão com base nos factos assentes inalterados, não pode senão o presente recurso ser votado ao insucesso.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Março de 2007

Silva Salazar (relator)
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida