Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3204/12.0YYLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: FALTA DE REGISTO
GARANTIA REAL
HIPOTECA
CLÁUSULA PENAL
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA SUBORDINADA CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA PRINCIPAL
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL / NATUREZA E VALOR DO REGISTO / OBJECTO E EFEITOS DO REGISTO / INSCRIÇÃO E SEUS AVERBAMENTOS.
Doutrina:
- J. A. GONZÁLEZ, Noções de Direito Registal, 1998, pp. 7, p. 83.
- LUÍS MENEZES LEITÃO, Garantias das Obrigações, 2ª ed., p. 231.
- MARIA ISABEL MENÉRES CAMPOS, Da Hipotecal, 76 e ss..
- P. de LIMA e A. VARELA, “Código Civil”, Anotado, I, 4ª ed., p. 716.
- P. ROMANO MARTINEZ E P. FUZETA DA PONTE, Garantias de Cumprimento, 73.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º, N.º1, 237.º, 238.º, 239.º, 686.º, 687.º, 693.º, N.º1.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRPRED): - ARTIGOS 4.º, N.ºS 1E 2, 93.º, 96.º, N.º1.
Sumário :
I - A eficácia da hipoteca depende do registo dos respectivos factos constitutivos, mesmo em relação às partes outorgantes no contrato.

II - O seu registo, funcionando como condição verdadeira da eficácia absoluta do acto/negócio de constituição, acaba por assumir também verdadeiros efeitos constitutivos, como verdadeiro registo constitutivo.

III - Só os acessórios do crédito – cláusula penal, juros ou despesas – que constem do registo, ou seja, de que no registo exista menção, são abrangidos pela garantia da hipoteca (princípio da especialidade do registo quanto ao crédito).

IV - Não tendo sido levada ao registo menção relativa à cláusula penal estabelecida no contrato de cessão de exploração celebrado entre a cedente/exequente e a cessionária/beneficiária da garantia para a hipótese de denúncia do contrato por falta de pagamento das prestações mensais locatícias, menção também omitida na escritura de constituição de hipoteca em que outorgaram a exequente e o executado/terceiro, não pode entender-se que a garantia hipotecária abrange o crédito da exequente relativo à aludida cláusula penal convencionada ou os juros de mora até ao valor limite da dita garantia.
Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA deduziu oposição à execução que lhe moveu “BB, Lda.”, pedindo que fosse julgada extinta a instância executiva por ilegitimidade do Opoente e, subsidiariamente, que se julgasse parcialmente extinta a mesma execução, reconhecendo-se que a hipoteca não garante a totalidade da quantia exequenda, devendo excluir-se as quantias referentes à cláusula penal e respectivos juros.

A Exequente contestou, pugnando pelo prosseguimento da acção executiva para cobrança coerciva da totalidade das quantias liquidadas.

Declarada a legitimidade do Executado, logo no despacho saneador julgou-se, quanto ao mais, procedente a oposição, “determinando-se a redução da quantia exequenda, dela se excluindo a quantia referente aos juros e à cláusula penal”.

A Exequente/Oponida impugnou a decisão.

O Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, manteve a redução da quantia exequenda apenas no respeitante à quantia que representa os juros.

Pediram revista ambas as Partes, fazendo-o a Exequente subordinadamente.

O Executado/Opoente, visando a reposição do decidido na 1ª Instância, argumenta, nas conclusões da alegação que - apenas extirpadas de transcrições de excertos documentos e jurisprudência e repetições -, se transcrevem:

  “I. Ao julgar procedente a apelação e decidindo julgar parcialmente procedente a oposição, (o acórdão recorrido) determinou a redução da quantia exequenda, excluindo os juros mas incluindo o valor relativo à cláusula penal, viola o disposto no art. 693º, 686º e 810º do Código Civil, bem como viola o disposto no art. 96º do Código de Registo Predial.

  II. Embora reconheça que o registo da hipoteca é completamente omisso quanto a referência a qualquer acessório do crédito, ainda assim conclui que a hipoteca também os garantia.

  III. Contudo a conclusão de que os valores devidos a título de cláusula penal se inseriam dentro do conceito amplo de "prestações mensais" e que era essa a vontade dos intervenientes no contrato de cessão de exploração, é errónea.

  IV. Não é correcto considerar o valor da cláusula penal como uma prestação porquanto aquele tem antes uma natureza sancionatória, como resulta do seu próprio nome.

  V. A cláusula penal é distinta e não confundível com as prestações mensais a que a empresa "CC, Sociedade Unipessoal. Lda" estava adstrita e pela qual o Recorrente se responsabilizou.

  VI. O executado e ora recorrente é um terceiro estranho ao contrato de exploração, pelo que não conhecia as sua cláusulas nem tinha que conhecer, nem poderia saber o valor económico concreto que tal contrato poderia alcançar, tendo apenas outorgado hipoteca voluntária para garantia do pagamento das prestações mensais a que a sociedade “CC, Sociedade Unipessoal, Lda.", estava sujeita.

  VII. Inclusive, consta de tal escritura, assim como do registo predial (…).

  VIII. O recorrente afiançou o pagamento das prestações mensais relativas ao contrato de cessão de exploração, mas não se responsabilizou pelo pagamento de indemnização relativa a um eventual incumprimento do pagamento daquelas, não constando qualquer pretensão de inclusão de acessórios do crédito naquele documento e, consequentemente do registo respectivo, a conclusão a retirar só pode ir no sentido da lei: a hipoteca não garante efectivamente aquela cláusula penal pois, atenta a sua natureza e excluindo-se das prestações mensais, é um acessório do crédito.

  XV. Aceitar outra interpretação seria contra legem e uma interpretação correctiva da lei, sem fundamento, nunca seria de aceitar.

  XVII. O Tribunal da Relação ignorou por completo a solução legal disposta no art. 693º do Código Civil e art. 96º do Código de Registo Predial, violando estas disposições legais, que impõem que o registo da hipoteca seja acompanhado do registo das cláusulas acessórias caso seja vontade das partes que aquela hipoteca garanta também o cumprimento das cláusulas acessórias.”

         A Recorrida/Exequente apresentou resposta conjunta com a alegação do recurso subordinado, a pedir a revogação parcial do acórdão na parte em que determina a redução da quantia exequenda, por exclusão, dela, da quantia referente a juros.

         Para tanto, verte nas conclusões:

  “1ª) Por contrato de cessão de exploração outorgado em 04/05/1998, foi firmado por acordo mediante o qual a exequente cedia a exploração do estabelecimento Comercial denominado "DD" à CC, Unipessoal, Lda representada por EE, pelo prazo de 10 anos, com início em 01/05/1998 e com termo em 30/04/2008 e, mediante a prestação mensal de Esc. 500.000$00.

  2ª) Mais se convencionou, então, no documento complementar que, o atraso no pagamento das prestações por três meses consecutivos, conferia o direito de a cedente (exequente) denunciar o contrato, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações vincendas a título de sanção penal.

  3ª) Para garantia do pagamento das prestações mensais retro referidas à locatária/cessionária CC constitui hipoteca por suposto terceiro de prédio urbano.

  4ª) Nesta, o próprio gerente da CC: FF, como procurador do irmão: AA, constituiu hipoteca voluntária sobre o imóvel identificado e para garantia do pagamento das prestações mensais, a que, a Soc. CC - …, Soc. Unipessoal, Lda. se obrigou a pagar pela mesma cessação da exploração e, até, ao limite de 60.000.000$00.

  5ª) O valor do limite máximo assegurado teve por base garantir a contrapartida devida pela exploração do estabelecimento comercial no período convencionado e, em caso de incumprimento por parte da cessionária as prestações vincendas.

  6ª) O título de hipoteca e o registo efectuado têm e visam aquele limite máximo de 60.000.000$00 (€299.278,73) como garantia real.

  7ª) A quantia exequenda é inferior ao mesmo montante e, resulta do crédito exequendo pelo não pagamento das prestações mensais que, a Soc. CC - …, Lda., acrescido do valor atribuído à sanção penal e aos juros moratórios.

  8ª) A garantia hipotecaria prestada previu que, em caso de atraso contratual por três meses consecutivos, pelo não pagamento das prestações mensais, a exequente tinha o direito de denunciar o contrato e, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações vincendas, denominadas a título de sanção penal.

  9ª) É esta a leitura da vontade real das partes, do espírito e, dos interesses, em causa; outrotanto, a interpretação do oponente AA, desconforme com o fim económico do direito, ao pretender excluir quanto à sanção penal e, os juros e, a 2ª instância, quanto aos juros compreendidos, até ao limite máximo garantido de 60.000.000$00, contravalor €299.278,73; por contrária aos princípios da boa fé, isto é, constituiria um verdadeiro abuso de direito.

  10ª) A redução da hipoteca como decidiu a 1ª instância viola tal acordo e, fez uma interpretação literal e, única do registo.

  11ª) Ora, o processo deve ser um instrumento para o fim em vista do convencionado, homenageando-se o mérito e, a substância em detrimento da mera formalidade e, não para subverter, o que, fora contratualizado e, reduzido a escrito.

  12ª) As conclusões do recurso impetrado pelo recorrente/oponente AA devem ser julgadas improcedentes e o recurso principal não obter provimento.

  13ª) Deve o recurso subordinado ser julgado procedente e, a parte do douto acórdão da 2ª instância, que decidiu excluir o valor dos juros, até ao valor máximo garantido pela hipoteca rectius da quantia exequenda, ser revogado e substituído por outro em conformidade.

  14ª) Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados os princípios gerais do direito civil e processual civil atinentes, mormente o preceituado nos arts. 236°; 686°; 687° e 693°, n° 1 do C.C.”.

         2. - A questão colocada, comum a ambos os recursos, consiste em saber se a garantia hipotecária abrange o crédito da Exequente relativo à cláusula penal convencionada para o caso de denúncia do contrato de cessão de exploração pela aí Cedente, bem como os juros em dívida até ao valor limite da dita garantia.

3. - Os factos considerados relevantes para a decisão da causa, vêm assim fixados:

  1) Mediante escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Batalha, actualmente da Exma. Sra. Dra. GG, exarada a fls. … a … do Livro de notas, para escrituras diversas n.° …, o aqui executado, no dia 04.05.1998, constituiu a favor da exequente - BB, Lda.,- HIPOTECA VOLUNTÁRIA SOBRE O IMÓVEL sito na Avenida ..., número … de freguesia de …, da cidade de Lisboa, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, da freguesia de …, e aí inscrita a seu favor sob o n.º …, “para garantia do pagamento das prestações mensais, a que a sociedade CC Lda., com sede na Rua ..., n.º …, sala …, na Cidade de Pombal, se obrigou a pagar na escritura de cessão de exploração, referente ao contrato celebrado naquela mesma data e Cartório, formalizado por escritura pública, a fls. … do Livro n.º .. - E, até ao limite de 60.000.000$00 - sessenta milhões de escudos”, cuja conversão em euros corresponde a 299.278,73. [- Da escritura de “cessão de exploração”, celebrada entre as referidas sociedades comerciais “BB, Lda” e a CC, Lda”, consta, designadamente: Na cláusula primeira, que o contrato é feito pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos de três anos; na cláusula segunda, que a contraprestação é de 500.000$ mensais (n.º 1), anualmente actualizável por aplicação dos coeficientes de actualização das rendas comerciais (n.º 3) e ainda que “O atraso no pagamento das prestações referidas no n.º 1, por três meses consecutivos, confere à cedente o direito de denunciar o contrato, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações vincendas a título de cláusula penal” (n.º 5); e, na cláusula terceira, que “Para pagamento das prestações mensais referidas na cláusula anterior, durante o período inicial do presente contrato e subsequentes renovações, a locatária do estabelecimento constitui, através de terceiro, hipoteca de prédio urbano” -].

  2) A hipoteca foi registada em 23.06.1998, pela apresentação 38/19980623 e inscrita pela cota C 1: «GARANTIA do pagamento das prestações mensais a que a sociedade “CC – …, Limitada” que se obrigou a pagar»;

  3) Por sentença judicial proferida no âmbito da acção de processo ordinário nº 255/02 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, instaurada pela aqui exequente contra a Soc. CC - …, Lda., por incumprimento quanto ao pagamento das prestações da cessão de exploração, condenada entre o mais, a pagar à Autora a quantia de Euros 32.097,67, acrescida de juros de mora à taxa legal, para dívidas de natureza comercial, vincendos até 03.03.2002, no valor de 2.288,98 e vincendos a partir dessa data e acrescida da quantia de Euros 65.000,00 acrescida de juros de mora;

  4) Por acórdão da Relação de Coimbra, proferido no recurso interposto daquela sentença, pela aqui exequente, em 21.04.09, transitado em julgado em 05.05.2009 a Ré foi condenada a pagar à Autora: a) a quantia de 40.851,54 acrescida de juros de mora à taxa legal para dívidas de natureza comercial, vencidos até 03.03.2002 e vincendos a partir dessa data; b) a quantia de Euros 70.000,00 a título de sanção penal, por falta de pagamento das prestações, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação.

         4. - Mérito dos recursos.

         4. 1. - Recurso independente.

         A execução a que foi deduzida oposição tem por título executivo hipoteca constituída pelo Executado a favor da Exequente por créditos desta sobre a sociedade comercial “CC, Unip. Lda.” decorrentes da execução de um contrato de cessão de exploração.

         Estamos, assim, perante um direito real de garantia – hipoteca voluntária - constituído por terceiro a favor da Exequente (Cedente, no contrato de cessão), conferindo-lhe o direito de ser preferencialmente pago pelo imóvel dado em hipoteca – art. 686º C. Civil.        

         Dispõe o art. 687º do mesmo C. Civil que “a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes”.

         Do mesmo modo, o n.º 2 do art. 4º do C. Reg. Predial estipula, como excepção à regra geral acolhida em seu n.º 1 – segundo a qual “os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros” -, que a eficácia dos factos constitutivos da hipoteca, mesmo entre as próprias partes, depende da realização do registo.

         Desta solução excepcional, isto é, de a eficácia da hipoteca depender de registo dos respectivos factos constitutivos, mesmo em relação às partes outorgantes no contrato, resulta que, embora não sendo condição de validade do acto constitutivo da hipoteca voluntária, o registo ergue-se como condição necessária de eficácia desse acto.

         Assim, apesar da preexistência do negócio (contrato ou negócio unilateral) que integra o acto constitutivo da garantia, o seu registo, funcionando como condição verdadeira da eficácia absoluta daquele negócio, acaba por assumir também verdadeiros efeitos constitutivos, como verdadeiro registo constitutivo.

         Como escreve J. A. GONZÁLEZ (“Noções de Direito Registal”, 1998, p.83), “na verdade, o registo que condiciona a eficácia do facto registável mesmo entre as próprias partes (art. 4º-2 C.Reg.Predial), também impede totalmente a eficácia desse facto, ou seja, impede a produção dos efeitos tipicamente associados à sua verificação”.

         Como corolário desse efeito constitutivo temos, então, que a existência da situação sujeita à inscrição no registo carece de existência jurídica enquanto não for realizado o registo de cuja existência depende, embora, no caso da hipoteca voluntária, se não possa falar propriamente em inexistência jurídica, como se deixou dito, mas, apenas, na não produção dos “seus efeitos típicos”, mesmo entre as partes (A. e ob. cit., p.7).

         Das inscrições hipotecárias devem constar, além das menções gerais a que se refere o art. 93º C.Reg.Predial, as menções especiais indicadas no art. 96º-1 do mesmo diploma, designadamente, ao que aqui interessa, “o fundamento da hipoteca, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado”, dispondo, por sua vez o art. 693º-1 do Código Civil que “A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo”.

         Estabelece-se, assim, o princípio da especialidade do registo quanto ao crédito, “em consequência do qual nenhuma garantia pode abranger elementos que não constem da inscrição, e exige-se a indicação do máximo do crédito assegurado para habilitar terceiros a conhecerem o encargo que pesa sobre os bens hipotecados” (P. de LIMA e A. VARELA, “Código Civil, Anotado”, I, 4ª ed., p. 716; cfr. MARIA ISABEL MENÉRES CAMPOS, “Da Hipoteca”, 76 e ss.; P. ROMANO MARTINEZ E P. FUZETA DA PONTE, “Garantias de Cumprimento”, 73; LUÍS MENEZES LEITÃO, “Garantias das Obrigações”, 2ª ed., 231).

         Daí resulta que só os acessórios do crédito – cláusula penal, juros ou despesas – que constem do registo, ou seja, de que no registo exista menção, são abrangidos pela garantia da hipoteca.

            

         No caso sob apreciação, não foi levada ao registo menção relativa à cláusula penal estabelecida no contrato de cessão de exploração celebrado entre a Exequente e a “CC” para a hipótese de denúncia do contrato por falta de pagamento das prestações mensais locatícias, tal como nenhuma referência se fez a tal sanção pelo incumprimento/cláusula penal na escritura de constituição de hipoteca em que outorgaram a Exequente e o Executado, este representado pelo sócio da Sociedade cessionária.

         No acórdão sob censura, entendeu-se que, apesar disso, da “conjugação dos negócios efectuados entre as partes …resulta evidente que o que as partes pretenderam foi salvaguardar que a hipoteca garantisse o valor económico da cessão de exploração, concretizado, na perspectiva da exequente, no montante pecuniário a que globalmente teria direito pela execução do contrato de cessão, Daí que a sanção penal fosse fixada pelo estrito valor correspondente às prestações vincendas que seriam devidas até ao terminus do contrato”, pelo que, lançando mão dos critérios interpretativos fornecidos pelos arts. 237º e 238º C. Civil, se consideraram excluídos da garantia apenas os juros.           

         Ora, crê-se que as regras e os princípios jurídicos assinalados não permitem acompanhar a decisão impugnada.

         Com efeito, não só a inscrição registral não contém qualquer alusão à cláusula penal, o que perante a sobredita natureza do registo, se pensa ser suficiente para a ter por excluída da garantia da hipoteca, como, sendo o garante terceiro, sem intervenção no contrato base de cessão de exploração, e sendo tão omisso como o registo o título constitutivo da hipoteca – mencionando tão-só a “garantia de pagamento das prestações mensais que (…) se obrigou a pagar na escritura de cessão de exploração …e até ao limite de sessenta milhões de escudos” –, nos não parece que, dada a insuficiência de elementos, por via interpretativa, fazendo apelo à vontade das Partes e ao equilíbrio das prestações, seja possível alcançar tal resultado.

           Nota-se que, ao assim agir, se faz apelo a contrato em que o Executado não interveio, imputando-lhe uma “vontade real” que, quer por essa ausência, quer porque, sendo matéria de facto, nunca foi alegada nos articulados, não lhe pode ser atribuída, sendo certo que no contrato que interveio - ainda que representado por procurador, que era o representante da Cessionária – há absoluta omissão de referência a prestações representativas do valor da cláusula penal (art. 238º).

         Depois, mesmo dando relevância ao facto de devedora no contrato e devedor hipotecário terem sido representados pela mesma pessoa física, não parece poder concluir-se que se quis fazer abranger pela garantia, apesar de silenciada, a cláusula penal, pelo facto de se estar, em qualquer caso, perante valores de prestações mensais. É que, uma coisa é a indemnização pelo incumprimento ou cláusula penal, a que se não faz menção alguma, e outra coisa é a forma de a determinar ou calcular, esta, sim, por referência às ditas prestações. 

        

         Porque, como se disse, o contrato de constituição de hipoteca não faz referência à garantia do pagamento de outras obrigações que não fossem “as prestações mensais a que (a CC) se obrigou a pagar na escritura de cessão de exploração”, a possibilidade de inclusão da cláusula penal - de montante a determinar pelo número de prestações vincendas à data da eventual denúncia do contrato, por falta de pagamento – haveria de situar-se, a nosso ver, mais no campo da integração da declaração negocial que da sua interpretação.

         Haveria de reconhecer-se uma lacuna na regulamentação do negócio a preencher ou integrar, “na falta de disposição especial … de harmonia com a vontade que as partes teriam se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta” – art. 239º C. Civil.

         Acontece, porém, que não só não se mostra estarmos perante uma incompletude da declaração negocial, designadamente do Executado, de resto não invocada, como se nos afigura, reafirma-se, que a qualquer solução integradora ou interpretativa, como a seguida pela Relação, se opõe a natureza e os fins do registo, também de protecção da generalidade dos credores do devedor hipotecário.

         Em conclusão, da garantia do crédito da Exequente/Recorrida deve ter-se por excluído o crédito correspondente à cláusula penal.

         4. 2. - Recurso subordinado.

         A Recorrida/Exequente pugna pela inclusão dos juros moratórios devidos pela “CC” na garantia da hipoteca, apesar da sua omissão como menção na inscrição registral, tal como no contrato de hipoteca.

         Faz apelo à vontade real das Partes na configuração de um acordo nesse sentido e à sua conformidade com o fim económico do direito. 

         Já se deixou dito, em apreciação do recurso independente, que não foi feito, nos articulados, qualquer apelo ou referência à vontade real das Partes, a fim de, como matéria de facto que é, poder ser apurada.

         Por isso, a vontade real é desconhecida e tornou-se incognoscível no processo.

         Ou seja, em tema de interpretação dos negócios, sobrou a possibilidade de interpretação normativa objectivista, como estabelecido pelo n.º 1 dos arts. 236º e 238º. 

         As razões pelas quais os juros têm de manter-se excluídos da garantia da hipoteca são mutatis mutandis as mesma pelas quais o é também o crédito da cláusula penal.

         Assim, para evitar inúteis e fastidiosas repetições argumentativas, remete-se para o ponto anterior quanto à fundamentação do indeferimento da pretensão da Recorrente/Exequente subordinada.

4. 3. – Em síntese final, poderá responder-se à questão enunciada nos seguintes termos:

A eficácia da hipoteca depende do registo dos respectivos factos constitutivos, mesmo em relação às partes outorgantes no contrato.

O seu registo, funcionando como condição verdadeira da eficácia absoluta do acto/negócio de constituição, acaba por assumir também verdadeiros efeitos constitutivos, como verdadeiro registo constitutivo.

Só os acessórios do crédito – cláusula penal, juros ou despesas – que constem do registo, ou seja, de que no registo exista menção, são abrangidos pela garantia da hipoteca (princípio da especialidade do registo quanto ao crédito).

Não tendo sido levada ao registo menção relativa à cláusula penal estabelecida no contrato de cessão de exploração celebrado entre a Cedente/Exequente e a Cessionária/Beneficiária da garantia para a hipótese de denúncia do contrato por falta de pagamento das prestações mensais locatícias, menção também omitida na escritura de constituição de hipoteca em que outorgaram a Exequente e o Executado/terceiro, não pode entender-se que a garantia hipotecária abrange o crédito da Exequente relativo à aludida cláusula penal convencionada ou os juros de mora até ao valor limite da dita garantia.

         5. - Decisão.

         Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

   - Negar a revista subordinada;

   - Revogar, em parte, o acórdão impugnado e, repondo a decisão da 1ª Instância, declarar excluído da garantia da hipoteca constituída pelo Executado o crédito correspondente à cláusula penal;

   - Condenar nas custas de cada um dos recursos os respectivos Recorrentes.

Lisboa, 1 de março de 2014

Alves Velho (Relator)

Paulo Sá

Garcia Calejo