Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1129/09.5TBVRL-H.G1.S2
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
DEVER DE PROBIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
EFEITOS DA SENTENÇA
BOA FÉ
DEVER DE LEALDADE
CASO JULGADO
INDEFERIMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
LITISPENDÊNCIA
DEFESA DA POSSE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
EXCEPÇÕES
EXCEÇÕES
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
ACÇÕES POSSESSÓRIAS
AÇÕES POSSESSÓRIAS
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO - PROCESSO DE EXECUÇÃO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO / EMBARGOS DE TERCEIRO.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4.ª edição, 233.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva – Depois da Reforma, 294.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1979, 320.
- Miguel Mesquita, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, 95.
- Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 744.
- Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, B.M.J., 325-49; “Preclusão e caso julgado”, Paper 199, de 3.5.2016, Blog do IPPC – https://blogippc.blogspot.pt/
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 342.º, 552.º, N.º1, D), 573.º, N.º1, 580.º, N.º2, 581.º.
Sumário :
I. Com a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais, foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, agora desligados, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência), sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [constitui um incidente de intervenção de terceiros], tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, apreensão ou entrega de bens, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo, quem em relação a tal processo, seja terceiro.

II. Sendo um meio de defesa da posse, no caso para reagir a um acto de entrega de um imóvel judicialmente ordenado, competiria ao embargante de terceiro com função preventiva, invocar todos os meios de defesa que pudesse invocar, como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando são autores devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando são réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puderem invocar.

III. A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual).

IV. Não faria sentido que alguém, reagindo a um acto que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse acto ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse: deverá por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio.

V. O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1, do Código de Processo Civil.

VI. A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro com função preventiva, ser titular de direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por sido realizadas em 2005, tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira dessa fracção, sendo que, quando interpôs os primeiros embargos as aludidas “obras e inovações” que, agora invoca a fundamentar os segundos embargos, já existiam.

VII. A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado, (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado.

Decisão Texto Integral:

Proc.1129/09.5TBVRL-H.G1.S1

R-572[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, Lda., deduziu, em 15.1.2015, na Comarca de … – Instância Central – Secção Cível – J1 – Embargos de Terceiro com função preventiva.

Alegando, em síntese, que no apenso de Providência Cautelar n.º 1129/09.5TBVRL-C, onde é Requerente “BANCO BB, S.A.” e Requerida “CC Lda.”, foi decretada a entrega judicial da fracção predial designada pela letra M, correspondente ao rés-do-chão direito, e a dois lugares de garagem, de um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, conhecido como Edifício ..., Bloco I, sito na cidade de ..., na Rua ..., descrito, na Conservatória do Registo Predial daquela cidade, na ficha número 000/00000404, da Freguesia de ..., então ainda sem número de polícia, nem inscrição na matriz, mas cuja participação para essa inscrição havia já sido feita, no dia 31 de Outubro de 2001, tendo a esse prédio cabido, primeiro, o artigo 0.453, urbano, da Freguesia de ..., do concelho de ..., e, depois, o artigo 0.619, também urbano, da freguesia União de Freguesias de ..., igualmente do concelho de ..., e que, desde 01 de Outubro de 2005, se encontra na posse da referida fracção, titulada, de boa-fé, pacífica e pública, por via de sucessivos contratos celebrados e que identifica, desde 01 de Outubro de 2005, que efectuou obras novas na referida fracção, cujo valor ascende a 51.325,00 euros, e lhe dão o direito de retenção sobre tal fracção até ao seu ressarcimento, e que tem direito a receber do BANCO BB.

Mais alega que, apesar de ter já deduzido os embargos de executado que correm termos por apenso e exista identidade parcial de pedidos, entende que as causas de pedir são diversas e, por isso não há litispendência ou caso julgado.

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Por despacho proferido a 16/01/2015, constante de fls. 186 e seguintes dos autos, tais embargos foram liminarmente rejeitados, por caducidade na sua dedução, tendo as Embargadas sido absolvidas da instância.

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Inconformada com tal decisão, a Embargante recorreu para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 24.9.2015 – fls. 518 a 545 – negou provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

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De novo inconformada, a Embargante recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, que por Acórdão de 17.3.2106 – fls. 763 a 774 – concedeu a revista, revogando o Acórdão recorrido, determinando-se que os autos voltassem ao Tribunal da Relação de …, para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Senhores Desembargadores, se dar cumprimento ao princípio do contraditório, quanto aos fundamentos apontados – autoridade do caso julgado e preclusão, e, após, se proceda a julgamento.

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Em cumprimento do decidido, o Tribunal da Relação de … notificou a embargante, que a fls. 788 a 797, se pronunciou requerendo que as considerações desenvolvidas pela requerente, sejam levadas em conta no novo Acórdão, a prolatar pelo Tribunal da Relação.

Foi, então, proferido o Acórdão de 23.6.2016 – fls. 815 a 820 – que julgou improcedente o recurso. No Acórdão de fls. 881 e verso, de 15.9.2016, foram indeferidas as nulidades assacadas ao Acórdão.

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Inconformada, a Embargante recorreu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

PRIMEIRA CONCLUSÃO – A aqui recorrente interpôs, no dia 14 de Janeiro de 2015, através de petição inicial, em tal data apresentada no Tribunal Judicial da Comarca de ..., por transmissão electrónica de dados, via sistema Citius, embargos de terceiro, com função preventiva.

SEGUNDA CONCLUSÃO – Tais embargos de terceiro foram rejeitados liminarmente, por intermédio de sentença, aliás douta, proferida em ia instância, no dia 16 de Janeiro de 2015.

TERCEIRA CONCLUSÃO – O único motivo pelo qual a sentença da 1ª instância em causa decidiu “rejeitar liminarmente”, como “liminarmente rejeitou”, os embargos de terceiro em questão, consistiu em nessa sentença se ter considerado, como se considerou, que tais embargos de terceiro foram deduzidos já depois do decurso do prazo de 30 dias, a que alude o artigo 344.°-2, do Código de Processo Civil 2013, artigo este que tal sentença entendeu ser também aplicável aos embargos de terceiro com função preventiva, mais entendendo a mesma sentença que a caducidade, decorrente da ultrapassagem desse prazo de 30 dias, era do conhecimento oficioso.

QUARTA CONCLUSÃO – De tal sentença apelou a AA, LDA, que fundamentou as respectivas alegações, apenas e unicamente, em o prazo de 30 dias atrás referido não se aplicar aos embargos de terceiro com função preventiva, que eram aqueles que haviam sido deduzidos, mas apenas aos embargos de terceiro com função restitutiva ou repressiva, e não ser a caducidade do direito de embargar,

decorrente de ter sido ultrapassado esse prazo de 30 dias, do conhecimento oficioso.

QUINTA CONCLUSÃO – Tendo o Tribunal da Relação de … negado provimento a tal recurso de apelação, através de douto acórdão, em tal tribunal de 2ª instância prolatado, em 24 de Setembro de 2015, douto acórdão esse que foi depois, sob recurso da AA LDA, “revogado”, pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que foi proferido, pelo mesmo Tribunal da Relação de …, um novo acórdão, que é precisamente aquele que, aqui e agora, se está a pôr em crise.

SEXTA CONCLUSÃO – E isto porque, muito embora tal acórdão de 23 de Junho de 2016, do Tribunal da Relação de …, tenha, tal como sucedeu como o acórdão do mesmo tribunal, de 24 de Setembro de 2015, dado, como deu, total razão à apelante, no sentido de que, tal como esta defendeu, nas alegações do recurso de apelação que interpôs, e ao contrário do pretendido na sentença da 1ª instância sob recurso, o prazo de 30 dias para embargar de terceiro, a que se reporta o artigo 344.°-2, do Código de Processo Civil 2013, só ser aplicável aos embargos de terceiro de função repressiva, não prevendo a lei prazo fixo para a dedução de embargos de terceiro de função preventiva, podendo estes serem deduzidos, como no caso sub judice havia sucedido, entre a data do despacho que ordena a diligência e a sua efectiva realização, considerou depois novamente totalmente improcedente a apelação em causa.

SÉTIMA CONCLUSÃO – Baseando tal improcedência total num fundamento novo, pois que ele não tinha sido levado em conta na sentença da 1ª instância recorrida, nem por ninguém, nomeadamente pelo único embargado que contra alegou, o BANCO BB S.A., invocado, ou sequer aflorado, nos autos.

OITAVA CONCLUSÃO – Novo fundamento esse que consistiu em, na visão do acórdão recorrido, os autores, em sentido amplo, nele se incluindo os embargantes, terem de utilizar de uma só vez, nas acções, também em sentido amplo, que engloba os embargos de terceiro, que intentem, todos os motivos fácticos, rectius todas as causas de pedir, que possam, eventualmente, conduzir à procedência de tais acções, ou de tais embargos de terceiro, sob pena de, se não o fizerem, ficar precludida, por força do Princípio da Preclusão,

que o acórdão da Relação em questão estribou no Princípio da Lealdade, considerou ser do conhecimento oficioso, a possibilidade legal de, mais tarde, deduzirem eles autores/embargantes, uma segunda acção, ou uns segundos embargos de terceiro, naturalmente contra os mesmos réus/embargados, com base nesses factos, que, logo nos primeiros embargos de terceiro poderiam ter aduzido, mas não aduziram, rectius omitiram.

NONA CONCLUSÃO – Consistindo um primeiro fundamento do presente recurso de revista, o acórdão da Relação de … em questão, ter usado, como usou, factos essenciais principais, consistentes em a AA LDA ter, anteriormente aos embargos de terceiro, que originaram o presente recurso, deduzido outros embargos de terceiro, contra os mesmos embargados, muito embora com uma diferente causa de pedir, factos principais esses que as partes não tinham trazido aos autos, violando assim tal acórdão, o artigo 5º, do Código de Processo Civil 2013.

DÉCIMA CONCLUSÃO – Isto, por um lado, enquanto que, por outro lado, e assim entramos no segundo fundamento do presente recurso de revista, a tese em que se alicerça o douto acórdão sob recurso, que consiste, relembre-se, em o autor/embargante de uma acção/embargos de terceiro ter que invocar nela/neles todos os motivos fácticos, susceptíveis de conduzirem à procedência da mesma/dos mesmos, sob pena de, se o não fizer, e naturalmente decair na acção/nos embargos, não poder depois deduzir nova acção/novos embargos contra o mesmo réu/embargado, ainda que com diferente fundamento fáctico, isto é, com diferente causa de pedir, por esse direito ficar precludido, não tem, muito embora com a devida vénia, fundamento em qualquer norma legal, sendo certamente por isso que o acórdão em causa não refere nenhuma disposição legal em que estribe a tese que defendeu, que se apoia apenas no princípio da preclusão, que tal acórdão tem como sendo um aforamento do princípio da lealdade, sendo certo que os princípios, só por si, e se não estiverem, como no caso não estão, positivados em normas jurídicas, não são fonte de direito, pelo menos imediata, não podendo pois exclusivamente neles se basear qualquer decisão judicial, maxime um acórdão de um Tribunal da Relação, principalmente para de tais

princípios retirar a gravosa consequência de precludir ao autor/embargante numa acção/embargos de terceiro, e logo à partida dela/deles, a possibilidade de, ou se se preferir, a chance, de obter a procedência da mesma/dos mesmos.

DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO – Não referindo o acórdão sob recurso nenhuma norma legal em que se esteie, nem, em boa verdade, podia referir, pois que tal norma legal não existe, existindo até normas legais que apontam em sentido contrário ao da tese em causa, normas legais essas que são os artigos 576.°, 577.°, 580.°, 581.° e 621.°, os três do Código de Processo Civil 2013, e que foram violadas pelo acórdão sob recurso.

DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO – Por fim, e naquilo que constitui um terceiro e último fundamento do presente recurso, dir-se-á que, mesmo dando de barato, sem conceder, que a preclusão atrás referida existe, o que não acontece, nunca poderia essa preclusão ser conhecida no âmbito do presente recurso.

DÉCIMA TERCEIRA CONCLUSÃO – E isto, desde logo, e em primeiro lugar, porque, ao tratar, como tratou, de tal questão da preclusão, o acórdão do Tribunal da Relação de … sob crítica, ocupou-se de uma questão que não tinha sido suscitada pelas partes, questão essa consistente em a dedução dos primeiros embargos de terceiro ter precludido a dedução dos segundos embargos de terceiro, e cujo conhecimento oficioso a lei lhe não impunha, ou permitia sequer, pois que nenhuma norma legal dispõe no sentido dessa imposição ou permissão, violando assim tal acórdão, o artigo 608º – 2-2ª parte, do Código de Processo Civil 2013, o que importa a nulidade desse acórdão, nos termos do artigo 615.°-1-d), do mesmo Código de Processo Civil 2013, sendo os dois artigos atrás referidos, que regem directamente para sentenças, aplicáveis a acórdãos da Relação, ex vi da remissão constante do artigo 666.°- 1, do mesmo Código de Processo Civil 20l3.

           

DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO – Nulidade esta que, por força do comandado nos artigos 615.°-4 e 666.°-l, ambos do Código de Processo Civil 2013, e porque o acórdão do Tribunal da Relação de … em causa, e pelos motivos que, no respectivo requerimento de interposição, ficaram explanados, admite recurso ordinário, não pode ser arguida perante o Tribunal da Relação de …, antes constituindo, como constitui, um dos fundamentos do presente recurso, fundamento esse que aqui se invoca pois também.

DÉCIMA QUINTA CONCLUSÃO – Depois, e em segundo ligar, por força da conhecida regra, unanimemente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, segundo a qual os recursos não se destinam a apreciar e a decidir questões novas, mas apenas a reapreciar e a decidir questões que já foram anteriormente apreciadas e decididas pela decisão recorrida, regra esta que, de certo modo, resulta dos já atrás referidos artigos 608.°-2 (2ª parte), 615.°-l-d) e 4 e 666.°-l, os três do Código de Processo Civil 2013, bem como dos artigos 627.°-l e 635.°-4, ambos do mesmo Código de Processo Civil 2013, artigos esses que foram todos violados pelo acórdão sob recurso.

DÉCIMA SEXTA CONCLUSÃO – E isto porque o acórdão da Relação em causa se ocupou de uma questão que não havia sido tratada na sentença da 1ª instância apelada, nem aliás suscitada ou invocada por quem quer que tenha sido, nomeadamente pelas partes, maxime pelo único embargado que contra alegou, questão essa que foi a da preclusão da dedução, por parte da AA LDA, dos embargos de

terceiro em causa, preclusão essa decorrente dos primeiros embargos de terceiro que tal sociedade havia oportunamente deduzido.

DÉCIMA SÉTIMA CONCLUSÃO - A isso não obstando, como a isso não obsta, que, como se pondera no acórdão recorrido, tal regra pudesse até comportar a excepção, consistente em o tribunal ad quem se poder pronunciar, ou ter mesmo que o fazer, sobre questões novas que sejam do conhecimento oficioso, excepção esta que alguma doutrina e alguma jurisprudência admitem, construção doutrinal e pretoriana essa com a qual a recorrente não concorda, nomeadamente por a admissibilidade de tal excepção retirar à parte visada um grau de jurisdição.

DÉCIMA OITAVA CONCLUSÃO – O que resulta do conhecimento oficioso constituir, como constitui, uma excepção à regra geral atrás referida, pelo que sempre terá ele que estar expressamente previsto numa norma legal, ou, pelo menos, ter esse conhecimento oficioso que incidir sobre matéria excluída da disponibilidade das partes.

DÉCIMA NONA CONCLUSÃO – O que, quanto, por exemplo, à caducidade, que traduz também ela uma forma de preclusão, muito próxima aliás, para não dizer mesmo igual, à preclusão em causa neste recurso, é exigido pelo artigo 333.°-l, do Código Civil, estatuindo o número 2, desse mesmo artigo 333.°, do Código Civil, que, se a caducidade, bem como naturalmente a preclusão dela decorrente, for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é-lhe aplicável o disposto no artigo 303.°, do mesmo Código Civil, não podendo pois ela ser suprida oficiosamente, necessitando, para ser eficaz, que ser invocada, judicial ou extra judicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante legal, ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

VIGÉSIMA CONCLUSÃO – Ora, relativamente à preclusão, a que se arrima o acórdão que se está a pôr em crise, nada disso sucede.

VIGÉSIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO – Efectivamente, por um lado, nenhuma norma legal impõe, ou sequer permite, o conhecimento oficioso de tal preclusão, enquanto que, por outro lado, essa preclusão não é imposta por nenhum preceito legal, pelo que muito menos, ou, se se preferir, a fortiori, por nenhum preceito legal imperativo, não fazendo pois essa preclusão parte das relações jurídicas indisponíveis, antes cabendo nas relações jurídicas disponíveis, não estando, em consequência, a matéria de tal preclusão excluída de tal disponibilidade das partes, antes estando ela estabelecida em matéria inserida no âmbito das disponibilidade das partes, pelo que, a sua verificação, ainda que estivesse, que não está, demonstrada nos autos, nunca podia ser do conhecimento oficioso do tribunal, face ao comandado nos artigos 303.° e 333.°-2, ambos do Código Civil, que regem directamente para a preclusão decorrente da caducidade, mas que se aplicam, por analogia, muito embora se necessário mutatis mutandis, à preclusão a que se arrimou o acórdão sob recurso, o qual violou pois tais duas normas legais.

VIGÉSIMA SEGUNDA CONCLUSÃO – Motivos pelos quais, e muito embora sem prejuízo do maior respeito, e da maior consideração, merecidos, devidos e tidos, respeito e consideração esses que são aliás, diga-se em abono da boa verdade, muito elevados, no caso vertente, deverá o aliás douto acórdão sob recurso, ser declarado nulo, ou anulado, em virtude das razões invocadas em cada uma das alíneas a) e b) seguintes:

a) por força dos artigos 615.°-1-d) e 4 e 666.°-1, os dois do Código de Processo Civil 2013, e por tal acórdão ter violado, como violou, o artigo 608º – 2ª parte, do mesmo Código de Processo Civil 2013;

           

b) Por tal acórdão ter ido, como foi, contra diversas disposições legais, designadamente, o, na alínea a) anterior, já referido artigo 608º-2-2ª parte, do Código de Processo Civil 2013, bem como os artigos 5.°, 576.°, 577º, 580.°, 581.° e 621.°, todos do Código de Processo Civil 2013, e ainda os artigos 303.º e 333.°-2, ambos do Código Civil, proferindo-se, em substituição do acórdão sob recurso, um outro acórdão, que receba os embargos de terceiro que têm vindo a ser referidos, e que determine que, depois, os mesmos sigam, no Tribunal de 1ª Instância, os ulteriores termos processuais deles, o que tudo se peticiona a V. Exas.

Não houve contra-alegações.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que a Relação além do que consta do Relatório operou com os seguintes factos já considerados no Acórdão de 24.9.2105:

- O acto ofensivo do alegado direito do Recorrente foi ordenado por decisão proferida a 14 de Maio de 2010;

- A 18 de Maio de 2010 o aqui Embargante deduziu embargos de terceiro que foram decididos e objecto de vários recursos, designadamente, para Tribunal Constitucional, que obteve decisão definitiva em 2 de Dezembro de 2014, que negou provimento ao recurso interposto pela aqui Recorrente;

- No dia 14 de Janeiro de 2015 a Recorrente deu entrada dos presentes embargos, com fundamentos diversos dos primeiros;

- A decisão aqui recorrida foi proferida em 16 de Janeiro de 2015.

- Em 20 de Janeiro de 2015, a Juiz a quo determinou que a diligência de entrega se efectuaria no dia 27 de Janeiro de 2015;

- A diligência de entrega veio efectivamente a realizar-se naquele dia 27 de Janeiro de 2015.

             

Fundamentação:

           

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

-  se o Acórdão enferma de nulidade por excesso de pronúncia;

- se o tribunal recorrido poderia operar com o princípio da preclusão;

- se decidiu questão nova.

Vejamos, na tentativa de, através do histórico dos recursos, clarificar o que estava em discussão e se a censura da recorrente tem fundamento.

Tendo a recorrente apresentado no tribunal de 1ª Instância embargos de terceiro com função preventiva, visando obstar à entrega judicialmente ordenada mas ainda não cumprida de uma fracção predial, foi, em 16.01.2015, proferida decisão de rejeição liminar dos embargos com os seguintes fundamentos de facto e de direito:

           

“ (…)

Cumpre decidir.

Sem necessidade de grandes fundamentos, desde já se adianta que os presentes autos devem ser liminarmente rejeitados, por ser manifesta a sua extemporaneidade.

Aliás, tanto assim é, que a Embargante nem sequer ousou alegar a data em que teve conhecimento da decisão que decretou a providência cautelar que ordenou a entrega judicial da fracção em causa à Embargada e Requerente da Providência Cautelar, ou seja, que ofende o seu direito aqui invocado.

Ora, nesta matéria dispõe o artigo 344.º, do Novo Código de Processo Civil (aqui aplicável porquanto os presentes embargos de executado são uma acção declarativa e, por isso, não lhes é aplicável o disposto no artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho),    “1 – Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante.

2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.”

Ora, o acto ofensivo do pretenso direito da embargante foi ordenado em 14 de Maio de 2010, por via da sentença proferida a fls. 120 e seguintes do apenso C, sendo ali ordenada a entrega judicial da fracção em causa também nos presentes embargos de terceiro.

Sendo certo que a aqui embargante teve conhecimento deste acto ofensivo do seu pretenso direito em data sempre anterior a 18 de Maio de 2010, data em que deduziu também embargos de terceiro, que correram termos sob o apenso E, que foram decididos e objecto de diversos recursos até ao Tribunal Constitucional, para finalmente e decorridos 4 anos transitar em julgado a decisão que os rejeitou.

Donde, desde o dia 18 de Maio de 2010 até à dedução dos presentes embargos de terceiros muitos 30 dias decorreram.

Nestes termos, independentemente do conhecimento da existência de caso julgado, é manifesto que se verifica a caducidade da Embargante em deduzir embargos de terceiro, excepção que é de conhecimento oficioso.

Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 345.º, do Código de Processo Civil, rejeitam-se liminarmente os presentes embargos, por caducidade na sua dedução, absolvendo-se as Embargadas da instância – artigos 577.º e 278.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Civil.

Custas pela Embargante, artigo 446.º, do Código de Processo Civil.

Fixo aos presentes Embargos o valor de € 60 000 (sessenta mil euros).

Notifique e registe.

..., d. s.”

(…)”

           

Foi, na transcrita decisão, considerada oficiosamente, a caducidade dos embargos de terceiro o que levou à sua de rejeição liminar.

A embargante, ora recorrente, apelou para o Tribunal da Relação de … que, por Acórdão de 24.9.2015, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Nessa decisão foi definido o objecto do recurso:

“- Analisar se os presentes embargos de terceiro terão ou não sido deduzidos tempestivamente e se o tribunal recorrido disso tinha legitimidade para conhecer.

- Analisar se, na hipótese de se entender terem presentes embargos de terceiro sido deduzidos tempestivamente, a Embargante poderia agora invocar novos fundamentos diferentes daqueles em que alicerçou outro processo de embargos de terceiro já deduzidos em data anterior e relativos ao mesmo acto ofensivo da sua posse”.

O Acórdão, ao invés do despacho recorrido, decidiu que o Tribunal não podia conhecer oficiosamente do prazo de caducidade, por tal prazo, previsto no art. 344º, nº2, do Código de Processo Civil, não ser de aplicar aos embargos de terceiro com função preventiva, sendo que, quanto a estes a tempestividade é aferida pelos limites temporais definidos no artigo 350º.

Os embargos de terceiro com função preventiva devem ser deduzidos, antes de realizada, mas depois de ordenada a diligência ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com o seu âmbito, exceptuando-se a apreensão de bens em processo de insolvência, não tendo um prazo expressamente previsto na lei, devendo o incidente ser apresentado em juízo “antes de realizada a diligência, mas depois de ordenada.”  

O Acórdão, prosseguindo apreciação do que considerou ser o objecto do recurso, afirmou a fls. 531 – “Esclarecido este aspecto, passemos então à análise da essencial questão suscitada, e que consiste na de saber se, na concreta situação, os presentes embargos de terceiro terão ou não sido deduzidos atempadamente.”

Depois de discorrer sobre a natureza e regime jurídico dos embargos, no anterior Código de Processo Civil, operando com os dados de facto constantes do despacho liminar, o Acórdão, partiu da constatação de que “Passados cerca de 5 anos contados, quer da data em que foi proferida a decisão que ordenou o acto alegadamente ofensivo da sua posse, quer da data em que resulta demonstrado que teve conhecimento dessa mesma decisão (data em que deduziu os primeiros embargos), o Recorrente, embora com fundamentos diversos, deduziu novos embargos de terceiro com função preventiva.

Ora, a questão que, com toda a pertinência se deve colocar, em primeiro lugar, é a de saber se uma tal conduta se afigura possível e consistente de pontos de vista do cumprimento das regras processuais e substantivas a ter em consideração na situação”.

Mais adiante e, decisivamente, ponderou:

“Todavia, e pese embora a existência de uma decisão já transitada em julgado, relativa aos embargos de terceiro primeiramente deduzidos pela Recorrente, a questão fulcral que aqui, pertinentemente, e em substância, poderá ser colocada, mais não é do que a de saber se se estará ou não perante uma eventual violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa contra o acto ofensivo do direito do Recorrente (embora haja quem os distinga e diferencie), que, como é consabido, em termos gerais, tem um efeito preclusivo, obstando a que o réu venha alegar, depois da contestação, factos então não alegados (nº1 do artigo 573º do Código de Processo Civil), e bem assim, que tais factos possam servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir uma decisão em contradição com a já proferida.” (destaque nosso)

O Acórdão questionou assim, se, sendo do conhecimento da embargante, factos invocados nos segundos embargos [volvidos cinco anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão que apreciou o primeiro processo de embargos de terceiro que deduziu contra o mesmo acto alegadamente ofensivo do seu direito], sendo tal fundamento invocado nos segundos embargos de terceiro, já do seu conhecimento à data daquele primeiro processo, estava (a embargante) obrigada a invocá-lo, sob pena de, não o tendo feito, se deve considerar precludido o direito de o fazer, sob pena de se criar o risco de o Tribunal poder proferir decisão contraditória com a inicialmente tomada e transitada em julgado.

Como ali se refere – “Na situação vertente, como se deixou já dito, veio o Recorrente invocar nos presentes embargos o seu direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que, segundo alega, terão sido realizadas em 2005 (cfr. doc. 17, junto com a petição), tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira celebrado entre BANCO BB e a sociedade CC, Lda, sendo que, como resulta evidente do supra exposto, quando interpôs os primeiros embargos (18/10/2010), as aludidas “obras e inovações’” que agora invoca a fundamentar as presentes embargos, já existiam nessa data, razão pela qual como inquestionável resulta que também as poderia ter já invocado como fundamento dos primeiros embargos de terceiro que deduziu, o que, contudo, assim, não sucedeu.” 

Afirmando que o princípio da preclusão não é apenas aplicável à defesa, considerou-se que todos os fundamentos da acção devem ser alegados de uma vez, “cabendo alegar logo mesmo todos os que afigurem essenciais e relevantes, para o reconhecimento do direito que se pretenda fazer valer, e os que pareçam secundários, na eventualidade de serem também relevantes – cfr. art. 552º,nº1, al. d), quanto à petição; 572º e 573º em relação à contestação.Este princípio tem a ver com exigência de lealdade dos diversos sujeitos processuais e que visa impedir que algum deles use a táctica de reservar algum argumento apenas para quando o achar mais oportuno.”

Depois, ponderou-se:

“Os actos processuais não foram praticados no ciclo próprio, não foram invocados nos primeiros embargos de terceiro deduzidos pela Recorrente todos os fundamentos em que os poderia alicerçar, ficaram precludidos para servirem de fundamento dos presentes embargos.

[…] Podendo fazê-lo, mas não o tendo feito, embora não por mera ou estrita intempestividade, mas por preclusão do substrato factual alicerçante do efeito jurídico que se pretende obter com a instauração da presente acção, ou seja, tendente à afirmação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos do acto judicial determinado, consistente na entrega do bem imóvel decidida, afigura-se-nos como incontornável que a presente apelação deverá ser julgada improcedente, com a consequente manutenção da decisão recorrida.”

Foi, assim, julgado improcedente o recurso de apelação.

Na revista que interpôs desse Acórdão a Recorrente, tendo em conta as conclusões das suas alegações, foi assim definido o objecto do recurso; saber:

           

- “Se o Acórdão é nulo por conter decisão-surpresa, do ponto em que sentenciou com base em argumentos novos, não tendo dado oportunidade às partes, mormente ao recorrente, para se pronunciar;

- Se existe prazo de dedução de embargos de terceiro com função preventiva e se tal prazo é de conhecimento oficioso.”

Apreciando o objecto do recurso aí se escreveu:

“Para ajuizar da violação do princípio do contraditório que a recorrente assaca ao Acórdão recorrido – art. 3º, nº3, do Código de Processo Civil – é imperioso saber quais as questões que o Acórdão da Relação, em função das conclusões formuladas no recurso de apelação, considerou serem as questões decidendas, podendo, como é consabido, ser apreciadas questões de conhecimento oficioso.

A fls. 524, a propósito, pode ler-se quanto ao que se considerou serem as questões decidendas: “Analisar se os presentes embargos de terceiro terão ou não sido deduzidos tempestivamente e se o tribunal recorrido disso mesmo tinha legitimidade para conhecer.

Analisar se, na hipótese de se entender terem os presentes embargos de terceiro sido deduzidos tempestivamente, a Embargante poderia, agora, invocar novos fundamentos diferentes daqueles em que alicerçou outro processo de embargos de terceiro já deduzidos em data anterior e relativos ao mesmo acto ofensivo da sua posse”.

É inquestionável que a decisão da 1ª Instância, não tendo destrinçado os embargos de terceiro com função repressiva, dos embargos de terceiro com função preventiva, figura esta a que estava em causa no processo, considerou, operando com o regime jurídico do prazo daqueles – art. 344º, nº2, do Código de Processo Civil –, que tinha decorrido o prazo de caducidade de 30 dias para a respectiva dedução, e, como tal, rejeitou-nos in limine.

Já o Acórdão recorrido, seguindo caminho totalmente distinto, diríamos, fundamentação essencialmente diferente, considerou com acerto que, em função da modalidade de embargos de terceiro em causa “o prazo de caducidade a que alude o artigo 344, nº2, do Código de Processo Civil  não será de aplicar quando se esteja perante embargos de terceiro com função preventiva, sendo que, nestes casos, a tempestividade é aferida pelos limites definidos no artigo 350º do Código de Processo Civil que visa precisamente os embargos deduzidos, antes de realizada, mas depois de ordenada a diligência ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com o seu âmbito.

Mas o Acórdão não cessou aqui o seu julgamento, convocando os seguintes factos:

 

O acto ofensivo do alegado direito do Recorrente foi ordenado por decisão proferida a 14 de Maio de 2010;

- A 18 de Maio de 2010 o aqui Embargante deduziu embargos de terceiro que foram decididos e objecto de vários recursos, designadamente, para Tribunal Constitucional, que obteve decisão definitiva em 2 de Dezembro de 2014, que negou provimento ao recurso interposto pela aqui Recorrente;

- No dia 14 de Janeiro de 2015 a Recorrente deu entrada dos presentes embargos, com fundamentos diversos dos primeiros;

- A decisão aqui recorrida foi proferida em 16 de Janeiro de 2015.

- Em 20 de Janeiro de 2015, a Juiz a quo determinou que a diligência de entrega se efectuaria no dia 27 de Janeiro de 2015;

- A diligência de entrega veio efectivamente a realizar-se naquele dia 27 de Janeiro de 2015”,

decidiu que, não tendo a ora Recorrente/embargante, em anterior processo de embargos de terceiro que deduziu em 18.5.2010, invocado os fundamentos que agora invoca, sendo certo que pela temporaneidade dos factos podia tê-los invocado no primeiro processo, está precludido o direito de os invocar.

Considerou-se, ainda, que a decisão naqueles primeiros embargos tem força e autoridade de caso julgado, podendo ser apreciada no recurso de apelação.

[…] Alcança-se, assim, que a razão fundamental para a decisão da Relação, pese embora ter sido confirmatória da decisão apelada, assentou claramente em fundamentação essencialmente diferente da que fora decisiva para o indeferimento liminar dos embargos, ancorando de maneira sólida em dois fundamentos cruciais que foram apreciados em indissociada conexão: a existência de caso julgado na sua vertente de autoridade do caso julgado, tendo em conta a decisão transitada que não julgou procedentes os embargos de terceiro primeiramente deduzidos; e a preclusão dos fundamentos dos embargos pelo facto de a ora recorrente não ter apresentado toda a fundamentação factual e jurídica de que dispunha logo nos primeiros embargos de terceiro também com função preventiva.

Não teríamos nenhuma dificuldade em sufragar este entendimento, se não fosse pertinente considerar a questão de saber se, ao assim ter sentenciado, o Acórdão proferiu uma decisão-supresa, porquanto, é incontroverso que as partes não foram previamente notificadas da possibilidade do Tribunal decidir com base nestoutros fundamentos: autoridade do caso julgado anterior e preclusão dos meios de defesa invocados no segundo processo de embargos de terceiro, “embora com fundamentos diversos”, como se refere no Acórdão da Relação.]”

Foi revogada a decisão para “que se dê cumprimento ao princípio do contraditório, quanto aos fundamentos apontados – autoridade do caso julgado e preclusão, e, após, se proceda a julgamento.”

Como inicialmente se referiu, remetido o processo ao Tribunal da Relação de …, a Recorrente, notificada do Acórdão (obviamente), pronunciou-se sobre aquelas questões e, de seguida, foi proferido Acórdão que manteve a decisão.

Agora, no recurso desse Acórdão, a Recorrente assaca à decisão vícios de ordem formal, como seja o excesso de pronúncia, art. 615º, nº1, d) do Código de Processo Civil aplicável ex vi do art. 666º, nº1, por o Tribunal conhecer de questão nova não versada na decisão do Tribunal de 1ª Instância sendo vislumbrada nulidade por excesso de pronúncia: sustenta que a lei não define como fundamento de rejeição dos embargos a preclusão de alegação de factos, que não pode ser de conhecimento oficioso.

Se bem interpretamos, o essencial da censura feita pela Recorrente prende-se com o facto do Acórdão, agora sob recurso, não poder invocar o princípio da preclusão, nos segundos embargos de terceiro, reportando-se a factos aqui alegados mas que não invocou, podendo invocar nos primeiros embargos, o que foi feito sem invocação de qualquer norma legal.

Com o devido respeito não cremos que à Recorrente assista razão.

Parece existir uma contradição no discurso argumentativo da recorrente: com efeito, recorreu de revista da 1ª decisão, invocando que o Acórdão era nulo por ter sido proferida decisão-supresa: a apelação foi decidida com base na consideração da autoridade do caso julgado formado nos primeiros embargos e no princípio da preclusão; ou seja, o que estava em causa no recurso de revista era saber se existiu decisão-surpresa por não ter sido estabelecido o contraditório não tendo sido dada oportunidade à Recorrente para se pronunciar sobre os fundamentos da decisão.

Este Tribunal, afirmando, desde logo, concordância com a decisão da Relação, no que respeita ao prazo de caducidade (o Acórdão da Relação reconheceu razão à recorrente, discordando da decisão apelada), anulou o julgamento para que se cumprisse o contraditório quanto àqueles dois fundamentos da decisão.

Assim sendo, não existe qualquer vício por excesso de pronúncia, quando na decisão que a Relação proferiu, sentenciou com base naqueles fundamentos, uma vez que, agora, não existe decisão-surpresa, nem excesso de pronúncia, nem questão nova.

O que está em causa, na economia do recurso, é saber se o tribunal poderia considerar precludido o direito da recorrente invocar, nos segundos embargos de terceiro, fundamentos que poderia ter invocado no processo de embargos de terceiro que deduziu anos antes, sendo inquestionável que poderia ter invocado esses fundamentos no primeiro processo.

Vejamos:

Com a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais, foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, agora desligados, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência), sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [constitui um incidente de intervenção de terceiros – [“A Acção Executiva – Depois da Reforma”, pág. 294 – Lebre de Freitas], tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, apreensão ou entrega de bens, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo, quem em relação a tal processo, seja terceiro. No fundo, e mais comummente, os embargos de terceiro são usados como incidente para reagir a diligência de penhora considerada ilegal.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 4ª edição, pág. 233; “Hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351.° e segs.).

 E assim, como é do conceito de oposição (art. 342°, n°1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas”.

O art. 342º do Código de Processo Civil – (fundamentos dos embargos de terceiro) – estatui:

1. Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.

2. Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência.

O art. 350º, nº1: “Os embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 342.º, observando-se o disposto nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações.”

Após a Reforma do Código de Processo Civil, de 1995/96 os embargos de terceiro – agora tratados como incidente da instância – “Podem ser deduzidos com dois fundamentos: ou o terceiro alega e prova que é possuidor, beneficiando de presunção da titularidade do direito nos termos do qual possui, ou alega e prova ser titular do direito incompatível com a execução em curso (com a realização ou com o âmbito da diligência executiva”. Este alargamento dos embargos, que os torna um meio não estritamente possessório, é totalmente acertado, porque admite a tutela de situações que, de outro modo, seria muito difícil, se não impossível, conseguir” – cfr. Miguel Mesquita, in “Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro”, pág. 95.

Os embargos de terceiro com função preventiva são um meio de defesa contra a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado que o embargante considere ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência. No caso os embargos visavam impedir a entrega de uma fracção de que o embargante considerava ter a posse, como locatário financeiro imobiliário.

Sendo um meio de defesa da posse, para reagir a um acto judicialmente ordenado, competiria ao embargante invocar todos os meios de defesa que pudesse invocar como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando são autores, devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando sejam réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puder invocar.

A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os invocar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual).

Não faria sentido que alguém, reagindo a um acto que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse acto ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse: deveria, por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio.

O que fez a Recorrente? No primeiro processo de embargos de terceiro, podendo invocar os factos e argumentos que invocou no segundo processo de embargos de terceiro, não o fez. Aquele primeiro processo foi definitivamente julgado tendo transitado em julgado a decisão aí proferida que julgou improcedente a oposição que deduziu.

Volvidos cinco anos sobre aquela primeira decisão, a Recorrente deduz outro processo de embargos de terceiro invocando factos, que, insofismavelmente, poderia ter invocado no primeiro processo.

Não concentrando todos os meios de defesa de que dispunha nos primeiros embargos de terceiro, omitiu a alegação de factos por si conhecidos de que agora se pretende prevalecer, argumentando que constituem nova causa de pedir.

Os embargos de terceiro têm natureza declarativa, são um meio de reacção defensiva a uma execução que supõe um título executivo.

Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, pág., 744, considera: “Os embargos de terceiro podem ser definidos, a título perfunctório, como a acção pela qual quem não é parte na execução pede a extinção do acto de penhora, apreensão ou entrega judiciais de bem seu.

Trata-se de um meio de defesa perante uma penhora ou apreensão subjectivamente ilegais e que não se cinge aos estritos limites de uma acção executiva. Na verdade, a sua necessidade pode colocar-se na execução de uma qualquer medida processual de ingerência material na esfera jurídica de um terceiro: arresto, arrolamento.”

Sobre o conceito da excepção do caso julgado – art. 580º do Código de Processo Civil (a que correspondia o art. 497º do vCPC) – Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, edição de 1979, pág. 320, ensina: “O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova acção do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo identificado, esse direito não só através da sua causa ou fonte”.

 Com patente afinidade com o instituto do caso julgado mas dele diferente é a figura da autoridade do caso julgado, que prescinde da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir – art. 581º do Código de Processo Civil) que é exigida no instituto do caso julgado. Acerca da distinção entre os conceitos de “caso julgado” e “autoridade de caso julgado”, Teixeira de Sousa, in “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ, 325-49, escreve:

“Das relações de inclusão entre objectos processuais nascem as situa­ções de consumpção objectiva; a consumpção objectiva pode ser recí­proca, se os objectos processuais possuem idêntica extensão, e não recíproca, se os objectos processuais têm distinta extensão; a consumpção não recíproca pode ser inclusiva, se o objecto antecedente engloba o objecto subsequente, e prejudicial, se o objecto subsequente abrange o objecto antecedente.

[…]      

“A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas tam­bém a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal).” (pág. 176)

[...] “Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradi­ção da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente.” (pág. 179).

No Blog do IPPC[2]Paper 199 – de 3.5.2016, o Professor Teixeira de Sousa publicou uma versão alterada de um seu paper anterior, sob o título “Preclusão e caso julgado” onde, depois de citar Chiovenda e a noção de preclusão deste processualista: “Preclusão é a perda, a extinção ou a consumação de uma faculdade processual”, e afirmar que tal definição não está longe da “que pode ser construída com base no art. 193º, nº3” [do Código de Processo Civil], afirma: “Mas talvez seja preferível uma definição que acentue, não o efeito que a preclusão produz sobre a faculdade ou o direito da parte omitente, mas o efeito que a preclusão realiza sobre o próprio acto omitido. Neste contexto, a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um acto processual pela parte depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização.”.

Quanto às funções da preclusão: “A preclusão realiza duas funções primordiais. Uma destas é a função ordenatória, dado que a preclusão garante que os actos só podem ser praticados no prazo fixado pela lei ou pelo juiz. Uma outra função da preclusão é a função de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico […]” – destaque e sublinhado nosso.

Estabelecendo a correlatividade entre o ónus de concentração e da preclusão, na pág.3:

 

“a) Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado[…].

A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Apenas a alegação do facto que a parte tem o ónus de cumular com outras alegações pode ficar precludida.

Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.[…]”

Analisando as “relações mútuas” entre a preclusão e caso julgado, afirma – pág.10:

“[…] Do acima exposto também é possível concluir que o caso julgado apenas impede a alteração da decisão transitada com base num fundamento precludido.

Em contrapartida, em relação a um fundamento que não se encontra precludido, o caso julgado não realiza nenhuma função de estabilização. Muito pelo contrário: o caso julgado pode ser modificado ou até destruído por um fundamento não precludido.”

 

A fls. 15: “[…] Na oposição à execução e nos procedimentos cautelares, o embargante e o requerente têm o ónus de concentrar na petição ou no requerimento inicial todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição ou naquele requerimento. Após o trânsito em julgado da decisão proferida na oposição à execução ou no procedimento cautelar, aquela preclusão, em vez de operar per se, actua através da excepção de caso julgado, apesar de não existir entre a primeira e a segunda acção identidade de fundamentos e, portanto, identidade de objectos.” (destaque e sublinhado nosso).

O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil e o facto de não constar expressamente de nenhum preceito processual civil decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento no instituto da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1 do Código de Processo Civil.

Segundo o citado Estudo, a fls. 20: “A circunstância de a preclusão extraprocessual actuar através das excepções de litispendência e de caso julgado garante o seu conhecimento oficioso pelo tribunal da segunda acção (cf. art. 577º, al. i) e 578º)”

Como conclusão – fls. 21-22 – afirma o ilustre processualista: “Das reflexões anteriores terá resultado que a preclusão extraprocessual pode operar num outro processo antes de se constituir qualquer caso julgado nesse processo: portanto, os efeitos da preclusão não estão dependentes do caso julgado.

Dessas mesmas reflexões poderá também extrair-se que o caso julgado e a excepção de caso julgado não produzem nenhum efeito preclusivo distinto daquele que, quanto aos factos não alegados, se verifica no processo em que é proferida a decisão transitada em julgado. Supõe-se que também terá ficado demonstrado que, depois de haver no processo uma decisão transitada em julgado, a preclusão extraprocessual deixa de operar per se, passando a actuar através da excepção de caso julgado.

Em suma: pode falar-se de “preclusão e caso julgado”, mas não de “caso julgado e preclusão”.

A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro, ser titular de direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por sido realizadas em 2005, tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira celebrado entre BANCO BB e a sociedade CC, Ldª, sendo que, como resulta evidente, quando interpôs os primeiros embargos – 18.10.2010 –, as aludidas “obras e inovações” que, agora invoca a fundamentar os segundos embargos, já existiam nessa data.

Assim, como resulta da sua alegação, também as poderia ter invocado como oposição à execução nos primeiros embargos de terceiro que deduziu, o que não sucedeu, pelo que precludiu o direito de as invocar agora sob pena de ofender o caso julgado formado na decisão proferida naquele processo.

O Acórdão recorrido, estabelecido o contraditório sobre as questões que constituíram o fundamento da decisão revogada por este Tribunal, decidiu considerando que a recorrente/embargante não podia invocar, por precludido, no segundo processo de embargos um fundamento que já conhecia anos antes quando instaurou os primeiros embargos.

O Acórdão não conheceu questão nova, não enfermando, pois, de nulidade por excesso de pronúncia, sendo que a preclusão violadora do ónus de concentração dos meios de defesa, estando envolvida no instituto do caso julgado, teria de ser conhecida pelo Acórdão recorrido.

A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, visando ambos o mesmo efeito, e cuja decisão de improcedência transitou em julgado, seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado. O efeito preclusivo e a estabilidade do caso julgado visam a segurança jurídica e a paz social.

Destarte, o Acórdão recorrido não merece censura.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

I. Com a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais, foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, agora desligados, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência), sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [constitui um incidente de intervenção de terceiros], tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, apreensão ou entrega de bens, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo, quem em relação a tal processo, seja terceiro.

II. Sendo um meio de defesa da posse, no caso para reagir a um acto de entrega de um imóvel judicialmente ordenado, competiria ao embargante de terceiro com função preventiva, invocar todos os meios de defesa que pudesse invocar, como decorre do princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando são autores devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando são réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puderem invocar.

III. A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual).

IV. Não faria sentido que alguém, reagindo a um acto que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse acto ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse: deverá por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio.

V. O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1, do Código de Processo Civil.

VI. A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro com função preventiva, ser titular de direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por sido realizadas em 2005, tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira dessa fracção, sendo que, quando interpôs os primeiros embargos as aludidas “obras e inovações” que, agora invoca a fundamentar os segundos embargos, já existiam.

VII. A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado, (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado.

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pela Recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 06 de dezembro de 2016

Foseca Ramos - Relator

Ana Paula Boularot

Fernandes do Vale

_______________________________________________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] https://blogippc.blogspot.pt/