Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1916/18.3T8STS.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RESPONSABILIDADE DO GERENTE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
PRINCÍPIO PRO ACTIONE
IGUALDADE DAS PARTES
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
REENVIO PREJUDICIAL
PRESSUPOSTOS
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I – Os princípios de natureza constitucional, absolutamente estruturantes do sistema judiciário, que se encontram previstos no artigo 20º, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, consagram e impõem a superior prevalência dos vectores fundamentais relativos à conformidade da lei processual com os seus imperativos, que se traduzem essencialmente na garantia de que serão rigorosamente observadas todas as condições para que a lide processual fique subordinada, por um lado, ao princípio da absoluta igualdade de armas entre as partes litigantes e, por outro, à salvaguarda da real e substantiva possibilidade de afirmação material das respectivas pretensões, sem a colocação de entraves iníquos, obstáculos processuais desproporcionados ou excessivamente formalistas que as impeçam, diminuam ou dificultem injustificadamente, impondo-se igualmente, a prosseguir e realizar através do esquema processual concretamente adoptado pelo legislador ordinário, o primado da substância (verdade material) sobre a forma (verdade estritamente processual) enquanto concretização do princípio pro actione.
II - Sem prejuízo da afirmação dogmática do princípio da igualdade tratamento das partes na contenda judicial e da consagração do direito de acção (salvaguardado pelo imperativo da tutela jurisdicional efectiva), postulados essenciais e imprescindíveis para a existência de um processo justo e equitativo, importa tomar em consideração, dentro deste quadro geral, o amplo poder de modelação e conformação do sistema processual que a Constituição da República Portuguesa confere ao legislador ordinário na escolha das soluções concretas concernentes à tramitação do processo e que, sem nunca ofender ou afectar, no plano substantivo, aqueles princípios, sejam idóneas a promover uma acção judicial célere, tramitada de forma expedita e verdadeiramente funcional, com eficaz gestão dos meios disponíveis, desenvolvida em termos racionais e sustentáveis, permitindo a obtenção de uma decisão final em tempo útil e razoável, com o afastamento de quaisquer expedientes dilatórios, manobras de entorpecimento processual, pedido de realização de diligências inúteis ou tentativas de gerar delongas injustificadas e desnecessárias.
III – A limitação do direito ao recurso em função da hierarquia entre as diversas instâncias, através do estabelecimento de um sistema de alçadas e a reserva ou selecção de competências relativamente a determinada categoria de actos (designadamente as questões puramente processuais), não é susceptível de configurar qualquer tipo de negação do acesso à justiça que colida e afronte os princípios basilares de um Estado de Direito, em termos do respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, prescrito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, desde que do funcionamento prático dessa concreta estrutura recursória, antecipadamente conhecida e vigente, não venha a resultar qualquer situação de arbítrio, tratamento discriminatório ou casuístico que ofenda, nessas anómalas circunstâncias, a equidade e a garantia da tutela jurisdicional.
IV - A consagração internacional (na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no Tratado da União Europeia e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos) dos princípios gerais concernentes à imparcialidade do julgador; à igualdade de tratamento a conferir às partes, não beneficiando uma em desfavor da outra; ao direito a obter uma decisão judicial final em tempo útil; à proibição da indefesa e da discriminação ou diferenciação sem fundamento material; ao direito à defesa, com a assistência técnica prestada por advogado, não difere, no seu essencial, da sua previsão na Constituição da República Portuguesa e da necessária conjugação com o poder de modelação e conformação conferido ao legislador ordinário.
V – Só faz sentido convocar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia quando a causa verse sobre matéria que tenha a ver, de algum modo, com a aplicação do Direito da União Europeia e respectivos Tratados, ou que se prenda com matérias absolutamente estruturantes do ordenamento jurídico europeu, directamente conectadas com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, de cariz civilizacional ou fundacional, no plano da realização e protecção dos valores essenciais que definem e caracterizam um verdadeiro Estado de Direito, tal como o ordenamento jurídico europeu o concebe, defende e promove.
VI -  Não tem cabimento invocar este regime especial de cariz supranacional, marcado pela sua universalidade e pelo seu exigente crivo ideológico, relativamente à análise de questões processuais dirimidas através da mera aplicação de normas internas, no círculo restrito de um conflito entre particulares, que não tem a ver (directa ou indirectamente) com a afirmação dos valores fundamentais definidores do ordenamento europeu, e cuja solução concreta não bule ou interfere, de forma sensível, com matéria com eles relacionada, ainda que as partes, em última instância, a pretendam indevidamente avocar, através da exponenciação do seu descontentamento e/ou inconformismo com a sorte da lide que lhes foi desfavorável, e daí retirar os almejados dividendos.
VII – Tendo a presente acção essencialmente por objecto a discussão em torno da responsabilidade civil de um gerente de uma sociedade comercial pelos actos por si praticados no exercício dessas funções, competindo à A. demonstrar em juízo as graves irregularidades e ilegalidades que lhe imputa, e havendo a decisão judicial, uma vez analisada a prova produzida nos autos, chegado à conclusão de que não ficou demonstrado o apontado incumprimento dos deveres funcionais deste gerente, com o consequente insucesso do pedido deduzido pela A., afirmar-se que o decidido constitui uma “ofensa mortal” à segurança das sociedades de investimento, com sensível desprotecção para toda a colectividade de investidores e até para a própria economia e do sistema financeiro em geral, com reflexos na violação de preceitos constitucionais (artigo 62º e 101º da Constituição da República Portuguesa), constitui um evidente paradoxo e um notório empolamento sem o menor nexo nem fundamento sério algum.
VIII – A circunstância de a obrigação processual, imposta pela lei, quanto à necessidade de impugnação das decisões interlocutórias que vão sendo proferidas nos autos ter que ser cumprida, nalguns casos, através de recurso autónomo e no prazo de quinze dias, de molde a evitar o seu trânsito em julgado formal, com base em previsão legal específica (o artigo 644º, nº 2, do Código de Processo Civil, nas suas diversas alíneas), não bule com a natureza de processo justo e equitativo, que o continua a ser através da consagração deste estrutura recursória legitimamente escolhida pelo legislador nacional.
IX – O indeferimento das diligências requeridas pela A., num processo em que foi conferida a ampla possibilidade às partes de produzirem as provas que bem entendessem dentro dos limites processuais aplicáveis, tendo aquela exercido livremente a faculdade de trazer aos autos o depoimento das testemunhas que considerou idóneas à demonstração dos factos por si alegados; de produzir as declarações de parte no momento processual adequado; de juntar, na fase instrutória, a vasta documentação que teve por pertinente; de contraditar activamente e com toda a abrangência os meios de prova apresentados pela contraparte, sem a existência de nenhuma situação de desigualdade entre elas, não torna aceitável, com seriedade e em termos razoáveis, sustentar - no fim de contas - a natureza iníqua, injusta e não equitativa do presente julgamento, o que se deve no fundo à circunstância de o juiz de 1ª instância haver – como lhe competia - impedido que o processo se eternizasse inutilmente, sem fim à vista, com mais este ou aquele requerimento de prova que a A., sempre insatisfeita, queria imparavelmente e a destempo produzir, e que serve agora para, enfaticamente, suportar a revista excepcional, a pretexto da difusa violação de normas e princípios do direito constitucional e/ou europeu.
X – O efeito de sanação de possíveis irregularidade devido ao incumprimento pelo interessado dos prazos legalmente estabelecidos na lei para a sua arguição, que são (ou devem ser) do prévio e antecipado conhecimento dos litigantes, não pode servir de fundamento para retirar ou negar a qualidade de justo e equitativo ao processo, nem constitui nenhum desrespeito por qualquer princípio ou preceito constitucional, ou pertinente à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sendo certo que a parte sabe estar obrigada a cumprir os prazos definidos para invocação das irregularidades que, a seu ver, tenham sido cometidas nos autos - e que não se enquadrem naquelas que, pela sua extrema gravidade e por disposição legal própria, inquinem a validade de todo o processo (sendo estas invocados a todo o tempo) -, funcionando este regime indiscriminadamente para ambos os litigantes, exactamente nas mesmas condições e com as mesmas cominações processuais.
XI – De acordo com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados; a validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, pelo que, nos termos do mesmo preceito, apenas se surgir uma questão dessa natureza (interpretação ou validade de Direito da União Europeia) em processo pendente perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros ou se o mesmo órgão considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, é que pode ser solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia que sobre ela se pronuncie.
XII - Cabe aos órgãos jurisdicionais de cada Estado Membro decidir se, no caso concreto que têm para decidir, se justifica ou não a formulação de um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, cabendo, por seu turno, a este último admitir ou não o referido pedido.
XIII - A parte que, no âmbito de um litígio em discussão em tribunal de um Estado-Membro, pretenda questionar a compatibilidade entre normas de direito interno e as normas e princípios consagrados na Carta terá de demonstrar que as normas de direito interno em apreço se destinam a aplicar Direito da União ou, pelo menos, se inserem no âmbito das competências da União em matéria legislativa, na rigorosa observância do princípio da subsidiariedade.
XIV - Na situação sub judice, encontramo-nos apenas e só perante a análise de questões respeitantes à interpretação e aplicação do direito processual interno, concretamente o direito processual civil português, conforme claramente se evidenciou no acórdão recorrido, não havendo a A., na petição inicial, configurado a sua pretensão em termos que obrigassem a analisar e a interpretar normas de direito comunitário, e não se havendo demonstrado ainda que essas normas de direito interno visassem implementar normas ou princípios de Direito da União Europeia, ou pelo menos que se situassem em áreas do Direito especificamente abrangidas pelo Direito da União Europeia, pelo que não competia ao Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciar-se, no âmbito da figura do reenvio a título prejudicial, sobre a interpretação a dar a uma disposição de direito nacional.  
Decisão Texto Integral:


Processo nº  1916/18.3T8STS.P1.S1.

Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

I - RELATÓRIO.
Instaurou Burford Capital, Ltd., acção declarativa comum contra AA.
Alegou essencialmente:
O Réu foi gerente da Sociedade SLURP.!, Lda., (de que a A. é sócia), até 15 de Março de 2018, tendo nessa qualidade praticado actos de gestão que constituíram violação dos seus deveres enquanto gerente, o que provocou prejuízos à sociedade, assentando a sua responsabilidade no disposto nos artigo 64º e 79º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, e no artigo 483º, nº 1, do Código Civil.
Conclui pedindo a condenação do Réu a pagar, à Sociedade os montantes relativos aos prejuízos que está sofreu ou vier a sofrer, como consequência dessa sua actuação, a apurar posteriormente em sede de execução de sentença; a pagar à Autora os montantes relativos aos prejuízos que está sofreu ou vier a sofrer, como consequência da mesma actuação, a apurar posteriormente, em sede de execução de sentença.
Citado o R, o mesmo veio contestar a acção, concluindo pela improcedência do pedido.
Após a apresentação pelas partes de articulados supervenientes, foi proferido despacho de saneamento do processo.
Por despacho proferido nos autos (ref....90) (cf. fls. 613 e seguintes), não foi admitido o depoimento de parte do legal representante da Autora, Dr. BB.
De tal despacho veio a Autora interpor recurso, apresentando desde logo as suas alegações (cf. fls. 623 e seguintes).
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e em consequência, foi o Réu absolvido do pedido principal, bem como do pedido de litigância de má-fé; foi a Autora condenada como litigante de má-fé, em indemnização a liquidar oportunamente, nos termos do nº3 do art.º 543º do CPC, e numa multa processual de 10 (dez) UC’s.
Interpostos recursos de apelação, o Tribunal da Relação ..., por acórdão datado de 15 de Dezembro de 2021, julgou-os improcedentes, confirmando a decisão recorrida.
Intentou a A. recurso de revista (normal e, a título subsidiário, excepcional), apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente interpõe o presente recurso por entender que o Tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação do direito quanto às questões mencionadas supra em §2 e que se resumem ao seguinte:
a) Pedido de litigância de má-fé da autora, por violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662 do CPC) seja da responsabilidade no caso de má-fé e da sua noção (cf. artigo 542 do CPC) e excesso de pronúncia [cf. artigo 615 (1, d, e)], violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição de decisão-surpresa), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.1 e 8.2 supra;
b) Pedido de litigância de má-fé da ré, por violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662 do CPC), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.3 supra;
c) Ao pedido de acareação entre partes e testemunhas, por violação do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”)e do artigo 6 (1)da Convenção Europeia dosDireitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.1 e 8.2 supra;
d) A admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objetiva relativamente à entrada em juízo da ação e subjetiva relativamente à audiência de julgamento) suscetível de afirmar o depoimento do representante legal da autora e de infirmar as declarações de parte do réu, por violação do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 3.2. supra;
e) Omissão de pronúncia sobre o pedido de redução da multa de 3 UCs aplicada à autora, ali apelante, aqui recorrente – vide § 3.2.1. supra;
f) Omissão de pronúncia sobre requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento, por violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 3.3. supra;
g) A omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação, designadamente no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância, por violação de normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 4, 5 e 7 supra;
h) O indeferimento das declarações de parte do legal representante da autora, aqui recorrida, por violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 9 supra;
i) À necessidade (obrigação) de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicial relativamente ao direito que emanada do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”), e artigo 267 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) – vide § 10 supra.
2. São, no essencial, destas 9 questões que a aqui recorrente recorre e que têm como pano de fundo a violação do Direito Europeu contido no artigo 47 da CDFUE, com respaldo no artigo 2 do TUE e do artigo 6 (1) da CEDH, para além do direito interno supra mencionada, incluindo os direitos fundamentais vertidos na CRP.
3. Isto porque o Tribunal recorrido resolveu cada uma dessas questões em violação do supra preceituado ao ter decidido:
4. Quanto à nulidade por alegado impedimento da ilustre mandatária da Autora de realizar o seu trabalho que tal decisão foi emitida no âmbito dos poderes concedidos ao Tribunal pelo artigo 602doCPC e para valer nas audiências de discussão e julgamento dos dias 16.04.2021 e 23.04.2021, tendo concluído que nada nos autos faz concluir que a “proibição” do uso do telemóvel impediu ou limitou o trabalho da ilustre mandatária em apreço, apesar de isso ter alegado a autora em requerimento enviado ao tribunal. Entende ainda que o direito da ali apelante foi prelúcido por arguir tal nulidade de forma extemporânea.
5. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.4. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito à igualdade de armas e no excesso de formalismos.
6. Quanto ao despacho que não admitiu a junção de dois documentos requerida através dos requerimentos com a referência ...01 e com a Referência ...37 entendeu o Tribunal recorrido que não foram cumpridas as regras previstas no artigo 644 (2, d) do CPC e que em todo o caso a junção de tais documentos se revelava extemporânea.
7. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.2. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito à igualdade de armas e no excesso de formalismos.
8. Quanto à alegada nulidade do processo por omissão de pronúncia relativamente aos documentos de prova requeridos com a petição inicial e outros, com superveniência objetiva, requeridos em audiência de julgamento, o tribunal entendeu que o recurso nesse segmento é extemporâneo, pois não foram cumprindo os prazos impostos pelo artigo 199 (1) do CPC.
9. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.3. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito à igualdade de armas e no excesso de formalismos e porque apenas com a sentença essa omissão de pronúncia foi conhecida e verificada, pois até à sentença e na própria sentença podia o Tribunal de primeira instância pronunciar-se sobre os mesmos, nomeadamente indeferindo os mesmos com um qualquer fundamento – pressuposto que reforça a violação do direito a um julgamento mediante um processo equitativo e justo, sem excesso de formalismos que impeçam a aplicação da boa justiça.
10. Também quanto ao pedido de acareação o Tribunal recorrido socorreu-se da falta de cumprimento dos prazos legalmente previstos para a sua arguição, defendeu que o recurso deveria ser interposto autonomamente e ainda do facto de considerar as acareações, em geral, são por si improfícuas, indeferimento nessa parte o recurso.
11. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.1. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito a apresentar as suas provas e no excesso de formalismo quanto ao tipo de recurso, tendo em conta que sendo recurso autónomo ou a correr no próprio recurso da sentença, a justiça e o direito a um processo equitativo nunca seria prejudicada, muito pelo contrário, ganhava em todas as suas vertentes incluindo na celeridade processual.
12. A recorrente apresentou 56 factos provados, contraditando ou completando os que na sua opinião não estavam corretamente assentes com vários documentos juntos aos autos (registos notariais e documentos juntos pelo próprio réu) e com a indicação dos depoimentos, incluindo da companheira do próprio réu, que impediam que tais factos fossem dados como provados como foram; ofereceu para cada um dos factos uma alternativa do que devia ser dado como provado.
13. O Tribunal recorrido decidiu sufragar tais factos dados como provados pelo Tribunal da primeira instância, decalcando o entendimento da sentença ali recorrida, incluindo o facto provado 18 e 22, sobre os quais fundamentou a sua convicção apenas com os depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF, ignorando no entanto documentos juntos pelo próprio réu e documentos notárias que infirmavam essa factualidade e demonstravam ainda que o réu mentia, metia mesmo, de forma absolutamente descarada, sobre tal factualidade (vide, com a atenção e honestidade intelectual que se sabe sempre nortear as decisões do STJ, o detalhe do alegado em § 5.1. relativamente a esses factos).
14. Entende a recorrente que sobre o Tribunal recorrido recaia a obrigação de indicar, em sede de motivação da sentença, os meios de prova e essa indicação deve conter os elementos que dão o substrato racional, à luz das regras da experiência e dos critérios lógicos, que permitiu preparar, sedimentar e conduzir à convicção do tribunal em determinado sentido, incluindo a razão de ter valorado de determinada forma os diversos meios de prova apresentando pelas partes.
15. Ou seja, na opinião da recorrente, não basta ao tribunal, tal como fez o Tribunal recorrido, decalcar a sentença recorrida e aceitar os factos dados como provados na sentença com a mera, sumária, generalista e até mesmo abstrata justificação da conjugação de determinados depoimentos, sem qualquer análise critica desses mesmos depoimentos e sem indicar as partes que fundamentam tal decisão.
16. Muito menos o pode fazer, ignorando em absoluto as provas documentais que a ali apelante chamou para sustentar a impugnação e modificação de tais factos, sem explicar como é que as mesmas não foram valoradas ou qual interpretação a tirar de cada uma delas que permitisse assentar os factos como decidiu assentar. Ou seja, salvo melhor opinião, não basta o Tribunal declarar que procedeu à análise da prova documental produzida nos autos, pondo particular atenção no conteúdo dos documentos antes melhor referidos e que sustentaram a decisão recorrida e daqueles a que a autora/apelante dá particular relevo no seu recurso, quando inclusivamente não referiu, em alguns casos, qualquer documento que a ali apelante trouxe à colação e deu especial relevo, por infirmar de forma clara, os factos provados que pretendia reverter.
17. Veja-se, por exemplo, e sem prejuízo de uma leitura atenta do §5.1., o facto 18 da sentença (e supra mencionado), para o qual o Tribunal recorrido justificou a sua convicção com a simples tirada: resulta da conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF.
18. Ou seja, não indicou os elementos objetivos desses depoimentos que lhe permitiram formar essa convicção (e veja-se a contradição do depoimento da companheira do réu – FF) e, pior, deixou de se pronunciar sobre os documentos que a ali apelante convocou para contrariar tal facto (como se sustentou em 5.1 supra – veja-se o facto 18).
19. Na opinião da aqui recorrente, o Tribunal a quo deveria, pelo menos, explicar porque não valorou os documentos que serviram de sustentação à impugnação de tal facto por parte da apelante ou então, mesmo que os valorasse, até porque alguns foram trazidos pelo próprio réu, explicasse a interpretação alternativa dos mesmos que conduzissem a interpretação diferente da ali alegada. Mas não, o Tribunal recorrido omitiu a sua pronúncia sobre tais documentos na apreciação de tais factos.
20. O Tribunal recorrido, ao omitir os elementos objetivos de prova que permitiram a todos, nomeadamente à aqui recorrente, constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova e ao deixar de indicar o iter formativo da convicção – a valoração cuja análise haveria de permitir comprovar se o raciocínio foi lógico ou absurdo – violou o direito a um processo equitativo (cf. artigo 6 da CEDH e artigo 47 da CDFEU) que imbrica profundamente no Estado de Direito (cf. artigo 2 do TUE).
21. O Tribunal recorrido devia ter elencado as provas carreadas para o recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, pela ali apelante e apresentar a sua análise crítica e racional, com os motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas (os ditos depoimentos) e a negar importância de outras (os documentos aludidos pela ali apelante com as respetivas interpretações).
22. Só com uma concatenação racional e lógica das provas relevantes a que a ali apelante “deitou mão” em sede de impugnação da matéria de facto, declarada no acórdão, era possível arrumar lógica e metodologicamente os factos então dados como provados e não provados e a sua apreciação à luz do direito vigente.
23. Só desse modo, que faltou no acórdão recorrido, se garante uma tutela judicial efetiva e o direito a um processo equitativo nos termos em que alude o artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2 da CDFEU.
24. Claro que apreciação da prova é discricionária, mas mesmo essa discricionariedade tem limites que não podem ser ultrapassados, tal como se verificou no acórdão decorrido. Há, pois, de perseguir a chamada “verdade material” e isso implica que a apreciação, ainda que discricionária, se reconduza por critérios objetivos e, portanto, seja suscetível de motivação e, também, de controlo.
25. A decisão proferida falhou nesses aspetos e violou os limites de discricionariedade que é dado ao julgador, sendo por isso suscetível de recurso, ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito.
26. Assim, por violação dos artigos 6 da CEDH, artigo 47 da CDFED e artigo 2 do TEU, entende a recorrida que deve verificar-se a nulidade do acórdão recorrido e deve ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido com vista o respetivo suprimento.
27. O douto acórdão valoriza uma declaração emitida pela autora, ali apelante, aqui recorrente, em sede de assembleia geral de sócios por intermédio do seu representante, para considerar o instituto do abuso do direito e da má-fé na modalidade venire contra factum proprium.
28. Salvo o sempre mui devido respeito por opinião diversa, parece-nos francamente errado, pelas razões extensamente tratadas no §7 e 8.1. supra para onde se remente, mas que em resumo, se defende que tal declaração visava apenas a renúncia a todos e quaisquer pontos constantes dos pedidos de realização de assembleias extraordinárias, designadamente, qualquer demanda judicial contra o gerente AA, apreciação sobre o trabalho da gerência, realização de auditoria à sociedade e destituição de gerência [transcrito ipsis verbis da ata para onde foi transcrita tal declaração].
29. Ou seja, como se percebe do adverbio “designadamente” a demandada judicial renunciada era a que constava dos pedidos de realização de assembleias extraordinárias.
30. Essa demandada judicial era a referida na deliberação proposta nessa ordem de trabalhos em que visava exatamente decidir sobre eventuais processos judiciais contra o gerente AA por violação dos deveres de cuidado, lealdade inerentes a uma sã e diligente gestão da sociedade, portanto tratava-se de uma ação de responsabilidade da gerência para com a sociedade fundada nos termos conjugados nos artigos 72 e 75 do CSC. Isto porque, para uma ação nos termos do artigo 79 (1) do CSC ou nos termos do artigo 77 (1) do CSC, tal como se discute na presente ação, não era necessário uma qualquer deliberação dos sócios [como exige o artigo 75 (1) do CSC] e nem faria sentido a mesma ser discutida com a gerência e com o sócio que integrava a própria gerência em assembleia geral de sócios.
31. Assim, se percebe que a única interpretação que pode ser extraída da aludida declaração e é que tal renúncia era sobre discutir e deliberar sobre uma ação de responsabilidade da gerência pela própria sociedade nos termos do artigo 72 do CSC (como aliás consta na justificação do pedido de tal convocação da assembleia de sócios), com a necessária formalidade imposta pelo artigo 75 (1) do CSC, e não na renúncia de uma ação promovida pela própria autora e muito menos ao abrigo do artigo 79 (1) do CSC.
32. Mas mesmo uma declaração nesse sentido, de que tal renúncia cairia também sobre a ação de responsabilidade da gerência pela própria sociedade nos termos do artigo 72 do CSC, nunca obstaria ali sócia, aqui apelante, poder propor uma ação de responsabilidade da gerência nos termos dos artigos 79 (1) e 77 ambos do CSC.
33. Para além do mais, falta de prestação de informação e a recusa na convocação das assembleias gerais resulta num dano direto à autora e não num dano à sociedade (e dano indireto à autora), pelo que cai na responsabilidade da gerência para com os sócios (cf. artigo 79 CSC), o que não era o discutido no ponto três da ordem de trabalhos (renunciada), pois nesse ponto três da ordem de trabalhos o que era proposto a deliberar é que o réu fosse obrigado a indemnizar a sociedade.
34. Depois, existem ainda os atos de gestão do réu que têm superveniência objetiva e subjetiva a tal declaração.
35. Tendo sido trazido a este processo factos de superveniência objetiva e subjetiva, assim como factos que caem na responsabilidade do réu perante os sócios e não perante a sociedade, parece obvio que quanto a isso tal declaração de renúncia não pode operar, como aliás entendeu o próprio Tribunal de primeira instância quando decidiu sobre a exceção da falta de legitimidade da ali autora suscitada pelo réu exatamente com esse mesmo argumento do abuso de direito – decisão transitada em julgado (e sobre a qual recai, pelo menos, a autoridade de caso julgado), mas que depois, ainda que com outras vestes (da litigância de má-fé) veio mudar de opinião.
36. Sem prejuízo, tratando-se de uma declaração (negócio) gratuita (sem nenhuma contrapartida para o declarante), a interpretação que deve prevalecer é a menos gravosa para o declarante [cf. artigo 236 (1) do CSC]. Logo, a declaração que deve prevalecer é de que tal renuncia apenas produz efeitos para factos já conhecidos à altura da sua declaração e apenas sobre factos que possam resultar na condenação do réu a indemnizar a sociedade nos termos do artigo 75 (1) do CSC pois era isso que se discutia naquela assembleia.
37. Portanto, não existe aqui qualquer abuso de direito que paralise o direito da autora e muito menos a possa condenar como litigância de má-fé.
38. A recorrente, foi ainda condenada como litigante de má-fé por violação do dever de cooperação, mas não consegue perceber a razão para tal, pois foi exemplar a sua cooperação, como refere no §8.2.
39. Isto porque a autora, aqui apelante, foi ainda condenada como litigante de má-fé por força das declarações de parte do seu legal representante, uma vez que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que a autora, por via do seu representante legal, não respondeu com verdade, ocultando elementos ao tribunal, no que concerne à forma como o negócio [da compra dos ativos aprendidos à massa falida] e à composição societária das sociedades em causa [que adquiriram esses ativos].
40. Espantou e foi uma surpresa tal entendimento, pois tanto o Tribunal da primeira instância como o Tribunal da Relação classificaram o depoimento do representante legal da autora, apelante, aqui recorrente, de rigoroso e pormenorizado ainda que tenham entendido que se revelou parcial.
41. Do que é mencionado e justificado no aludido §8.2., ponto 6.2., destaca-se que tal observação e condenação, só pode ocorrer, diga-se sempre com o mui merecido respeito, por manifesta distração do julgador.
42. Isto porque o representante legal da autora não procurou ocultar absolutamente nada, muito pelo contrário, revelou mais do que lhe seria exigível como se percebe de uma leitura do § 8.3.
43. Depois, não se vislumbra qual o interesse para o Tribunal e para a boa decisão da causa, saber como se procedeu a aquisição dos ativos apreendidos à massa falida e a composição societária das sociedades que o fizeram direta ou indiretamente, porquanto a insolvência da sociedade é superveniente a entrada em juízo da presente ação e a causa de pedir e o pedido nada se relacionam com a venda de tais ativos, para além do mais:
a. a operação em questão (venda dos ativos) foi aberta a qualquer interessado, incluindo o réu;
b. a presente ação recai sobre a responsabilidade da gerência sobre a gestão da sociedade e não sobre o processo de insolvência que foi concluído e transitou em julgado;
c. o processo de insolvência foi instaurado no mesmo tribunal em que a presente demandada correu termos, pelo que tudo que ao mesmo diga respeito era do conhecimento, ainda que oficioso, do ali Meritíssimo Juiz;
d. o processos de insolvência foi decido muito depois – vários meses depois – da presente ação ter dado entrada em juízo.
44. Acresce que o Tribunal apreciou e decidiu a questão da litigância de má-fé por violação do dever de cooperação com excesso de pronúncia, porquanto este problema concreto nunca foi suscitado pela parte contrária.
45. Para além disso, a autora, aqui recorrida, foi apanhada de surpresa, em sede de sentença, sem hipótese de contraditório. Isto porque, só em sede de sentença a autora, aqui recorrida, ficou a saber da hipótese de condenação como litigante de má-fé por ter praticado omissão do dever de cooperação.
46. O réu, aqui recorrido, apenas pediu a condenação da autora, aqui recorrente, pelas razões apresentadas no seu requerimento e que se reproduziu no § 8 supra para onde se remete, e que em nada se relacionam com o dever de cooperação, até porque foi um requerimento apresentado antes do depoimento do representante legal da autora, aqui recorrente.
47. Assim, entende a recorrente que o Tribunal de primeira instância violou o artigo 3 (3) do CPC. Por sua vez, o Tribunal recorrido, ignorou essa violação.
48. Pode-se dizer que Tribunal recorrido decidiu em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de justiça, processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1, nomeadamente do ponto 3 do sumário.
49. O douto acórdão do STJ foi muito bem, pois é essa a única forma de garantir que o artigo 6 da CEDH, o artigo 47 § 2 da CDFUE e concomitante o artigo 2 do TUE não são violados.
50. Assim, por estes motivos, não deve a autora, aqui recorrida, ser condenada como litigante de má-fé, mais não seja deve concedida revista e anulado o acórdão recorrido no que respeita a esta condenação da recorrente como litigante de má-fé, descendo os autos à primeira instância, onde a autora, aqui recorrida, foi condenada, para que o Meritíssimo Juiz de cumprimento ao disposto no artigo 3 (3) do CPC e, observado o contraditório, decida em conformidade.
51. Ainda, relativamente à má-fé, apenas por mera cautela, sempre se dirá que a indemnização a favor do réu em sede de má-fé não tem efeito ressarcitório, mas sim meramente compensatório em relação a este, sendo que para evitarmos uma repetição do que acima foi dito (em §8.), para lá se remete com as mesmas consequências.
52. Também e sem conceder relativamente à manifesta e clara inexistência de má-fé por parte da autora nos termos e pelas razões supra, mas ainda por mero exercício se aceite, haveria sempre que se respeitar o artigo 543 (2), conjugado com o artigo 542 (1) in fine, ambos do CPC, e ser fixada a indemnização em quantia certa, considerando o disposto no artigo
543 (1) do CPC, o que não se verificou.
53. Ao contrário da autora, o réu foi quem manifestamente litigou em má-fé, por várias vezes, seja na forma não verdadeira como contestou, como depôs e como se comportou durante o processo.
54. O facto é que a forma como o réu litigou, entorpeceu a justiça de tal maneira que conduziu o julgador e o Tribunal da Relação a julgar em erro, como se demonstrou abundantemente em 5.1. supra, com especial relevância sobre factos próprios do réu e que este não podia desconhecer.
55. Isto porque o réu, aqui recorrido, MENTIU.
56. MENTIU, quando contestou e depois depôs, mostrando-se muito firme, sereno e convicto, afirmando que tinha convocado as assembleias gerais que a autora, aqui recorrente solicitou em 26.06.2017, 13.07.2017, 14.07.2017 (esta por intermédio da sociedade M... advogados), 19.07.2017 e 02.08.2017, todas por cartas registadas, e onde pelo menos um dos pontos da ordem do dia era deliberar, em todas elas, a destituição, por justa causa, do gerente AA.
57. Se o réu, aqui recorrido, na qualidade ali de gerente tivesse convocado uma qualquer dessas assembleias pedidas, nunca tinha havido processo, pois tinha deixado de ser gerente, uma vez que a autora, aqui recorrida, sozinha, com 50% do capital e o réu, recorrido, com os seus 12,5% de capital impedidos de votar, aprovaria essa deliberação e os problemas tinha terminado logo ali.
58 – Os exemplos dessa atuação em má-fé do réu estão bem narrados em 5.1.
59. Em consequência e nos termos do disposto nos artigos 542º e 543º do Código de Processo Civil, deve o Réu ser condenado como litigante de má fé nos termos já peticionados.
60. A autora, aqui recorrente, apresenta ainda um pedido de reenvio para o TJUE para interpretação prejudicial nos termos e para os efeitos vertidos no §10 para onde se remete, mas que em resumo trata-se de:
61. As 9 questões supra mencionada, como já se adiantou, violam o disposto no artigo 47 da CDFUE, artigo 2 do TUE relativa direito a um processo equitativo, o qual deve ser interpretado pelo TJUE.
62. Entende a autora, aqui recorrente, que é de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
63. Assim, requereu a autora, aqui recorrente, a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, que convidem a autora, nos termos e quando acharem por conveniente, para que venham sugerir e contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE, suspendam a instância e procedam ao reenvio para o TJUE por forma a obter a melhor interpretação prejudicial para as questões supra referidas, tendo em vista a aplicação uniforme do direito em toda a União Europeia.
64. Por fim, entende a autora que o presente recurso deve ser admitido, por inexistência de dupla conforme, mas caso os Venerandos Juízes Conselheiros entendam que a revista ordinária não é admissível, deverá ser admitida a revista excecional [cf. artigo 672 (1,c,b) do CPC], atentos à relevância jurídica da questão e por estarem em causa interesses de particular relevância social e questões de direito europeu – já suscitadas em sede de recurso para o Tribunal da Relação.
65. A recorrente sustenta esse entendimento no § 2.2., para onde se remete, evitando ser repetitiva e fastiosa numas conclusões que já vão longas, mas que muito resumidamente tem sustento no facto problemática trazida neste processo ser inédita, pois nunca foi apreciada, e importante por forma a permitir a correta e melhor aplicação do direito, nomeadamente perante normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4) da CRP, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da CDFUE, com respaldo no artigo 2 do TUE e do artigo 6 (1) da CEDH.
66. Sustenta ainda que tem sido entendimento do STJ que quando estejam em causa questões de direito europeu, como aqui se verifica, a revista excecional deve ser sempre aditiva, chamando à colação o acórdão dos Senhores Juízes Conselheiros Alexandre Reis (relator), Abrantes Geraldes (Processo 389/17.2T8VNG.P1.S2), que em apenas 3 simples páginas, de uma racionalidade brilhante, formulada pela dogmática jurídica e num exemplo de uma decisão judicial assente numa metodologia objetiva, epistemologicamente fundamentada e cujo preparo intelectual e intimidade do Venerando Juiz Conselheiro com os textos normativos e as soluções dogmáticas permite depositar boa parte da confiança que há a ter na justiça.
§11 Pedido
Termos em que, para a eventualidade de entenderem Vossas Excelências, Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que é necessária a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos e para os efeitos supra requeridos, entende a recorrente, que a pronúncia do TJUE, no caso sub judice, nos termos do artigo 267 do TFUE, será indispensável para a decisão da controvérsia jurídica que constitui objeto da presente ação. Por essa razão, requer-se a suspensão da presente instância até que o TJUE se pronuncie, a título prejudicial, expressa e especificamente, sobre tais questões.
Em qualquer caso, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado douto acórdão recorrida, substituindo-se por outra que condene o recorrido nos pedidos, a absolvição da autora, aqui recorrente, do pedido de condenação como litigante de má-fé e, se assim Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, entenderem que sejam as nulidades requeridas procedentes com as legais consequências.
Por acórdão da Conferência foi rejeitada a revista normal e ordenada a remessa à Formação para apreciação dos pressupostos da revista excepcional, nos termos e para os efeitos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Por acórdão de 12 de Maio de 2022, a Formação admitiu a revista excepcional, o que fez nos seguintes termos:
(…) 3. Como tem sido afirmado nesta Formação, nas suas sucessivas composições, a integração do fundamento excecional colocado na alínea b) do n.° 1 do art.° 672° do Código de Processo Civil é rigorosa, exigindo preenchimento escrupuloso dos conceitos indeterminados com que o legislador pretendeu regular a situação.
Assim é porque se considerou que o duplo grau de jurisdição encerra, por norma, um fator que garante a certeza e segurança na aplicação do direito, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de uma derradeira intervenção do Tribunal de revista que ocorrerá, nomeadamente, em casos em que se manifeste o relevo social de alguma(s) questão(Ões) de direito que tenha(m) sido determinante(s) para a solução do caso trazido a Juízo, o mesmo é dizer, em situações de elevado interesse geral, que não se arrime ao mero interesse particular, a ser consignado pelo impugnante através de argumentação consistente e convincente, para além de concretizada, objetivada e reportada ao caso em apreço.
Assim, o pressuposto decorrente da alínea b) do n.° 1 do art.° 672° do Código de Processo Civil revela-se em razões suscetíveis de distinguir a conjeturada particular relevância social - de elevado interesse geral, que não se estribe no simples interesse particular - sendo que, na densifícação desse conceito indeterminado deverá apelar-se à generalizada repercussão e ao invulgar impacto que a controvérsia acarreta para o tecido social, pondo em causa a eficácia do direito e minando a sua credibilidade, de modo a motivar a atenção de relevantes camadas da população e a extravasar, notoriamente, os meros interesses particulares das partes ou o inerente objeto do processo.
4. De igual modo, com interesse para a economia dos presentes autos, na salvaguarda do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, importa ter presente o mecanismo processual da uniformização da jurisprudência, enquanto procedimento necessário à superação de contradições da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal de Justiça.
A este propósito, reconhecemos como estando estável a orientação neste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o preenchimento do pressuposto que encerra a alínea c) do n.° 1 do art.° 672° do Código de Processo Civil deve recair sobre a contradição de critérios normativo-decisórios e não sobre as desvios que se prendam com a própria particularidade de cada caso concreto, requerendo, por isso, essa contradição, uma identidade fáctico-normativa apoiada num núcleo factual semelhante, análogo ou similar, na perspetiva dos preceitos ali divergentemente interpretados e aplicados, e conducente, de modo determinante, a soluções dos litígios adversas. Ademais, a contradição deverá revelar-se manifesta, clara e direta nas decisões em confronto, que não implícita ou pressuposta nem sustentada em argumentação meramente acessória, conquanto não se exija a verificação de uma contradição absoluta, a par de que deverá incidir sobre o núcleo das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que esta seja necessária para ponderar sobre o alcance do julgado.
Nesta conformidade, como decorre do n.° 2 alínea c) do mencionado art.° 672° do Código de Processo Civil, em ordem a atingir a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, o impugnante terá de indicar, sob pena de rejeição, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição sobre a questão concretamente suscitada no recurso, cuja certificação do trânsito em julgado deverá constar dos autos.
5. No que tange à questão de fundo (de natureza substantiva) discutida no caso trazido a Juízo, distinguimos a responsabilidade extracontratual do gerente da sociedade identificada nos autos, nos termos dos art°s. 64° e 79° n.° 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais, e 483°, n.° I, do Código Civil, pelos prejuízos alegadamente causados através dos atos de gestão praticados.
Confrontado o douto requerimento de interposição da revista excecional, divisamos que as questões de direito, concretamente colocadas e a que a Recorrente/Autora/Burford Capital, Ltd. atribui a invocada relevância social, prender-se-ão, essencialmente, com a circunstância da solução encontrada para o litígio trazido a Juízo, encerrando erros grosseiros na apreciação dos factos e na aplicação do direito, conforme reclamado, daí que importará apreciar as questões que adiante se enunciam:
a) Pedido de litigância de má-fé da autora, SABER da violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (artigo 662° do CPC) seja da responsabilidade no caso de má-fé e da sua noção (artigo 542° do CPC) e excesso de pronúncia (artigo 615° (1, d, e)), violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição de decisão-surpresa), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20° (1) (4), da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202° (1) da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
b) Pedido de litigância de má-fé da ré, SABER da violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662° do CPC), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202° (1) da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6° (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
c) Ao pedido de acareação entre partes e testemunhas, SABER da violação do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
d) SABER da admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objetiva relativamente à entrada em juízo da ação e subjetiva relativamente à audiência de julgamento) suscetível de afirmar o depoimento do representante legal da autora e de infirmar as declarações de parte do réu, por violação do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
e) SABER da omissão de pronúncia sobre o pedido de redução da multa de 3 UCs aplicada à autora;
f) Omissão de pronúncia sobre requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento, SABER da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20° (1) (4), da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202° (1) da Constituição da República Portuguesa, do artigo0 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
g) A omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação, designadamente no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância, SABER da violação de normas de direito adjetivo (cf artigo 662 do CPC), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20° (1) (4), da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202° (1) da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia , com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
h) O indeferimento das declarações de parte do legal representante da autora, aqui recorrida, SABER da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20° (1) (4), da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202° (1) da Constituição da República Portuguesa do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União , Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6° (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
i) SABER da necessidade (obrigação) de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicial relativamente ao direito que emanada do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia, e artigo 267° do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Neste particular, com exceção da questão enunciada na alínea e) - SABER da omissão de pronúncia sobre o pedido de redução da multa de 3 UCs aplicada à autora -estamos colocado perante temáticas que, de acordo com a respetiva enunciação, correm em torno da aplicação de normas de direito comunitário e em que se conjugam as regras de hierarquia entre estas e as normas de direito interno, que não são comuns nos tribunais nacionais e sobre os quais este Supremo Tribunal não tem sido chamado, amiudadamente, a pronunciar-se, donde, a admitir-se a excecionalidade da revista, permite-se que o Supremo Tribunal de Justiça estabilize jurisprudência sobre a temática apresentada, com um impacto para além do concreto litígio, na medida em que determina a apreciação de outros casos em que se suscite uma semelhante controvérsia.
Concluímos, pois, que a par do interesse subjetivo da Recorrente, existe um interesse público na admissão da revista, na medida em que o que vier a ser decidido no caso concreto pode ter projeção em casos futuros, enfatizando-se que as questões enunciadas (com exceção da questão enunciada na alínea e)), impõem saber da invocada violação do disposto no artigo 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artigo 2o do Tratado da União Europeia, relativas ao direito a um processo equitativo, em ordem à interpretação decorrente do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Assim, é manifesto o destacado relevo social da matéria que integra o objeto do presente recurso, justificando-se o acesso ao terceiro grau de jurisdição, ao abrigo do art.° 672° n.° 1 alínea b) do Código de Processo Civil, daí a admissibilidade da revista”
 
II – FACTOS PROVADOS.
1º - A SLURP!, Lda., é uma sociedade por quotas, com sede na Travessa ..., ..., ..., ..., com o NIPC ... e cujo objecto social é a Fabricação e comercialização de gelados, sorvetes e especialidades de pastelaria congeladas.
2º - A SLURP!, Lda. começou por ser uma sociedade unipessoal, Lda. detida pela Senhora D. GG.
3º - A sócia GG vendeu sua quota à Autora.
 4.º Após o capital social da SLURP!, Lda. ficou dividido em oito (8) quotas com os seguintes valores nominais, ficou assim distribuído pelos seguintes sócios:
a) ORéu AA detentor de uma quota no valor nominal de € 13.708,50.
b) O sócio CC detentor de duas quotas: uma quota no valor nominal de €13.708,50 e uma quota no valor nominal de €10.281,38, perfazendo €23.989,88 do capital social da sociedade;
c) O sócio DD detentor de duas quotas: uma quota no valor nominal de €13.708,50 e uma quota no valor nominal de €10.281,38, perfazendo €23.989,88 do capital social da sociedade;
d) O sócio EE detentor de duas quotas: uma quota no valor nominal de €13.708,50 e uma quota no valor nominal de €10.281,38, perfazendo €23.989,88 do capital social da sociedade;
e) A Autora BURFORD CAPITAL detentora de uma quota no valor nominal de €23.989,86.
5º - A Autora é detentora de uma quota representativa de 21,875% do capital social da SLURP!, Lda. desde 17 de maio de 2017, registada pela Dep. 702/2017-06-26.
6º - O Réu iniciou a gerência no dia 25/11/2016 (data da Assembleia gral que o nomeou) com registo efectuado na Conservatória do Registo Comercial em 15/12/2016 (AP. ...).
7º - Depois da entrada dos quatro sócios, AA, DD, EE e CC foi acordado por todos que o Réu assumiria as funções de gerente porque residia na zona do ..., concretamente, em ... e a sede da SLURP!, Lda. ficava em ... (enquanto todos os outros sócios pessoas singulares residiam na zona sul do País, mais concretamente na zona de ...).
8º - O Réu passou a ser trabalhador por conta de outrem da SLURP!, Lda., com contrato de trabalho que veio a ser outorgado em 22/01/2018.
9º - Tal contrato de trabalho foi alvo de um acordo de revogação do contrato de trabalho, com produção de efeitos a 31/05/2018.
10º - Por sentença proferida em 09/07/2018 (referência ...93) no Processo n.º 3131/18.... do Juízo do Comércio ... – Juiz ..., foi decidido julgar a acção interposta pela Autora como improcedente e não declarar a insolvência da SLURP!, Lda..
11º - No dia 28 de agosto de 2018, reuniu a Assembleia Geral da SLURP!, Lda., com a seguinte Ordem de Trabalhos:
a. “Ponto Um - Avaliação da solvência da sociedade face ao incumprimento generalizado das obrigações para com os credores, incluindo fornecedores e trabalhadores;
b. Ponto Dois - Avaliação da viabilidade económica do negócio quanto ao seu modelo e capacidade de penetração no mercado e gerador de fluxo de caixa tendo em vista a possibilidade de realização de um aumento de capital necessário para capitalizar a sociedade e evitar a insolvência;
c. Ponto Três - Deliberar a dissolução da sociedade;
d. Ponto Quarto - Discutir e deliberar o pedido de renúncia do cargo do gerente EE;
e. Ponto Quinto - Discutir e deliberar a nomeação de CC ao cargo do gerente;
f. Ponto Sexto - Discutir e deliberar a nomeação de BB ao cargo do gerente;
g. Ponto Sétimo - Deliberar a intervenção provocada da sociedade no processo de responsabilidade civil contra o anterior gerente AA cuja autora é a sócia Burford Capital, nos termos e com todas as consequências do artigo 319.°, n.º4 do CPC;
h. Ponto Oitavo - Deliberar a exoneração do sócio AA com justa causa por violação dos deveres de lealdade ao ter acedido, ilegitimamente, ao conteúdo de uma petição Inicial num processo de responsabilidade civil que corre contra si e que tinha sido enviado para a sede da sociedade no âmbito de uma intervenção provocada desta última, sendo que o acesso a tal PI pelo dito sócio foi de tal forma que lhe permitiu o tempo necessário para elaborar uma PI em que defendia que o colapso do negócio, o qual reconhecia ser um bom modelo e viável, derivava da dificuldade de penetração no mercado entre outros paradoxos, e tentar impor a mesma ao gerente da sociedade. Tal acesso à PI e assédio/pressão junto do gerente da sociedade, para além de ilegítimo, visava apenas acautelar de forma ilegal e urdida os seus interesses egoístas em prejuízo da sociedade;
i. Ponto Nono - Deliberar a apresentação de uma queixa-crime contra o sócio AA por ter acedido, aberto e lido correspondência que não lhe era dirigida por forma a tirar proveito próprio e ilegítimo quando sabia que não o podia fazer por a isso ter sido avisado e tendo consciência da ilicitude;
j. Ponto décimo: Discutir e deliberar a nomeação de HH para o cargo do gerente;
k. Ponto décimo primeiro: Discutir e deliberar as condições de remuneração de HH para o cargo do gerente;
l. Ponto décimo segundo: Discutir e deliberar a entrada de HH para. novo sócio por intermédio da cedência gratuita a este de 2% do capital social por cada sócio actualmente na sociedade.”
12º - O Réu interpôs providência cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a SLURP!, Lda., que correu os seus termos pelo Juiz ... do Juízo do Comércio ..., sob o n.º 3011/18...., tendo o Tribunal, por sentença proferida em 31.05.2019 (referência ...47) declarado suspensas as deliberações tomadas na assembleia geral de sócios da Requerida de 28 de agosto de 2018 relativas aos pontos sexto, sétimo, oitavo e nono, indicadas em 11.º.
13º - O Réu instaurou a acção principal, a qual correu termos pelo Juiz ... do Juízo do Comércio ..., sob o n.º de processo 3011/18...., que por despacho proferido em 09/01/2020 (referência ...58) foi declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 277.º/e) do CPC, por inutilidade superveniente da lide, por causa da insolvência judicialmente decretada, no âmbito do processo de insolvência instaurado pela BURFORD CAPITAL, indicada em 14.º
14º - A sociedade SLURP!, Lda. foi declarada insolvente, por sentença proferida em 06/11/2018 pelo Juízo do Comércio ..., Juiz ... na sequência do pedido de declaração de insolvência instaurado pela Autora em 23/07/2018, processo a correr termos sob o n.º 2492/18.... do Juiz ....
15º - Em 28.01.2019 (referência ...03) foi proferido o seguinte despacho no Processo n.º 2492/18....:
Resulta do relatório do Sr. Administrador da Insolvência que a insolvente se encontra sem actividade. Dispensada, em sentença, a realização da assembleia de credores, nenhum interessado requereu a sua convocação, o que implica a inexistência de qualquer deliberação em contrário à liquidação e partilha do activo da insolvente, nos termos prescritos no artigo 158º/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, seguindo, assim, os autos para liquidação do activo.
Nos termos prescritos no nº 5 do art.36º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o juiz que tenha decidido não realizar a assembleia de apreciação do relatório deve, logo na sentença, adequar a marcha processual a tal factualidade, olhando ao caso concreto.
No caso essa adaptação foi feita pela apresentação de relatório, não obstante a não realização da assembleia.
Apresentado o relatório, e resultando do mesmo, inequivocamente, a cessação de actividade real da insolvente, há que adaptar o processado, em obediência àquele preceito, e suprir as deliberações da assembleia de credores que, apenas por dispensa de realização desta, não foram tomadas, como é o caso da deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento da  insolvente.
Pelo exposto, determino o encerramento da actividade da devedora e o prosseguimento dos autos para liquidação do activo.
Notifique


Cumpra o disposto no artigo 65º/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
16º - Em 26/06/2017, a Autora solicitou a convocatória de uma assembleia de sócios para deliberar, entre outras matérias, sobre “a destituição, por justa causa, do gerente AA” (Ponto Três da Ordem de Trabalhos) e “sobre a realização de uma auditoria externa à sociedade, relativamente ao cumprimento dos vários contratos, matéria-prima em armazém, perdas, amostras fornecidas e ofertas” (Ponto Cinco da Ordem de Trabalhos).
17º - O Réu recusou a convocatória da referida assembleia de sócios, alegando a necessidade das pessoas que representavam a Autora terem de fazer prova documental, com cada comunicação expedida, da legitimidade e poderes que possuem para representar a referida autora.
18º - O Réu tinha em seu poder documentos recentes que demonstravam quem representava a Autora, que o Réu tinha utilizado semanas antes para instruir o pedido de registo de cessão de quotas a favor da Autora e a partir dai convocou as assembleias gerais.
19º - A Autora enviou ao Réu o documento solicitado, constituído por dezasseis folhas, extraídos de um documento emitido “CERTIFICATE OF NOTARY” devidamente apostilhado, documentos certificados pelo Cartório Notarial ..., registado sob o número ...40/17.
20º - A Autora reuniu com os restantes sócios, e informou que tinha suspeitas que a SLURP!, Lda. estava a ser mal gerida perante factos que lhes apresentou.
21º - Foi então decidido por todos que o Réu deixaria de ser gerente, a Autora reduziria a sua quota na Sociedade dos 50 % que na altura detinha para os atuais 21.875 %.
22º - Nessa altura a Autora teve acesso à informação que tinha solicitado.
23º - O “franquiado” “C..., Lda”, que detinha uma gelataria dentro do centro comercial ... em ..., era um estabelecimento que ostentava a marca registada detida pela SLURP!, Lda. em regime de “franchising”, que praticamente apenas vendia os produtos da Sociedade SLURP!, Lda, instalada num dos maiores centros comerciais dos país, e representava mais de 80% da facturação.
24º - O “franquiado” vendeu durante todo o período de Verão gelado “falsificado” com a marca registada “F...”, deixando de adquirir gelado à Sociedade SLURP!, Lda.
25º - O incumprimento contratual cometido pelo “franquiado” em questão foi descoberto pela Autora e pelo Réu, numa deslocação à loja, por intermédio da prestação de informação pela Sociedade SLURP!, Lda relativamente às vendas, que o referido “franquiado” não tinha feito uma única encomenda de gelado durante todo o Verão.
26º - A Autora pediu uma auditoria forense às contas, a qual não foi viabilizada pelos restantes sócios.
27º - A Autora aceitou e negociou com os restantes sócios um papel mais interventivo na gestão da SLURP!, Lda., incluindo a definição de uma nova estratégia comercial e posicionamento de negócio por forma a recuperar a SLURP!, Lda, o que foi aceite por todos os sócios e pelo novo gerente EE.
28º - Em 25/05/2018 os sócios da SLURP!, Lda concluíram e deliberaram por unanimidade que a sociedade era economicamente inviável.
29º - A SLURP!, Lda. está proibida por deliberação social de contrair qualquer tipo de dívida, nomeadamente, mas não exclusivamente, junto de fornecedores.
30º - A Autora teve interesse na declaração de insolvência da sociedade SLURP!, Lda. para poder comprar todo o activo apreendido a favor da massa por um valor baixo, ao invés de aceitar vender o estabelecimento comercial pelo preço de € 60.000,00 e, assim, ter de repartir o produto da venda por todos os credores e o remanescente pelos sócios.
31º - O Réu foi gerente até ao dia 07/08/2017, data da assembleia geral em que apresentou o seu instrumento de renúncia à gerência.
32º - Na assembleia geral de sócios do dia 07/08/2017, em que estava presente a totalidade do capital social, o Réu entregou uma carta aos sócios comunicando que renunciava à gerência da sociedade, tendo sido deliberado por unanimidade dos demais sócios aceitar a respectiva renúncia com efeitos imediatos.
33º - Na mesma assembleia, foi nomeado um novo gerente, o sócio EE, que aceitou a sua nomeação.
34º - Apesar destas deliberações não terem sido registadas de imediato, produziram efeitos entre as partes.
35º - No dia 06/09/2017 a Autora sabia que o Réu não era gerente, pois o seu representante, BB, escrevia, em emails trocados com todos os sócios, que teria de ser o sócio e gerente EE a validar e dar anuência à actuação do Réu, reconhecendo ser necessário, para operacionalizar determinados actos, que fosse formalizada uma delegação de poderes do gerente EE, para “facilitar a operacionalidade” já que todos os sócios, com excepção do Réu, sócio e trabalhador AA, residiam na zona de ....
36º - A saída do Réu do cargo de gerente da sociedade aconteceu por opção voluntária do Réu que, em determinada altura, entendeu que não existiam condições para continuar a exercer o cargo de gerente da SLURP!, Lda., atenta a forma como o Senhor BB vinha actuando.
37º - A postura do Senhor BB sempre foi bélica e desagradável, persecutória e ameaçadora quanto ao Réu.
38º - Tendo o Réu deixado de ser gerente por não pretender continuar a ter de lidar com o Senhor BB, tendo chegado a pôr a sua quota à disposição de quem a quisesse comprar, mas nenhum dos outros sócios o pretendeu fazer.
39 º - O Réu impôs, como condição para sua permanência na empresa, o não exercício da gerência, precisamente para não ter de interagir diretamente com a pessoa do Senhor BB, atendendo à atitude persecutória que o mesmo vinha assumindo ao Réu.
40º - Apesar da nomeação do Réu como gerente único, os atos de gerência eram praticados por todos os sócios em conjunto.
41º - Quando o Réu era gerente e o Senhor BB lhe dirigiu pedidos de convocatórias para a realização de Assembleias-Gerais da SLURP!, Lda., as mesmas foram convocadas assim que a qualidade e a suficiência de poderes daquele Senhor foram comprovadas.
42º - Sempre que, na sequência dos pedidos de convocação de AG que, ao Réu, foram dirigidos pela Autora, as Assembleias Gerais tiveram lugar, estando bem espelhadas nas atas n.º 2, n.º 3 e n.º 4 da SLURP!, Lda.
43º - As contas eram prestadas semanalmente, em ficheiro Excel, com formato aprovado por todos os sócios, pelo qual o Réu informava todos os sócios sobre os clientes visitados, os estabelecimentos que considerava serem potenciais clientes e que pretendia visitar e os motivos pelos quais já os tinha visitado, como tinham corrido as reuniões comerciais e ainda um resumo da situação financeira da empresa, concretamente, quantias recebidas e quantias em dívida, bem como todos os pagamentos pendentes e/ou a serem efectuados e extractos da conta bancária.
44º - Numa primeira fase, o Réu enviava aquele ficheiro Excel aos outros sócios, tendo, a partir do início de fev./2017, passado a enviar um outro ficheiro Excel, mais detalhado (que havia sido criado pelo sócio DD) com o objetivo de evitar que o Réu tivesse de responder a perguntas diárias que lhe eram dirigidas individualmente pelos sócios.
45º - No primeiro trimestre de 2017, foi fornecida mercadoria a um cliente em ..., conhecido pelas lojas “M...” cujo contacto à sociedade chegou através do Senhor BB.
46º - Por ser do conhecimento público em ... que o dono dos estabelecimentos “M...” estaria insolvente, o Réu demonstrou receio na negociação com este Cliente.
47º - Apesar do próprio Sr. BB confirmar ser conhecida a insolvência dessa cadeia, este insistiu para que o negócio de venda de gelado fosse adiante.
48º - O Réu advertiu os seus sócios para o risco de se fazer um fornecimento de quantidade elevada sem se exigir pagamentos parciais em troca, escrevendo em email de 06/03/2017 “O pedido de pagamento adiantado teve como pressuposto sabermos que este tipo está insolvente. O próprio BB confirmou isso.”
49º Apesar do Réu ter manifestado, por várias vezes, o seu receio na celebração de negócios com aquele cliente, por acordo de todos os sócios, avançou-se com o fornecimento de gelado ao cliente e a M... não pagou o fornecimento recebido.
50º - Foi instaurada injunção para cobrança coerciva dos valores em dívida, mas não foi possível obter qualquer pagamento daquela sociedade.
51º -Os pedidos de reunião por potenciais clientes sitos em ... sempre foram articulados com todos os sócios, os quais decidiram em conjunto a estratégia a adotar.
52º -Dado que as reuniões teriam de ter lugar em ..., o Réu chegou a sugerir que as reuniões fossem feitas por outros sócios, que não ele, para que a SLURP!, Lda. não fosse onerada com custos de deslocação a ....
53º - A Autora conhecia as dificuldades financeiras e conhecia o negócio diário.
54º - A Autora sempre acompanhou e contribuiu para as decisões a serem tomadas.
55º - O Réu sempre acompanhou os clientes, não só com visitas regulares, como com trocas de emails e telefonemas, sendo que as visitas eram alvo de um          relatório semanal enviado a todos os sócios acompanhado    de informação detalhada sobre a conta bancária da sociedade.
56º - O Réu foi acompanhado, quer com visitas regulares pessoais, quer via trocas de emails ou por telefonemas constantes pelo Réu ao franquiado “C..., Lda.”.
57º - Este franquiado, tal como os outros dois franquiados que a SLURP!, Lda. já detinha, evidenciavam enormes dificuldades financeiras, muito antes do Réu ter assumido funções de gerente.
58º - O Sr. BB trocou vários emails com a gerente da empresa franquiada, ainda durante o ano de 2016, e, por várias vezes e em várias ocasiões, teve necessidade de pedir o pagamento de facturas em atraso.
59º -A gerente e a sua mãe evidenciaram, logo nos primeiros contactos, preocupação com o movimento do centro comercial onde a sua loja se encontra inserida, dando nota das dificuldades no pagamento da renda do arrendamento do espaço, bem como no cumprimento dos pagamentos com os trabalhadores e com os fornecedores, onde se inseria a gelataria.
60º - O Réu sempre esteve em permanente contacto com a gerente da Franquiada, tendo chegado a propor que esta participasse em eventos onde fosse vendido o gelado fabricado, como forma de potenciar a receita da franquiada e, assim, permitir-lhe cumprir junto da SLURP as obrigações decorrentes do contrato de franquia.
61º - Tais dificuldades já eram sentidas pelo anterior detentor do capital social da “C..., Lda.” que a vendeu, tendo sido a nova proprietária que, na fase da gerência do Réu, manifestou publicamente as dificuldades na gestão diária da empresa, deu a conhecer as dívidas deixadas pelo anterior proprietário e se queixou da falta de movimento, de pessoas, de utilização do centro comercial.
62º - Apesar do acompanhamento feito pelo Réu, das sugestões e das várias reuniões havidas com a franquiada, a mesma não conseguiu fazer face às despesas, tendo acabado por fechar o espaço, apresentando-se à insolvência.
63º - Em junho de 2017, depois de várias insistências feitas pelo Réu para que aquela sociedade pagasse as facturas em atraso, o Réu deslocou-se ao espaço franquiado, tendo conversado com a gerente e definido um plano de pagamentos.
64º - Depois disso, deslocou-se ao espaço franquiado para nova visita de pressão comercial, para que a franquiada honrasse o contrato de franquia e pagasse as facturas vencidas.
65º - Tendo ainda incumbido pessoas da sua confiança de se deslocarem ao centro comercial para que pudessem, sem ser identificados, perceber como estaria a loja a funcionar.
66º - Após uma dessas visitas-surpresa, o Réu e a Autora ficaram a saber que a franquiada estava a vender gelado não fornecido pela SLURP com a marca “F...”.
67º - Confrontada, a franquiada justificou-se perante o Réu com o preço do gelado, numa tentativa de comprar produto a menor preço para tentar salvar a empresa, conduta que foi sancionada pelo Réu, bem como pelos demais sócios, tendo chegado a ser instaurada uma queixa-crime contra a “C..., Lda.” e a sua gerente e já antes tinha sido instaurada uma injunção.
68º - Foi o Réu quem alertou os sócios para o que se estaria a passar e foram todos os sócios, em conjunto, incluindo a Autora, que decidiram a estratégia a adoptar, quer na fase em que ainda havia encomendas, mas não eram pagas, quer depois, chegados à fase em que a franquiada vendeu gelado que não era fabricado pela SLURP!, Lda., sob a marca da “F...”.
69º - O Réu, durante a sua gerência, angariou os seguintes clientes: I...; C...; P...; C... na ... e participação em feiras e eventos.
70º - A estratégia de contratação e as condições de venda a estes novos clientes sempre foi tomada em conjunto por todos os sócios, nos quais se incluía, o Senhor BB.
71º - O Réu, na qualidade de gerente e/ou de sócio, nunca fez investimentos que tenham colocado em causa a tesouraria da empresa, sempre agiu sem a concordância de todos.
72º - O Réu não aumentou a despesa nem fez qualquer investimento.
73º - Todas as decisões de acordos de pagamento, bem como toda e qualquer decisão de aquisição de materiais e, bem assim, até de matéria-prima, eram tomadas em conjunto por todos os sócios.
74º - Tais decisões eram tomadas por email e em conference calls, sendo tida em consideração a opinião de todos e só sendo tomadas decisões com o acordo de todos.
75º - Após a entrada do novo gerente, a partir de agosto de 2017, nada mudou, continuando as decisões a ser tomadas pelo conjunto dos sócios pelo que a Autora sempre participou na estratégia e decisões tomadas sobre a vida da empresa.
76º - O Réu deslocava-se, inúmeras vezes, durante o fim de semana, à sede da empresa para reunir com potenciais clientes e para fabricar gelado, com vista a ter mais tempo durante a semana para fazer prospeção comercial.
77º - A situação da SLURP!, Lda. era complicada, que se devia ao facto dos clientes não atingirem um volume de compra de gelado que permitisse que a SLURP!, Lda. fosse sendo capaz de gerir as suas carências de tesouraria e, aos atrasos recorrentes no pagamento das faturas pelos clientes.
78º - Problema que já vinha desde o tempo da anterior gerência, ainda quando era exercida pela D. GG.
79º - E, por isso, em maio de 2018, os 5 sócios decidiram colocar a SLURP!, Lda. à venda.
80º - A decisão de venda da SLURP!, Lda prendeu-se com o facto de, para além da empresa não estar a gerar a receita desejada, não haver vontade, por parte dos restantes três sócios (DD, EE e CC) em manter a actividade societária caso o Réu deixasse de ser trabalhador.
81º - Numa primeira fase, a Autora, disse que concordava com a venda e sempre esteve em conhecimento e participação activa nos e-mails enviados a propósito da venda.
82º - Quando surgiu uma proposta do Senhor II para compra da SLURP!, Lda., foi a Autora que a boicotou, enviando um email ao interessado na compra, afirmando não estar disponível para vender a sua quota e propalando factos inverídicos ao potencial comprador sobre a gerência, concretamente, sobre a existência de uma gerência danosa.
83º - A atitude do Senhor BB ao dar a conhecer toda a instabilidade e discórdia existente entre os sócios, despoletou uma natural desconfiança do interessado no negócio, o qual chegou a afirmar ao Réu que perdera o interesse porque o Senhor BB lhe tinha telefonado.
84º - Tendo a Autora impedido que, entre maio e junho/2018, o negócio de venda fosse adiante.
85º - Tendo, ao invés, de forma sigilosa e com vista a obter um interesse próprio e injustificado (tentar comprar à massa insolvente, a um preço irrisório, o activo da empresa), requerido a insolvência da SLURP!, Lda., impedindo a realização da vontade manifestada pelos sócios de que fosse alcançado um fim da empresa que não implicasse os custos de uma insolvência e se alcançasse a alienação da SLURP!, Lda. ao interessado que tinha manifestado interesse na compra.
86º - Enquanto fabricou os gelados, o Réu sempre seguiu todas as regras da arte e cumpriu os requisitos de qualidade necessários, assim como as normas HACCP.
87º - A qualidade do gelado por si fabricado era idêntica e sempre com a qualidade que a caracterizava.
88º - A opção de mudança da embalagem de gelado (da caixa grande para embalagens unidoses individuais) teve um resultado insatisfatório, porque a caixa pequena unidose não se revelou capaz de conservar o gelado em boas condições, fazendo-o ganhar gelo muito rapidamente.
89º - Tal opção foi tomada pela Autora, através do Senhor BB, quando o Réu já não era gerente.
90º - O Réu foi nomeado gerente quando adquiriu a quota na sociedade, tendo pago pela mesma o proporcional a uma avaliação de aproximadamente 150 mil euros pela sociedade.
91º - Antes da entrada do Réu na sociedade e de ter assumido a sua gerência, a sociedade apresentava resultados líquidos positivos de 7 mil euros, já depois de depreciações e impostos, e com um crescimento no número de clientes e vendas.
92º - A empresa deixou de ter viabilidade económica devido à situação da empresa, de instabilidade provocada pelo desentendimento entre sócios.
93º - A SLURP!, Lda. ficou comprometia por falta de vontade dos sócios em introduzir mais dinheiro na sociedade, provocada pela divergência entre sócios, tendo levado ao pedido de insolvência.
94º - Na assembleia de 07/08/2017, a Autora, representada pelo Sr. BB, assumiu perante todos os presentes e depois de muito conversarem, que não iria interpor qualquer acção de apreciação do trabalho de gerência contra o Réu.
95º - A Autora sabe que não corresponde à verdade que “o Réu andaria a Drenar dinheiro da sociedade para o seu bolso”.
96º - A Autora, representada pelo Sr. BB, recusou‐se a assinar a ata da assembleia geral do dia 25/05/2018, cujo esboço circulou entre os sócios por mail.
97º - O Senhor BB, representante da Autora, foi quem ensinou o Réu a fabricar gelado e lhe transmitiu as receitas.
98º - Antes da alteração do modelo de negócio, o Réu já produzia gelado e  não havia reclamações.
99º - A Autora tem conhecimento que o que alega na petição inicial e demais   requerimentos juntos aos autos é falso.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Cumpre precisar, com rigor, o exacto objecto da presente revista excepcional, tomando-se nesse sentido em consideração o teor do acórdão da Formação que a admitiu e no qual, aliás, se circunscreveu, em termos discriminados, o seu âmbito e alcance da forma seguinte:
“Confrontado o douto requerimento de interposição de revista excepcional, divisamos que as questões de direito concretamente colocadas e a que a recorrente/autora/Buford Capital Lda., atribui a invocada relevância social, prender-se-ão, essencialmente, com a circunstância da solução encontrada para o litígio trazido a Juízo, encerrando erros grosseiros na apreciando dos factos e na aplicação do direito, conforme reclamado, daí importará apreciar as questões que adiante se enunciam:
(...)
“(...) estamos colocados perante temáticas que, de acordo com a respectiva enunciação, correm em torno da aplicação de normas de direito comunitário e em que se conjugam as regras da hierarquia entre estas e as normas de direito interno, que não são comuns nos tribunais nacionais e sobre as quais este Supremo Tribunal de Justiça não ten sido chamado, amiudadamente, a pronunciar-se, donde, a admitir-se a excepcionalidade da revista, permite-se que o Supremo Tribunal de Justiça estabilize jurisprudência sobre a temática apresentada, com um impacto para além do concreto litígio, na medida em que determina a apreciação de outros casos em que se suscite uma semelhante controvérsia.
Concluímos, pois, que a par do interesse subjectivo do recorrente, existe um interesse público na admissão da revista, na medida em que o que vier a ser decidido no caso concreto poder ter projecção em casos futuros, enfatizando-se que as questões enunciadas (com excepção da questão enunciada na alínea e)), impõem saber da invocada violação do disposto no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artigo 2º do Tratado da União Europeia, relativas ao direito a um processo equitativo, em ordem à interpretação decorrente do Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Ou seja, o veredicto da Formação assentou na presença (e na envolvência) na situação sub judice de interesses de particular relevância social, nos termos e para os efeitos do artigo 672º, nº 1º, alínea b), do Código de Processo Civil, o que obriga a proceder à judiciosa análise das concretas questões jurídicas aí discriminadas, que será realizada no quadro da sua valoração à luz dos princípios constitucionais, consagrados em especial no artigo 20º, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa; dos princípios supra-nacionais definidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6º) e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 47º, parágrado 2º), bem como no Tratado da União Europeia (artigo 267º), na sequência do que, sobre esta matéria, foi configurado pela recorrente aquando da impugnação do acórdão recorrido.
O que significa outrossim que não se trata de aferir da estrita legalidade e/ou correcção da aplicação das normas processuais pelo tribunal nacional e segundo o direito interno português – nesse âmbito o acórdão recorrido não pode deixar de considerar-se definitivo e o recurso de revista não é nessa perspectiva legalmente admissível, conforme exaustivamente se explicou, em última instância, na decisão singular de 3 de Março de 2022 e no acórdão da Conferência deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2022, que desatendeu a reclamação contra a mesma apresentada -, mas de apurar da conformidade da aplicação concreta da lei processual, nas diversas situações enumeradas, com o superiormente exigido, no plano valorativo, pelos princípios constitucionais e de direito europeu supra mencionados, enquanto vectores estruturantes de todo o sistema definidor de um Estado de Direito.
Neste especial contexto, serão as seguintes as questões jurídicas essenciais que cumprirá dilucidar:
1 – Da conformidade das normais processuais civis nacionais com os princípios da garantia constitucional do acesso à justiça consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa; do direito a um processo equitativo prevista no artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Considerações gerais. Poder de modelação concedido pela Constituição da República Portuguesa ao legislador ordinário.
2 – Pedido de litigância de má-fé da autora. Saber da violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (artigo 662° do CPC) seja da responsabilidade no caso de má-fé e da sua noção (artigo 542° do CPC) e excesso de pronúncia (artigo 615° (1, d, e)), violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição de decisão-surpresa), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
3 - Pedido de litigância de má-fé da ré. Saber da violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662° do CPC), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6° (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 4 - Pedido de acareação entre partes e testemunhas. Pedido de junção de documentos por parte da A. Saber da violação do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
5 – Saber da admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objetiva relativamente à entrada em juízo da ação e subjetiva relativamente à audiência de julgamento) suscetível de afirmar o depoimento do representante legal da autora e de infirmar as declarações de parte do réu, por violação do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
6 - Omissão de pronúncia sobre requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento. Saber da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo0 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
7 - A omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação, designadamente no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância. Saber da violação de normas de direito adjetivo (cf artigo 662 do CPC), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia , com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
8 - O indeferimento das declarações de parte do legal representante da autora, aqui recorrida. Saber da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6° (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
9 – Saber da necessidade (obrigação) de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicial relativamente ao direito que emanada do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia, e artigo 267° do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Passemos à sua análise:  
1 – Da conformidade das normais processuais civis nacionais com os princípios da garantia constitucional do acesso à justiça consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa; do direito a um processo equitativo prevista no artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Considerações gerais. Poder de modelação concedido pela Constituição da República Portuguesa ao legislador ordinário.
Dispõe o artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa:
“A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direito e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” (nº 1).
“Para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
Conforme enfatizam sobre esta matéria Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I Volume, Coimbra Editora, 2007, a página 418:
“(...) a Constituição alude expressis verbis ao direito à tutela jurisdicional efectiva (epígrafe) ou ao direito à tutela efectiva (nº 5 do artigo 20º da CRP). Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela dos tribunais deve ser efectiva. O princípio da efectividade articula-se entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia. (...) O princípio da efectividade postula, desde logo, a existência de tipos de acções ou recursos adequados (cfr. Código de Processo Civil artigo 2º-2), tipos de sentenças apropriados às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou acção à disposição do cidadão”.
Referem, por seu turno e a este mesmo propósito, Jorge Miranda e Rui Medeiros in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora 2005, a páginas 190 a 191:
“O direito ao processo traduz-se no direito de abertura de um processo após a apresentação da pretensão inicial, com o consequente dever do órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (...)
a) O legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes – incluindo o próprio interesse de ambas as partes (e não apenas do autor) – e, em conformidade, disciplinar o âmbito do processo, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e o processo de execução. Não é, por isso, incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes;
b) Em qualquer caso, e antecipando considerações que não podem ser dissociadas da ideia de um processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos do artigos 13º e 18º, nºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (...)
O direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sobre a capa de “requisitos processuais” se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancie mais que uma simples denegação de justiça.
O princípio pro actione, assim afirmado, não impede, naturalmente, a existência de requisitos ou pressupostos processuais e não significa, mesmo nos litígios que opoem os particulares aos poderes públicos, pro particular, pois não opera no plano do direito material, mas no plano do direito processual. Por isso, em rigor, a titularidade do direito de acesso aos tribunais não pressupõe a efectiva titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido, lesado ou ameaçado. Aliás, bem vistas as coisas, no âmbito do artigo do artigo 20º, e uma vez que é legítima a interposição por lei de ónus processuais às partes, o tribunal nem sequer está vinculado “a que, seja qual for a conduta processual da parte, se profira sempre uma decisão sobre o mérito da causa” (e ainda que no meio processual utilizado se visa a tutela de hipotéticos direitos fundamentais) e se faculte, enquanto ela não for proferida, o recurso da mais alta instância dos tribunais judiciais.
Porém, o princípio pro actione impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efectiva à pretensão formulada. A ideia da favor actionis aponta outrossim para a atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais”.
Salienta Gomes Canotilho in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina 7ª edição, a página 275 a 277:
“(...) Imposição jurídico-constitucional ao legislador.
O princípio visa garantir uma melhor definição jurídico-material das relações entre Estado-cidadão e particulares-particulares, e, ao mesmo tempo, assegurar uma defesa dos direitos “segundo os meios e métodos de um processo juridicamente adequado”. Por isso, a abertura da via judiciária é uma imposição directamente dirigida ao legislador no sentido de dar operatividade prática à defesa de direitos. Esta imposição é de particular importância nos aspectos processuais.
(...) Condição de um direito subjectivo.
A defesa dos direitos e o acesso aos tribunais não pode divorciar-se das várias dimensões reconhecidas pela constituição ao catálogo dos direitos fundamentais. O sentido global da combinação das dimensões objectiva e subjectiva dos direitos fundamentais é que o cidadão, em princípio, tem assegurada uma posição jurídica subjectiva cuja violação lhe permite exigir a protecção jurídica. Isto pressupõe que, ao lado da criação de processos legais aptos para garantir essa defesa, se abandone a clássica ligação da justicialidade ao direito subjectivo e se passe a incluir no espaço subjectivo do cidadão todo o círculo de situações juridicamente protegidas. O princípio da protecção jurídica fundamenta, assim, um alargamento da dimensão subjectiva, e alicerça, ao mesmo tempo, um verdadeiro direito ou pretensão de defesa das posições jurídicas ilegalmente lesadas (artigo 202º, nº 2, que se refere, precisamente, “a defesa dos direitos e interesses protegidos”)”.
Ou seja, estes princípios de natureza constitucional, absolutamente estruturantes do sistema judiciário português, consagram e impõem a superior prevalência dos vectores fundamentais que exigem a conformidade da aplicação da lei processual com os imperativos impostos pela Constituição da República Portuguesa nos seguintes termos gerais:
a) Garantia dada pelo sistema judiciário de que serão rigorosamente observadas todas as condições para que a lide processual fique subordinada, por um lado, ao princípio da plena igualdade de armas entre as partes litigantes e, por outro, à salvaguarda da real e substantiva possibilidade de afirmação material das respectivas pretensões, sem a colocação de entraves iníquos, obstáculos de índole processual desproporcionados ou excessivamente formalistas que, as impeçam, diminuam ou dificultem injustificadamente, impondo-se igualmente, a prosseguir e realizar através do esquema processual concretamente adoptado pelo legislador ordinário, o primado da substância (verdade material) sobre a forma (verdade estritamente processual), enquanto concretização do princípio pro actione.
O processo judicial tal como o legislador constitucional o consagrou deve servir  como espaço privilegiado da efectivação, a cada passo, do princípio da igualdade no exercício das faculdades legalmente previstas e no cumprimento das obrigações processuais estabelecidas, sem que da aplicação da lei do processo possa concretamente resultar um indevido benefício de uma das partes em desfavor da outra, num quadro de identidade de circunstâncias, tratando desigualmente aquilo que na, sua essência, é igual.
É este o limite (vulgo, linha vermelha) que, uma vez ultrapassado ou desrespeitado, origina necessariamente a severa e intransigível intervenção do juízo de inconstitucionalidade, o qual se destina a repor, fazer valer e reafirmar a aplicação concreta, em cada momento, desses princípios básicos e intransponíveis, evitando que os mesmos possam ser, de algum modo, ofendidos, afectados ou desvalorizados. 
b) Porém, e sem prejuízo da afirmação dogmática do princípio da igualdade de tratamento das partes na contenda judicial e da protecção do direito de acção (salvaguardado pelo imperativo da tutela jurisdicional efectiva), postulados essenciais e imprescindíveis para a existência de um processo justo e equitativo, importa tomar em consideração, dentro deste quadro geral, o amplo poder de modelação e conformação do sistema processual que a Constituição da República Portuguesa confere ao legislador ordinário na escolha das soluções concretas concernentes à tramitação do processo e que, sem nunca ofender ou afectar, no plano substantivo, aqueles princípios, sejam idóneas a promover uma acção judicial célere, tramitada de forma expedita e verdadeiramente funcional, com eficaz gestão dos meios disponíveis, desenvolvida em termos racionais e sustentáveis, permitindo obter uma decisão final em tempo útil e razoável, com o afastamento de quaisquer expedientes dilatórios, manobras de entorpecimento processual, pedido realização de diligências inúteis ou tentativas de gerar delongas injustificadas e desnecessárias.
Ou seja, sem colocar em causa a consagração, em termos gerais, dos princípios estruturantes da igualdade e da necessária garantia de um processo justo e equitativo, o sistema jurídico nacional dispõe ainda de ampla liberdade de modelação quanto ao esquema processual que, na sua visão política e estratégica próprias, melhor prossiga as finalidades práticas associadas ao desígnio da obtenção de uma decisão judicial final em tempo razoável, através de uma eficaz gestão dos meios disponíveis (naturalmente escassos), desenvolvida em termos racionais e em moldes sustentáveis.
De resto e neste sentido, há muito que constitui jurisprudência absolutamente firmada do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça que o legislador ordinário dispõe de plena liberdade de conformação na concreta modelação processual por si adoptada, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática dos actos predispostos ao exercício do direito de acção, em particular no caso da impugnação recursiva das decisões judiciais desfavoráveis.
Ou seja, a limitação do direito ao recurso em função da hierarquia existentes entre as diversas instâncias, através do estabelecimento de um sistema de alçadas, bem como a reserva ou selecção de competências relativamente a determinada categoria de actos (designadamente as questões puramente processuais), não é susceptível de configurar qualquer tipo de negação do acesso à justiça que colida e afronte os princípios basilares de um Estado de Direito, em termos do respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, prescrito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, desde que do funcionamento prático dessa concreta estrutura recursória, antecipadamente conhecida e vigente, não venha a resultar qualquer situação de arbítrio, tratamento discriminatório ou casuístico que ofenda, nessas anómalas circunstâncias, a equidade e a efectividade da própria tutela jurisdicional.
Conforme se enfatizou no acórdão do Tribunal Constitucional nº 159/2018, de 13 de Março de 2019 (relatora Catarina Sarmento e Castro), proferido no processo nº 43/16, publicado in www.tribunalconstitucional.pt:
“Sublinhe-se ainda que, como se afirmou no Acórdão n.º 370/2007, o qual seguiu, no mesmo sentido, os Acórdãos n.os 157/88 e 187/90, «a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente». Continua o mesmo aresto, afirmando que «aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete verdadeiramente «substituírem-se» ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” e “oportuna” (do que seria a solução ideal do caso); compete-lhes, sim “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente” (acórdão da Comissão Constitucional, n.º 458, Apêndice ao Diário da República, de 23 de agosto de 1983, pág. 120)».
 Tal entendimento encontra-se aliás sufragado vários outros arestos do Tribunal Constitucional.
A este propósito, vide:
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 396/2014, de 7 de Maio de 2014 (relator Fernando Ventura), proferido no processo nº 698/13, publicado in www.tribunalconstitucional.pt., onde se salientou:
“(...) é entendimento abundante e reiterado deste Tribunal que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções, mas apenas diferenciações de tratamento sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 319/2000 e 460/2011 e, entre outros autores, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 339); avaliação que se obtém mediante a ponderação da ratio das soluções em confronto e aferição destinada a determinar se a diferenciação possui fundamento razoável. Neste domínio, o Tribunal Constitucional controla sobretudo o respeito pela proibição do arbítrio, enquanto critério negativo e limitador da liberdade do legislador ordinário”.
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/2009, de 23 de Julho de 2009 (relator Vítor Gomes), proferido no processo nº 930/08, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, que referiu:
“(...) o princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição de arbítrio. O que ele proíbe ao legislador não é que estabeleça distinções: proíbe-lhe, isso sim, que estabeleça distinções de tratamento materialmente infundadas, irrazoáveis ou sem justificação objectiva e razoável”.
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 46/2005, de 26 de Janeiro de 2005 (relator Benjamin Rodrigues), proferido no processo nº 260/03, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, onde pode ler-se:
(...) no que toca à garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, o Tribunal Constitucional já teve, por diversas vezes, oportunidade de explicitar quais são as suas exigências, para o efeito de com elas confrontar normas que impõem ónus processuais, resultando da consideração de tal jurisprudência que não é incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que, na linha do que supra se referiu, tais encargos não sejam, nem arbitrários, nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão”.
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 253/2018, de 17 de Maio de 2018 (relator Gonçalo de Almeida Ribeiro), proferido no processo nº 699/2017, publicado in www.tribunalconstitucional.pt., onde se afirmou:
“Sobre o alcance básico do princípio da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legislativo, é representativa da jurisprudência constitucional a posição expressa no seguinte trecho Acórdão n.º 409/99, recentemente reiterada e desenvolvida no Acórdão n.º 157/2018:
«O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.
(...) A recorrente questiona a conformidade da norma aplicada na decisão recorrida com o direito de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição).
O Tribunal Constitucional tem concluído, em jurisprudência antiga e consolidada, pela inexistência, em processo civil, de um direito fundamental a um duplo grau de jurisdição. Como se afirmou no Acórdão n.º 638/98, «o direito à tutela jurisdicional não é (…) imperativamente referenciado a sucessivos graus de jurisdição. Ali se assegura apenas em termos absolutos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um litígio (Acórdão n.º 65/88) ou o direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (…) (Acórdão n.º 638/98).» E tem entendido ainda que a «existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos “patamares” de recurso.» (Acórdãos n.ºs 239/97, 100/99 e 431/2002).
Segundo a interpretação da lei acolhida na decisão recorrida, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para superação de contradições jurisprudenciais, em domínios em que a regra é a da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, está condicionado pelos critérios gerais de valor da causa e da sucumbência consagrados no n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil. No caso dos presentes autos, em que é interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação que reaprecia sentença de 1.ª instância proferida em recurso de uma decisão de natureza administrativa, o que a recorrente pretende é um terceiro grau de jurisdição. Ora, entendendo-se que a Constituição não impõe sequer um segundo grau de jurisdição em processo civil e que a regulação dos graus de jurisdição através do estabelecimento de alçadas nada tem de arbitrária, é forçoso concluir que não se verifica aqui qualquer violação do direito de acesso à justiça.
(...) não estando em causa o direito de acesso aos tribunais de quem recorre, o legislador goza de uma ampla liberdade de conformação política na fixação dos critérios de acesso ao vértice da ordem jurisdicional em que o processo se insere. Tendo o Supremo Tribunal de Justiça interpretado a lei no sentido de que tal acesso é condicionado pelo valor da causa e da sucumbência, valem, neste âmbito, as seguintes palavras do Acórdão n.º 701/2005: «nenhuma norma ou princípio constitucional impõe a obrigatoriedade de recurso para o Supremo, para uniformização de jurisprudência, de todos os acórdãos proferidos pelas Relações; concretamente, nenhuma norma ou princípio constitucional impõe a obrigatoriedade de recurso para o Supremo, para uniformização de jurisprudência, de acórdão da Relação do qual não seja possível recorrer por motivo respeitante à alçada da Relação.».
No âmbito da vasta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, vide, entre muitos outros, os seguintes arestos:
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 8111/16.4T8PRT-B.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 954/18.0T8VRL-A.G1-1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 956/10.5TBSTS.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 19705/16.8T8SNT-A.L1.A.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2021 (relatora Leonor Rodrigues), proferido no processo nº 488/12.7TTTMR.E3.A.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2022 (relator José Rainho), proferido no processo nº 1097/21.5T8LRA.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 9561/19.0T8VNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2021 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 20896/12.2YYLSB-A.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 2020 (relator Chambel Mourisco), proferido no processo nº 1074/17.0T8PTG.E1.S1, publicado in ECLI.pt;
2 – Princípios definidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6º).
Estabelece o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sob a epígrafe “Direito a um processo equitativo”:
“1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo”.
Tal como refere Marco Carvalho Gonçalves in “Comentário à Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais”, II Volume, sob a coordenação de Paulo Pinto de Albuquerque, Universidade Católica Editora, Maio de 2019, a página 932:
“(...) o direito a um processo justo e equitativo densifica-se e materializa-se numa multiplicidade de princípios, direitos e garantias, destacando-se, entre outras, as seguintes: o direito à segurança jurídico-processual; o direito à composição jurisdicional do conflito; o direito ao patrocínio judiciário; o direito ao contraditório e à audiência contraditória; o direito à igualdade das partes; o direito à prova; o direito ao julgamento com audiência pública; o direito à fundamentação da decisão; o direito ao recurso; o direito à estabilização da decisão judicial; o direito à publicidade do julgamento”.
Ora, a consagração internacional (na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no Tratado da União Europeia e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos) dos princípios gerais concernentes à imparcialidade do julgador; à igualdade de tratamento a conferir às partes, não beneficiando uma em desfavor da outra; ao direito a obter uma decisão judicial final em tempo útil; à proibição da indefesa e da discriminação ou diferenciação sem fundamento material; ao direito à defesa, com a assistência técnica de um advogado, não difere, no seu essencial, da sua previsão na Constituição da República Portuguesa e da necessária conjugação com o poder de modelação conferido ao legislador ordinário.
Isto é, estamos perante princípios gerais essenciais, intransigíveis e intransponíveis, que não podem, sob pretexto algum, ser colocados em causa, ignorados ou sequer menorizados.
O que não obsta à necessária atribuição ao legislador ordinário de amplo poder de modelação e conformação pertinente a cada sistema jurídico nacional, no sentido de poder optar, com considerável margem de liberdade, pelo esquema processual de funcionamento prático que melhor e mais rapidamente, com a gestão de meios ideal, sirva os seus desígnios próprios e específicos e que permita alcançar, da forma mais satisfatória possível, as suas finalidades e objectivos.
3 – Princípios definidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Tratado da União Europeia (artigo 47º, parágrafo 2º e artigo 2º do Tratado da União Europeia).
Encontra-se previsto nos artigos 2º e 47º do Tratado da União Europeia:
“Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça.”
Por sua vez, o artigo 2.º do TUE, na versão introduzida pelo Tratado de Lisboa, tem a seguinte redacção:
“A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.”.
Já no artigo 267º do Tratado da União Europeia é referido que compete ao juiz nacional, a quem o litígio haja sido submetido, apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial para a prolação de uma decisão final e decidir sobre a pertinência das questões que submete ao TJUE, acrescentando-se que a questão deve ser suficientemente relevante para o desfecho do caso concreto para justificar o reenvio.
Refere, a este propósito, Maria José Rangel de Mesquita, in “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada”, obra coordenada por Alexandra Silveira e Mariana Canotilho, Editora Almedina, Maio de 2013, a páginas 537 a 539:
“Os três parágrafos do artigo 47º da Carta, inserido no Título VI dedicado à “Justiça”, têm por fonte material directa, respectivamente, o artigo 13º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (direito a um recurso efectivo), o artigo 6º, nº 1, da CEDH (direito a um processo justo) – tal como referido expressamente na anotação ad artigo 47º constante das Anotações relativas à Carta de Direitos Fundamentais – e a previsão de sistemas de apoio judiciário no quadro do sistema da CEDH e do sistema jurisdicional da União Europeia. Todavia, o artigo 47º da Carta, em especial dos seus parágrafos primeiro e segundo, primeira parte, inspira-se em outras fontes de direito internacional em matéria de direitos humanos em especial, respectivamente, o artigo 8º (direito a um recurso efectivo perante os tribunais nacionais) e 10º (direito a um julgamento justo) da DUDH (1946) e nos artigos 2º, nº 3, alínea a) e artigo 14º, nº 1, do PIDCP (1966)
(...)” se o cotejo entre a redacção do artigo 47º da Carta e as disposições relevantes da DUDH e do PIDCP demonstra que as formulações dos preceitos também não coincidem inteiramente, é aplicável de igual modo o artigo 53º da Carta que garante a interpretação daquela sua disposição de harmonia com o âmbito de protecção dos direitos conferidos pelo direito internacional e, em especial, pelas Convenções internacionais em que são partes a União ou todos os Estados-membros.
Além disso, os direitos consagrados pelo artigo 47º da Carta correspondem igualmente a direitos consagrados pelas Ordens Jurídicas dos Estados-Membros – não sendo Portugal excepção (cfr artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, em especial nºs 1 e 3) – pelo que tem plena aplicação o disposto no nº 3 do artigo 52º da Carta que impõe a interpretação dos direitos nela consagrados que decorram das tradições comuns aos Estados-membros de harmonia com estas e no artigo 53º em termos de nível de protecção dos direitos consagrados na Carta”.
Escreve ainda Mariana Canotilho, a respeito do nível de protecção (artigo 53º) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, in obra citada supra, a páginas 608 e 617 a 618:
“Há que lembrar que a Carta vincula apenas as instituições da União Europeia, e não os Estados-Membros quando estes desenvolvem actividades fora do âmbito do direito comunitário, pelo que não lhes impõe quaisquer obrigações, a não ser quando a sua actuação vise implementar ou derrogar direito comunitário. Além disso, para entender correctamente a norma em análise, é necessário recordar também a distinção entre a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e a competência para legislar em matéria de direitos fundamentais. A Carta destina-se a operar somente no quadro de competências definido nos Tratados, não implicando, de forma alguma, uma extensão das competências da União Europeia.
(...) A abertura, por parte do TJUE, à consideração das interpretações e ponderações levadas a cabo pelos órgãos jurisdicionais nacionais em matéria de direitos fundamentais pode, assim, ser considerada (também) como uma refração do princípio da subsidiariedade, na medida em que aqueles que estão mais próximos dos cidadãos conhecem melhor o específico constante sócio-político no qual os problemas se levantam. Deste modo, e sendo o objectivo uma tutela elevada e efectiva dos direitos, julgamos não haver razões de fundo que levem a crer que o mesmo não poderá suficientemente realizado pelos Estados-membros.
Lembre-se que o princípio da subsidiariedade é de grande importância no sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais. Como ensina Pastor Ridruejo, ele significa que compete aos Estados a responsabilidade primordial e principal de respeitar e fazer respeitar os direitos fundamentais, estando a intervenção das normas internacionais reservada aos casos em que as autoridades estaduais falham no desempenho dessa missão”.
Ora, por uma questão de economia do texto, reproduzem-se aqui integralmente as considerações supra expendidas quanto à prevalência em geral dos princípios estruturantes, no plano dos direitos fundamentais, consagrados nas citadas normas que, porém, não interferem, à partida, com a concreta esquematização funcional dos processos judiciais, tal como são adoptadas pelo legislador ordinário nacional, desde que os não ofendam ou menorizem.
De sublinhar, outrossim, que só faz verdadeiramente sentido convocar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia quando a causa verse sobre matérias que tenham a ver, de algum modo, com a aplicação do Direito da União Europeia e respectivos Tratados, ou que se prendam com os princípios ou as questões absolutamente estruturantes do ordenamento jurídico europeu, directamente conectadas com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, de cariz civilizacional ou fundacional, no plano da realização e protecção dos valores essenciais que definem e caracterizam um verdadeiro Estado de Direito, tal como o ordenamento jurídico europeu o concebe, defende e promove.
Escreve sobre esta matéria Sofia Oliveira Pais in “Estudos de Direito da União Europeia”, Almedina 2013, 2ª edição, a páginas 128 a 129:
“(...) a Carta vem consolidar e estender, em certa medida, a “política” europeia da protecção dos direitos fundamentais, sem a esgotar como é óbvio, contribuindo para a sua clarificação e coerência, e sobretudo para incentivar a sua utilização pelos tribunais da União, que terão que passar a considerar o novo status quando fiscalizam a interpretação e aplicação do direito da União.
Uma segunda questão prende-se com o campo de aplicação da Carta. Parece evidente, atendendo à letra da lei, que a Carta só terá um impacto vertical. De facto, nos termos do artigo 51º, nº 1, da Carta, as suas disposições dirigem-se às instituições, órgãos e organismos da União e aos Estados membros quando apliquem o direito da União.
(...) Significa isto que os direitos consagrados na Carta poderão ser invocados no contexto de uma relação vertical (particular-Estado/instituição ou órgão da União), mas não no âmbito de uma relação horizontal (particular-particular)”.
 Não tem cabimento invocar este regime especial de cariz supranacional, marcado pela sua universalidade e pelo seu exigente crivo ideológico, em relação à análise de questões processuais dirimidas através da mera aplicação de normas internas, no círculo restrito de um conflito entre particulares, e que não têm a ver (directa ou indirectamente) com a afirmação dos valores fundamentais definidores do ordenamento europeu, ou seja, nos casos em que a respectiva solução prática não bule ou interfere, de forma sensível, com matéria com eles relacionada, ainda que as partes, em última instância, a pretendam indevidamente avocar, através da exponenciação do seu descontentamento e/ou inconformismo com a sorte da lide que lhes foi desfavorável, e daí retirar os almejados dividendos.
(Sobre esta temática vide, de forma particularmente desenvolvida e assertiva, Alessandra Silveira, in “Do Âmbito de aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: Recai ou não recai? – Eis a questão”, publicado in Revista Julgar, nº 22, Janeiro-Abril de 2014, a páginas 179 a 209). 
2 – Pedido de litigância de má-fé da autora. Saber da violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (artigo 662° do CPC) seja da responsabilidade no caso de má-fé e da sua noção (artigo 542° do CPC) e excesso de pronúncia (artigo 615° (1, d, e)), violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição de decisão-surpresa), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A A. foi condenada como litigante de má fé com base nas razões expostas na decisão de 1ª instância e plenamente confirmadas pelo acórdão do Tribunal da Relação ..., enunciadas da seguinte forma:
Quanto aos pedidos de condenação por litigância de má-fé só cabe subscrever aqui, integralmente, os fundamentos de facto e de direito inscritas na decisão recorrida.
Assim, também nós, do confronto de todos os elementos constantes dos autos, não retiramos razões para condenar o Réu como litigante de má-fé.
Já quanto à Autora deve ser diametralmente oposto a posição a adoptar.
Assim, tem inteira razão o Tribunal “a quo” quando defende o seguinte: “Dos factos reportados e da análise de toda a prova, resulta assim patente, o modus operandi do legal representante da Autora, tendo tido um comportamento em manifesto abuso de direito, depois da deliberação tomada na Assembleia-Geral de 07.08.2017, violando o princípio da confiança e em todo o comportamento processual (quando procura ficar como gerente da sociedade, em deliberações em ata de AG de dia 28/08/2018, sendo tais deliberações anuladas), litigando, de forma manifesta de má fé.
Com efeito, todos os elementos que foram juntos aos autos (documentos, emails, atas, etc.) eram do conhecimento integral do legal representante da  Autora, e por essa razão, e na falta de uma auditoria à contas da empresa ou outros elementos concludentes, depois da deliberação tomada na AG de 07.08.2017, sabia que estava a actuar em abuso de direito e de má fé.
A má fé resultou também claramente do seu depoimento quanto à compra do activo da sociedade Slurp!, Lda, não tendo respondido com verdade, ocultando elementos ao Tribunal no que concerne à forma como o negócio se processou e à composição societária das sociedades em causa.
Tais circunstâncias não são mitigadas pelo facto de o legal representante da Autora ter uma visão diferente da actuação como gerente da empresa ou vivenciar a empresa de uma forma diferente, por gostar ou produzir gelados artesanais,
Ao fazê-lo, dúvidas não restam de que a sua conduta entorpeceu de forma flagrante e danosa o caminho da justiça, integrando-se tal comportamento no preconizado no disposto no art. 542.º, n.º 2 a) e b) do CPC, impondo-se, por isso, a sua condenação como litigante de má fé.
A litigância de má-fé implica a condenação em multa – a fixar entre 2 e 100 UC, art. 27.º do RCP e indemnização quando seja pedida, sendo que esta pode corresponder ao reembolso das despesas originadas pela má-fé, honorários dos mandatários inclusive acrescida dos demais danos sofridos pela parte contrária em consequência directa ou indirecta da má-fé, art. 542.º, ns. 1 e 2 e 543.º do CPC.
Foi peticionada pelo Réu indemnização a fixar pelo Tribunal que cubra os honorários dos mandatários da acção e as despesas e custos suportados pelo Réu (vd. ponto d) – fls. 189, referência ...79).
Note-se que não estão, nesta sede, a ser ponderados os sucessivos requerimentos enviados ao processo pela Autora, cujos incidentes, anómalos e autónomos já foram tributados em sede de custas (vd. despachos proferidos em 15.07.2020 (referência ...29), 21.04.2021 (referência ...90) e em sede de questão prévia à presente sentença.
Nestes termos, considerando a exposta conduta processual da Autora, a  sua repercussão na regular tramitação do processo e correcta decisão da causa de natureza societária – aliás cerne da questão debatida nos autos – decido condenar a Autora, como litigante de má fé, numa indemnização que cubra os honorários dos mandatários do Réu na acção e as despesas e custos suportados pelo Réu (custas processuais), a liquidar oportunamente, nos termos do art.º 543.º, n.º 3 do CPC.
Face ao exposto, decido ainda condenar a Autora como litigante de má fé, aplicando uma multa que se fixa em 10 (dez) UC.”
Nas alegações de revista sustentou, em sentido oposto, a recorrente:
“§8 Litigância de má-fé
Ambas as partes, réu e autora, pediram a condenação como litigante de má-fé uma da outra. A autora foi condenada como litigante de má-fé pelas razões infra e a o réu não.
Procuraremosdemonstrarporque é que a autora não devesercondenada como litigante de má-fé e, pela mesma razão de ciência (fazendo uso do mesmo juízo do Tribunal a quo) porque é que a ré o deve ser.
Mas, antes de mais, enquadremos o pedido de condenação formulado pela ré, aqui recorrida, para que a autora, aqui recorrente, fosse condenada como litigante de má-fé.
O aludido pedido não foi feito com a contestação, mas sim em requerimento posterior em reação ao pedido da ali autora a que o tribunal condenasse a ali ré como litigante de má-fé.
Concretiza a ali ré, aqui recorrida, o pedido nos seguintes moldes:
13. Basta ler com atenção a ata n.o 4 junta pelo Réu como doc. 1 da contestação para se perceber e concluir o que lá está escrito.
14. É muito claro e não adianta tentar adulterar o sentido literal.
15. A Autora, através do seu representante, declarou, isto é, manifestou a sua vontade de forma voluntária, esclarecida e integral no decorrer daquela assembleia do dia 07/08/2017 e assinou a ata, ou seja, o documento que corporiza a sua declaração.
16. Não se confunda o teor da deliberação que foi tomada no seguimento da declaração aí proferida pela aqui Autora BUDFORD de “renunciar a todo e qualquer pedido de convocatória de assembleia constante da correspondência anteriormente enviada à gerência” com a DECLARAÇÃO COMPLEMENTAR que aí foi igualmente proferida pela Autora BUDFORD: ”Mais declara que renuncia a todos e quaisquer  pontos constantes dos pedidos de realização de assembleia, designadamente, a qualquer demanda judicial contra o gerente AA, apreciação do trabalho da gerência (etc...)”. (…)
18. Agindo de forma contrária à vontade anteriormente manifestada e contrária à confiança suscitada e estando a tentar alterar a verdade dos factos, surge evidente que quem litiga de má-fé é a Autora.
(…)
Termos em que:
a) O Réu não deve ser condenado como litigante de má-fé, nem em multa, nem em indemnização a favor da Autora”.
Ou seja, como se vê no pedido formulado pela ré, aqui recorrida, a condenação que pretende para a ali autora, aqui recorrida, como litigante de má-fé está única e exclusivamente relacionada com a apresentação em juízo a pedir a condenação do ali réu, aqui recorrido, em contraponto com a declaração de renúncia tratada no § 7 supra e imediatamente anterior a este.
Por outro lado, a ré pede uma indemnização a seu favor (procurando satisfazer o requisito do artigo 542 do CPC in fine), mas sem a concretizar que indemnização, valor ou o forma de o apurar.
Com isto em mente, avancemos e depuremos está questão sem pruridos preconceituosos com sociedades sediadas em jurisdições offshore.
8.1. Autora litigante de má-fé por abuso de direito
A autora é condenada como litigante de má-fé por abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, por ter entendido o Meritíssimo Juiz a quo, sufragado acriticamente pelo Tribunal da Relação ..., que esta havia declarado, na assembleia geral de 07.08.2017, que não demandaria judicialmente o gerente AA, réu, apelante e agora recorrido.
Com esse entendimento não se pode concordar, exatamente pelas razões supra enunciadas no § 7 – declaração de renúncia.
Isto porque, como supra bem explicado, o que ai era renunciado era, tal como consta da declaração em ata, todos e quaisquer pontos constantes dos pedidos de realização de assembleias extraordinárias, designadamente, qualquer demanda judicial contra o gerente AA, apreciação sobre o trabalho da gerência, realização de auditoria à sociedade e destituição de gerência (sublinhamos “designadamente”).
Ou seja, à demandada judicial constante num dos pontos da ordem de trabalhos dos pedidos de convocação de assembleias extraordinárias, demanda essa nos termos do artigo 75 do CSC – ação da sociedade – e não nos termos dos artigos 79 e 77 do CSC.
Mas mesmo que se entenda que o artigo 77 do CSC, tem uma conexão com o artigo 72 do CSC por força do seu número 1 in fine (já que no caso do CSC isso não acontece nem remotamente – pois são danos diretos na esfera dos sócios e não na esfera da sociedade), como supra se refere, os factos que sustentam os prejuízos causados à sociedade têm superveniência objetiva (uns) e superveniência subjetiva (outros), como é o caso, por exemplo, da falta de vigilância e colapso do contrato de franquia do principal franquiado (responsável por 80% da faturação), que só foi descoberto depois da dita assembleia de sócios de 07.08.2017, onde foi proferida tal declaração.
Ora, como já se adiantou no § 7, tendo sido trazido a este processo  factos de superveniência objetiva e subjetiva, parece obvio que quanto a isso tal declaração de renúncia não poderia operar.
Como também já se disse em § 7, o Tribunal de primeira instância, decidiu, com transito em julgado, em sede de exceções quanto à legitimidade ativa e abuso de direito da autora, aqui recorrida, no que tange a tal declaração de renúncia, o entendimento que havendo factos de superveniência objetiva e subjetiva tal declaração de renúncia não poderia operar.
Incompreensivelmente, apesar desse entendimento inicial e transitado em julgado do Tribunal de primeira instância em sede de julgamento das exceções, acabou por se contrariar em sede de sentença, embora com outras vestes, as de litigância de má-fé em vez de de exceção perentória de legitimidade à luz do abuso de direito.
Sem prejuízo, mesmo que não se entenda o óbvio supra referido, tal apreciação é meramente de direito.
Assim, não é pelas normas de direito serem mal interpretadas, o que, sem conceder, apenas se admite para permitir o exercício, que a autora litiga em má-fé, pois como bem diz o grande Professor Alberto dos Reis: a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem.
Foi esse o entendimento, ainda que por outras palavras, do STJ no processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1, quando diz que a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil…
Estando, neste segmento, o acórdão recorrido, em manifesta oposição ao aludido acórdão do STJ.
Pelo que ser concedida revista anulando-se, neste segmento do acórdão, no que respeita à condenação da recorrente com litigante de má-fé por abuso de direito, e substitua-se por outro que não condene a autora como litigante de má-fé.
É de sublinharque o Tribunala quo sustenta a condenação da recorrente como litigante de má-fé com o seguinte recorte que faz da declaração do Tribunal de primeira instância e que se reproduz:
Dos factos reportados e da análise de toda a prova, resulta assim patente, o modus operandi do legal representante da Autora, tendo tido um comportamento em manifesto abuso de direito, depois da deliberação tomada na Assembleia-Geral de 07.08.2017, violando o princípio da confiança e em todo o comportamento processual (quando procura ficar como gerente da sociedade, em deliberações em ata de AG de dia 28/08/2018, sendo tais deliberações anuladas), litigando, de forma manifesta de má-fé
Com todo o respeito, que se reitera que é muito, o Tribunal a quo não sabe do que estava a escrever e a decidir, sacando de uma observação avulsa de sentença para, mais uma vez, sem qualquer juízo critico ou informação esclarecida, decidir como decidiu.
A recorrente afirma isto sem receio e com grande convicção pelas simples razões:
Que o Tribunal a quo chame à colação a deliberação tomada da assembleia-geral de 07.08.2017 está muito bem, pois foi de facto nessa assembleia em que a declaração de renúncia supra referida foi declarada.
Já não se pode é aceitar a referência às deliberações da assembleia geral de dia 28.08.2018,poistaléumabsurdo, mostra a ilogicidade do pensamento e o total desconhecimento do caso.
Isto porque, em primeiro lugar, é suficiente olhar para a data de 28.08.2018, para se perceber que tal assembleia geral de sócios ocorreu em momento posterior à entrada presente ação em juízo e que foi em 03.06.2018. Ou seja, a aludida deliberação ocorreu mais de dois meses depois da entrada desta ação em juízo.
Em segundo lugar, essa assembleia geral de sócios foi convocada pela aqui recorrida e tinha vários pontos na ordem do dia, nomeadamente, a nomeação de novo gerente (sem destituição do anterior), uma operação harmónio que permitiria capitalizar a sociedade e afastar a sua eminente insolvência, etc.
Foram exatamente essas deliberações que o réu, aqui recorrido, fazendo uso da sua qualidade de sócio, impugnou, impedindo assim a salvação da sociedade. A sociedade não contestou a ação de anulação das deliberações sociais promovida pelo réu, aqui recorrido, tendo como consequência a anulação das mesmas pelo tribunal.
A autora, aqui recorrente, bem requereu ao Tribunal de primeira instância que fosse junto aos autos a decisão da providência cautelar [cf. requerimento referência ...96 (Citius referência ...) de 29.01.2020], mas o Tribunal de primeira instância omitiu pronúncia sobre tal requerimento – vide ponto 4.3.4 supra.
No entanto, desconfia-se, embora sem certezas, que o Tribunal em questão decidiu pela anulação das deliberações devido a vício na forma como a assembleia foi convocada. Sendo que a convocatória foi feita pelo na altura gerente EE, amigo do réu, aqui recorrido. Sem prejuízo, ambos comparecerem, juntos, acompanhados por advogados, na dita assembleia-geral, embora já depois da hora e quando já tinha sido deliberado o ponto um da ordem de trabalhos. Diga-se ainda que a ata dessa assembleia geral foi lavrada por notária presente na mesma e em instrumento avulso [cf. artigo 63 (6) do CSC].
Portanto, não se consegue conceber o que o Tribunal a quo conseguiu inferir dessa factualidade (que aliás é “manca” face à omissão de pronúncia relativamente às provas requeridas pela autora, aqui recorrente), que o assunto nada tem a ver com o que se discute no pedido de condenação de litigância de má-fé da autora, ali apelante, aqui recorrente, formulado pela ré, ali apelada, aqui recorrida.
Sem conceder, mas por mera cautela, sempre se dirá que a indeminização a favor do réu em sede de má-fé não tem efeito ressarcitório, mas sim meramente compensatório em relação a este.
Assim, ao ser a autora, ali apelante, aqui recorrente, condenada ao reembolso da totalidade das despesas e honorários do mandatário do réu, está a sentença viola o disposto no artigo 543 (1,a) do CPC que limita esse valor ao que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, isto porque, como se vê na ação, há factos com superveniência objetiva à dita declaração, pelo que sempre por ai haveria lugar à presente ação e respetivo interesse do réu em agir, contestar, para o que sempre necessitária de mandatário.
Ora, sempre sem conceder relativamente à manifesta e clara inexistência de má-fé por parte da autora nos termos e pelas razões supra, mas ainda por mero exercício se aceite, haveria sempre que respeitar o artigo 543 (2), conjugado com o artigo 542 (1) in fine, ambos do CPC, e ser fixada a indeminização em quantia certa, considerando o disposto no artigo 543 (1) do CPC, o que não se verificou.
Aliás, diz-se isto apenas por mera hipótese académica mas também por razões de segurança jurídica, que o incumprimento do estipulado no artigo 543 (1) (2) e em particular (3), resultaria do risco de o réu, ganhando causa nesses termos, poder acordar outros honorários com o seu mandatário diferentes dos que tinha inicialmente acordado e por forma a prejudicar a autora.
Também neste segmento, o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 3006/05.0TBGDM.P3.
Mais se diga, que a apelante, aqui recorrente, em sede de recurso, requereu que M.I. mandatário do réu, ali apelado, aqui recorrido, junta-se, o quanto antes, a nota discriminativa de honorários e respetivas faturas, indicando aquilo que já foi embolsado. O ali apelado apresentou contra-alegações e sempre sem apresentar tais valores.
Assim, desde já se suscita a violação do direito Europeu e a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 236 (1) e 334 ambos do CC e artigo 542 do CPC, no sentido de haver má-fé na vertente do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium quando alguém se apresenta em juízo, defendendo convictamente uma perspetiva jurídica dos factos, mesmo que diversa daquela que a decisão judicial venha a colher, quando havia razões de facto e de direito para sustentar tal convicção e que não poderiam ser afastada por uma interpretação, mesmo que fosse errada, de uma declaração de renúncia, por violação do princípio do Estado de Direito, na sua vertente de princípio da segurança jurídica [cf. artigo 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do artigo 2 do TUE, do artigo 47 § 1 da CDFUE e artigo 13 da CEDH] e a violação do direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa por um tribunal imparcial [cf. artigo 47 § 2 da CDFUE e artigo 6 da CEDH].
Suscita-se ainda a violação do direito Europeu e a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos artigo 542 (1) e 543 (1) (2) (3) do CPC, no sentido de a aqui recorrida ser condenada a pagar uma indemnização, de quantia incerta, e com efeitos ressarcitório como efeito da condenação de litigante de má-fé, por violação do princípio do Estado de Direito, na sua vertente de princípio da segurança jurídica [cf.artigo 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do artigo 2 do TUE, do artigo 47 § 1 da CDFUE e artigo 13 da CEDH] e a violação do direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa por um tribunal imparcial [cf. artigo 47 § 2 da CDFUE e artigo 6 da CEDH].
8.2. Autora litigante de má-fé por violação do dever de cooperação
A autora foi ainda condenada como litigante de má-fé por força das declarações de parte do seu legal representante, isto porque entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que este não respondeu com verdade, ocultando elementos ao Tribunal, no que concerne á forma como o negócio [da compra dos ativos aprendidos à massa falida] e à composição societária das sociedades em causa [que adquiriram esses ativos].
Primeiro, mas menos importante, não se vislumbra qual o interesse para o Tribunal e para a boa decisão da causa, saber como se procedeu a aquisição dos ativos apreendidos à massa falida e a composição societária das sociedades que o fizeram direta ou indiretamente, porquanto:
1.     a operação em questão (venda dos ativos) foi aberta a qualquer interessado, incluindo o réu, e sufragada por um tribunal português (com todos os efeitos que dai derivam);
2.     a presente ação recai sobre a responsabilidade da gerência nagestão da sociedade e não sobre o processo de insolvência que foi concluído e transitou em julgado;
3.     o processo de insolvência foi instaurado no mesmo tribunal em que a presente demandada correu termos, pelo que tudo que ao mesmo diga respeito era do conhecimento, ainda que oficioso, do ali Meritíssimo Juiz.
4.     o processo de insolvência foi decido muito depois vários meses depois da presente ação ter dado entrada em juízo.
Ou seja, não existe qualquer relação entre o pedido e causa de pedir da presente ação e quem adquiriu os ativos da massa falida no processo de insolvência cujos termos correrem noutra ação. Assim, não se vislumbra, nem que remotamente, para além de uma mera curiosidade, qual o interesse para a boa decisão da causa quem comprou tais ativos e concomitante qualquer hipótese de nessa senda ter sido ocultado elementos ao ao Tribunal que pudessem influir na boa decisão da causa.
Segundo e verdadeiramente importante, tal observação e condenação, só pode ocorrer, diga-se sempre como muimerecido respeito, por manifesta distração do julgador de primeira instância, e pelo juízo acrítico e injustificado (falta de fundamentação) do Tribunal recorrido.
Diz-se isto com total segurança, pois o representante legal da autora depôs, sobre esse tema (assim como todos os outros) com grande detalhe, serenidade e de forma cabal e completa, mais até do que lhe seria exigido.
O representante legal da autora não procurou ocultar absolutamente nada, muito pelo contrário, revelou mais do que lhe seria exigível.
O que Tribunal a quo queria apurar (saber) era quem tinha adquirido os ativos da massa falida, ou, melhor dizendo, quem seria o beneficiário último da compra desses ativos.
Quem adquiriu os ativos da massa falida o próprio Tribunal o conhecia, ainda que de forma oficiosa, pois o processo de insolvência correu termos nesse mesmo tribunal.
A estrutura societária da sociedade adquirente, também o saberia pois essa informação é pública no Portugal da Justiça – Publicações Online de Atos de Registo Comercial…
O que eventualmente podia desconhecer era que sociedade (e respetiva estrutura societária) poderia ter adquirido esses ativos supervenientemente a essa primeira aquisição direta à massa falida.
No entanto, o representante legal da autora foi claro, objetivo e respondeu de forma completa a tudo isso.
O representante legal da autora respondeu e esclareceu na perfeição que:
1) que sociedade adquiriu os ativos à massa falida;
2) a estrutura societária dessa sociedade adquirente;
3) que sociedade adquiriu os ativos da massa falida a essa primeira sociedade;
4) a estrutura desta ultima sociedade e
5) ainda esclareceu que uma das sócias minoritárias dessa sociedade é sua irmã (do legal representante da autora).
A única coisa que o representante legal não disse, foi que a sua irmã terá vendido essa quota minoritária a um outro sócio da sociedade, sem realizar qualquer mais-valia e só não o disse porque o negócio em questão foi negociado e realizado depois do seu depoimento.
No entanto, a testemunha GG (irmão do representante legal da autora) e a testemunha CC, revelaram essa venda ao tribunal, em que ficou demonstrada a superveniência de tal negócio face ao depoimento do representante legal da autora.
Para que não existam dúvidas que o representante legal da autora foi claro, objetivo e respondeu de forma completa a essa questão, ouça-se o seu depoimento quanto a estes factos:
Depoimento de parte do legal representante legal da autora [ficheiro som 20210112113707_15212194_3995015, entre o tempo 01:34:48 a 01:38:06] de que se transcreve (com destaque nosso):
[advogado do réu] olhe, relativamente à venda em sede, a venda do ativo da empresa no âmbito do processo de insolvência, a parte já referiu que, inclusive, isto foi comprado por um senhor, o [impercetível], um antigo cliente, sabe depois quem é que está a gerir esta, este, este património.
[representante legal da autora] sei...
[advogado do réu] se há alguma relação entre este, que, que
[ouve-se o meritíssimo juiz em fundo], entre a sociedade e a Burford, quer diretamente, quer indiretamente, quer seu, quer de seus familiares.
[representante legal da autora] A Burford não tem, e a Burford não é detida nem por mim e nem por nenhum familiar meu, e não tem qualquer quota nesta nova sociedade. O ativo foi adquirido inicialmente por uma sociedade do tal chef HH, que alias eu cheguei a propor que ficasse a gerir [a sociedade insolvente] porque era muito competente, por essa sociedade só, que é dele e da mulher, segundo eu sei, e mais tarde ele transferiu esses ativos para uma outra sociedade que foi criada de raiz, em que entrou nessa sociedade o sócio CC e foram, aliás, entrou esse chef e que me pediu se eu queria, porque fui eu que lhe indiquei “oh pá aquilo vai entrar em insolvência e não tenho interesse nenhum naquilo, a Burford não tem interesse, ninguém tem interesse”, e ele veio pedir, perguntar se, pronto, se queríamos ali…
[meritíssimo juiz] … se o senhor entrava também na sociedade…
[representante legal da autora] … Não, o que ele ficou com ideia que entrar
[meritíssimo juiz] … mas era o senhor ou era a Burford?
[representante legal da autora] … Ele nem consegue, ele nem sabe o que é a Burford, porque ele nunca lidou com a Burford. Ele conhece-me a mim e conhece a minha irmã.
[meritíssimo juiz] … o senhor aceitou?
[representante legal da autora] Não… e o que disse foi: eu não tenho interesse, a Burford não tem interesse…
[meritíssimo juiz] Mas o Senhor CC avançou, é isso…
[representante legal da autora] … Espere…O que eu… [continua a frase anterior antes da intervenção do meritíssimo juiz] mas a minha irmã, eu vou falar com minha irmã, porque a minha irmã perdeu dinheiro com isto, se ela quer, mas a minha irmã não vai dar nenhum contributo a isto, não vai mexer uma palha, foi a minha condição, e disse, é pá, e por uma questão, disse eu e foi isso que foi falado, ele sabe esta aqui de de testemunha, e disse: por uma questão de correção, porque todos os outros sócios perderam dinheiro com isso, pá senão se importar eu vou convidar todos os outros sócios, com exceção, obviamente, do responsável [por isso] AA e, perguntei a todos os sócios, não ao DD diretamente, mas por intermédio, pois não tinha grande relação com ele, mas perguntei ao EE e ao CC se eles tinham interesse em entrar na nova sociedade por forma a recuperarem o que tinham perdido. O CC disse que sim, o EE disse: eu gostava, acredito muito nesse negócio, mas tive muitas discussões e fiquei sem dormir, tenho discussões com a minha mulher e ela não me deixa. Foi isto que disse. O DD disse que não queria porque era amigo do AA e que tinha dificuldade em gerir isso. Então entrou a sociedade, estamos a falar de uma que depois passou para uma segundo, essa nova sociedade tem esses ativos, é constituída por: a minha irmã, que não tem nada haver com a Burford, nada, nada, nada, e que tem uma quota, atualmente, de doze virgula tal por cento…
[meritíssimo juiz] … a irmã mais quem senhor…
[representante legal da autora] … o CC, que era um dos sócios, e o chef HH, quem tem a maioria do capital é esse chef HH. Agora, a sociedade, como disse isto está ai nos autos, fez uma venda de uma participação que ganhou esses quatrocentos e tal por cento, e agora tem uma outra pessoa chamada JJ. Portanto, aquilo tem, neste momento, salvo erro: 55% que tem, portanto, o HH, a sociedade…
[meritíssimo juiz] … mas olhe os outros sócios e o AA num entraram, proposto mas não entram na sociedade…
[representante legal da autora] …não…Não o AA não foi convidado, como é lógico, nunca iria, então se o Senhor AA era o problema, algum dia!? O que aconteceu foi, ele comprou aquilo e quis… Eu não tinha interesse nenhum naquilo, não queira…
[meritíssimo juiz] … já percebi… o senhor [impercetível], está explicado.
Portanto, não se entende e não se aceita, que a autora, aqui recorrida,  por intermédio das declarações de parte do seu representante legal, tenha litigado em má-fé com a intenção de entorpecer de forma flagrante e danosa o caminho da justiça, com refere a douta sentença. Muito pelo contrário, sempre descobriu (e era a maior interessada) na descoberta da verdade.
Acresce que Tribunal a quo não cumpriu a obrigação de fundamentar, em sede de motivação da sentença, a indicação dos factos provados e não provados e, mais importante, dos meios de prova com elementos que, por força das regras da experiência ou de critérios lógicos, permitissem reconstituir o o substrato racional que conduziu o Tribunal a quo a formar tal convicção de que a autora, aqui recorrente, não cooperou com o Tribunal e tentou enganar este no que concerne a quem tinha adquirido os ativos da massa falida.
Isto porque, existindo o depoimento do legal representante da recorrida, transcrito para o recurso e indicado as passagem na gravação, que ostensivamente contariam esse entendimento, era obrigação do Tribunal a quo apontar os elementos objetivos de prova que lhe permitiram constatar o oposto e indicar o iter formativo da sua convicção, pois só assim se pode perceber se o raciocínio foi lógico ou se foi irracional e entender como e onde é que o representante legal da autora, aqui recorrida, tentou ocultar essa factualidade ao Tribunal – pois o que se vê pelo depoimento, nada disso aconteceu.
Assim, não deve a autora, aqui recorrida, ser condenada como litigante de má-fé por um lado e deve ser concedida revista ao presente recurso e em anular o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação ..., para que se aprecie convenientemente está questão.
Mais uma vez, e sem conceder, mas por mera cautela, sempre se dirá que a indeminização a favor do réu em sede de má-fé não tem efeito ressarcitório, mas sim meramente compensatório em relação a este, sendo que para evitarmos uma repetição do que acima foi dito (em 8.1.), para lá se remete com as mesmas consequências.
Em todo o caso, não deixa de chocar esta condenação como litigante de má-fé à luz da interpretação que o Meritíssimo Juiz a quo fez das declarações de parte do legal representante da autora, pois as mesmas são clara e manifestamente no sentido oposto a essa interpretação, tendo surpreendido sobremaneira a autora – que ainda está incrédula.
Por fim, neste caso, o Tribunal apreciou e decidiu a questão da litigância de má-fé por violação do dever de cooperação com excesso de pronúncia, porquanto este problema concreto nunca foi suscitado pela parte contrária.
Acresce ainda que, relativamente a esta parte, a autora, aqui recorrida, foi apanhada de surpresa, em sede de sentença, sem hipótese de contraditório. Isto porque, só em sede de sentença a autora, aqui recorrida, ficou a saber da hipótese de condenação como litigante de má-fé por ter praticado omissão do dever de cooperação.
Relembre-se que o réu, aqui recorrido, apenas pediu a condenação da autora, aqui recorrente, pelas razões apresentadas no seu requerimento e que se reproduziu no § 8 supra para onde se remete, e que em nada se relacionam com o dever de cooperação, até porque foi um requerimento apresentado antes do depoimento do representante legal da autora, aqui recorrente.
Assim, entende-se que o Tribunal de primeira instância violou o artigo 3 (3) do CPC. Por sua vez, o Tribunal recorrido, ignorou essa violação.
Pode-se dizer que Tribunal recorrido decidiu em contradição com o acórdão do  Supremo Tribunal de Justiça, processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1, do qual se destaca o ponto 3 do sumário:
[a] condenação como litigante de má-fé não pode ser decretada sem prévia audição da parte a sancionar, sob pena de se violar o princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa, cometendo-se nulidade que influi na decisão da causa, sendo que tal omissão infringe os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa.
O douto acórdão do STJ foi muito bem, pois é essa a única forma de garantir que o artigo 6 da CEDH, o artigo 47 § 2 da CDFUE e concomitante o artigo 2 do TUE não são violados.
Assim, por estes motivos, não deve a autora, aqui recorrida, ser condenada como litigante de má-fé, mais não seja deve concedida revista e anulado o acórdão recorrido no que respeita a esta condenação da recorrente como litigante de má-fé, descendo os autos à primeira instância, onde a autora, aqui recorrida, foi condenada, para que o Meritíssimo Juiz de cumprimento ao disposto no artigo 3 (3) do CPC e, observado o contraditório, decida em conformidade.
8.3. Réu litigante de má-fé (venire contra factum proprium)
Ao contrário da autora, o réu, aqui recorrido, foi quem manifestamente litigou em má-fé, por várias vezes, seja na forma não verdadeira como contestou, como depós e como se comportou durante o processo.
O facto é que a forma como o réu, aqui recorrido, litigou, entorpeceu a justiça de tal maneira que conduziu o julgador a julgar em erro, como se demonstrou em 5.1. supra e no recurso de apelação para o Tribunal da Relação em 4.1., com especial relevância sobre factos próprios do réu e que este não podia desconhecer, incluindo confirmados pela certidão permanente da sociedade e documentos que o próprio carreou ao processo (a ata nr 4 supra referida).
Por exemplo, o réu, aqui recorrido, sabia perfeitamente que não procedeu à convocação das assembleias de sócios requeridas pela autora, aqui recorrida, mas mesmo assim insistiu que o tinha feito em sede de contestação e em depoimento. Veja-se o ponto 5.1. supra (facto provado 18 ali depurado)
Assim como sabia perfeitamente que não prestou a informação sobre a vida da sociedade requerida pela autora, aqui recorrente, mas mesmo assim insistiu que o tinha feito em sede de contestação e depoimento. Veja-se o ponto 5.1. supra (facto provado 22 ali depurado).
Ou seja, o réu, aqui recorrido, sabia (pois não podia deixar de saber por se tratarem de factos próprios) que não tinha prestado a informação sobre a vida da sociedade e convocado as assembleias gerais e ainda assim não se coibiu de contestar e depor em sentido contrário à verdade desses factos nos termos em que o fez.
Deste modo, o réu defendeu-se de forma cuja falta de fundamento não devia ignorar, procurando alterar a verdade dos factos para a decisão da causa.
Praticando ainda, desta forma, uma grave omissão do dever de cooperação.
A realidade insofismável, é que o comportamento adotado pelo réu, aqui recorrido, e processualmente inadmissível teve efeito na apreciação dos factos supra referidos pelo julgador, levando-o a julgar tais factos incorretamente e assim prejudicando a feitura da justiça, e depois pelo próprio Tribunal da Relação, que sem sentido critico sobre os documentos juntos, apenas se “fiou” no depoimento do réu, aqui recorrido.
O vil intuito do réu, aqui recorrido, em entorpecer a boa ação da justiça, a forma despudorada com que o fez tendo em conta o confronto com os documentos de prova juntos, incluindo os da sua própria autoria e pelo próprio juntos ao processo (id est ata de assembleia geral de sócios), traduzem uma conduta altamente reprovável e que deve ser sancionada.
Com tal conduta do réu, aqui recorrido, ficam preenchidas as três situações descritas nas alíneas a), b) e c) do artigo 542 (2) do CPC, o que revela manifesta a litigância de má-fé do réu.
Em consequência e nos termos do disposto nos artigos 542 e 543 do CPC, deve o réu, aqui recorrido, ser condenado como litigante de má-fé nos termos já peticionados em primeira instância e reiterados no recurso de apelação para o Tribunal da Relação, nomeadamente em multa a favor deste Digníssimo Tribunal, e ainda no pagamento de indeminização a favor da autora, aqui requerida, em valor a fixar segundo o prudente arbítrio de Vossa Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, a título de honorários de mandatário e demais prejuízos sofridos com a necessária ação aqui intentada e na resposta ao comportamento de má-fé – ou seja, na proporção dos impulsos processuais que tal comportamento exigiu por parte do mandatário da autora, com respeito, pois, pelo artigo 543 (1) (2) do CPC, sendo os honorários a serem pagos diretamente ao mandatário [cf. artigo 543 (3) do CPC].
Só havia duas razões para o Tribunal da Relação não condenar o réu, ali apelante, como litigante de má-fé: falta de honestidade intelectual na análise dos factos ou mero lapso.
Como nemse admite a hipótese de desonestidade intelectualdo coletivo que decidiu o douto acórdão, pois como logo no início desse recurso se deixou claro o enorme apreço pelos senhores juízes desembargadores em questão, tal erro só pode ser derivado de um mero lapso.
Lapso esse, acredita-se, devido à falta de análise dos documentos chamados à colação aquando do confronto dos factos provados e que sumariamente aqui se trouxe no 5.1. supra.
Se o Tribunal recorrido tivesse indicado os elementos objetivos que lhe permitiram formar essa convicção e pronunciando sobre os documentos que a ali apelante convocou para contraria tal facto (como se sustentou em 5.1 supra – veja-se o facto 18), então já se perceberia o lapso… do Tribunal a quo, ou então da aqui recorrida no que tange à leitura e interpretação desses elementos de prova.
O Tribunal a quo deveria, pelo menos, explicar porque não valorou os  documentos que serviram de sustentação à impugnação de tal facto por parte da apelante ou então, mesmo que os valorasse, até porque alguns foram trazidos pelo próprio réu, explicasse a interpretação alternativa dos mesmos que conduzissem a interpretação diferente da ali alegada. Mas não, o Tribunal recorrido omitiu a sua pronúncia sobre tais documentos na apreciação de tais factos e, acreditamos nós, por lapso, pois não atendeu a esses documentos que de forma direta e ostensiva inferiam o depoimento e a contestação do réu, aqui recorrido, levando consequentemente à sua condenação como litigante de má-fé.
O Tribunal recorrido, ao omitir os elementos objetivos de prova que permitiram a todos, nomeadamente à aqui recorrente, constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova e ao deixar de indicar o iter formativo da convicção – a valoração cuja análise haveria de permitir comprovar se o raciocínio foi lógico ou absurdo – violou o direito a um processo equitativo (cf. artigo 6 da CEDH e artigo 47 da CDFEU) que imbrica profundamente no Estado de Direito (cf. artigo 2 do TUE).
Só com uma concatenação racional e lógica das provas relevantes a que a ali apelante “deitou mão” em sede de impugnação da matéria de facto, declarada no acórdão, era possível arrumar lógica e metodologicamente os factos então dados como provados e não provados e a sua apreciação à luz do direito vigente.
Só desse modo, que faltou no acórdão recorrido, se garante uma tutela judicial efetiva e o direito a um processo equitativo nos termos em que alude o artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2 da CDFEU.
Assim, uma vez mais se reitera, o réu, aqui recorrido, deve ser condenado como litigante de má-fé. Em alternativa, deve ser nulo o acórdão recorrido e a ser ordenada a sua baixa ao Tribunal da Relação para que o vício relevante supra referido seja suprido e assim, só assim, seja assegurado o processo equitativo que as partes têm direito”.
Apreciando:
Cumpre, em primeiro lugar, reafirmar que, nos termos do artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil, a decisão sobre o mérito da condenação por litigância de má fé com base na apreciação dos respectivos fundamentos é, no ordenamento jurídico português, impugnável apenas num único grau.
O que significa que, tendo esse especial sancionamento tido lugar em 1ª instância e sendo o respectivo veredicto confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação, encontra-se desta forma plenamente assegurado, neste tocante, o duplo grau de jurisdição, não sendo admissível a interposição de recurso de revista, uma vez que não é possível, nos precisos termos legais indicados, rediscutir ou revisitar no Supremo Tribunal de Justiça o mérito, a realidade ou a justeza dos motivos que o justificaram.
É, por assim dizer, assunto encerrado.
Foi, de resto, nesse mesmo sentido a decisão singular proferida pelo relator dos autos em 3 de Março de 2022, que não suscitou aliás discordância por parte da ora recorrente, sendo essa a razão pela qual não foi sequer abordada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido na Conferência de 5 de Abril de 2022.
Contudo, em estreito cumprimento do ordenado no acórdão da Formação de 9 de Junho de 2022, haverá agora que apreciar da conformidade do decidido, num plano de valoração superior, no confronto com os princípios constitucionais, consagrados em especial no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa; com os princípios definidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Tratado da União Europeia, tendo em conta a especial configuração do recurso de revista em apreço.
Questiona basicamente o A. a sua condenação como litigante de má fé segundo os seguinte tópicos de análise:
- o pedido de condenação de má fé deduzido pelo Réu contra a A. não foi formulado na contestação, mas em requerimento posterior.
- o mesmo assentou basicamente na afirmação de não interposição de qualquer acção contra o Réu, assumida pela A. na Assembleia que teve lugar no dia 7 de Agosto de 2017, tendo, no dizer do Réu, a A. agido de forma contrária à vontade antes manifestada.
- acresce que o Réu pede uma indemnização a pagar pela A. sem concretizar o valor ou a forma de o apurar.
- afirma a A. que tal declaração não tem o alcance que o Réu e o Tribunal lhe atribuíram.
- a A. só descobrir outros fundamentos para a responsabilização do Réu em momento posterior àquela declaração.
- Trouxe aos autos documento comprovativa disso mesmo.
- Uma eventual má interpretação jurídica (isto é, um erro de direito cometido) não era por si fundamento para a condenação em litigância de má fé.
- O acórdão recorrido não poderia ter feito uso, para estes efeitos, de um acontecimento documentado numa Assembleia (de 28 de Agosto de 2018) que foi posterior à entrada da acção em juízo (3 de Junho de 2018).
- a condenação ao reembolso da totalidade das despesas e honorários do mandatário do réu viola o disposto no artigo 543º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil que limita esse valor ao que a má fé tenha obrigado a parte contrária.
- requereu que o ilustre mandatário do Réu juntasse aos autos a nota discriminativa de honorários e respectivas facturas, o que não foi feito.
- não existe qualquer relação entre o pedido e a causa de pedir da presente acção e saber quem adquiriu os activos da massa falida no processo de insolvência.
- o representante legal da A. depôs com total segurança, com grande detalhe, serenidade e de forma cabal e completa, mais até do que lhe seria exigido, não procurando ocultar absolutamente coisa alguma (só não disse que a sua irmã terá vendido a quota minoritária a um outro sócio da sociedade, sem realizar qualquer mais valia, e só não o disse porque o negócio em questão foi negociado e realizado depois do seu depoimento.
- o Tribunal apreciou e decidiu a questão da litigância de má fé por violação do dever de cooperação com excesso de pronúncia quando a este problema concreto que nunca foi suscitado pela parte contrária.
Vejamos:
Não se alcança de que forma e em que termos a decisão sancionatória da A., ora recorrente, a título de litigância de má fé – cuja sindicância quanto ao mérito dos respectivos fundamentos se encontra, como se disse, vedada a este Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil -, possa conflituar com as regras ou os princípios do direito constitucional português, as regras ou princípios do direito da União Europeia ou os estabelecidos na Convenção Universal dos Direitos Humanos.
O que está apenas aqui em causa é a avaliação e valoração globais, realizadas pelas instâncias competentes, acerca do concreto comportamento processual assumido na lide por cada uma das partes e que mereceu, relativamente à sociedade A., um juízo de reprovação emitido pelo tribunal com base nas seguintes circunstâncias, salientadas - de modo assaz claro, desenvolvido e assertivo - na sentença de 1ª instância:
“a) A irmã do legal representante da Autora vendeu 50% da empresa aos novos sócios.
b) A mesma aceitou a nova composição social e o novo gerente, o Réu AA.
c) Depois a Autora adquire a quota a GG.
d) O legal representante da Autora entra em conflito com o Réu, ora gerente, AA.
e) Em 0708.2017 (ata n.º 4) os sócios deliberam “Mais declara que renuncia a todos e quaisquer pontos constantes dos pedidos de realização de assembleias extraordinárias, designadamente, qualquer demanda judicial contra o gerente AA, apreciação sobre o trabalho da gerência, realização de auditoria à sociedade e destituição da gerência”.
f) Em setembro de 2017, reduz a quota, vende parte da participação social aos demais sócios, diminuindo o risco e delibera conforme ata de 07.08.2017.
g) Entretanto a Autora tenta ficar como gerente da sociedade, em deliberações em ata de AG de dia 28/08/2018, a Autora reuniu sozinha, em assembleia geral da SLURP LDA, na sede da sociedade e com a presença de uma Senhora Notária. O Réu, instaurou uma providência cautelar de suspensão das deliberações tomadas sob os pontos UM, SEXTO, SÉTIMO, OITAVO e NONO.
Tais deliberações tinham o seguinte teor:
PONTO UM - Avaliação da solvência da sociedade face ao incumprimento generalizado das obrigações para com os credores, incluindo fornecedores e trabalhadores;
PONTO SEXTO - Discutir e deliberar a nomeação de BB ao cargo do gerente;
PONTO SÉTIMO - Deliberar a intervenção provocada da sociedade no processo de responsabilidade civil contra o anterior gerente AA cuja autora é a sócia Burford Capital, nos termos e com todas as consequências do artigo 319.°, n.º4 do CPC;
PONTO OITAVO - Deliberar a exoneração do sócio AA com justa causa por violação dos deveres de lealdade ao ter acedido, ilegitimamente, ao conteúdo de uma petição Inicial num processo de responsabilidade civil que corre contra si e que tinha sido enviado para a sede da sociedade no âmbito de uma intervenção provocada desta última, sendo que o acesso a tal PI pelo dito sócio foi de tal forma que lhe permitiu o tempo necessário para elaborar uma PI em que defendia que o colapso do negócio, o qual reconhecia ser um bom modelo e viável, derivava da dificuldade de penetração no mercado entre outros paradoxos, e tentar impor a mesma ao gerente da sociedade. Tal acesso à PI e assédio/pressão junto do gerente da sociedade, para além de ilegítimo, visava apenas acautelar de forma ilegal e urdida os seus interesses egoístas em prejuízo da sociedade;
PONTO NONO - Deliberar a apresentação de uma queixa crime contra o sócio AA por ter acedido, aberto e lido correspondência que não lhe era dirigida por forma a tirar proveito próprio e ilegítimo quando sabia que não o podia fazer por a isso ter sido avisado e tendo consciência da ilicitude.
O Réu não impugnou qualquer outra deliberação.
O processo referido em 10. correu os seus termos pelo Juiz ... deste mesmo Tribunal de Comércio, sob o n.º 3011/18...., tendo o Tribunal julgado parcialmente procedente o procedimento cautelar e suspendido as deliberações acima referidas (facto a que o Tribunal tem acesso no exercício das suas funções nos termos do artigo 5.º/1/c) do CPC), juntando-se ao diante cópia do requerimento inicial da providência.
O Autor teve de instaurar a ação principal, a qual correu igualmente termos pelo Juiz ... deste mesmo Tribunal de Comércio, com o n.º de processo 3011/18...., mas que foi declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 277.º/e) do CPC, por inutilidade superveniente da lide, precisamente por causa da insolvência judicialmente decretada, no âmbito do processo de insolvência instaurado pela BURFORD CAPITAL.
h) Mais tarde, não permite a concretização da venda pelo valor de € 60,000,00.
i) Pede a insolvência da sociedade Slurp!, Lda e interpõe a presente ação.
j) Compra           juntamente          com        outros        sócios,        através        da       sociedade ALGUNSINSTANTES o ativo da Slurp!, Lda, que entretanto passa o património para a C..., Lda.
k) O legal representante da Autora entre em conflito com o sócio HH, no âmbito da gestão da C..., Lda”.
Contrariamente ao pretendido pela recorrente, e como bem se compreende, não compete agora ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto órgão jurisdicional de cúpula do sistema judicial, prosseguir a actividade processual que consistiria em ouvir, analisar e escrutinar os depoimentos que foram prestados em audiência e que se encontram gravados, questionando se, com base neles, a respectiva matéria de facto – provada e não provada – foi, ou não, bem fixada pelas instâncias inferiores.
Trata-se de matéria cuja discussão se fechou definitivamente, nos termos no sistema judicial português, na 2ª instância, inexistindo qualquer obrigação do Supremo Tribunal de Justiça de ouvir a prova produzida.
Neste domínio, a Constituição da República Portuguesa, os seus princípios e preceitos, não impõem, em lado algum, solução jurídica diversa.
Igualmente, nada em sentido oposto se retira ainda da aplicação das regras e princípios definidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Tratado da União Europeia, que não tratam naturalmente deste tipo questões relacionadas com a concreta estruturação do sistema de recursos operada por cada um dos países-membros, no âmbito da soberania que natural e indiscutivelmente lhes assiste.
De resto, sempre se dirá que seria absolutamente impraticável, em termos de gestão de meios disponíveis, por completamente inoperacional, um sistema que obrigasse ao conhecimento e decisão pelo Supremo Tribunal Justiça das questões de facto suscitadas nos processos - hipoteticamente extensivo a todas as situações aí discutidas -, sempre que uma das partes entendesse ter sido mal julgada a causa e nisso vislumbrasse, de forma claramente enviesada, excessiva e empolada, uma pretensa violação aos princípios definidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Tratado da União Europeia, com indicação genérica e sistemática das correspondentes normas tipo.
Por outro lado, o sistema processual português prevê o sancionamento da conduta processual das partes quando se revele contraditório ou desconforme com os princípios gerais da boa fé, da lealdade e da cooperação, descrevendo-a, em termos genéricos, nas diversas alíneas do artigo 542º, nº 2, do Código de Processo Civil, como a actuação que ofende o dever geral de não dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ser ignorada; que se manifesta no sentido da alteração da verdade dos factos ou na omissão dos factos relevantes para a decisão da causa; que se traduz na omissão grave do dever de colaboração ou no uso manifestamente reprovável dos meios processuais.
Ora, esta previsão legal, assim considerada em abstracto, não contende, de modo algum, com a necessidade de ser respeitada a exigência de um processo justo e equitativo, antes o promovendo, preventiva, pedagógica e profilacticamente.
Trata-se, de resto, de um instituto de enorme utilidade e significado, enquanto instrumento processual disciplinador e moderador da conduta das partes, beneficiando e concorrendo para o correcto e leal relacionamento entre elas e o tribunal, bem como para a tramitação do processado de forma mais linear, transparente, salutar e escorreita, com adopção da conveniente e sempre exigível lisura de procedimentos.
No caso concreto em apreço, sempre se dirá que, segundo os factos provados e aceites por ambas as instâncias - a quem competia exclusivamente a discussão da matéria de facto -, a conduta da A. fornece objectivamente sobejos motivos para a penalização a este título, não se tratando por conseguinte de qualquer tipo de sancionamento arbitrário, infundado ou incompreensível, atentatório de um processo equitativo e justo ou violador dos elementares direitos de defesa do visado.
Basta reportar a declaração produzida na Assembleia Geral da SLURP!, de 7 de Agosto de 2017, assumida pela ora A., então representada por BB, no sentido de que não iria interpor – no futuro - qualquer acção judicial com vista à apreciação do trabalho de gerência desenvolvido pelo ora Réu AA, mais concretamente tendente à sua eventual responsabilização enquanto, para se compreender facilmente que a interposição da presente acção – com fundamentos que vierem a ser dados (integralmente) como não provados – corresponde simplesmente, de forma clara e inegável, a um manifesto exercício de venire contra factum proprium, de carácter nitidamente abusivo, por mais que a recorrente se esforce empenhadamente por negar ou confundir tal situação, sendo certo que essa formal renúncia não se restringiu à instauração de uma acção de responsabilidade da gerência pela própria sociedade nos termos do artigo 72º do Código das Sociedades Comerciais, abrangendo inequivocamente a renúncia à instauração de acção judicial promovida pela própria A. ao abrigo do artigo 79º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
É irrefutável que a A. actuou em total e absoluta desconformidade com aquilo a que se havia comprometido na dita Assembleia Geral, dando o dito por não dito.
 Depois de se ter provado que a A. sempre acompanhou a gestão exercida pelo Réu AA – sócio que era simultaneamente o único trabalhador da empresa -; que não existiam elementos bastantes para imputar à gestão do Réu quaisquer tipo de irregularidades; que a A. declarou - em Assembleia Geral em que o ora Réu apresentou a sua renúncia à gerência, deixando de intervir na actividade da sociedade – que se comprometia a não intentar qualquer acção judicial para a apreciação da gestão de AA;  que a A. tentou, através de assembleia geral em que reuniu sozinha em 28 de Agosto de 2018 (já depois da entrada da acção em juízo, dois meses antes) proporcionar a nomeação ao cargo de gerente do seu representante BB; que a A., num período de graves dificuldades económicas da SLURP!, não permitiu a sua venda pelo valor de € 60.000,00, para vir depois a requerer a respectiva insolvência, no âmbito da qual se envolveu na aquisição do respectivo activo, que entretanto passara para o património da C..., Lda., através da sociedade ALGUNSINSTANTES, muito estranho seria sim, em termos de um processo justo equitativo, que o tribunal se tivesse mantido inerte e passivo e não tivesse actuado, na sequência do requerido pelo Réu, em estreita conformidade com o disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil, como neste caso obviamente se impunha.
Para além disso, a causa de pedir na presente acção abrange indiscriminadamente os factos ocorridos antes e depois de 7 de Agosto de 2017, visando o comportamento do Réu enquanto gerente entre 20 de Dezembro de 2016 e 15 de Março de 2018, o que lança completamente por terra a tese da referida superveniência objectiva e subjectiva dos actos de gestão do réu por referência à Assembleia que se realizou em 7 de Agosto de 2017.
Por outro lado, na apreciação e valoração da conduta processual das partes que justifica a sua penalização a título de litigância de má fé, dispõe o julgador, compreensivelmente, enquanto entidade independente e imparcial, de ampla liberdade na consideração de todos os elementos que resultaram do julgamento e que lhe permitem conjugadamente afirmar que a parte instaurou acção/pretensão cujo falta de fundamente não deveria ignorar.
Não se trata, por conseguinte, de qualquer questão de deficiente enquadramento jurídico a que a A. terá procedido, mas da análise da sua motivação (censurável) que a levou a instaurar uma acção que deveria saber infundada.
Não faz assim o menor sentido conceber aqui qualquer tipo de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos gerais do artigo 615º, nº 1, alínea d), “in fine”, do Código de Processo Civil, a qual seria sempre tecnicamente inaplicável na situação sub judice (dizendo apenas e só respeito a vícios de natureza estritamente formal da própria decisão que conhece do fundo da causa e não às razões substantivas que a mesma contém e encerra).
 Os termos em que o Réu apresentou o seu pedido de condenação da A, e concreta condenação que a este título teve lugar, não suscita qualquer particular dúvida perante a norma correspondente do ordenamento jurídico nacional (artigo 543º do Código de Processo Civil), nem muito menos levanta qualquer interrogação ao nível da sua constitucionalidade ou da (des)conformidade com os princípios de direito europeu.
Todas as outras questões longamente desenvolvidas pela recorrente têm a ver com o mérito da condenação em litigância de má fé – decidida em 1ª instância e confirmada definitivamente pelo Tribunal da Relação ... – não sindicáveis por este Supremo Tribunal, não se detectando qualquer verdadeira violação aos princípios constitucionais ou supra nacionais supra mencionados.
Improcede a revista neste tocante.
3 - Pedido de litigância de má-fé da ré. Saber da violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662° do CPC), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6° (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Avoca-se e reproduz-se aqui o conjunto de considerações referidas supra, designadamente em relação ao limite do conhecimento em matéria de condenação em litigância de má fé, circunscrito a apenas um grau de jurisdição, nos termos do artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, afigura-se-nos totalmente incompreensível a qualificação da absolvição do Réu quanto ao pedido de condenação como litigante de má fé como uma violação ao princípio do direito ao processo justo e equitativo, ou uma ofensa a qualquer valor fundamental expresso em normas de natureza constitucional e/ou valor supranacional.
O que se verificou, tão simplesmente, foi que o Réu contestou legitimamente, no seu elementar exercício do direito de defesa, todos e cada um dos fundamentos que a A. apresentou para sustentar juridicamente o pedido condenatório que contra si formulou.
Realizado o julgamento, com todas as garantias na produção de prova e no exercício do contraditório, teve o Réu ganho de causa em toda a linha, tendo-se inclusive demonstrado que o mesmo não praticou qualquer das irregularidades que lhe eram apontados no âmbito do exercício dos seus poderes de gestão e enquanto gerente da sociedade SLURP!, que fosse susceptível de fundar a sua responsabilização.
Ou seja, a análise da prova produzida, exaustivamente fundamentada, conduziu com toda a naturalidade à improcedência da acção e à sua absolvição do pedido.
Logo, não se entende como seja possível, nestes pressupostos, justificar-se uma condenação do Réu como litigante de má fé.
Depois de haver provado ausência de fundamento para a violação dos seus deveres enquanto gerente – cujo ónus impendia aliás sobre a A. e não sobre ele – constituiria um absurdo lógico sancionar a sua conduta processual, que foi aliás desenvolvida nos estritos termos do direito de defesa que lhe assistia e de forma totalmente correcta e adequada.
Improcede a revista neste ponto, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
4 - Pedido de acareação entre partes e testemunhas. Pedido de junção de documentos por parte da A. Saber da violação do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Invocou o recorrente a este propósito:
§3 Direito a um julgamento leal e não preconceituoso
Reconhece-se que o réu, que constituiu família, foi pai recentemente e cuja companheira se apresentou muito emotiva e a chorar logo no início do seu testemunho, crie uma certa empatia nos presentes em julgamento.
Do mesmo modo que também se percebe que uma sociedade comercial sediada numa jurisdição offshore, considerada estar localizada num paraíso fiscal, com investimentos meramente financeiros em Portugal, possa gerar alguma empatia negativa ou até repulsa à maioria das pessoas.
No entanto, permitam-nos     dizer      que,       cum        grano     salis, independentemente de empatias positivas ou negativas e da inegável qualidade da estrutura da sentença de primeira instância, assim como do acórdão recorrido, nenhuma decisão pode arquear o direito adjetivo, o acesso e o dever de administração da justiça. Muito menos o pode fazer ignorando os factos dados como provados e a prova documental assente em documento autêntico e outra trazida pelo próprio réu, com argumentos sem o mínimo de respaldo na Lei, na praxis e na experiência comum.
Muito menos pode, como aconteceu, deixar de concretizar a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação da decisão, designadamente não indicando os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido e valorasse determinados meios de prova em detrimento de outros. Ou seja, indicar o iter formativo da convicção, por forma a permitir comprovar se o raciocínio foi lógico ou não.
Depois disto dito, impõe-se revelara enorme consideração pelo coletivo de Senhores Juízes Desembargadores que proferiu o acórdão recorrido, nomeadamente pelo Senhor ... Dr. KK que foi relator do recente e inovador acórdão sufragado pelo Venerando Senhor Juiz Conselheiro LL onde defende a exigência de igualdade e valorização do trabalho realizado com o cuidado da família e do lar, inerente à ideia de justiça - no caso em relação ao trabalho doméstico do cônjuge. Esse é o tipo de justiça que o cidadão comum espera dos tribunais.
Assim, apesar do acórdão ora recorrido colocar gravemente em causa o funcionamento das sociedades comerciais, ferindo de morte a segurança das decisões de investimento, a prossecução da igualdade entre os diversos intervenientes e criar um risco económico-jurídico que corrói o interesse público que se traduz na necessidade de garantir a formação da poupança e a sua captação para os investimentos nas sociedades como desde logo nos é dado pelo comando fundamental do artigo 101 da CRP (ainda que ai na vertente do sistema financeiro) e abale a ideia do direito a um julgamento leal, não preconceituoso e mediante processo equitativo, tal não afeta a confiança no supra aludido coletivo.
Mas, independentemente do respeito e até quase que apreço que a autora e o aqui subscritor tem pelos Senhores Juízes Desembargadores supra referidos, certo é que têm uma perspetiva jurídico-cultural muito diferente do direito adjetivo, da garantia constitucional do acesso e do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais.
É apenas por isso, que agora, se recorre.
3.1. Acareação entre partes e testemunhas
3.1.1. Acareação FF v. AA
Por intermédio do requerimento referência ...23 (Citius referência ...), a autora requereu a acareação da testemunha FF e do réu AA, perante a oposição direta entre os seus depoimentos. Justificou a importância dessa acareação nos termos que constam nesse requerimento, para onde se remete.
Ambos os testemunhos, como se viu, apesar de contraditórios, foram  relevados para o juízo expresso na douta sentença.
Evitando ser fastidiosos, mas entendendo ser necessário, repete-se aqui uma parte do aludido testemunho (conforme se transcreve e consta do ficheiro de som junto ao processo com o número 20210416102435_15212194_3995015), sublinhando alguns detalhes:
[FF; tempo 22:47 - … ] - …numa fase inicial, nós tínhamos inclusivamente um whatsapp, um grupo de whatsapp entre nós, falávamos, eu na altura ainda não era mãe, portanto tinha mais disponibilidade de tempo, fazíamos reuniões ao final do dia (…) sem o senhor BB, ok? com os outros três. (…)
[FF; tempo 24:23 - … ] – o senhor BB foi oscilando tipo, sobretudo nos inícios estava completamente fora, nada. Nem se nem era ele, os nomes e documento era a tal GG, depois houve uma fase em que se aproximou muito e, enfim, começou aquelas maluqueiras
[FF; tempo 52:39 - … ] - nessa fase foi quando o senhor BB se começou a aproximar da empresa e depois havia, eles tinha feito, tinham feito uma cessão de quotas por ai, por essa altura, pouco depois, pouco colado a isso, foi quando, deixe-me pensar… pouco colado a isso, quando eles fizeram a cessão foi quando ele começou, o senhor BB, a a vir, começar a por em causa, a pedir coisas e a fazer perguntas e na altura o AA, como era gerente (…)
[FF; tempo 54:42 - … ] - depois foi quando ele começou, em nome dessa empresa, a fazer pedidos de mil coisas (…)
[FF; tempo 56:06 - … ] - porque nessa altura, o que é que aconteceu? Quando essa empresa, o senhor BB, apareceram, o que ele, começava pôr em causa era tipo a idoneidade, ou, ah pronto, a fazer, a pôr em causa que as coisas não estariam a ser bem geridas, que havia dúvidas quanto às contas, que é uma coisa, enfim. E portanto aquilo que depois eu me lembro que eles acabaram por fazer, eles, quando digo eles, digo os tais outros sócios, foi o CC, que ainda foi quem conseguiu ir tendo sempre assim uma relação mais ou menos normal com o senhor BB, mandou um mail formal à Slurp né, que teria de ser respondido pelo AA, a fazer esses pedidos de informação e convocada a dita assembleia (…) alias, quem prestou, aquilo era um pedido de informação financeira vá, tudo que fossem documentos financeiros, no fundo veras contas eessas coisas todas, e quem inclusivamente reuni essas coisas todas foi a empresa de contabilidade (…)
[Meritíssimo Juiz; tempo 1:45:57 - … ] - Antes de aparecer o senhor BB, é isso que eu queria tentar perceber, os senhores tiveram reuniões, havia assistência por parte da sócia anterior, a irmã do senhor BB, a Senhora GG?
[FF; tempo 1:46:08 - … ] - Sim, ela, essa senhora chegou a reunir com o AA, a estar com ele, porque ela é que era a sócia e a passar-lhe, a passar-lhe informação,  pronto, do fabrico, sítios onde ela tinha ido e não tinha resultado e que o AA podia eventualmente tentar agora ir…
[Meritíssimo Juiz; tempo 1:46:41 - … ] - Mas nessa fase inicial em que estavam a lidar com a senhora GG o Senhor BB não estava presente é isso. Ele surge mais tarde.
[FF; tempo 1:47:06 - … ] - Sim, mas ela, fazia perguntas e acompanhava. Mas depois o BB foi aparecendo.
O réu AA testemunhou conforme se consta do ficheiro    de           som junto ao processo com o número 20210122102314_15212194_3995015, mas que contraria o testemunho de FF, porquanto diz o representante legal da autora, esteve presente e participava desde início em todas as decisões da empresa, ainda mesmo antes de a autora ser sócia, sendo permanentemente informado sobre todos os aspetos da vida, nomeadamente financeiros, da sociedade e que todas as decisões eram colegiais envolvendo todos os sócios, sem exceção (cf. Ficheir 20210122102314_15212194_3995015 tempo 5:08 a 7:30].
O réu vive em união de facto com a testemunha FF, por isso, até por ai, seria importante o confronto entre as versões em oposição direta, para se perceber, afinal, qual a que deve prevalecer. Parece lógico que, vivendo os dois em união de facto, tendo um filho que criam em comum, não se iriam contradizer numa acareação, com a virtude de a mesma trazer clareza, que não existiu, ao julgamento.
3.1.2. Acareação FF v. CC
Por intermédio do requerimento referência ...21 (Citius referência ...), a autora requereu a acareação das testemunhas FF e CC, perante a oposição direta entre os seus depoimentos. Justificou a importância dessa acareação nos termos que constam nesse requerimento, para onde se remete.
O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo valorizou o depoimento da testemunha FF, apesar de nem sequer reconhecer a factualidade que a mesma expressou relativamente a este facto. No entanto, entende-se, até porque a testemunha CC é amigo do réu e lidou de perto com a testemunha FF, que a acareação entre os dois permitiria fazer emergir a verdade dos factos.
3.1.3. Acareação FF v. BB
Por intermédio do requerimento referência ...21 (Citius referência ...), a autora requereu a acareação da testemunha FF e o representante legal da autora, perante a oposição direta entre os seus depoimentos. Justificou a importância dessa acareação nos termos que constam nesse requerimento, para onde se remete.
À parte das adjetivações usadas, em que um considera loucuras aquilo que o outro considera dever de vigilância da atividade da gerência no interesse da sociedade, o facto é que o testemunho de FF veio confirmar declarações de parte do legal representante da autora, BB, quanto ao facto deste último ter verificado, em certa altura, que o réu se encontrava em casa em vez de estar a trabalhar como alegadamente dizia aos sócios e que em outra altura não se encontrava a trabalhar na fábrica ao contrário do que dizia aos sócios. Sobre este facto ambos mostraram-se ainda de acordo quanto ao representante legal da autora ter partilhado essa descoberta, imediatamente, com os restantes sócios.
O Meritíssimo juiz a quo não tomou em conta este segmento de convergência entre os dois depoimentos. A única possibilidade que se vislumbra para isso não ter acontecido, tendo em conta que um dos temas de prova era efetivamente perceber se o réu cumpria com as suas obrigações de trabalho perante a sociedade, terá sido a falta de clareza ou de qualquer outra qualidade de ambos os depoimentos. Uma aclaração obviamente permitiria, no confronto, esclarecer o que houvesse a esclarecer na mente do julgador, por forma a permitir produzir as presunções judiciais necessárias.
No entanto, à parte desta convergência de entendimentos, em muito mais os supra referidos declarante e testemunha divergiram.
Em face da manifesta, direta e importante oposição relativamente aos factos concretos ali mencionados, a requerida permitiria apurar e depurar tais depoimentos até à verdade.
3.1.4. MM v. BB
Por intermédio do requerimento referência ...21 (Citius referência ...), a autora requereu a acareação entre o réu e o representante legal da autora, perante a oposição direta entre os seus depoimentos. Justificou a importância dessa acareação nos termos que constam nesse requerimento, para onde se remete.
Tal acareação era das mais relevantes, tendo em conta o conhecimento pessoalíssimo (e reconhecido pelo Tribunal a quo) das partes que estariam em confronto.
Houve inclusivamente determinadas declarações do réu, que confundiu o Julgador mesmo em audiência de julgamento, talvez por envolverem alguma tecnicidade relacionada com a contabilidade. Falamos, em concreto da oposição em que o representante legal da autora afirma que a sociedade obteve rendimentos de 44.402,04 euros em 2016 e o réu afirma que foram de 28.401,03 euros. É certo que tal tema fica facilmente esclarecido pela IES relativamente ao exercício de 2016 e modelo 22 (documentos juntos aos autos). A diferença é explicada na rubrica A...15 (outros rendimentos e ganhos)como valorde 16.001,01 euros, relativamente a rendimentosobtidos com as prestações de serviços (franquias para lojas de gelados e eventos de vendas de gelados) que têm clara conexão com a atividade da empresa.
Portanto, percebe-se que ter 44.402,04 euros tudo em vendas (onde se incluem prestações de serviços) ou separado como está (total de rendimentos 44.402,04 euros), é uma mera opção contabilística sem qualquer efeito ou distinção ao nível da coleta de imposto ou resultados líquidos da sociedade. Também o testemunho de CC esclareceu esta questão sufragando a declaração do representante legal da autora.
No entanto, como já se referiu, percebeu-se que essa oposição de entendimentos confundiu o próprio julgador, que por mais que uma vez, em audiência de julgamento, referiu que a sociedade teria tido vendas de apenas 28.401,03 euros e que não seria assim uma sociedade tão grande e desenvolvida como o representante legal da autora e a testemunha GG pareciam crer.
Parece claro que a acareação entre os dois teria a virtude de clarificar este ponto e os restantes, sendo que tal ponto fazia parte dos temas de prova que, como se verá infra, foi incorretamente julgado.
3.1.4.1. Integração da lacuna do 523 do CPC por analogia.
Antes de mais e apenas por mera cautela, importa analisar o disposto no artigo 523 do CPC, no que toca às declarações de parte.
O aludido artigo 523 dispõe que a acareação das pessoas em contradição para determinado facto pode ser entre os depoimentos das testemunhas ou entre eles e o depoimento da parte, sendo omisso relativamente à possibilidade de tal acareação entre o declarante (de parte) e as testemunhas (ou mesmo o depoente de parte).
Acredita-se no entanto que se trata de uma lacuna que deve ser integrada através da disciplina da analogia legis [cf. artigo 10 (1) do CC], por via da remissão do artigo 466 (2) do CPC para o 417 do mesmo código ou da analogia juris [cf. artigo 10 (3) do CC] atento aos princípios gerais do direito e da máxima eficácia das normas.
Isto porque os factos em contradição não consubstanciam, pela parte do declarante de parte, qualquer confissão [cf. artigo 358 (1) do CC e 463 (1) do CPC]. Ou seja, não havendo confissão, o valor probatório das declarações de parte do representante legal da autora é livremente apreciado pelo tribunal, pelo que a acareação entre estas e as das testemunhas ou mesmo do depoente de parte será sempre útil para a descoberta da verdade material e a composição de um julgamento justo e não preconceituoso (uma vez que não há, à partida, disparidade de valor probatório).
3.1.5. Direito à acareação para a garantir de um julgamento justo
Posta esta introdução sobre o pedido de cada uma das acareações, a qual julgamentos se impor para que melhor se perceba a pertinência das mesmas, há que dizer que o acórdão recorrido decidiu que nesse segmento o recurso da apelante improcedia.
Entendeu isso por duas razões:
1.     primeira pela falta de respeito pelos prazos legalmente previstos para a arguição por entender que se aplicava a norma do artigo 199 (1) do CPC, uma vez que tal arguição não podia ter sido feito no âmbito do recurso interpostos da sentença final mas sim nos termos do artigo 644 (2, d) do CPC;
2.     segunda, que em todo o caso, pelo que se parece perceber, entendeu que as acareações eram inúteis apesar das contradições alegadas, porque entende que, no geral, são parcos ou nulos os elementos que se extraem das acareações.
Relativamente à primeira questão, deve considerar-se que que houve um despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz de primeira instância a indeferir as acareações requeridas pela ali autora com data de 22.04.2021. A sentença, que também recai sobre essa matéria, tem data de 30.04.2021. O recurso da autora, apelante, aqui recorrente, para o Tribunal da Relação deu entrada em 13.05.2021.
Assim, havendo um despacho, o meio próprio para reagir não é o previsto artigo 199 (1) do CPC com a aplicação do prazo previsto no artigo 149 (1) do CPC, mas sim a impugnação do respetivo despacho com a interposição do competente recurso.
Ora, tendo sido a sentença notificada em 30.04.2021, portanto 8 dias depois de proferido o aludido despacho de 22.04.2021, a forma correta de recorrer do mesmo, é por intermédio de recurso dessa sentença, desde logo orientados pelo princípio da economia e celeridade processual que determinam a prática dos atos processuais estritamente necessários, com a finalidade de poupança de meios e tempo, que se hão-de repercutir em ganhos de maior escala quando considerados todos em conjunto.
Exigir o contrário, quando a sentença já tinha sido proferida antes de recorrido um prazo de reação ao despacho, deve ser considerado um excesso de formalismo na interpretação das normas processuais que torna a justiça injusta e atenta a equidade do procedimento, violando assim o artigo 6 (1) da CEDH e o artigo 47 § 2 da CDFEH, o que desde de já se argui.
Isto porque existe uma clara diferença entre a observância das formalidades legalmente impostas com vista à salvaguarda da segurança jurídica e administração adequada da justiça, uma flexibilidade excessiva suscetível de criar uma discricionariedade e eliminar os pressupostos processuais estabelecidos por lei e violar, em substância, os objetivos da segurança jurídica e de uma adequada administração da justiça.
Portanto, o recurso não deveria ser improcedente com base nessa primeira razão apontada pelo Tribunal a quo.
Relativamente à segunda questão, julgamos que o direito à acareação não deve estar sujeito àquilo que o Digníssimo Julgador se sinta capaz de extrair de tal confronto, muito menos que julgue,como parece ter sido ocaso, que para extrair a verdade seja necessário que ambos os depoimentos convirjam em sede de acareação. A verdade, a clareza, a objetividade e a correta interpretação dos factos pode ser obtida através de outros métodos e princípios da interpretação.
Há ideia que as acareações são, em regra, improfícuas, mas toda a regra tem a sua exceção e poderia ser aqui um dos casos.
Tampouco, neste caso, se pode colher o brocardo jurídico frustra probatur quod probatum non relevat, por duas razões:
1) a quando o pedido de acareação já o juiz admitiu os depoimentos singulares (sem acareação), pelo que a prova do seu potencial em fornecer conhecimentos úteis à descoberta da verdade já foi admitido; e
2) é impossível formular um juízo ex ante sobre a relevância da prova produzia numa acareação quando existem de factos em clara oposição e ambos os depoimentos, considerados serenos, detalhados e conhecedores, tem a mesma força probatória.
Destarte, sem prejuízo de se procurar evitar a analysis paralysis, mas em nome da descoberta da verdade material e da segurança que resulta da recolha de informação de qualidade e suficiente por forma a impedir a utopia myopia, parece claro que as acareações requeridas, reputadas de necessárias e importantes por pelo menos uma das partes, seriam necessárias à garantia de um julgamento justo nos termos do artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2  da CEDH, sem prejuízo do que se dirá de seguida.
É sabido, que a admissibilidade das provas e a forma como são avaliadas são matéria da competência da legislação nacional e dos tribunais nacionais (Processo Garcia Ruiz v. Espanha, de 21.01.1999oGC doTEDH), pois são os tribunais nacionais que estão em melhor posição para avaliar a credibilidade das testemunhas e a relevância das provas a cada caso em particular (Processo Melnychuk v. Ukraine, de 05.07.2005 o GC do TEDH). No entanto, a forma como as regras de prova, incluindo a sua admissibilidade, podem afetar a justeza do processo como um todo, são uma das preocupações do TEDH porquanto está em causa o direito a um julgamento justo (cf. artigo 6 da CEDH). É isento de dúvida, porque tal retira-se com elevada nitescência da douta sentença proferida, que os depoimentos relevaram para o juízo final (pelo menos em primeira instância). Por isso, a impossibilidade de os usar numa acareação que uma das partes reputou de necessária para a prova dos factos que trouxe e contra prova dos factos trazido pela parte contrária, afetam a justeza do processo e violam o princípio vertido no aludido artigo 6 da CEDH). Deixaremos espaço para melhor abordar está temática no próximo ponto (4.2), que versa também sobre os temas de prova, embora ai documental.
Esta posição dominante do TEDH, que aliás versa até mais sobre a prova feita em processos penais (mais garantista).
Assim se requer a nulidade do processo e a realização de novo julgamento, desde que se mantenha o mesmo julgador (atento ao princípio da imediação e oralidade), por violação das regras de um processo justo.
Apreciando:
Em primeiro lugar, cumpre deixar bem claro que os elementos reunidos nos presente autos não permitem, de forma alguma, afirmar, inferir ou deduzir que a situação pessoal, profissional e familiar do Réu e a postura assumida em audiência de julgamento pela sua companheira (nervosa, emocionada, chorosa, ou não), bem como, em contraponto, a específica natureza da sociedade A., o seu objecto, as características de funcionamento social ou a localização da respectiva sede social, tenham tido a menor influência ou relevância na tramitação e decisão do pleito.
De resto, é inconcebível, inaceitável e mesmo incompreensível a estranha imputação introduzida nas alegações de revista, em jeito de subtil sugestão/insinuação, que teve como directos destinatários o juiz de 1ª instância e o colectivo de juízes desembargadores.
A este propósito, dir-se-á que é totalmente descabida, infundada e gratuita a pressuposta possibilidade de haver existido na mente dos decisores, como factor decisivo, ponderável ou condicionante para o juízo de facto e de direito que realizaram e que foi determinante para a sorte da lide, um visão preconceituosa, enviesada e parcial – em termos de pré-juízo - relativamente a cada uma das partes em confronto (simpatizando com uma e antipatizando com a outra), o que rigorosamente nenhum facto ou circunstância permite, de todo em todo, afirmar ou sequer simplesmente conjecturar.
Também não se alcança de que modo o acórdão recorrido possa ter contribuído para “colocar gravemente em causa o funcionamento das sociedades comerciais, ferindo de morte a segurança das decisões de investimento, a prossecução da igualdade entre os diversos agentes que aí intervêm. O interesse público, obviamente, transcende o direito ou interesse particular dos sujeitos processuais, e compõe-se enquanto uma necessidade de proteção de toda coletividade de investidores, de sócios de uma sociedade e da própria economia os quais desde logo assentam em valores constitucionalmente consagrados (cf. artigos 62 e 101 da CRP)”.
Recorde-se que a presente acção tem essencialmente por objecto a discussão em torno da responsabilidade de um gerente de uma sociedade comercial pelos actos por si praticados no exercício dessas funções, competindo à A, demonstrar a realidade das graves irregularidades e ilegalidades que nesse domínio lhe imputa.
Apenas isto.
Ora, competindo à A. demonstrar em juízo a prática das graves irregularidades e ilegalidades que lhe imputa, e havendo a decisão judicial, uma vez concluída a análise da prova produzida nos autos, chegado à conclusão de que não ficou demonstrado o apontado incumprimento dos deveres funcionais deste gerente com o consequente insucesso do pedido deduzido pela A., afirmar-se que o decidido constitui uma “ofensa mortal” à segurança das sociedades de investimento, com sensível desprotecção para toda a colectividade de investidores e até – imagine-se – para a própria economia e do sistema financeiro em geral, com reflexos na violação de preceitos constitucionais (artigo 62º e 101º da Constituição da República Portuguesa), constitui em si um evidente paradoxo e um notório empolamento sem o menor nexo nem fundamento sério algum.
Por outro lado, encontramo-nos, neste tocante, perante questões de natureza puramente processual respeitantes, em geral, à admissão e à produção dos meios de prova, sendo certo que no presente processo judicial foi concedida a ambas as partes, em termos absolutamente paritários e equitativos, a possibilidade de apresentarem, no momento processual próprio e adequado, os meios de prova que bem entenderam.
A este propósito, como meio de aquilatar, sem o menor espaço para dúvidas, interrogações ou suspeições, a forma como o exercício do direito à prova foi proporcionado à ora A., sem violação alguma do princípio da igualdade das partes e do contraditório, cumpre sintetizar, com toda a objectividade e rigor, todas as diligências que tiveram lugar nestes autos a partir do seu saneamento.
É o que se passa a descrever:
- Em 18 de Maio de 2020 foi proferido de despacho saneador, com organização dos temas da prova e do objecto do litígio, tendo sido ordenado concretamente que:
“Notifique as partes para, querendo, em 10 dias complementarem o requerimento probatório, indicando expressamente a que matéria dos temas da prova o depoimento de parte e as declarações de parte requeridas incidirão”.
Nessa altura foi admitida a prova documental apresentada pela A. e pelo Réu.
Foi notificada a sociedade SLURP! para a junção dos documentos pretendidos pela A., a fls. 21 e 21 verso.
Foi admitida a prova testemunhal apresentada pela A. e pelo Réu.
Foi solicitada certidão do processo nº 2492/18.....
- Através de requerimento de 1 de Junho de 2020, a A. veio aos autos juntar diversos documentos que foram admitidos por despacho proferido em 15 de Julho de 2020 (sem condenação em multa).
- Em 12 de Janeiro de 2021 foi realizada a 1ª sessão da audiência de julgamento, na qual prestou depoimento de parte o legal representante da A., BB.
- Por requerimento de 12 de Janeiro de 2021 a A. requereu a prestação de depoimento escrito por parte da testemunha NN (... jubilado).
- Por despacho de 19 de Janeiro de 2021 foi autorizada a prestação de depoimento por escrito, ao abrigo do disposto no artigo 503º, nº 2, do Código de Processo Civil.
- Em 22 de Janeiro de 2021 foi realizada a 2ª sessão da audiência de julgamento, na qual o Réu AA foi ouvido em declarações de parte.
- Por requerimento de 22 de Janeiro de 2021, a A. juntou ao processo documentos.
- Em 28 de Janeiro de 2021 foi prestado o depoimento por escrito de NN (cfr. fls. 480 a 483).
- Por requerimento entrado em juízo em 8 de Abril de 2021, veio o legal representante da A. requerer autorização para assistir às sessões seguintes, o que foi deferido por despacho de 9 de Abril de 2021, sujeito aos actuais condicionantes decorrentes da pandemia.
- Em 13 de Abril de 2021 foi realizada a 3ª sessão da audiência de julgamento, com a inquirição das testemunhas CC e GG.
- Por requerimento entrado em juízo em 13 de Abril de 2021, a A. juntou ao processo documentos.
- Por requerimento entrado em juízo em 14 de Abril de 2021, o Réu juntou ao processo documentos.
- Por requerimento entrado em juízo em 15 de Abril de 2021, a A. sustentou a inadmissibilidade de documentos apresentados pelo Réu, juntou documentos e requereu novamente a prestação de declarações pelo seu representante legal.
- O Réu respondeu através de articulado apresentado em 15 de Abril de 2021.
- Em 16 de Abril de 2021 foi realizada a 4ª sessão da audiência de julgamento, com a inquirição das testemunhas OO, PP, FF.
- Por requerimento entrado em juízo em 18 de Abril de 2021, a A. veio requerer a realização de diversas acareações.
- Por despacho proferido em 21 de Abril de 2021, o tribunal admitiu os documentos apresentados pela A.; indeferiu a prestação de novas declarações de parte; indeferiu o pedido de realização de acareações, com a seguinte fundamentação:
“Sem prejuízo das contradições alegadas, considerando a serenidade, segurança e detalhe dos depoimentos em causa e tendo presente o disposto no artigo 523º do Código de Processo Civil, e sendo que a experiência do Tribunal e conforme é sabido revela que são parcos ou nulos os elementos que se extraem das acareações, havendo uma propensão para cada um dos depoentes manter a sua versão (...), não existe fundamento sério e útil para a realização de tais acareações, ficando todos os depoimentos sujeitos à livre apreciação da prova, conforme preceitua o nº 5 do artigp 607º do CPC, não se vislumbrando qualquer utilidade probatória na realização da diligência”.
 - Por requerimento entrado em juízo em 21 de Abril de 2021, a A. veio requerer a junção de um novo documento e a acareação entre o Réu AA e QQ.
- Por requerimento entrado em juízo em 22 de Abril de 2021 veio a A. interpor recurso de apelação autónomo contra a decisão de indeferimento da nova prestações de declarações de parte.
- Em 23 de Abril de 2021 foi realizada a 5ª sessão da audiência de julgamento, com a inquirição das testemunhas DD, EE; foi admitido o documento junto pela A.; foi indeferido o pedido de acareação pelos fundamentos antes explanados; foi encerrada a produção de prova, tendo-se passado às alegações orais que ambas as partes fizeram; foi determinada a conclusão dos autos para ser proferida decisão, ao abrigo do disposto no artigo 607º, nº 1, do Código de Processo Civil.
- Por requerimento entrado em juízo em 25 de Abril de 2021, a A. juntou ao processo documentos.
- Por despacho proferido em 30 de Abril de 2021 foi indeferida a junção do documento junto pela A. em 25 de Abril de 2021, com fundamento no facto de a produção de prova ter sido declarada finda por despacho de 23 de Abril de 2021.
- Na mesma data foi proferida sentença.
Desta breve e sintéctica descrição do processado resulta que o julgamento da causa se prolongou durante cinco sessões, com a prestação das declarações de parte que foram requeridas (com excepção daquela que a A. requereu pela segunda vez relativamente ao seu legal representante); com a inquirição de todas as testemunhas arroladas pelas partes (em que estas mantiveram interesse), devidamente contraditadas, tendo ainda tido lugar um depoimento por escrito de uma testemunha indicada pela A; com a admissão pelo tribunal de todos os documento cuja junção a A. requereu, com excepção daquele que foi apresentado após a fase de produção da prova se encontrar finda; todavia, pelo juiz a quo foi, com a fundamentação indicada na altura, negada a realização das pretendidas acareações, nos termos do disposto no artigo 523º do Código de Processo Civil.
Vejamos:
Concretamente, quanto ao indeferimento dos diversos pedidos de acareação, e a propósito do qual a A. juntou os documentos de fls. 620 a 622 (cópia de diversos e-mails) para justificar um novo pedido de acareação entre FF e o Réu AA, unidos de facto entre si.
Ora, dispõe o artigo 523º do Código de Processo Civil:
“Se houver oposição directa, acerca de determinado facto, entre os depoimentos das testemunhas ou entre eles e o depoimento da parte, pode ter lugar, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, a acareação das pessoas em contradição”.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado. Volume I. Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”, Almedina 2022, 2ª edição actualizada, a páginas 595 a 596:
“É uma diligência processual que tem por objecto confrontar, na presença do juiz, duas ou mais pessoas que depuseram, a fim de resolver as discrepâncias evidenciadas pelas respectivas declarações ou, subsidiariamente, obter elementos probatórios sobre a credibilidade de cada depoente a partir do seu comportamento no decurso da acareação. A experiência revela, contudo, que são parcos os elementos que se extraem das acareações, havendo uma propensão para cada um dos depoentes manter a sua versão”.
Sobre esta matéria foi decidido no acórdão recorrido do Tribunal da Relação ...:
“Assim, já todos vimos que no recurso interposto através do requerimento com a ref.ª ...32 apenas se impugna o segmento do despacho de 21.04.2021 (com a ref.ª ...90) no qual se indeferiu o pedido de nova audição em declarações de parte do legal representante da Autora.
Ou seja, resulta claro que neste recurso não se questiona o segmento do despacho em que indeferiu o pedido de acareação entre o legal representante da Autora e o Réu e a testemunha FF.
O que mais ainda se verifica é que em nenhum outro momento processual veio a autora/apelante questionar o indeferimento dos seus pedidos de acareação, como é por exemplo o caso do pedido de acareação das testemunhas FF e CC.
Em suma, só agora e no âmbito do recurso interposto da sentença final tal questão é suscitada.
E estando em causa a rejeição de um meio de prova já sabemos todos que o correspondente recurso deveria ter sido interposto autonomamente e ao abrigo do previsto no art.º 644º, nº2, alínea d), o que inviabiliza a sua apreciação.
De todo o modo e mesmo que assim se não entenda o que a este propósito  se pode dizer é o seguinte:
É consabido que a acareação visa directamente o conteúdo do depoimento, ou seja, a verdade ou mentira das afirmações produzidas.
Assim, a contradita é o incidente desencadeado pela parte contrária (à que ofereceu a testemunha) com o fim de, partindo de circunstâncias exteriores ao depoimento abalar a credibilidade dela.
Abalar a credibilidade, colocando em causa a razão de ciência invocada ou o crédito que o depoimento merece, com fundamento em razões que afectam características de relação, carácter ou interesse da pessoa da testemunha.
Por ser deste modo é que o incidente (da contradita) pode atacar a pessoa do depoente – a sua fé ou credibilidade – ou a razão de ciência por ele invocada, mas não o depoimento em si mesmo (com o fundamento, p. ex., de ser notoriamente falso ou fantasiado um dos factos referidos pelo depoente) (cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, pág.627).
A questão é pacífica na doutrina e tem sido afirmada pela jurisprudência, muitas vezes em casos similares àquele que agora nos ocupa.
Valem também os ensinamentos de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, Coimbra, 1987, pág.454 quando afirma: “pretende-se, pois, com este incidente fornecer ao julgador determinados elementos que o ponham de sobreaviso na apreciação da força probatória do depoimento. A alegação de quem contradita a testemunha é esta; a testemunha não merece crédito por tais e tais razões; ou então, nos casos menos graves: a força probatória do depoimento deve considerar-se diminuída e prejudicada por tais e tais razões.”
Ora para o Tribunal “a quo”, “sem prejuízo das contradições alegadas, considerando a serenidade, segurança e detalhe dos depoimentos em causa e tendo presente o disposto no art.º 523º do CPC, e sendo que a experiência do Tribunal e conforme é consabido revela que são parcos ou nulos os elementos que se extraem das acareações, havendo uma propensão para cada um dos depoentes manter a sua versão, não existe fundamento sério e útil para a realização de tais acareações, ficando todos os depoimentos sujeitos à livre apreciação de prova, conforme preceitua o nº5 do art.º 607º do CPC, não vislumbrando qualquer utilidade probatória na realização da diligência…”.
Quanto a nós não visionamos nos autos qualquer razão para questionar tal convicção.
E isto quando se verifica que nos pedidos de acareação que deduziu, não soube a autora/apelante trazer ao processo as razões concretas pelas quais os mesmos em seu entender se justificavam.
A ser assim, nenhum reparo merece a decisão que indeferiu tais pedidos.
Por isso, improcede também aqui o recurso interposto pela autora/apelante”.
Apreciando:
Trata-se neste caso de uma apreciação jurídica totalmente compreensível e consistente que concluiu pela ausência de fundamento e/ou obrigação legal para que o juiz a quo devesse ordenar e prosseguir a pedida acareação.
Tal pronúncia judicial (tal como todas as outras) é naturalmente discutível – em especial do ponto de vista da parte que vê desatendida a diligência que requereu -, mas não deixa de ser plenamente aceitável e razoável, não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer desta questão estritamente processual.
Não se vislumbra igualmente que esta decisão de 1ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, num contexto de produção de prova tão ampla, abundante e discutida ao longo de diversas sessões de julgamento, possa de alguma maneira significar que o presente processo merece a qualificação ou o epíteto de injusto e/ou não equitativo (independentemente do mérito da solução substantiva final que, enquanto tal, não constitui o objecto da revista excepcional, sobre ela não havendo incidido o acórdão da Formação onde se circunscreveu o respectivo âmbito e alcance).
 Com efeito, se o tribunal considera claros, objectivos, isentos - e não contraditórios ou incongruentes - os depoimentos sobre os quais incide o pedido de acareação, não se vê que a lei processual cível imponha necessariamente, nestas especiais circunstâncias, o deferimento do pedido pela A.
Igualmente não se concebe nem se aceita que as normas e os princípios constitucionais, bem como as normas de direito europeu citadas pela recorrente, obriguem neste caso – em especial atenta a vasta prova produzida nos autos, com deferimento da esmagadora maioria das diligências probatórias que ambas as partes (em particular da A., sempre muito activa, aproveitando sistematicamente o intervalo entre cada uma das sessões de julgamento para requerer, com invulgar insistência, sempre mais uma diligência probatória) contraditoriamente promoveram – a sancionar, por violação dos valores essenciais do Estado de Direito, uma decisão processual deste tipo (que negou a concreta acareação pedida, bem se sabendo inclusive a realidade indesmentível de que esta diligência, como quase todas deste tipo as que ocorrem no dia a dia dos tribunais, terminam com a inconclusiva e irredutível manutenção de posições por parte dos respectivos acareados).
Relativamente ao conteúdo dos diversos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte que a recorrente longamente transcreve, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça agora apreciar matéria de facto e analisar o sentido ou a eventual incongruência do que foi, ou não, afirmado e/ou negado.
Nenhuma norma de natureza Constitucional ou europeia impõe a prossecução dessa tarefa por parte do Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que, conforme se salientou supra, ao legislador ordinário compete modelar e estruturar o esquema processual recursório da forma que tenha por mais adequada e funcional.
No mesmo sentido, a discussão em torno da aplicação analógica do artigo 523º do Código de Processo Civil, abrangendo a figura das declarações de parte genericamente previstas no artigo 466º, constitui uma questão jurídica que, por sua natureza, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer, por ausência dos requisitos legais que, segundo as normas de processo civil português, aplicáveis o determinassem.
Improcede, assim, a revista neste tocante.
5 – Saber da admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objetiva relativamente à entrada em juízo da ação e subjetiva relativamente à audiência de julgamento) suscetível de afirmar o depoimento do representante legal da autora e de infirmar as declarações de parte do réu, por violação do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2° do Tratado da União Europeia e do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Alegou a recorrente sobre esta matéria:
3.2. Admissão de documento pertinente e revelador da verdade
Por requerimento Referência ...37 (referência Citius ...) a autora, aquirecorrente, veio requerer a admissão da junção de umdocumento (1), nos termos e pelas razões que ali apresentou e para onde se remete. Mas sumariamente, a autora, aqui recorrente, justificou a pertinência de tal documento para a descoberta da verdade material, perante o depoimento do réu e da sua companheira, a testemunha FF, de que o centro comercial onde estava instalado o principal franquiado da sociedade (que representava aproximadamente 80% da faturação da sociedade – cf. factos provados 23 da douta sentença), teria sido um “fiasco” – consubstanciado essa observação numa situação nova que antes não merecia e nem podia ser resolvida por intermédio desse documento.
A ausência de admissão desse documento e da correta extração do que do mesmo havia a provar, nomeadamente em conjunto com outros documentos juntos aos autos, incluindo os juntos pelo próprio réu (i.e. teaser de apresentação da sociedade a investidor), influi (por omissão) no juízo do julgador, tal como é patente e se revela, por exemplo, na [a] narrativa na douta sentença, no ponto 4.4 (b) do recurso de apelação para o Tribunal da Relação.
O referido documento são dois teasers produzido pela S..., com o titulo ..., ... e outro com o titulo The Science of Position…, que contrariam a versão do réu e da sua compagne de ....
Ambos teasers têm superveniência objetiva relativamente à entrada da ação em juízo, porquanto, ambos, datam de 2020. Têm superveniência subjetiva relativamente à audiência de julgamento, uma vez que só nessa altura a autora, num quadro de normal diligência, aos mesmos conseguiu aceder, pois só nessa altura, perante as novas ocorrências suscitadas em sede de audiência de julgamento perante os supra referidostestemunhos, talprova ganhou pertinência.
Só no decorrer do julgamento foi colocada a nova situação (ocorrência posterior) supra referida e que antes não podia ser acutelada; pelo que a sua admissão deveria ser admitida nos termos do artigo 423 (3) in fine do CPC.
O Meritíssimo Juiz de primeira instância indeferiu o requerido e determinou o desentranhamento do aludido requerimento e respetivo documento e condenou a autora em multa de 3 UC. Comportamento contrário teve com o réu, violando frontalmente o artigo 6 da CEDH e o artigo 47 da CDFUE, como se passará a explicar.
A justificação dada pela autora, aqui recorrente, [à luz do artigo 423 (3) do CPC in fine] não foi aceite pelo Meritíssimo Juiz de primeira instância em relação a ela, mas foi aceite para admitir a junção dos documentos que o réu apresentou no requerimento referência ...75 (Citius referência ...), que apesar de não terem superveniência nem objetiva e nem subjetiva, foram admitidos sem qualquer condenação em multa. Esta desigualdade de “armas” viola, como já se afirmou, o artigo 6 da CEDH e o artigo 47 CDFUE.
Mas mesmo que os documentos não pudessem ser aceites ao abrigo do artigo 423 (3)in fine do CPC, sempre poderia seraceitesao abrigo do mesmo preceito ab initio, tendo em conta a superveniência objetiva dos mesmos que impediam a sua apresentação nos limites temporais impostos pelo artigo 423 (1) (2) do CPC – trata-se pois de uma possibilidade subsidiária verificada.
Isso não podia era ter acontecido com os documentos juntos pelo réu (uma vez que não têm superveniência objetiva e nem subjetiva), mas nunca no caso da autora – no entanto verificou-se exatamente e inexplicavelmente o contrário, sendo que a autora ainda foi condenada em multa e o réu não.
Considerando que a audiência foi encerrada 23.04.2021, os documentos juntos em 25.04.2021, mas a sentença apenas proferida em 30.04.2021, e portanto ainda não estava fixada a matéria de facto e na dada a sentença, a admissão do aludido documento sempre seria pertinente.
Assim, deveria o tribunal de primeira instância admitir o documento e daí tirar as devidas ilações. Ao não o fazer, o tribunal de primeira instância negou à autora, aqui apelante, o direito a um julgamento justo.
Sem prejuízo, deveria o Tribunal da Relação ... admitir tais documentos e permitir, se necessário, o seu contraditório.
Isto porque, tendo a autora, aqui apelante, sido impedida de juntar um documento essencial à prova do que tinha vindo alegar e para contra prova do que a parte contraria se fazia valer, em momento que ainda era de utilidade ao tribunal para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, foi-lhe coatado tal direito, colocando-a numa situação de nítida desvantagem face à ré que juntou, alias, todos os documentos que entendeu no decorrer da audiência de julgamento.
Ou seja, o tribunal o tribunal de primeira instância foi confrontado com provas suscetíveis de pôr em dúvida a sentença proferida e teria beneficiado em aceitar o documento e examinar a nova versão dos fatos. Não o fez, baseando numa questão meramente formal (e de interpretação subjetiva).
A questão meramente formal da admissão do documento e cuja aplicação ou não é separada por uma linha muito ténue e muitas vezes impercetível entre saber, ex ante, da sua necessidade, não pode obstar à boa realização da justiça, a qual depende da verdade.
Trata-se poisde umexcesso de formalismo que emnada contribuiu para a segurança jurídica e administração da justiça, pelo contrário, impede a apreciação de mérito do litígio.
Até porque,dispõe o artigo 607 doCPC quemesmo depoisde encerrada audiência final e concluso o processo ao juiz para ser proferida sentença, este pode ordenar a reabertura da audiência se não se julgar suficientemente esclarecido, para ouvir as pessoas que entender e ordenar as demais diligências necessárias. Ora, sendo claro que tais documentos juntos infirmavam diretamente o depoimento de FF, companheira do réu, e o depoimento do próprio réu, era pois obrigação do Meritíssimo Juiz admitir os documentos e fazer uso da prerrogativa prevista no artigo 607 do CPC, pois só assim estaria a administrar a boa justiça.
Tal recusa de admissão de prova nos termos supra referidos, constitui, como já abundantemente se disse, uma violação ao instituído pelo artigo 6 (1) da CEDH. Tem sido este o entendimento do TEDH (cf. pág. 19, § 33, Processo Dombo Beheer B.V. v. Países Baixos, de 27.10.1993, perante o GC do TEDH e,noutra vertente, mas tambémna ótica do excesso de formalismo, o processo Zubac c.Croácia, de05.04.2018,perante o GCdo TEDH –queixa 40160/12).
Assim, requer-se que o Venerando Tribunalad quemadmita osaludidos documentos e decida pela nulidade da sentença nos termos do artigo 615 do CPC.
Apreciando:
Está aqui em causa uma alegada situação de violação do princípio da igualdade das partes através da concreta desigualdade de armas que lhes foram proporcionadas, na medida em que, no dizer da recorrente, não foram admitidos pelo tribunal documentos por si apresentados quando, em idênticas circunstâncias e redundando em grave e incompreensível incoerência, foram aceites os documentos apresentados pela parte contrária.
Vejamos:
Sobre o requerimento de junção do documento em causa, foi proferida a seguinte decisão em 1ª instância:
“Questão prévia: Referência ...37:
Veio a Autora, em sétimo requerimento (descontando os outros dois em que veio solicitar a disponibilização da gravação da sessão de julgamento) durante a fase de julgamento, sendo que este já após ter sido declarada finda a produção de prova (vd. despacho proferido em ata - referência ...82) e sustentado nos depoimentos prestados pelo Réu e pela testemunha FF, requerer a junção aos autos de um documento.
Dispõe o art.º 423.º do CPC: Momento da apresentação
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Compulsados os autos, o depoimento de parte do Réu ocorreu em 22.01.2021 (sessão de julgamento de 22.01.2021 ata referência ...64) e o depoimento da testemunha FF ocorreu em 16.04.2021 (sessão de julgamento de 16.04.2021 – vd. ata com a referência ...76).
Considerando o exposto e o facto de a produção de prova ter sido declarada finda por despacho proferido em 23.04.2021 em ata (vd. referência ...82), sendo que a junção do documento nem sequer se sustenta nos últimos dois depoimentos prestados (testemunhas DD e EE), podendo ter sido junto em tempo oportuno, não existe qualquer fundamento para admitir o documento.
Numa situação semelhante, veja-se o acórdão do TRC de 24.03.2015, Processo n.º 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, cujo sumário é:
1. Do art.º423º,do CPC de 2013, extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, sendo admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
2. Quando a parte não junta o documento com o articulado respectivo, a par da alegação do facto probando, e só mais tarde o faz, sujeita-se às condições estabelecidas na lei, sendo que, naquela última situação (n.º 3 do referido art.º), deverá demonstrar a impossibilidade da apresentação até então ou que a mesma se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
3. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento.
Não se verificando qualquer uma das exceções previstas no n.º 3 do art.º 423.º do CPC, atento o exposto, e tratando-se de sétimo requerimento durante a fase de julgamento, sendo que este já foi apresentado após ter sido declarada finda a produção de prova, trata-se de um procedimento totalmente anómalo, não tendo surtido efeito as advertências e tributações em custas anteriores, pelo que deverá ser novamente tributado em sede de custas judiciais.
Pelo exposto, ao abrigo dos arts. 6.º, n.º 1 e 547.º do CPC e 7.º, n.º 4 e 8 e tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, tratando-se de ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, o qual deve ser tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas, condeno a Autora em 3 (três) UC pelo incidente.
Notifique.
Após trânsito, desentranhe o requerimento e devolva à apresentante.”
Ora, sendo verídico tudo o que consta do despacho transcrito, daqui resulta que o documento em causa foi apresentado ao tribunal quando já se encontrava finda a fase processual da produção da prova, inexistindo cabimento para a sua admissão nessas circunstâncias.
E o que é certo e totalmente objectivo é que não se verificou idêntica situação com o Réu.
 Em momento algum foi admitido pelo juiz de 1ª instância qualquer documento que este tivesse (extemporaneamente) apresentado após o termo da fase processual de produção de prova.
Os requerimentos de prova apresentados pelo Réu e deferidos pelo tribunal entraram (todos) nos autos em data anterior ao encerramento da discussão da matéria de facto, o que não sucedeu com a A, a qual, mesma depois de finda tal fase processual, ainda procurou, fora do enquadramento processual aplicável, exercer tal faculdade.
De resto, assinala-se que, curiosamente, todos os documentos cuja junção aos autos for requerida pela A. e pelo Réu, à excepção daquele que deu entrada em juízo quando a fase processual de produção de prova se encontra finda, foram – exactamente nos mesmos termos - admitidos pelo Tribunal, sem qualquer problema ou objecção.
Logo, não é de modo algum possível concluir que tenha existido aqui qualquer tratamento desigual conferido às partes relativamente ao exercício da mesma faculdade processual e em idênticas circunstâncias.
O que é suficiente, só por si, para demonstrar a absoluta ausência de fundamento para a invocação da violação do princípio do processo justo e equitativo, bem como o pretenso desrespeito pelas normas ou princípios de natureza constitucional ou europeu.
Por outro lado, saber se o teor desses novos documentos não admitidos alteraria por si só, ou não, a sorte da lide – não se tratando de escritos dotados de força probatória plena em relação aos factos controvertidos em discussão -, convertendo em provados os factos considerados não demonstrados (ou vice-versa), constitui uma mera especulação da parte da A., ora recorrente, que nenhum elemento seguro permite afirmar e comprovar face à análise conjunta e conjugada de todos os outros meios de prova que foram produzidos nos autos.
(Não esquecer que, nos termos gerais do artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”).
Emitido por uma terceira entidade completamente estranha à lide – a S... – e relativo, em geral, à promoção/caracterização de determinado empreendimento empresarial, o dito escrito – cuja tradução certificada em língua portuguesa a respectiva requerente nem teve o cuidado de juntar, como era seu dever – sem comportar qualquer força probatória vinculativa,  vale o que vale, não existindo nenhuma razão séria e objectiva para concluir que, uma vez aceite, o mesmo modificaria fatalmente a sorte da lide.
Ou seja, do que se trata, no fundo, é de uma tentativa de prolongamento da produção da prova num momento processual em que a mesma já se encontrava formalmente encerrada, sem nenhuma garantia de que outros novos desenvolvimentos probatórios em cadeia não viessem a seguir, sem fim à vista.
Sendo verdade que o artigo 607º, nº 1, do Código de Processo Civil, permite ao juiz da causa, mesmo depois de encerrada a audiência final, ordenar a reabertura da audiência, tal circunstância depende, porém, do facto de “não se julgar suficientemente esclarecido”, o que não foi o caso.
Logo, não existia na situação sub judice qualquer obrigação legal de reabertura da audiência apenas porque a parte continuava interessada em produzir mais e mais prova.
Mais uma vez não pode perante estas vicissitudes afirmar-se que estamos perante uma violação direito a um processo justo e equitativo, ou que tenham sido ofendidos princípios do direito constitucional ou europeu.
Improcede a revista neste ponto.
6 - Omissão de pronúncia sobre requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento. Saber da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo0 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Alegou a recorrente neste particular:
3.3. Omissão de pronúncia
3.3.1.Documentos requeridos com a petição inicial
Com a petição inicial, a autora, aquirecorrente, requereu para prova por documentos que a sociedade Slurp!, Lda. fosse notificada [cf. Artigo 429(1)(2) do CPC] para juntar todas as atas da sociedade desde que o réu tomou posse como gerente e todas as faturas emitidas pelas vendas efetuadas à s... Lda., para prova dosfactosalegadosnessa petição.
A junção das atas requeridas teriam a virtude de evitar a incorreta apreciação dos factos provados 16, 18 e até 22 da douta sentença e devidamente tratados no 4.1 do recurso de apelação para o Tribunal da Relação, pontos 6 e 8 respetivamente. Também mais abaixo se abordará este problema e as consequências nefastas da falta desta documentação, tanto na apreciação da má-fé do réu, como dos factos provados.
A junção das faturas requeridas, por sua vez, permitiram julgar corretamente os factos provados 56, 57, 63, 68, 92 da douta sentença e devidamente tratados no 4.1 do recurso de apelação para o Tribunal da Relação, pontos 31, 32, 33, 37 e 52 respetivamente.
3.3.4. Documentos requeridos antes da audiência de julgamento
Por requerimento referência ...96 (Citius referência ...) de 29.01.2020, a autora, aqui recorrente, requereu a notificação do réu para juntar os documentos em sua posse relativamente à providência cautelar processo 2753/18.... e seu processo principal, assim como as respetivas sentenças, se já tivessem sido proferidos. Todos esses documentos de superveniência objetiva face à entrada da acção em juízo.
Por requerimento referência ...21 (Citius referência ...) de 18.04.2021, na página 12 (§2), a autora chamou à colação o requerimento com a referência ...96 supra, reiterando o ali pedido, cujo despacho nunca haveria sido proferido e nem o réu juntou o ali pretendido (sentenças).
A autora requereu ainda, em alternativa e nos termos do artigo 412 (2) do CPC, que fosse o tribunal a juntar ao processo os documentos ali requeridos.
Os documentos requeridos eram pertinentes para os factos provados 12 e 16 da douta sentença (entre outros por via indireta) e para o ponto d do 4.4. do recurso de apelação para o Tribunal da Relação – [a] narrativa na douta sentença. Como se percebe das observações a esses factos e pontos, a sentença da providência cautelar (cuja autora não teve oportunidade de contestar por não ter legitimidade ativa – e não houve nenhuma contestação) era essencial à descoberta da verdade e necessária à defesa da tese da autora.
Mas independente da pertinência de toda essa prova documental para a descoberta da verdade material, que é insofismável, o Meritíssimo Juiz de primeira instância nunca se pronunciou sobre o requerido, tal como se lhe impunha [cf. artigo 608 (2) do CPC]. Assim, essa ausência de posição ou decisão quando a lei lhe impunha, acarreta a omissão de pronúncia.
A pronúncia sobre a admissibilidade dos documentos requeridos com a petição inicial deviam ter sido considerados, pois se ali estavam, foram entendidos pela autora como relevantes para a prova da sua tese e para a boa decisão da causa, pelo que tal omissão conduz à nulidade da sentença [cf. artigo 615 (1,d) do CPC] e podem ser arguidas em sede de recurso [cf. artigo 615 (3) do CPC].
Nulidade essa que se requereu no recurso de apelação para o Tribunal da Relação.
Ora, sobre isto o Tribunal recorrido foi parco em palavras, dizendo apenas que a nulidade do processo por omissão de pronúncia vale pelas regras sobre o prazo de arguição expressamente previstas no artigo 199 (1) do CPC, pelo que a sua arguição apenas em alegação de recurso de apelação revela-se manifestamente extemporânea.
Acrescentando que tal nulidade a existir, deveria ter sido arguida perante o tribunal recorrido e dentro do prazo previsto no supra referido no artigo 199 (1) do CPC e não já depois de ter sido proferida a sentença recorrida.
Relativamente a isto, para evitarmos ser repetitivamente fastidiosos, chamamos à colação o que foi dito no §4.3. supra, nomeadamente, mas não exclusivamente, que tal entendimento viola o instituído pelo artigo 6 (1) da CEDH, do artigo 47 § 2 da CDFEU e artigo 2 do TUE.
Acresce que não se pode deixar de perguntar, então qual seria o momento próprio para reagir a uma omissão de pronúncia que poderia ser suprida na própria sentença recorrida?
Isto porque, o Meritíssimo Juiz a quo, poderia ter-se pronunciado relativamente ao requerimento probatório constante da petição inicial e requerimentos posteriores, nomeadamente indeferindo os mesmos assente num qualquer juízo que sobre os mesmos entendesse fazer. Mas simplesmente não o fez.
Ora, só nessa altura, em sede de recurso da sentença, a autora, ali apelante, aqui recorrente, estaria em condições de reagir, pois só ai efetivamente se verificou a omissão, ou seja, só nessa altura a autora, ali apelante, tomou conhecimento da nulidade.
Outro entendimento era criar um alçapão intolerável na lei e que sabotaria a segurança jurídica e a boa administração da justiça.
Apreciando:
Escreveu-se no acórdão recorrido quanto a esta matéria:
“Quanto à alegada nulidade do processo por omissão de pronúncia.
Desde logo importa salientar que também aqui valem as regras sobre o prazo de arguição expressamente previstas no art.º 199º, nº1 do CPC.
Assim a sua arguição pela autora/apelante apenas no âmbito das alegações do presente recurso, revela-se manifestamente extemporânea.
E isto porque contrariamente ao que defende a autora/apelante, a tal  arguição não é aplicável o regime previsto no nº4 do art.º 615º do CPC, o qual se    aplica apenas e só aos casos de nulidade da alínea b) e da alínea e) do seu nº1.
Ou seja, tal nulidade a existir, deveria ter sido arguida perante o tribunal recorrido e dentro do prazo previsto no supra referido nº1 do art.º 199º do CPC e não já depois de ter sido proferida a sentença recorrida.
Também aqui resulta a evidente falta de fundamento do recurso interposto pela autora/apelante.
A falta de respeito dos prazos legalmente previstos para a sua arguição e antes melhor referidos, vale também quanto à impugnação dos despachos em que foram sendo indeferidos os pedidos de acareação deduzidos pela autora/apelante”.
Vejamos:
Tendo os requerimentos probatórios em causa sido apresentados na petição inicial, em 3 de Junho de 2018, e ulteriormente através de requerimento de 29 de Janeiro de 2020, é óbvio que sobre a A. recaía a obrigação processual de se aperceber (muito antes da interposição do recurso de apelação) do fundamento para a dita nulidade por omissão de pronúncia.
Assim, a ausência de arguição atempada da referida nulidade, no prazo legal aplicável (dez dias), provocou necessariamente a respectiva sanação, sendo nessa medida incompreensível a abstenção, passividade ou inércia da A. quanto à invocação no momento próprio desse vício (que não fez como lhe competia).
Tendo a A. actuado quanto à arguição dessa nulidade – cujo fundamento jurídico teria necessariamente de conhecer muito antes - apenas na interposição do recurso de apelação contra a sentença, é manifesta e inequívoca a intempestividade do requerido, que provoca automaticamente a sanação do vício em causa, impedindo a procedência do requerido.
Cumpre também salientar que o facto da consequência do desrespeito pelos prazos legalmente estabelecidos na lei, que são (ou devem ser) do prévio e antecipado conhecimento dos litigantes (os quais, para isso mesmo – e obrigatoriamente - encontram-se devidamente assistidos em termos técnicos  pelos seus ilustres mandatários judiciais licenciados em Direito), ser o da sanação do vício pretensamente cometido pelo juiz a quo não é fundamento para negar ou retirar a qualidade de justo e equitativo ao presente processo, não constituindo nenhuma afronta aos princípios ou preceitos constitucionais ou pertinentes à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, como é manifesto.
A parte sabe que tem que cumprir prazos para poder invocar as irregularidades que, a seu ver, sejam cometidas nos autos e que não se enquadrem naquelas que, pela sua extrema gravidade e por disposição legal própria, inquinem a validade de todo o processo (sendo estes últimos invocados a todo o tempo).
Este regime funciona indiscriminadamente para ambos os litigantes, exactamente nas mesmas condições e com as mesmas cominações processuais.
Cumpre ainda referir que o acórdão do Tribunal da Relação ... (acórdão recorrido) não apreciou as questões suscitadas no recurso de apelação na medida em que contra as mesmas deveria a A. ter interposto oportunamente o pertinente recurso de apelação autónoma nos termos do artigo 644º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil, no prazo de quinze dias a contar da notificação da decisão, em conformidade com o disposto no artigo 638º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Ora, no âmbito do direito ao recurso, já o Tribunal Constitucional se pronunciou repetidas vezes no sentido de que a Constituição da República Portuguesa não estabelece nenhuma garantia genérica acerca do direito ao recurso de decisões judiciais, não sendo o mesmo livre e ilimitado, regra limitativa esta que não ofende o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, nos termos expressos no artigo 20º da Constituição, inexistindo, em processo civil, um direito fundamental e incondicionado a um duplo grau de jurisdição.
Sendo certo que não seria naturalmente possível, à luz da Constituição da República Portuguesa, ao legislador nacional eliminar, sem mais, a possibilidade da parte vencida recorrer, em qualquer circunstância, da decisão que lhe foi desfavorável para uma instância superior, ou estabelecer as condições do exercício desse direito ao recurso de forma contrária ao princípio da proporcionalidade ou usando um critério arbitrário e/ou sem razoabilidade, já a sua estruturação prática em função da importância económica ou social dos interesses em causa, realizada equilibradamente em termos ponderados e conscienciosos, através de uma indispensável filtragem que permite ao sistema judicial funcionar com base numa gestão consistente e racional dos meios ao seu dispor, encontra-se em plena conformidade com os princípios consagrados constitucionalmente em sede de acesso ao Direito e de tutela jurisdicional efectiva.
O que significa que esta organização e funcionamento do direito recursório português é perfeitamente legítima, não sendo vedada pela Constituição da República Portuguesa ou por qualquer norma ou princípio fundamento do direito supranacional.
De salientar, ainda, que a obrigação de recorrer autonomamente, nalguns casos devidamente discriminados na lei processual, das decisões interlocutórias que vão sendo proferidas ao longo dos autos, de molde a evitar o seu trânsito em julgado formal, através de previsão legal própria cognoscível pelas partes, não constitui qualquer ofensa à natureza de um processo justo e equitativo.
Concretamente, a previsão legal da obrigatoriedade de interposição de recursos autónomos, em conformidade com o que se prevê no artigo 644º, nº 2, do Código de Processo Civil, nas suas diversas alíneas, obrigando as partes ao cumprimento de prazos processuais de impugnação mais reduzidos, nada afronta nem colide, obviamente, com os valores fundamentais que se prendem com o imperativo de um processo justo e equitativo, que o continua a ser através da consagração deste estrutura recursória específica.
No mesmo sentido, o não conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da matéria de facto – salvo pontuais excepções que aqui não se verificam – não confere natureza iníqua aos presentes autos, como é óbvio.
Acresce que do normal (e inevitável à luz do direito processual civil português) indeferimento destas diligências requeridas pela A., num processo em que foi conferida a ampla possibilidade às partes de produzirem as provas que bem entenderam, dentro dos limites processuais aplicáveis, tendo aquela exercido livremente a faculdade de trazer aos autos o depoimento das testemunhas que considerou idóneas à demonstração dos factos por si alegados; de produzir as declarações de parte no momento processual adequado; de juntar vasta documentação que teve por pertinente; de contraditar activamente e com toda a abrangência os meios de prova apresentados pela contraparte, não torna possível, com seriedade e em termos razoáveis, sustentar - no fim de contas - a natureza pretensamente iníqua, injusta e não equitativa do presente julgamento, pela circunstância de o juiz de 1ª instância haver – como lhe competia - impedido que o processo se eternizasse inutilmente, sem fim à vista, com mais este ou aquele requerimento de prova que a A., sempre insatisfeita, queria imparavelmente e a destempo produzir, e que serve agora para, enfaticamente, suportar a revista excepcional a pretexto da difusa violação de normas e princípios do direito constitucional e/ou europeu.
Assim sendo, não tem justificação a conduta da parte que, omitindo a invocação da irregularidade no tempo próprio e pela forma adequada – devida a negligência sua -, vem mais tarde, esgotadas as instâncias de recurso adequadas ao conhecimento dessa matéria processual, pretender, assente na verificação do vício que não suscitou atempadamente, acusar indevidamente o processo de injusto, iníquo e não equitativo, reportando violações de normas e princípios do direito constitucional e europeu que bem sabe serem inexistentes.
Improcede a revista neste particular.
7 - A omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação, designadamente no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância. Saber da violação de normas de direito adjetivo (cf artigo 662 do CPC), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6o (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Invocou, a este propósito, a recorrente:
5.1.1. Do direito relativamente à obrigação de fundamentação
Conforme se começou por adiantar, recai sobre o Tribunal a obrigação de indicar, em sede de motivação da sentença, os meios de prova.
Essa indicação dos meios de prova deve conter os elementos que dão o substrato racional, à luz das regras da experiência e dos critérios lógicos, que permitiu preparar, sedimentar e conduzir à convicção do tribunal em determinado sentido, incluindo a razão de ter valorado de determinada forma os diversos meios de prova apresentando pelas partes.
Ou seja, não basta ao tribunal, tal como fez o Tribunal recorrido, decalcar a sentença recorrida e aceitar os factos dados como provados na sentença com a mera, sumária, generalista e até mesmo abstrata justificação da conjugação de determinados depoimentos, sem qualquer análise critica desses mesmos depoimentos e sem indicar as partes que fundamentam tal decisão.
Muito menos o pode fazer, ignorando em absoluto as provas documentais que a ali apelante chamou para sustentar a impugnação e modificação de tais factos.
Veja-se, por exemplo, o facto 18 da sentença (e supra mencionado). O Tribunal recorrido justificou a sua convicção com a simples tirada: resulta da conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF.
Tirada essa decalcada, acriticamente, da sentença de primeira instância.
Não indicou os elementos objetivos desses depoimentos que lhe permitiram formar essa convicção (e veja-se a contradição do depoimento da companheira do réu – FF) e, pior, deixou de se pronunciar sobre os documentos que a ali apelante convocou para contrariar tal facto (como se sustentou em 5.1 supra veja-se o facto 18).
O Tribunal a quo deveria, pelo menos, explicar porque não valorou os documentos que serviram de sustentação à impugnação de tal facto por parte da apelante ou então, mesmo que os valorasse, até porque alguns foram trazidos pelo próprio réu e outros são documentos autênticos (com força probatória plena), explicasse a interpretação alternativa dos mesmos que conduzissem a interpretação diferente da ali alegada. Mas não, o Tribunal recorrido omitiu a sua pronúncia sobre tais documentos na apreciação de tais factos.
O Tribunal recorrido, ao omitir os elementos objetivos de prova que permitiram a todos, nomeadamente à aqui recorrente, constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova e ao deixar de indicar o iter formativo da convicção – a valoração cuja análise haveria de permitir comprovar se o raciocínio foi lógico ou absurdo – violou o direito a um processo equitativo (cf. artigo 6 da CEDH e artigo 47 da CDFEU) que imbrica profundamente no Estado de Direito (cf. artigo 2 do TUE).
O Tribunal recorrido devia ter elencado as provas carreadas para o recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, pela ali apelante e apresentar a sua análise crítica e racional, com os motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas (os ditos depoimentos) e a negar importância de outras (os documentos aludidos pela ali apelante com as respetivas interpretações).
Só com uma concatenação racional e lógica das provas relevantes a que a ali apelante “deitou mão” em sede de impugnação da matéria de facto, declarada no acórdão, era possível arrumar lógica e metodologicamente os factos então dados como provados e não provados e a sua apreciação à luz do direito vigente.
Só desse modo, que faltou no acórdão recorrido, se garante uma tutela judicial efetiva e o direito a um processo equitativo nos termos em que alude o artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2 da CDFEU.
Pois, ainda mais que justificar tal decisão perante as partes, o julgador deverá justificar a mesma perante si mesmo. Isto porque, só com a exposição do raciocínio lógico que estribou tal decisão, o próprio pode apresentar e conferir a lógica e racionalidade do processo pelo qual atingiu o resultado.
Também só assim, com a exposição desse processo, garante a respetiva comunicabilidade às partes e a terceiros.
A aqui recorrente discorda que seja suficiente justificar a decisão, remetendo, de forma generalista, para o conjunto de depoimentos e sem se perceber o que nesses depoimentos permitiu formar a convicção do julgador sobre determinados factos, principalmente quando tal convicção é profundamente contra aquilo que a prova documental (alguma documentos autênticos) evidência.
Isto porque, só com todo o processo supra referido, incluindo a análise crítica dos aludidos documentos e mesmo dos depoimentos nos segmentos relevantes, é garantido que a prova juridicamente relevante foi corretamente recolhida, produzida e apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis.
A motivação só será suficiente se existir e por seu intermédio for possível conhecer as razões do decisor, o que manifestamente não acontece no caso.
Claro que apreciação da prova é discricionária, mas mesmo essa discricionariedade tem limites que não podem ser ultrapassados, tal como se verificou no acórdão decorrido. Há pois de perseguir a chamada “verdade material” e isso implica que a apreciação, ainda que discricionária, se reconduza por critérios objetivos e, portanto, seja suscetível de motivação e, também, de controlo.
A decisão proferida falhou nesses aspetos e violou os limites de discricionariedade que é dado ao julgador, sendo por isso suscetível de recurso, ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito.
Assim, por violação dos artigos 6 da CEDH, artigo 47 da CDFED e artigo 2 do TEU, deve verificar-se a nulidade do acórdão recorrido e deve ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido com vista o respetivo suprimento.
Apreciando:
 Relativamente à questão da invocada omissão de pronúncia na reapreciação de facto exercida pelo Tribunal da Relação ..., a recorrente confunde notoriamente a ausência – lícita - do conhecimento de todos os “argumentos” por si desenvolvidamente apresentados na sua impugnação de facto, com a obrigação de conhecimento das questões essenciais suscitadas neste particular – esse sim obrigatório.
Com efeito, todas as questões essenciais colocadas pelas partes no litígio e que relevam verdadeiramente para a decisão da causa, devem ser individual e especificamente apreciadas, sem que qualquer delas possa ser descurada, omitida, desprezada ou esquecida.
Contudo, uma coisa são as questões essenciais a apreciar – e que o juiz terá forçosamente que abordar e decidir nos concretos termos do preceito transcrito; outra bem diferente é o conjunto dos variados argumentos aduzidos pela parte – que não têm que ser escalpelizados um por um.
O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça das questões essenciais; não que deva apreciar todos e cada um dos diferentes (e por vezes inúmeros) argumentos que a parte invoca para tentar fazer valer (tautologicamente) os seus pontos de vista.
Sobre uma mesma questão essencial de direito ou de facto, podem as partes esgrimir uma enormidade de afirmações argumentativas (algumas por excesso e sem cabimento), sem que o juiz a quo se encontre obviamente obrigado a desconstruí-las, uma por uma, num exercício inglório de pura perda de tempo.
Bastará que aborde e resolva, em moldes suficientes, todas as questões essenciais de que depende decisivamente a sorte do pleito.
A decisão é formalmente válida quando o juiz, fundamentando suficientemente o decidido, se dispensou de analisar alguns dos argumentos invocados pelas partes que não constituíam questões essenciais para a boa resolução da causa.
De resto, o conhecimento de uma questão tanto pode ter lugar quando o juiz toma posição directa sobre ela, como quando esse conhecimento resulta da abordagem de outra decisão conexa que a exclui.
Relativamente frequente a situação em que o juiz, assentando a sua fundamentação de direito em determinados pressupostos, acaba por não se debruçar sobre determinadas questões pelo facto de as mesmas terem passado a ser puramente irrelevantes, inúteis ou inconsequentes para a sorte da lide.
Não se verifica, nessas circunstâncias, qualquer nulidade, uma vez que o conhecimento omitido quanto a estas resulta tão somente da sua inutilidade ou inconsequência, tendo ficado logicamente prejudicado com o sentido da decisão antecedente.
Esta distinção encontra-se há muito estabelecida pela doutrina e pela jurisprudência.
(vide, sobre o tema, José Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, página 143; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado. Volume II. Artigos 362 a 626”, Almedina Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 712 a 714 e 737.
Na jurisprudência vide, e entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2022 (relatora Maria Clara Sottomayor), proferido no processo nº 19655/15.5T8PRT.P3.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2021 (relator Pedro Lima Gonçalves, proferido no processo nº 5097/05.4TVLSB.L2.S3; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2021 (relatora Fátima Gomes, proferido no processo nº 7228/16.0T8GMR.G1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2021 (relator Paulo Ferreira da Cunha), proferido no processo nº 379/13.4TBGMR.G1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 189/14.1TBPTM.E1.S1, todos publicados in www.dgsi.pt).
Na situação sub judice, o acórdão recorrido conheceu de todas as matérias essenciais e decisivas para a decisão de reapreciação da matéria de facto, provada e não provada, não se verificando qualquer dos apontados vícios do acórdão recorrido, genericamente enunciados nas diversas alíneas do artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, e em particular na respectiva alínea d).
Quanto à questão do (in)cumprimento pelo acórdão recorrido dos deveres enunciados no artigo 662º do Código de Processo Civil, respeitante ao exercício efectivo dos poderes de facto em termos de sindicância da decisão de facto proferida pelo juiz a quo, referiu-se no acórdão recorrido:
“Os factos relativamente aos quais vem impugnada a decisão antes proferida são aqueles que deixamos melhor identificados a “negrito”.
Perante tal impugnação e para uma melhor apreciação da pretensão recursiva da autora/apelante, iremos apreciar os mesmos de acordo com as questões em discussão em cada um deles.
Assim a autora/apelante começa por questionar a decisão proferida no que toca aos pontos 6), 18), 41) e 42), cujo teor aqui temos como reproduzidos, sem necessidade de transcrição.
Relativamente a tais pontos de facto é a seguinte a motivação contida na decisão recorrida:
Quanto ao facto 6 a resposta dada resulta da certidão permanente junta aos autos a fls. 26 e seguintes e 266 verso e seguintes.
Quanto ao facto 18 resulta da conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF.
Quanto aos factos 41 e 42 resultou da conjugação dos depoimentos do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF, sendo que quanto ao segundo deles a resposta dada resultou ainda do teor das actas nº2 (fls.97 e seguintes), nº3 (fls.102 e seguintes) e nº4 (fls.93 e seguintes).
A autora/apelante também questiona as respostas dadas nos pontos 21) e
22) dos factos provados, cujo teor aqui também recordamos, sem reproduzir. Quanto a estes foi a seguinte a motivação contida na decisão recorrida:
Os factos 21) e 21) resultaram da conjugação dos depoimentos do legal representante da Autora, do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF, sendo que quanto ao primeiro valeu também o teor do requerimento do pedido de divisão e cessão de quotas junto a fls. 169 e seguintes.
A autora/apelante questionou igualmente as respostas dadas aos factos 30), 82) e 85), cujo teor já conhecemos.
Para o Tribunal “a quo” foram os seguintes os meios de prova que sustentaram tais respostas:
Quanto ao ponto 30, a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autor, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF, bem como o teor do emal remetido por II e junto a fls.138 e seguintes, o título de transmissão emitido pela AI no processo de insolvência da Slurp! Lda.
Quanto ao ponto 82), a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD e EE. Mais ainda o teor da acta nº... de 25.05.2018, de fls. 332 verso e seguintes, o teor dos vários emails juntos aos autos, nomeadamente o email do Sr. RR de fls. 138 e que reencaminha o email enviado pelo legal representante da Autora.
No que toca ao ponto 85), a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF. Mais também o teor da acta nº... de 25.05.2018, junta a fls. 332 verso e seguintes e o título de transmissão emitido pelo AI no processo de insolvência da Slurp! Lda.
A autora/apelante impugna ainda as respostas dadas aos pontos 31) e 35), cujo teor não voltamos a reproduzir.
Relativamente a tais pontos de facto foram os seguintes os meios de prova que os sustentaram:
A resposta ao facto 31) teve por base a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF e o teor da acta de 07.08.2017, junta a fls. 93 e seguintes mais os documentos a ela anexos.
A resposta dada ao facto 35), a conjugação dos depoimentos prestados pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD e EE, bem como o teor da procuração emitida pelo gerente EE a favor do Réu, junta a fls. 343 v e seguintes.
Impugna também as respostas dadas aos pontos 43) e 44), antes transcrito. Quanto às respostas dadas a cada um destes foi a seguinte a motivação do
Tribunal “a quo”:
A conjugação dos depoimentos prestados pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD e EE e o teor dos emails juntos ao processo.
Estão ainda impugnadas as respostas afirmativas aos factos inscritos nos pontos 53), 77) e 78), cujo conteúdo já transcrevemos.
E foi a seguinte a motivação referida na decisão recorrida:
Quanto ao facto 53), a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF.
Quanto aos pontos 77) e 78), a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF. Mais ainda os vários emails juntos aos autos e a comparação entre as contas de 2016 e 2017 (IRC de fls.337 verso e seguintes e demonstração de resultados entre 2016 e 2017, junta a fls. 337 e seguintes).
A autora/apelante também impugna a decisão proferida quanto aos pontos 55) e 56), cujo teor já todos conhecemos.
Quanto ao primeiro ponto foi a seguinte a motivação correspondente:
A conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF.
Quanto ao segundo a conjugação de todos estes depoimentos e mais ainda o teor dos vários emails juntos ao processo.
Está ainda impugnada a decisão de facto dos pontos 71) e 72), antes transcritos.
Quanto a estes é a seguinte a motivação da respectiva decisão:
Em ambos a conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF, sendo que quanto ao primeiro também o teor dos emails trovados entre os sócios e que estão juntos aos autos.
Foi igualmente questionada a decisão proferida quanto aos pontos 87) e 98), já conhecidos.
E foi a seguinte a motivação da decisão em ambos estes pontos de facto: A conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF,
Por fim, está impugnada a decisão do ponto 94), cujo teor já foi aqui reproduzido.
E é e seguinte a motivação da respectiva decisão:
A conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, pelo Réu e pelas testemunhas CC, DD, EE e FF.
Mais ainda, o teor da acta de 07.08.2017 e respectivos anexos, junta ao processo a fls. 93 e seguintes.
Conhecendo-se como se conhecem os meios de prova nos quais a autora/apelante sustenta este seu recurso da decisão de facto, procedemos como se impunha à audição das gravações onde ficaram registados os depoimentos prestados pelo representante legal da mesma autora, do réu e as declarações das testemunhas arroladas pelas partes.
Procedemos, igualmente à análise da prova documental produzida nos autos, pondo particular atenção no conteúdo dos documentos antes melhor referidos e que sustentaram a decisão recorrida e daqueles a que a autora/apelante dá particular relevo no seu recurso.
E as conclusões a que chegamos vão ao encontro da convicção probatória obtida pelo Tribunal “a quo”, afastando assim a argumentação que sustenta as pretensões recursivas da autora/apelante.
Senão, vejamos:
Comungamos, desde logo, da valoração que foi feita do depoimento de parte do legal representante da autora, BB e das declarações de parte do réu, AA.
Assim, também nós consideramos que o depoimento do primeiro apesar de rigoroso e pormenorizado se revelou claramente parcial, sustentando-se em grande parte num negócio que foi perspectivado como rentável mas que de facto  assim não se revelou.
Quanto ao réu AA este prestou declarações de uma forma séria e isenta, revelando por força das funções que exerceu na sociedade, um conhecimento circunstanciado dos factos.
Subscrevemos também a apreciação das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas quer pela autora quer pelo réu.
Assim e quanto ao depoimento da testemunha CC, um dos sócios da sociedade Slurp Lda., pode dizer-se que prestou um depoimento sereno, sério e isento, revelando por força das suas funções na empresa, um conhecimento apurado dos factos a que foi perguntado, baseando também as suas declarações na prova documental junta ao processo e a que teve acesso.
O mesmo ocorreu com outro dos sócios da Slurp Lda., a testemunha SS, o qual demonstrou um perfeito e pormenorizado conhecimento dos factos a que foi ouvido, confirmando ser ele o elo de ligação entre a maior parte dos sócios da empresa e alicerçando as suas declarações em vários dos documentos juntos ao processo.
Quanto ao outro sócio da Slurp Lda., a testemunha EE, o mesmo prestou declarações de forma isenta mas revelou alguma falta de conhecimento relativamente aos factos a que foi inquirido.
Já quanto ao depoimento da testemunha TT, comungamos a ideia de que o mesmo não foi isento, denotando parcialidade e transmitindo a ideia de que veio ao processo confirmar a tese da autora.
O depoimento prestado pela testemunha OO, apresar de se revelar credível não revelou grande conhecimento dos factos em discussão.
Quanto à testemunha PP, o cunhado do réu, revelou-se este sério e credível, mas revelando que os factos transmitidos tinham por base o que lhe foi sendo relatado pela sua irmã FF e pelo seu cunhado.
O depoimento da “mulher” do réu, a testemunha FF, foi sério e credível, apesar de emocionado no seu início.
Neste a testemunha e por razões evidentes, atenta a sua relação próxima com o réu, demonstrou perfeito e cabal conhecimento dos factos que se discutem nos autos, revelando ainda ter tido acesso a muita da prova documental junta ao processo.
Por fim e quanto ao depoimento por escrito prestado pela testemunha NN, depoimento esse junto a fls. 480 e seguintes, o que se pode dizer é o seguinte.
Revelou não ter conhecimento de alguma da matéria a que foi indicado.
Quanto aos restantes factos a que respondeu o que se demonstrou foi que o seu conhecimento advinha em grande parte do que lhe foi sendo dito pelo legal representante da autora, o já antes identificado BB.
Em confronto com o alegado pela autora/apelante o que em síntese se pode concluir é o seguinte:
Em relação aos factos inscritos em 16), 18), 41) e 42) da matéria provada, vale desde logo o que ficou também provado em 17) e que agora não vem impugnado.
Relevam, igualmente, as declarações de parte prestadas pelo réu (cf. segmento da gravação da audiência do dia 22.01.2021, segmento com início a 00:09:02 e fim a 00:11:02).
Valem, também, as declarações prestadas pela testemunha QQ, na audiência de julgamento do dia 16.04.2021 (cf. gravação no segmento com início a 00:52:06 e fim a 00:56:05).
Importa ainda considerar o que resulta da acta da Assembleia de Sócios da Slurp Lda., realizada no dia 07.08.2017, junta aos autos a fls. 93 e 94.
Quanto aos factos contidos nos pontos 21) e 22) releva o email enviado pelo legal representante da autora, BB aos sócios da Slurp Lda. no dia 24.08. 2017, junto ao processo pelo réu e constante de fls.104 e seguintes.
Importa ainda considerar o teor da acta da Assembleia Geral de Sócios da Slurp Lda., realizada no dia 07.09.2017, junta aos autos pelo réu e constante de fls. 102 v e 103.
Em relação aos pontos de facto 30), 82) e 85), relevam os seguintes meios de prova:
Desde logo o que resultou provado e consta dos pontos 10) e 14) relativamente à insolvência da Slurp Lda.
Também o que ficou provado em 81) e resulta da acta da assembleia geral de sócios da Slurp do dia 25.05.2018, no que toca à venda da mesma sociedade (cf. documento junto a fls.145 e seguintes).
Valem ainda as declarações prestadas pelas testemunhas DD na audiência de 23.04.2021 (cf. segmentos da gravação de 01:32:00 a 01:33:30 e de 01:35:20 a 01:38:30), FF, na audiência do dia 16.04.2021 (cf. segmento da gravação com início em 01:16:57 e fim em 01:19:02) e as declarações de parte do réu na audiência do dia 22.01.2021 (cf. gravação nos segmentos de 01:05:18 a 01:10:02 e de 02:07:12 a 02:09:16).
Releva também o que foi declarado pela testemunha CC, na audiência do dia 13.04.2021 (cf. gravação no segmento com início a 01:26:00 e fim a 01:34:30).
Quanto aos pontos 31) e 35) importa considerar, desde logo, o que resulta da acta da assembleia de sócios da Slurp Lda. realizada no dia 26.03.208 (cf. documento junto a fls. 332 e seguintes).
Vale também o que foi dito em decorações pelo réu na audiência de julgamento do dia 22.01.2021 (cf. gravações de 00:02:07 a 00:03:43 e de 00:08:00 a 00:09:05).
Em relação aos pontos 43) e 44) impõe-se considerar as declarações prestadas pela testemunha DD na audiência de julgamento do dia 23.04.2021 (cf. gravação nos segmentos de 01:12:05 a 01:12:30 e de 01:17:30 a 01:18:30).
Também a declarações do réu na audiência do dia 22.01.2021 (cf. gravação de 00:05:02 a 00:06:50).
Por fim, a prova documental (emails enviados pelo réu a todos os sócios da empresa), juntos autos a fls. 104 e seguintes).
Em relação aos pontos 53), 77) e 78), valem para além da prova documental constante de fls.330 e seguintes, 337 v e seguintes e 504 v e seguintes, as declarações prestadas pelas testemunhas DD na audiência do dia 23.04.2021 (cf. segmento da gravação com início em 09:59:54 e fim em 11:59:29) e pela testemunha FF na audiência do dia 16.04.2021 (gravação de 00:30:15 a 00:43:02).
Quanto aos pontos 55) e 56) são importantes as declarações prestadas pelas testemunhas DD na audiência de 23.04.2021 (na gravação de 01:10:15 a 01:15:00) e FF na audiência de 16.04.2021 (gravação de 00:28:19 a 00:30:00 e de 00:36:52 a 00:41:03).
No que toca aos factos provados dos pontos 71) e 72) valem novamente as declarações prestados em julgamento pelas testemunhas DD (na audiência de 23.04.2021, de 01:35:20 a 01:38:30) e FF (na audiência de 16.04.2021, de 00:25:00 a 00:27:00) e as declarações de parte do réu (na audiência de 22.01.2021, de 00:43:29 a 00:46:30).
O mesmo ocorre no que toca aos pontos de facto 87) e 98), relevando as declarações prestadas pelas testemunhas DD, FF e as declarações de parte do réu nas audiências e momentos antes melhor referidos.
Por fim e no que se refere ao ponto 94) dos factos provados importa considerar o que resulta do documento junto a fls. 93 e 94 dos autos (a acta da assembleia de sócios da Slurp Lda. realizada no dia 07.08.2017.
Vale, igualmente, o depoimento prestado pela testemunha FF, na audiência de 16.04.2021 (cf. gravação segmento de 00:59:35 a 01:03:00).
Quanto aos factos não provados que a autora/apelante quer ver como provados, o que cabe dizer é o seguinte:
Como se verifica do ponto 4.2 das alegações de recurso, nestas a autora/apelante procede a uma impugnação muito genérica dos factos que tendo antes sido dados como não provados, agora quer que sejam tidos como provados.
Procede ainda a uma indicação pouco precisa dos meios de prova com base nos quais considera que esta sua pretensão deve ser atendida.
Ora como é por demais sabido, com o D.L. nº 39/95 de 15 de Fevereiro, apesar de se ter transformado o Tribunal na Relação num verdadeiro tribunal de instância que julga também matéria de facto, “foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão de facto, tendo o legislador optado por abrira apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 124).
A ser assim e não se admitindo como não se admite, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento, (cf. autor e obra citada, a pag.127/128), o efeito jurídico que se extrai é a rejeição desta parte do recurso aqui interposto.
Em suma e pelo exposto, mantém-se integralmente a decisão de facto antes proferida cujo conteúdo integral já todos conhecemos e para o qual e sem mais remetemos.
É pois de acordo com esta que devem ser apreciadas e decididas as restantes questões suscitadas pela autora/apelante”.
Vejamos:
No acórdão da Conferência de 5 de Abril de 2022 já fora decidido a este respeito que:
“Num primeiro momento a recorrente invocou a violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil no contexto global da impugnação da sua condenação como litigante de má fé e da absolvição do Réu a esse mesmo título, citando os pontos 16 e 18 dos factos dados como provados.
Encimou, de resto e sintomaticamente, tal alegação nos seguintes termos: “Vejamos, resumindo apenasa doisflagrantesfactosque porsua vez têm impacto também na prova de que o réu, aqui recorrido, litigou em manifesta e ostensiva má-fé”.
E como se evidenciou no despacho singular proferido pelo relator dos autos, encontrando-se assegurado o duplo grau de jurisdição, o artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil, não admite recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Seguidamente, no que concerne ao elenco dos factos dados como provados, circunscritos pontualmente àqueles que foram discriminados pela recorrente na revista (apenas o 16º e 18º, não havendo o 17º sido objecto da impugnação de facto), a sua invocação não tem rigorosamente a ver, em termos substantivos, com o incorrecto exercício dos poderes de facto pelo Tribunal da Relação ..., nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja e em concreto, com a rejeição da impugnação, ou com a indevida omissão de reavaliação da juízo de facto emitido em 1ª instância, ou ainda com a ausência da sua explicação fundamentada, em sede de motivação do decidido.
Concretamente, aquilo de que a recorrente discorda, a pretexto da avocação do artigo 662º do Código de Processo Civil e dos princípios gerais de negação do direito a um processo justo e equitativo, é do próprio conteúdo e sentido da reapreciação de factos que foram adoptados pelo acórdão recorrido, entendendo que os elementos à disposição do Tribunal (mormente a prova documental e testemunhal que foi produzida e é por si referenciada) imporiam, a seu ver, decisão diversa daquela que foi proferida.
Ou seja, sustenta que os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas (que aliás transcreve no seu recurso de revista) e a análise dos documentos que tiveram lugar - ou que poderiam ter tido lugar e não tiveram -, determinariam por si só uma resposta diversa e antagónica em relação ao veredicto “provado” que ambos os pontos de facto, a seu ver indevidamente, receberam.
O que equivale a discutir e consequentemente discordar do mérito do juízo de facto autónomo de que o Tribunal da Relação ... se socorreu.
Acrescenta ainda a recorrente que a fundamentação utilizada no acórdão recorrido não lhe permite compreender a improcedência da sua impugnação quanto a esta matéria, que aliás constitui apenas um breve segmento do conjunto total, muitíssimo mais amplo, dos pontos de facto impugnados (16º, 18º, 21º, 30º, 41º, 42º, 43º, 44º, 53º, 55º, 56º, 71º, 72º, 77º, 78º, 82º, 85º, 87º, 94º, 98º), e que foram, em termos formais, individualmente apreciados pelo Tribunal da Relação com esparsa referência à análise dos meios de prova (descrição dos depoimentos produzidos e referência ao valor da prova documental junta).
Pelo que esta apontada insuficiência enquadra-se, mais uma vez, no âmbito da legítima discordância relativamente ao que foi decidido sobre os pontos 16º e 18º dos factos provados, e nada mais do que isso.
Em suma, o que verdadeiramente constitui objecto da presente revista normal não consiste, em substância e efectivamente, no incorrecto exercício dos poderes de facto por parte do Tribunal da Relação, tal como se encontra previsto no artigo 662º do Código de Processo Civil, mas na frontal divergência, que profusamente manifestou, contra a concreta decisão tomada nessa sede e que incluiu, com a completude necessária e suficiente, o conhecimento da sua impugnação de facto quanto a dois pontos especificamente localizados (o 16º e o 18º), acompanhada da respectiva fundamentação, objectivamente compreensível.
Ora, quanto a esta matéria – discussão da matéria de facto provada e não provada -, carece o Supremo Tribunal de Justiça da necessária competência, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 662º, nº 4, do Código de Processo Civil, bem como do preceituado nos artigos 674º, nº 3 e 683º, nº 2, do mesmo diploma legal, não sendo a revista normal admissível.
Pelo que não assiste razão à recorrente/reclamante”.
Reafirma-se neste momento o que foi decidido, sobre essa matéria, nesse mesmo acórdão e que bem demonstra a ausência de razão da recorrente neste particular.
Acresce ainda que, perante o que consta do acórdão recorrido e que se transcreveu supra, entendemos que os deveres de reapreciação da decisão de facto foram cumpridos por parte do colectivo de juízes desembargadores, através da audição da prova produzida/gravada, da sua concreta análise crítica, que acabou, neste caso, por ser inteiramente coincidente com a extraída em 1ª instância.
Ou seja, e em suma, encontram-se satisfeitas, com a exigível suficiência e completude, as obrigações processuais impostas no 662º do Código de Processo Civil, em sede de exercício dos poderes de facto pelo Tribunal da Relação, designadamente tendo em atenção a forma concreta como a recorrente estruturou a sua revista neste tocante.
Ao invés, não se pode de modo algum considerar que no acórdão recorrido se tenha realizado uma apreciação sumária, generalista e abstrata da conjugação dos diversos depoimentos, sem análise crítica e com “ignorância absoluta das provas documentais para que a apelante chamou a atenção ao sustentar a impugnação e modificação dos factos”, conforme acusa – infundadamente - a recorrente
Desde logo, não foi praticada nenhuma violação do direito probatório material que justificasse a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 674º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Acresce que toda a prova que suporta os factos dados como provados e não provados era da livre apreciação do julgador, não se verificando qualquer situação de prova tarifada, com a inerente força vinculativa.
Os meios de prova (testemunhal e documental) foram apreciados em termos lógicos, consistentes e criteriosos, nada impedindo que o Tribunal da Relação possa remeter para algumas das razões ou considerações expostas na fundamentação da convicção do juiz a quo se, depois de ouvir a prova gravada e formar a sua própria convicção autónoma, entender partilhar inteiramente dessa mesma motivação (considerando despicienda e dispensável a repetição das mesmas razões justificativas da decisão de facto).
In casu, inexiste qualquer elemento nos autos que permita fundadamente considerar que não foi ouvida a gravação de prova ou que não foi formulado em segunda instância um juízo crítico novo e autónomo (relativamente ao do juiz a quo).
Não existe ainda a obrigação processual de elencar, um por um, todos os meios de prova reunidos nos autos susceptíveis de, no entender da apelante, de afastar a credibilidade de determinada passagem de um depoimento (em conjugação com um outro).
A análise global da prova, embora resulte da apreciação de todos os elementos reunidos pelas partes e trazidos à apreciação do tribunal, não implica que o órgão jurisdicional, ao motivar a sua convicção, tenha que fazer expressa e exaustiva alusão discriminada a cada um deles, numa tarefa ciclópica, abrangendo inclusive aqueles que se destinaram a produzir a contraprova de factos alegados pela parte contrária.
Por tudo isto, cumpre concluir não se verifica, clara e ostensivamente, a este propósito, nenhuma violação dos preceitos ou princípios constitucionais ou pertinente à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Improcede, por conseguinte, a revista neste tocante, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
8 - O indeferimento das declarações de parte do legal representante da autora, aqui recorrida. Saber da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20°, nº 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia e do artigo 6° (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 Referiu sobre esta matéria a recorrente:
§9 O indeferimento das declarações de parte do legal representante
A recorrente requereu o depoimento de parte do legal representante da autora para que o mesmo pudesse recair sobre documentos e factos novos complementares e concretizadores trazidos em audiência de julgamento.
Por despacho de referência 22.04.2021 (referência ...90), o Meritíssimo Juiz de primeira instância indeferiu tais declarações com o fundamento de que o legalrepresentante da aliautora já tinha prestado, antes, depoimento.
A corrente interpôs recurso dessa decisão.
O Tribunal da Relação confirmou, baseando no mesmo entendimento da primeira instância, a decisão ali recorrido.
No entanto, salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito, interpretou e aplicou mal o direito.
Isto porque, ao processo, em sede de audiência e julgamento, foram trazidos documentos e factos novos complementares e concretizadores. Factos que o julgador considerou relevantes para, pelo menos, apreciar melhor o testemunho do Senhor Dr. CC. Esses factos diziam respeito à constituição de uma sociedade que adquiriu a outra sociedade os  ativos da massa falida da sociedade Slurp! e onde teve lugar cessões de quotas.
Embora, em perfeito rigor, esses factos se relacionassem com o pedido e causa de pedir da ação, pois na mesma discutia-se a responsabilidade do gerente perante a sociedade e sócios e não o processo de insolvência da sociedade (aliás, insolvência essa superveniente à entrada em juízo do presente processo), a verdade inafastável é que:
1- A autora foi condenada, numa decisão-surpresa do Tribunal da primeira instância, como litigante de má-fé baseada em tais factos por, pasmem-se Vossas Excelências, violação do dever de cooperação na descoberta de quem tinha adquirido os ativos da massa falida da sociedade insolvente face ao depoimento do legal representante da autora, aqui recorrente, isto quando a própria requereu que esse mesmo seu representante legal fosse depor para esclarecer tais factos;
2- A relevância e pertinência desses factos e documentos foi sufragada pelo Meritíssimo Juiz a quo no despacho de 22.04.2021 (referência ...90), ao considerar que tais documentos são relevantes para a boa decisão da causa, tendo admitido osmesmosnos termosdo artigo 423 (3) considerando tratar-se de ocorrências posteriores (sessões de julgamento).
Perante tais ocorrências e por uma questão de igualdade de armas e com respeito pelo supra referido direito a um julgamento justo, a aqui recorrente, requereu, como já se tinha supra adiantado, que fossem novamente prestadas declarações de parte pelo seu legal representante a todos esses novos factos e sobre os novos documentos juntos pelas partes [cf. artigos 7 (1) (2) (4) e 411 do CPC].
Ora, sempre com o mui devido respeito, cremos que o Meritíssimo Juiz a quo, assim como o Tribunal da Relação, interpretou mal o princípio do direito a um julgamento justo consagrado nos supra referidos preceitos legais, nomeadamente, mas não exclusivamente, no artigo 47 da CDFUE. Isto porque, a igualdade de armas inerente a um julgamento justo, não se resume ao réu e a autora terem acesso em igual momento aos documentos juntos num processo, mas sim, terem acesso a poderem usar esses documentos em igualdade, ou seja, no momento em que é mais útil a cada um; o que não se verificou no caso sub judice.
Isto porque o réu, aqui recorrido, beneficiou de poder introduzir tais factos e documentos (em ocorrências posteriores às declarações de parte, depoimentos de parte e alguns testemunhos) no momento em os mesmos melhor lhe podiam aproveitar, nomeadamente para confronto com determinadas testemunhas, mas impedindo o mesmo confronto com outras testemunhas, declarantes e depoentes que já tinham sido ouvidas.
A autora não beneficiou da mesma oportunidade de se poder manifestar sobre tais factos e documentos no momento em que mais a beneficiava e que se mostra mais relevante se consideramos que apenas a parte e não o respetivo mandatário é que tem um conhecimento total e pleno dos factos que conhece e em que interveio, caráter pessoalíssimo que contribui para o supra referido dever de cooperação e garante um julgamento justo.
Assim, deve o recurso recorrido ser considerado nulo e ordenado que os autos desçam à primeira instância para suprir o vício apontado.
Apreciando:
Foi admitida a prestação de declarações de parte pelo legal representante da A., que efectivamente as prestou em audiência de julgamento, sobre a matéria essencial e decisiva que estava em discussão.
Logo, não é descabida nem arbitrária a decisão do juiz de 1ª instância de indeferir a nova prestação de declarações de parte sobre os documentos juntos ulteriormente aos autos.
Tal indeferimento foi confirmado pelo Tribunal da Relação ... na sequência do recurso oportunamente interposto pela recorrente.
Fê-lo com a seguinte fundamentação:
“Iniciando a nossa análise pela questão suscitada no recurso interposto do despacho com a ref.ª ...90 o que a tal propósito cabe dizer é o seguinte:
É a seguinte a redacção do art.º 466º do NCPC:
“1- As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.
2- Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3- O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.” (sublinhado nosso)
Com a entrada em vigor do actual CPC introduziu-se, através do referido normativo, no nosso ordenamento jurídico-processual um novo meio de prova: as declarações de parte.
Como se diz no Acórdão da Relação de Coimbra de 05.06.2018, processo nº1817/08.3TBPBL.C1, em www.dgsi.pt:
“Com tal visou-se responder a uma cada vez significativa corrente de opinião que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, e de livre apreciação pelo tribunal, desde que o mesmo viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade material.
Esse novo meio de prova que a lei adjectiva veio consagrar, constitui uma homenagem ao direito à prova (com eco constitucional) – pois que em muitos casos pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos por via diversa da do próprio relato das partes -, e ao princípio/finalidade da descoberta da verdade - pois que muitas das vezes as partes terão conhecimento privilegiado dos factos que alegam ou presenciaram. (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., pág. 307.”).”.
Segundo A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág.531, “O direito da parte pode ser exercido até ao início das alegações orais (art.º604º, nº3, al. e)), mas tal não significa que seja ela a determinar o momento preciso da sua audição. É da competência do juiz determinar o momento preciso da sua audição. É da competência do juiz determinar o momento mais ajustado (art.º 602º, nº2, al. a)), para a prestação de declarações, que tanto pode ser logo em seguida ao respectivo requerimento, como em momento posterior.”.
Nos autos o que se verifica é o seguinte:
Como se fez constar no despacho recorrido, na audiência de julgamento de 16.04.2021, veio a Autora juntar novos documentos e perante eles, requerer que sejam novamente prestadas declarações de parte pelo seu representante legal.
Para tanto, faz referência ao princípio da igualdade de armas. A tal pretensão opôs-se o Réu.
E foi de acordo com tais posições que veio o Tribunal “a quo” referir o  seguinte:
Que o referido Dr. BB, na qualidade de legal representante da Autora já prestou depoimento de parte (cf. acta de julgamento de 12.01.2021);
Que tal depoimento versou sobre tais matérias, designadamente sobre os factos contidos nos artigos 31º, 94º e 103º dos temas de prova;
Que por sua expressa vontade, assistiu à prova testemunhal produzida sobre tal matéria (cf. despacho e respectiva produção de prova documentada na acta de 13.04.2021);
Que o depoimento de parte prestado pelo Réu foi prestado numa altura em  que os documentos em questão ainda não estavam juntos ao processo;
Que tal depoimento incidiu sobre a supra referida matéria.
E foi de acordo com tais circunstâncias que concluiu que o indeferimento do novo pedido de declarações de parte do legal representante da Autora não consubstancia qualquer violação dos princípios da igualdade de armas, igualdade das partes e do contraditório.
Ora contrariamente ao que defende a autora/apelante não vemos qualquer razão para questionar o despacho recorrido.
Isto porque a mesma explica devidamente as razões pelas quais se entendeu que não havia qualquer justificação para ouvir (de novo) o representante legal da Autora em declarações.
Por ser assim e porque nenhum dos princípios invocados foi violado, o que cabe fazer é julgar improcedente o recurso interposto e confirmar o despacho proferido”.
Vejamos:
Conforme resulta do disposto no artigo 466º, nº 1, do Código de Processo Civil, as declarações de parte versam sobre factos em que o declarante tenha intervindo ou que sejam do seu conhecimento pessoal.
Não englobam à sua pronúncia sobre os meios de prova, designadamente documental, no sentido de se considerar que o julgador está obrigado a deferir o requerimento da parte nesse sentido e para esse efeito, sob pena de transformar o presente processo em não justo e não equitativo.
Por outro lado, as declarações de parte prestados pelo Réu tiveram lugar num momento em que ainda não estavam nos autos os ditos documentos (juntados posteriormente e com base nos quais o legal representante da A. pretende voltar a depor, prolongando indefinidamente a discussão da causa).
Esta circunstância demonstra igualmente que não existiu da parte do tribunal qualquer tratamento diferenciado ou discriminatório relativamente à A. e ao Réu, tratando-se apenas do normal exercício dos poderes de disciplina e condução dos trabalhos, de acordo com o quadro processual aplicável.
Nada disto – isto é, o indeferimento das declarações de parte nestas particulares circunstâncias e com este alcance prático – constitui uma afronta à Constituição da República Portuguesa, à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, como é óbvio.
Conforme se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 209/95, de 20 de Abril de 1995 (relator Ribeiro Mendes), proferido no processo nº 133/93, publicado in www.tribunalconstitucional.pt:
Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova (cfr. M. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, págs. 228 e segs.). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte).
Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa. Assim, quanto à prova confessória, há casos em que a lei a considera insuficiente para provar certos factos (por exemplo, um negócio jurídico solene em que sejam exigidas formalidades ad substantiam) ou inadmissível (por exemplo, por recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre factos respeitantes a direitos indisponíveis - art. 354º do Código Civil). Também quanto à prova testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, ou ainda quando o facto probando estiver "plenamente provado por documento ou outro meio com força probatória plena" (art. 393º, nº 2, do Código Civil; vejam-se, porém, os arts. 393º, nº 3, e 394º do mesmo diploma). Especialmente impressivo é o caso da prova do acordo simulatório e do negócio simulado: a prova testemunhal só é admissível se for um terceiro a arguir a simulação, mas já não é admissível quando esse acordo ou o negócio simulado forem invocados pelos próprios simuladores (art. 39º, nºs 2 e 3, do Código Civil)”.
No mesmo sentido, vide ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 604/95, de 8 de Novembro de 1995 (relator Luís Nunes de Almeida), proferido no processo nº 356/94, publicado in www.tribunalconstitucional.pt., onde se refere:
“É preciso observar que aquela disposição não veda de todo a possibilidade de produção de prova testemunhal. Confere ao juiz a possibilidade de ouvir qualquer depoimento, sempre que o considerar necessário. Apenas impede que esse depoimento seja obrigatoriamente produzido sempre que as partes lho requeiram. Como se refere no acórdão recorrido, «a razão de ser do princípio ínsito no n.º 2 do artigo 73.º reside no facto de a avaliação ser o tipo de prova mais indicado para determinação do valor dos bens a expropriar, uma vez que a expropriação implica e exige a posse e capacidade de manejo de conhecimentos especiais que, em regra, não se encontram ao alcance do comum das pessoas (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 25 de Junho de 1992, na Colectânea de Jurisprudência, tomo III, p. 343, que decidiu caso semelhante ao dos autos, e Guia das Expropriações, de Goucha Soares e Sá Pereira, ed. de 1976, p. 75)».
No mesmo sentido, vide também o acórdão do Tribunal Constiucional nº 681/2006, de 12 de Dezembro de 2006 (relator Paulo Mota Pinto), proferido no processo nº 372/06, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, onde se afirma:
“Este Tribunal tem reconhecido a liberdade de conformação do legislador no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, e tem admitido, por exemplo, o encurtamento de prazos processuais com fundamento em objectivos de eficácia, celeridade e economia processual. Compreende-se, por isso, a natureza urgente do recurso interposto pelo contribuinte ao abrigo do disposto no artigo 146.º-B da CPPT, o qual tem efeito suspensivo nas situações previstas no n.º 3 do artigo 63.º-B da LGT (artigo 63.º-B, n.º 5, da mesma LGT), o que ocasiona uma paralisação temporária dos efeitos jurídicos da decisão de acesso à informação bancária para fins fiscais, prolongando um estado de incerteza que importa seja o mais breve possível, quer no interesse da administração tributária, quer no dos contribuintes (dada a exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5, da CRP, de que “para defesa dos direitos, liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”).
(...) Tendo de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que o princípio da proporcionalidade implicará uma solução que admita a produção de prova testemunhal, pelo menos quando esta na situação concreta não se revele contrária às finalidades tidas em vista, competindo então ao juiz avaliar e decidir sobre a oportunidade de admissão de tal meio de prova no caso concreto, considerando, também, os casos em que o recurso à prova testemunhal seja mesmo (como acontece no presente caso) o único meio de conhecer e/ou de comprovar factos e elementos materiais dos quais dependa a subsistência da pretensão da administração tributária de derrogação do dever de sigilo bancário. Noutros casos – pode admitir-se – será já, possivelmente, de recusar fundadamente a prova testemunhal apresentada pelo contribuinte, quando a considere impertinente ou desnecessária à luz do interesse público que lhe compete prosseguir. Mas tratar-se-á, sempre, de uma limitação em concreto, e não de uma exclusão absoluta, e em abstracto, de um meio de prova que, repisa-se, pode bem ser o único de que é possível lançar mão no caso concreto para concretização da garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais. Aliás, a eventual falibilidade da prova testemunhal pode ser considerada no âmbito da livre valoração consentida ao julgador”.
Pelo que improcederá a revista neste tocante.
9 – Saber da necessidade (obrigação) de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicial relativamente ao direito que emanada do artigo 47° §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com respaldo no artigo 2o do Tratado da União Europeia, e artigo 267° do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Referiu a recorrente sobre esta temática:       
§10 Pedido de reenvio prejudicial para o TJUE
Como se viu emtodososcapítulosanteriores, a aquirecorrida sustentou todo o seu direito em cada um desses pontos no direito Europeu, designadamente no artigo 6 da CEDH, no artigo 47 da CDFUE, artigo 2 do TUE e no artigo 267 do TFUE, este último no que diz respeito ao dever de reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE caso as instância de recurso ordinário ficassem esgotadas na decisão do Tribunal da Relação.
Já o tinha feito perante o Tribunal recorrido.
As decisões do Tribunal a quo relativamente:
1.     às acareações pedidas (3.1. supra);
2.     à admissão de documentos (3.2. supra);
3.     à admissão de pronúncia sobre a condenação da recorrida em 3 UC por junção de documentos (3.2.1. supra);
4.     à omissão de pronúncia (3.3. supra);
5.     impedimento da mandatária a usar as ferramentas necessárias à execução do seu trabalho e representação da autora, aqui recorrida, em juízo (3.4. supra);
6.     ao não cumprimento do Tribunal indicar, em sede de motivação da sentença, os meios de prova e respetivos elementos que dão o substrato racional, à luz das regras da experiência e dos critérios lógicos, à convicção do tribunal em determinado sentido, incluindo a razão de ter valorado determinada forma os diversos meios de prova apresentando pelas partes. (5.1., 7 e 8 supra).
Violam o disposto nos artigos 6 da CEDH e artigo 47 § 2 da CDFUE relativa direito a um processo equitativo e concomitantemente o artigo 2 do TFUE.
Por sua vez, a condenação da litigante de má-fé como consequência da interpretação de que a autora, apelante e aqui recorrente, teria renunciado ao direito a recurso perante os tribunais em face da declaração proferida no âmbito de uma deliberação social e que consta no § 7, viola o artigo 13 do CEDH, o artigo 47 § 1 da CDFUE na medida em que tal decisão, embora não tenha vedadoo recurso aotribunal, osanciona deforma inaceitável; caso assim não se entenda sempre violará o artigo 6 da CEDH e o artigo 47 §2 da CDFUE e, em qualquer caso e concomitantemente, o artigo 2 do TUE.
Os particulares podem invocar as disposições das Convenções subscritas junto das autoridades públicas. Isso acontece, até mesmo, quando se tratem de Diretivas e as mesmas não confira direitos aos particulares. A jurisprudência do TJUE apoia-se sobretudo nos argumentos do efeito útil, da repressão dos comportamentos contrários ao Tratado e da proteção jurisdicional. Em contrapartida, um particular não pode invocar contra outro particular (efeito dito “horizontal”) o efeito direto de uma Diretiva não transposta (vide Faccini Dori, Processo 91/92, Coletânea da Jurisprudência, p. I-3325 e seguintes, ponto 25).
Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (vide processo Francovich, processosapensos6/90 e9/90), umparticular tem o direito de exigir a reparação de um dano sofrido num Estado-Membro que não respeite o direito da União.
Como é sabido, o TFUE dispõe no seu artigo 267 (b), § 1, que o Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir, a título prejudicial (...) sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
O TJUE será assim, o tribunal competente para esclarecer o sentido material das disposições do direito comunitário, sempre que uma questão desta natureza seja suscitada por um órgão de jurisdicional de um dos Estados-Membros.
Com este recurso ficam esgotados os recursos ordinários, portanto as instânciasemtermosordinários, pelo que maisqueuma faculdade de suscitar questões prejudiciais ao TJUE, está o Venerando STJ obrigado a fazê-lo – afastado que esteja a doutrina do acte éclairé. Tal sucederá, nomeadamente, nos termos do artigo 267, § 2 do TFUE.
Entendemos que é de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
O reenvio prejudicial é um processo exercido perante o TJUE que permite a uma jurisdição nacional, interrogar o TJUE sobre a interpretação ou a validade do Direito Europeu, garantido a segurança jurídica através de uma aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
Ao contrário dos outros processos jurisdicionais, o reenvio prejudicial não é um recurso formado contra um ato europeu ou nacional, mas sim uma pergunta relativa à aplicação do direito Europeu.
O reenvio prejudicialfavorece a cooperação ativa entre asjurisdições nacionais e o TJUE e a aplicação uniforme do Direito Europeu em toda a União Europeia, sendo que,apesarde serumpedido de Juiz para Juiz, poderá ser solicitado por uma das partes no pleito que, neste caso, é a Autora.
Assim, é crucial que se proceda a tal reenvio prejudicial a propósito de saber qual será a melhor interpretação, à luz das disposições europeias supra, das questões de direito que aqui há a resolver.
Resumindo e fazendo uso da mesma formulação, mas agora em português, da queixa contra o Estado da República Portuguesa que foi apresentada no TEDH por uma cidadã portuguesa e que, de acordo com a melhor informação que se obteve, já foi admitida:
O artigo 267 do TFUE especifica que um tribunal de última instância (o que pode ser aqui o caso verificando a dupla conforme) é obrigado a remeter ao TJUE questões preliminares relacionadas com a interpretação ou validade do direito da União.
A jurisprudência do TJEU circunstancia esta obrigação no seguinte:
1.     o tribunal é de última instância [cf. Roland Lyckeskog (C99 / 00, §14)];
2.     o caso está relacionado com a interpretação de um ato da UE, ver pontos seguintes (3-5);
3.     a interpretação da legislação da União Europeia é relevante para resolver o caso [cf. Contrario sensu - Foglia (C244/80, § 18)];
4.     não diz respeito a um acte éclairé [cf. CILFIT (C283/81, §16)] que a exceção da obrigação de remessa nos termos do artigo 267 do TFUE surge quando o texto em questão o é claro que não há nada a interpretar sobre isso. Isso significa que os juízes devem ser convencidos que o texto é tão claro e literal que nenhum outro tribunal da UE iria encaminhar a sua interpretação para o TJUE [cf. Transportes intermodais, (C495/03, §33) e Roland Lyckeskog (C99 / 00, §15)];
5.     não se refere a um acte éclairé [cf. - contrario sensu - Da Costa, (C-28-30 / 62)] - mesmo que os casos sejam idênticos, o que importa é que a questão materialmente idêntico.
Quanto ao ponto 1, verificando-se uma decisão em dupla conforme, as instâncias ficam esgotadas, pelo que o primeiro requisito fica assim preenchido.
Quanto ao ponto 2, o mesmo é resolvido por via do artigo 47 da Carta DosDireitosFundamentaisda União Europeia (“Carta”)emconjugação com os artigos 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e 267 do TFUE. First, many, many apologies for the delay in answering - as always, workload prevented me to answer earlier, but it was never on the bottom on my list. Second, I had read the application for the ECtHR and it looks fine. Unfortunately, cases at the ECtHR tend to take a long time, so that’s why I was inclining for the civil liability procedure against your State before Portuguese courts. Third, I had seen the Ryanair ruling and it’s not the only case, actually. The explanation is fairly simple and it derives from the need to maintain actors on underserved markets. It happened – to other way around – in Romania, where a private airline company requested matching-funding with that given to the national carrier, arguing the damaging effects for consumer prices. Let me know if you want me to elaborate on State aid  rules, or if you were aiming for something else with the question?
Quanto ao ponto 3, no caso, o que é relevante saber as 7 decisões de direito ínsitas e depuradas nos pontos 3.1., 3.2., 3.3., 3.4., 5.1., 7, 8.1., 8.2. e 8.3. violam a legislação da União Europeia, nomeadamente o artigo 47 CDFUE e artigo 2 do TUE.
Tal como as questões de direito foram configuradas pela recorrente, é isento de dúvidas que a interpretação da legislação da União Europeia é relevante para resolver o caso acima mencionado, pois é da resolução dessas questões que depende o direito a julgamento com processo equitativo, a segurança jurídica e o Estado de Direito.
Relativamente aos pontos 4 e 5, relativamente à teoria interpretativa do acte éclairé, de facto, o tribunal nacional pode abster-se de promover o reenvio para pedido de decisão prejudicial pelo TJUE e ficar então responsável (com todas as suas consequências) por resolver o problema de interpretação suscitado [cf. CILFIT (C-283/81, §16)].
No entanto a interpretação por via do acte éclairé não é deixada ao acaso daquilo que cada tribunal se considera capaz de interpretar (o que sempre estaria sujeito a grande subjetividade e discricionariedade), mas sim perante a verificação de determinados requisitos que são pacientemente vertidos nos § 16 a § 20 do aludido C283/81 e acompanhado no também já referido C99/00, no sentido de que o tribunal nacional deve adotar especial prudência antes de excluir a existência de qualquer dúvida razoável.
Releva a posição do M.I. Advocate General Antonio Tizzano (entretanto juiz do TJUE, tendo-se entretanto jubilado) quando afirma:
[m]as também não me convenceu a outra proposta avançada nesta matéria, no sentido de excluir a obrigação de reenvio apenas nos casos em que a solução da questão de direito comunitário não suscite «dúvidas razoáveis», sem que seja também necessário, como decorre do acórdão CILFIT, que a ausência de tal dúvida se manifeste «com evidência». Gostaria antes de mais de esclarecer, a este propósito, que a necessidade dessa evidência não constitui uma condição ulterior, uma espécie de requisito adicional que o Tribunal de Justiça exige para eximir o órgão jurisdicional da obrigação de reenvio; trata-se, pelo contrário, de uma qualificação da «dúvida razoável», destinada a salientar não que a dúvida tem realmente que existir, como também que não deve ser meramente subjetiva. Ou seja, trata-se de uma explicitação que, tal como o confronto das versões linguísticas dos textos, que daqui a pouco abordarei, pretende chamar a atenção para a especial prudência de que o tribunal nacional deve ter antes de excluir a existência de qualquer dúvida razoável. Suprimir do referido acórdão a expressão «de tal evidência» não tornaria a dúvida mais «razoável», antes a sujeitaria a um grau ainda maior de subjetividade e de discricionariedade (23). Todavia, parece-me ser este, em última análise - mesmo para além das intenções dos seus defensores - o resultado da proposta em análise, caso contrário não penso que valha a pena travar uma batalha terminológica numa situação em que o acórdão CILFIT concedeu aos tribunaisde última instância uma margem de apreciação significativa. [cf. § 71, Opinion of Advocate General Tizzano (C99/00)]
O M.I. Advocate General propõe que um tribunal nacional cuja decisão não seja suscetível de recurso judicial (o que poderá ser aqui o caso) fique obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão a título prejudicial, mesmo quando considere que uma questão de direito comunitário é clara, a menos que tenha verificado que a questão não é pertinente ou que a disposição comunitária em causa foi objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça ou que a aplicação correta do direito comunitário se impõe com tal evidência que não lugar a qualquer dúvida razoável, tendo em consideração, para esse efeito, as características próprias do direito comunitário, as especiais dificuldades que a sua interpretação apresenta e o risco de divergências de jurisprudência no interior da Comunidade.
Parece-nos claro que não estamos perante um qualquer acte éclairé pois desconhece-se, não significando que não exista, qualquer decisão do TJUE materialmente idêntico às questões que aqui se suscitam. Isto não obstante as várias indicações sobre como o artigo 47 § 2 da CDFUE, incluindo a relativamente recente decisão do TJUE sobre a resolução bancária do BES, cujo reenvio foi promovido em Espanha pelo equivalente ao STJ português.
Em benéfico da tese supra, requer-se a suspensão da presente instância até que o TJUE se pronuncie, a título prejudicial, expressa e especificamente, sobre a melhor interpretação da supra referida legislação da União Europeia, à luz do quadro factual assente que suscita a aplicação das aludidas disposições.
Tal só ficará prejudicado, neste momento (e sem prejuízo de vir a ser  invocado novamente no futuro) caso o STJ entenda que existe uma omissão de pronúncia direta relativamente ao requerimento probatório apresentando pela autora, aqui recorrente, com a petição inicial e em requerimento posterior, devolvendo os autos à primeira instância com as consequências legais, para que tal vício (omissão) seja suprida.
Assim, a menos que esse entendimento vingue, deverá a instância ser suspensa e o reenvio requerido ordenado.
Pese embora a competência para suscitar as questões prejudiciais seja exclusiva do tribunal, as partes podem sugerir ao tribunal nacional, a submissão das mesmas ao TJUE, o que consubstancia, de resto, um ato de promoção do princípio da cooperação processual para a justa composição do litígio [cf. artigo 7 (1) do CPC].
Assim, requerer-se, a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, que convidem a recorrente, nos termos e quando acharem por conveniente, para que venham sugerir e contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE.
Sem prejuízo, desde já se considera ser relevante, à luz da legislação da União Europeia, nomeadamente do artigo 47 §2 da CDFUE e o respeito pelo princípio do Estado de direito, previsto no artigo 2 do TUE, seguir o seguinte caminho:
1- Para resolver as questões relativas aos 7 temas a decidir e supra identificados, tem de se começar por interpelar o TJUE no sentido de saber qual é a melhor interpretação a extrair do artigo 267 do TFUE, em conjugação com o artigo 47 do CDFUE e artigo 2 TUE, quanto à questão de ser ou não possível fazer o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE a qualquer momento do processo, por exemplo, perante o TRL e perante oSTJ, desde que seja ainda seja possível aproveitar a interpretação do TJUE na decisão do tribunal nacional a ser proferida.
2- Ainda nessa senda, com base nos mesmos artigos 47 do CDFUE, 2 TUE e 267 do TFUE, importa saber, se o pedido de reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE serve para interpretar a validade da interpretação de normas de direito nacional ínsita em determinada e especifica decisão judicial face ao direito Europeu no que diz respeito ao direito a um julgamento mediante umprocesso equitativo e numEstado de Direito. Embora está questão seja facilmente respondida olhando para os vários casos decididos pelo TJUE, onde o direito nacional é sempre convocado, comparado e interpretada a sua validade e compatibilidade com o direito Europeu.
3- Importa também questionar o TJUE sobre se as questões colocadas pela recorrente cumpriam os pressupostos do artigo 267 do TFUE, desde logo se:
a) as normas de direito Europeias invocadas visam conferir direitos aos particulares;
b) o conteúdo dos direitos podem ser identificados com base nas disposições das normas invocadas;
c) existe um nexo de causalidade entre o não respeito pelo direito  Europeu que incumbe aoEstado-Membro e o prejuízo sofrido pelo lesado e, finalmente,
d) não estamos perante questões passiveis de serem resolvidas por intermédio da metodologia interpretativa da teoria do “acte éclairé”.
4- Depois, finalmente, resolver as questões de de interpretação de direito Europeu supra e abundantemente mencionadas.
Como já se adiantou, pese embora a competência para suscitar as questões prejudiciais seja exclusiva do tribunal, e sem prejuízo do convite à recorrente para que venha sugerire contribuirpara a formulação dasquestões a colocar ao TJUE, sugere-se, desde já, a seguinte formulação (modelo) de abertura para as questões a colocar: É compatível com o direito fundamental à ação, previsto no artigo 47 da CDFUE, o princípio do Estado de direito previsto no artigo 2 do TUE, e o princípio geral da segurança jurídica uma interpretação do que implique, nos processos judiciais o seguinte:
Apreciando:
A recorrente pretende a suspensão da presente instância até que o Tribunal de Justiça da União Europeia emita pronúncia, a título prejudicial, sobre o que entende ser “a melhor interpretação do direito que emana do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (“TUE”), e artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), à luz do quadro factual assente que suscita a aplicação das aludidas disposições...”.
Para esse mesmo efeito, alega nas suas conclusões de revista que:
“(...)violam o disposto no artigo 47 da CDFUE, artigo 2 do TUE relativa direito a um processo equitativo, o qual deve ser interpretado pelo TJUE”, entendendo “que é de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.”, requerendo que seja convidada a “sugerir e contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE”.
Na sua motivação do recurso, refere que “para resolver as questões relativas aos 7 temas a decidir, tem de se começar por interpelar o TJUE no sentido de saber qual é a melhor interpretação a extrair do artigo 267 do TFUE, em conjugação com o artigo 47 do CDFUE e artigo 2 TUE, quanto à questão de ser ou não possível fazer o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE a qualquer momento do processo, por exemplo, perante o TRL e perante o STJ, desde que seja ainda seja possível aproveitar a interpretação do TJUE na decisão do tribunal nacional a ser proferida.”
Acrescenta que “com base nos mesmos artigos 47 do CDFUE, 2 TUE e 267 do TFUE, importa saber, se o pedido de reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE serve para interpretar a validade da interpretação de normas de direito nacional ínsita em determinada e especifica decisão judicial face ao direito europeu no que diz respeito ao direito a um julgamento mediante um processo equitativo e num Estado de Direito. (…) Importa também questionar o TJUE sobre se as questões colocadas pela recorrente cumpriam os pressupostos do artigo 267 do TFUE, desde logo se:
a) as normas de direito Europeias invocadas visam conferir direitos aos particulares;
b) o conteúdo dos direitos podem ser identificados com base nas disposições das normas invocadas;
c) existe um nexo de causalidade entre o não respeito pelo direito Europeu que incumbe ao Estado-Membro e o prejuízo sofrido pelo lesado e, finalmente,
d) não estamos perante questões passiveis de serem resolvidas por intermédio da metodologia interpretativa da teoria do “acte éclairé”.
4- Depois, finalmente, resolver as questões de interpretação de direito Europeu supra e abundantemente mencionadas.”
Sem elencar nem concretizar, no fundo, quais as questões finais concretas que, no seu entendimento, deverão ser colocadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, sugere, não obstante a seguinte formulação (em termos interrogativos):
É compatível com o direito fundamental à ação, previsto no artigo 47 da CDFUE, o princípio do Estado de direito previsto no artigo 2 do TUE, e o princípio geral da segurança jurídica uma interpretação do que implique, nos processos judiciais o seguinte:…”.
Vejamos:
A decisão judicial que ordena o reenvio prejudicial tem como pressuposto essencial, básico e indispensável que haja sido suscitada pelo interessado, no âmbito dos seus articulados, uma questão referente à interpretação e aplicação do direito comunitário, sem o que não existe pura e simplesmente, por falta de objecto, qualquer obrigação jurídica por parte do órgão jurisdicional de última instância de ordenar o visado reenvio prejudicial.
Isto é, sendo suscitadas dúvidas quanto à interpretação de normas da União Europeia aplicáveis no processo judicial pendente, nesse caso (apenas) o Tribunal terá o dever processual de accionar o mecanismo do reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Refira-se, a este propósito, que o artigo 234.º do Tratado da Comunidade Europeia assegura a interpretação e a aplicação uniformes do direito comunitário e determina os casos em que o reenvio prejudicial não se traduz numa uma mera faculdade ao dispor do juiz nacional, mas como uma obrigação que directamente o vincula.
Se esse órgão jurisdicional não fosse obrigado a reenviar a questão prejudicial em causa ao Tribunal de Justiça, podendo resolvê-la sozinho, estaria naturalmente em causa a interpretação e aplicação uniformes do direito comunitário.
Neste sentido, o artigo 220.º do TCE impõe que se considere competente o Tribunal de Justiça para proferir a última palavra, tratando-se da interpretação e da validade do direito comunitário e, portanto, da definição do seu âmbito de aplicação.
Tal instituto destina-se, portanto, a submeter às instâncias europeias as questões concretas de interpretação de normas jurídicas comunitárias que serão depois tomadas em consideração no acórdão que o tribunal nacional proferirá.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Ou seja, nos termos do mesmo preceito, surgindo aquando da prolação da decisão final dos autos, em processo pendente perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, uma questão que revista tal específica natureza (concernente à interpretação ou validade de Direito da União Europeia), se o mesmo órgão considerar necessário o respectivo esclarecimento com vista ao julgamento da causa, poderá/deverá então solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia que sobre ela se pronuncie.
Cabe, naturalmente, aos órgãos jurisdicionais de cada Estado Membro decidir se, no caso concreto que têm para decidir, se justifica ou não a formulação de um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, cabendo a este último, por seu turno, admitir ou não o referido pedido.
A jurisprudência do TJUE desde o Acórdão Cilfit (Acórdão do TJUE de 06-10-1982, Proc. C-283/81, ECLI:EU:C:1982:3350) tem admitido de forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações:
Desde logo, cessa a obrigação de reenvio quando a questão de direito da União Europeia suscitada for absolutamente impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;
No mesmo sentido, verifica-se dispensa de reenvio quando o Tribunal de Justiça da União Europeia já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;
Por fim, a obrigação de reenvio não tem lugar quando o tribunal nacional considere que as normas da União Europeia aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adoptadas.
Tal (pacífica) jurisprudência tem sido reafirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nos seguintes acórdãos:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção)
30 de janeiro de 2019
Processo C‑587/17 P
Comissão / Bélgica
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=210303&mode=req&pageIndex=4&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção)
Data: 4 de outubro de 2018
Comissão/França
Processo C‑416/17
EU:C:2018:811, n.º 110
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=206426&mode=req&pageIndex=4&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data: 28 de julho de 2016
Association France Nature Environnement,
Processo C‑379/15
EU:C:2016:603, n.o 50
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=182297&mode=req&pageIndex=5&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção)
Data: 1 de outubro de 2015
Processo C‑452/14
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=168949&mode=req&pageIndex=6&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção)
Data: 9 de setembro de 2015
Processo C‑160/14,
Ferreira da Silva e Brito e o.
EU:C:2015:565 n.os 38 e 39
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=167205&mode=req&pageIndex=7&dir=&occ=first&part=1&text=Cilfit&doclang=PT&cid=4808956#ctx1
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção)
Data: 18 de Outubro de 2011
Processos apensos C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09,
Boxus e O.,
EU:C:2011:667, n.° 31
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=111403&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4817820
Igualmente nos pontos 5 e 6 das Recomendações emitidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia colocados à especial atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 257/1 de 20-7-2018), é esclarecido a este respeito:
5. Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (ver artigo 267.o, segundo parágrafo, do TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito.
6.Quando for suscitada uma questão no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão jurisdicional é no entanto obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (ver artigo 267.o, terceiro parágrafo, do TFUE), exceto quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.”
Ora, na situação sub judice, é absolutamente claro e evidente que nos encontramos apenas e só perante a análise de questões respeitantes à interpretação e aplicação do direito nacional português (normas respeitantes ao funcionamento do processo civil).
Na sua petição inicial a A, ora recorrente, não configurou a sua pretensão em termos que obrigassem a analisar e a interpretar normas de direito comunitário, tudo se cingindo, como se disse, à interpretação e aplicação de direito interno português.
De resto, apenas em sede de recurso de apelação, junto do Tribunal da Relação ..., o recorre se lembrou de requerer o reenvio prejudicial, através das suas conclusões 120º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º e 126º.
Consta das mesmas:
“120º A autora, aqui apelante, apresenta ainda um pedido de reenvio para o TJUE para interpretação prejudicial nos termos e para os efeitos vertidos no §7 para onde se remete, mas que em resumo trata-se de:
121º - As decisões do Tribunal a quo relativamente às acareações pedidas (2.1. supra) e à admissão de documentos (2.2. supra) e assim como a omissão de pronúncia (2.3. supra) viola, o disposto no artigo 6 da CEDH relativa direito a um processo equitativo, o qual deve ser interpretado pelo TJUE.
123º - Entende a autora, aqui apelante, que é de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
124º - No caso, o que é relevante saber é se a recusa de acareação entre testemunhas e partes e a junção de documento essencial à prova do que tinha vindo alegar e para contra prova do que a parte contraria se fazia valer, em momento que ainda era de utilidade ao tribunal para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, pode, à luz da legislação da União Europeia, nomeadamente do artigo 47 §2 da Carta e artigo 6 (1) da CEDH, ser negado colocando a parte que o requer numa situação de nítida desvantagem face à outra que assim beneficia com encobrimento da verdade.
125º - No mesmo sentido e pelas mesmas razões, saber se a omissão de pronúncia sobre o pedido de junção de documentos em posse da parte contraria e/ou terceiros é aceite à luz da supra referida legislação da União Europeia.
126º - Assim, requerer a autora, aqui apelante, a Vossas Excelências, Venerandos Senhores Desembargadores, que convidem a autora, nos termos e quando acharem por conveniente, para que venham sugerir e contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE, suspendam a instância e procedam ao reenvio para o TJUE por forma a obter a melhor interpretação prejudicial para as questões supra referidas, tendo em vista a aplicação uniforme do direito em toda a União Europeia.”
Vejamos:
Nenhuma destas matérias, respeitantes exclusivamente à interpretação e aplicação de normas processuais relativas à instrução e julgamento da causa, tem a ver com a interpretação e análise de normas do direito comunitário, sendo inoportuna e absolutamente descabida a sua (indevida) sujeição, por via do reenvio prejudicial, ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Daí não fazer o menor sentido a invocação pela recorrente da necessidade/obrigatoriedade do reenvio prejudicial, o qual é totalmente despropositado na situação em apreço, em que a matéria que foi objecto das decisões das instâncias se circunscreve exclusivamente à aplicação do direito interno nacional.
In casu, a recorrente invoca igualmente a violação de direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em concreto o direito a um processo equitativo previsto no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (“TUE”), o qual consagra que a União Europeia se funda nos valores de um Estado de Direito.
Porém, e conforme se sublinhou supra, mesmo que se entenda que no caso sub judice estão em causa direitos fundamentais consagrados na Carta, nomeadamente, o direito previsto nas disposições indicadas pela recorrente, a verdade é que os mesmos não teriam aplicação no caso, pois que, como é sabido, nos termos do art. 51.º, n.º 1, da Carta, os destinatários deste instrumento são as instituições, órgãos e organismos da União, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União, de acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados.
Neste sentido, em termos inequívocos e clarividentes, vide a síntese constante de ponto 10. das Recomendações emitidas pelo TJUE à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, já acima citadas, relativas à apresentação de processos prejudiciais (publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 257/1 de 20.7.2018), onde pode ler-se:
No que diz respeito aos reenvios prejudiciais que têm por objeto a interpretação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, importa recordar que, segundo o seu artigo 51.º, n.º 1, as disposições da Carta têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando apliquem o direito da União. Embora as hipóteses em que essa aplicação está em causa possam ser diversas, é, no entanto, necessário que resulte de forma clara e inequívoca do pedido de decisão prejudicial que, no processo principal, é aplicável uma regra de direito da União diferente da Carta. Na medida em que o Tribunal de Justiça não é competente para conhecer de um pedido de decisão prejudicial quando uma situação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, as disposições da Carta eventualmente invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não podem, por si só, fundar essa competência”.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, face a uma enorme e despropositada multiplicação de pedidos de reenvio indevidamente formulados com base na Carta, tem repetidamente afirmado que, quando uma situação jurídica não está abrangida pelo direito da União, o Tribunal não tem competência para dela conhecer e as disposições da Carta eventualmente invocadas não podem, por si sós, servir de base a essa competência, rejeitando nesses casos o processo por não se indicar uma regulamentação nacional que aplique o direito da União que possa estar em violação da Carta.
Disso são exemplo as decisões proferidas nos Processos C-333/17, C-131/17, C-665/13 e C-258/13, disponíveis no site da Curia, citando-se apenas a este respeito casos com origem em pedidos formulados por tribunais portugueses que foram objecto de rejeição.
Os textos integrais destes acórdãos podem ser consultados nos seguintes links:
DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)
Processo C-333/17
26 de outubro de 2017
ECLI:EU:C:2017:810
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=196283&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4885893
DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
Processo n.º C-131/17
23 de novembro de 2017
ECLI:EU:C:2017:902
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=197341&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4886075
DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
Processo C-665/13
21 de outubro de 2014
ECLI:EU:C:2014:2327
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=159141&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4886186
DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
Processo C-258/13
28 de novembro de 2013
ECLI:EU:C:2013:810
Texto integral:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=145381&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4886313
Ou seja, a parte que, no âmbito de um litígio em discussão em tribunal de um Estado-Membro, pretenda questionar a compatibilidade entre normas de direito interno e as normas e princípios consagrados na Carta terá de demonstrar que as normas de direito interno em apreço se destinam a aplicar Direito da União ou, pelo menos, se inserem no âmbito das competências da União em matéria legislativa, na observância do princípio da subsidiariedade.
No caso concreto, a recorrente limita-se a invocar directamente os direitos fundamentais previstos na Carta, pedindo a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia para que se pronuncie, a título prejudicial, sobre a melhor interpretação das disposições que prevêem esses direitos, bem como a compatibilização do nosso direito nacional com essas disposições da Carta, sem demonstrar que no presente processo tenha sido aplicado Direito da União Europeia, ou que tenha sido discutida qualquer questão jurídica que envolvesse questões de Direito da União Europeia.
Da mesma forma, o direito nacional que está em causa é o direito processual civil português, sem que esteja demonstrado nos autos que essas normas de direito interno visem implementar normas ou princípios de Direito da União Europeia, ou pelo menos que se situem em áreas do Direito especificamente abrangidas pelo Direito da União Europeia.
Sobre esta temática e a este propósito, salientam João Mota Campos e João Luiz Mota de Campos in “Contencioso Comunitário”, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, a página 115 e 132:
“No quadro da aplicação do artigo 234º do Tratado, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma disposição nacional com o Direito Comunitário nem para interpretar disposições legislativas ou regulamentares nacionais.
(...) o Tribunal de Justiça decidiu que os órgãos jurisdicionais nacionais “têm a faculdade ilimitada de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação ou validade de disposições de direito comunitário com base nas quais têm de decidir”.
Conforme refere igualmente Miguel Gorjão Henriques in “Direito da União. História, Direito, Cidadania, Mercado Interno e Concorrência”, Almedina 2014, 7ª edição, a páginas 469 a 470:
“Num enunciado sintéctico, pode dizer-se que é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que “em circunstâncias excepcionais, lhe cabe examinar as condições em que é chamado a intervir pelo órgão jurisdicional nacional, a fim de verificar a sua própria competência. A recusa de se pronunciar sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão constitucional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio do processo principal”.
Tal princípio tem sido sucessivamente afirmado em várias decisões desse Tribunal:
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção)
Data: 26 de janeiro de 2021
Processos apensos C‑422/19 e C‑423/19
ECLI:EU:C:2021:63
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=236962&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2830972
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção)
Data: 17 de dezembro de 2020Processo C‑398/19
ECLI:EU:C:2020:1032
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=235710&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2831316
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data:4 de março de 2020P
Processo C‑34/19
ECLI:EU:C:2020:148
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=224063&pageIndex=0&doclang=SL&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2831713
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data:4 de março de 2020
Processo C‑183/18
ECLI:EU:C:2020:153
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=224070&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2832009
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data:10 de janeiro de 2019
Processo C‑97/18
ECLI:EU:C:2019:7
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=209667&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2832346
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção)
Data: 7 de agosto de 2018
Processos apensos C‑96/16 e C‑94/17
ECLI:EU:C:2018:643
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=204749&pageIndex=0&doclang=SL&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2832571
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção)
Data:16 de fevereiro de 2017
Processo C‑507/15
ECLI:EU:C:2017:129
Texto integral:
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=187917&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2832924
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção)
Data: 17 de janeiro de 2013
Processo C‑23/12
ECLI:EU:C:2013:24
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=132523&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2833285
O reenvio prejudicial não constitui uma via de recurso aberta aos particulares, não sendo um processo de partes.
Trata-se de processo entre juízes (nacionais, por um lado, e comunitários, por outro), através do qual o juiz nacional coloca a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, que decide, em resposta a questão, para que seja aplicada a decisão prejudicial do Tribunal de Justiça ao caso concreto.
De resto, os particulares não têm o direito de fazer chegar ao Tribunal de Justiça da União Europeia uma questão prejudicial, nem de se opor a que o juiz nacional a reenvie, constituindo uma competência exclusiva deste.
Da sua decisão caberá recurso judicial de direito interno, nos termos gerais aplicáveis.
(Sobre a possibilidade de recurso da decisão que determina o reenvio prejudicial vide, de Alessandra Silveira e Sophie Perez Fernandez, publicado in “Revista Julgar”, nº 14, Maio-Agosto de 2011, artigo intitulado “O porteiro e a li. A propósito da possibilidade de interposição de recurso do despacho de reenvio prejudicial à luz do Direito da União Europeia”, páginas 113 a 133).
A propósito da discricionariedade do tribunal nacional quanto à necessidade e oportunidade do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 2013 (relator Ezaguy Martins), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVIII, Tomo 1, páginas 67 a 72, onde se concluiu: “Quando esteja em causa um acto claro – acte claire – sobre cujo sentido não haja qualquer dúvida razoável, a discricionaridade do tribunal nacional acaba por ser limitada, dado que, neste caso, não deve proceder ao reenvio, ainda que seja obrigatório”.
Versando sobre as condições em que deverá ou não ser ordenado o reenvio prejudicial e abordando casos – comparáveis com o dos presentes autos - em que é de dispensar o reenvio prejudicial solicitado pelas partes, vide os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- acórdão de 12 de Janeiro de 2021 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 17264/15.8SNT-C.L2.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 910/10.7TVPRT.P1.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Abril de 2019 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 2926/16.0T8BRG.G1.S2;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2021 (relator Tibério Silva), proferido no processo nº 249/18.0YHLSB.L1.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 2944/07);
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2002 (relator Moitinho de Almeida), proferido no processo nº 3956/02;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2014 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo n.º 1020/13.0TBCHV-D.P1.S1);
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 2009 (relator Custódio Montes), proferido no processo n.º 4986/06.3TVLSB.S1);
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 2016 (relator Lopes do Rego), proferido no processo n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo n.º 588/13.6TVPRT.P1.S1):
 - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2017 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo n.º 736/14.9TVLSB.L1.S1),
todos eles publicados in www.dgsi.pt.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abri de 2010 (relator Custódio Montes), proferido no processo n.º 622/08.1TVPRT.P1.S1);
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2014 (relator Salazar Casanova), proferido no processo n.º 1279/06.0TVPRT-C.P1.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2015 (relator Salreta Pereira), proferido no processo n.º 1740/12.7TBPVZ.P1.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 2016 (relator Lopes do Rego), no processo nº 326-C/2002.E1.S1;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2017 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 11256/16.7T8LSB.L1.S2-A),
não publicados, mas cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt.).
Em suma, há lugar à dispensa do reenvio prejudicial se o próprio tribunal nacional de última instância verificar uma das seguintes eventualidades: a questão suscitada não ser pertinente para a solução do litígio pendente perante ele; ser materialmente idêntica a uma que já foi objecto de decisão prejudicial do TJ, ou impor-se a correcta aplicação do direito comunitário com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável.
Tal deve ser apreciado em função das características específicas do direito comunitário, das especiais dificuldades que levanta a sua interpretação e do risco de divergências de jurisprudência no interior da Comunidade.
 Através do instituto do reenvio prejudicial não é possível colocar questões respeitantes à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno; relacionadas com a compatibilidade destas normas ou regulamentos com o direito comunitário; ou que tenham a ver com a validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais.
Por tudo isto é absolutamente manifesto que a situação sub judice não comporta, em circunstância alguma, o reenvio prejudicial que a parte difusamente – em termos de questões concretas a colocar ao Tribunal de Justiça da União Europeia – solicitou, sem que todavia se encontrasse devidamente respaldada em fundamento jurídico bastante.
Pelo que a presente revista excepcional soçobra igualmente neste particular.
 
Pelo exposto, acordam, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista excepcional, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.            
                                                                
Lisboa, 12 de Julho de 2022.


Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Ana Paula Boularot
 

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.