Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
478/19.9T8FAR.E1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :

I- Num quadro factual fundamentalmente idêntico, o acórdão recorrido considerou ter o sinistrado agido com negligência grosseira, sendo a sua conduta a causa exclusiva de um acidente de viação, concluindo, consequentemente, pela descaracterização do acidente como sendo de trabalho, ao contrário do decidido pelo acórdão-fundamento.

II- Configura-se, assim, uma contradição entre os dois acórdãos, para efeitos do disposto no art. 672o, n.o 1, c), do CPC.

Decisão Texto Integral:

Processo n.o 478/19.9T8FAR.E1.S1 (revista excecional)


MBM/JG/RP


Acordam na Formação prevista no artigo 672.o, n.o 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA intentou o presente processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra a Companhia de Seguros Allianz, S.A., pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe o montante global de €371.810,52


2. A ação foi julgada improcedente na 1a Instância e, interposto recurso de apelação pelo A., foi a decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora (TRE).


3. Inconformado, o A. veio interpor recurso de revista excecional, alegando o disposto no art. 672o, no 1, a), b) e c), do CPC.


No tocante à sustentada oposição de julgados, invoca como acórdão-fundamento o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.12.2018, Proc. no 2576/16.1T8VFX, transitado em julgado.


4. A recorrida respondeu, pugnando pela inadmissibilidade da revista excecional e, caso venha a ser admitida, pela sua improcedência.


5. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.


Cumpre decidir.


II.


6. In casu encontra-se manifestamente verificada a contradição de acórdãos invocada pela recorrente, bem como os demais requisitos estabelecidos pelo art. 672o, no 1, c), do CPC.


Com efeito, num quadro factual fundamentalmente idêntico1 (em ambos o caso está em causa um acidente de viação, simultaneamente de viação e de trabalho, consistente em embate ocorrido entre o veículo conduzido pelo sinistrado e outro veículo, circulando aquele na hemifaixa esquerda da estrada, atento o respetivo sentido de marcha, portanto “fora de mão”, depois de transpor um traço contínuo), o acórdão recorrido considerou ter o sinistrado agido com negligência grosseira, sendo a sua conduta a causa exclusiva da colisão, concluindo, consequentemente, pela descaracterização do acidente como sendo de trabalho [alínea b) do n.o 1 do art. 14.o da Lei n.o 98/2009, de 14/09], ao contrário do decidido pelo acórdão-fundamento.


É certo que no caso dos autos “o tempo estava bom e seco”, enquanto no do acórdão-fundamento “o piso estava molhado e escorregadio, devido à chuva”. Porém, esta diferença não afeta a essencial similitude das duas situações, até porque neste aresto nenhuma conexão se estabelece entre o acidente e as circunstâncias atinentes ao piso.


7. Sem necessidade de mais considerações e com prejuízo da apreciação dos demais fundamentos invocados pelo recorrente, justifica-se, por conseguinte, a admissão excecional da revista.


III.


8. Nestes termos, acorda-se em admitir a recurso de revista excecional em apreço.


Custas pelo recorrido.


Lisboa, 24 de maio de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Ramalho Pinto





_____________________________________________

1. Factos apurados no acórdão recorrido:

2. “(...)

3. 9- [O A.] saiu da hemifaixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, e invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária, destinada aos veículos que seguiam em sentido Pala/Roupeira, na qual passou a circular.

4. 10- Na hemifaixa de rodagem sentido Pala/Roupeira circulava o veículo pesado mercedes Benz 2041, de matrícula 95-LG-92, a velocidade de cerca de 50Km/h.

5. 11- O condutor do veículo 95-LG-92 apercebendo-se que a cerca de 40m de distância o veículo do sinistrado circulava na hemifaixa de rodagem destinada à sua circulação, junto à berma direita, travou e parou o seu veículo.

6. 12- Apercebendo-se da presença do veículo pesado o sinistrado ainda direcionou o motociclo para a hemi-faixa de rodagem sentido Roupeira – Pala, porém, dada a sua posição na via e a velocidade não concretamente apurada a que circulava, ao Km66,300, numa curva suave, com perfil em patamar, não conseguiu evitar o embate da parte frontal do motociclo com a parte frontal esquerda do veículo pesado de matrícula 95-LG-92.

7. 13- O embate ocorreu na hemifaixa de rodagem sentido Pala/Roupeira.

8. 14- O tempo estava bom e seco.

9. 15- A estrada, no local, estava sinalizada com linha continua M1 e guias laterais M19.

10. 16- O pavimento era betuminoso e estava em bom estado de conservação.

11. 17- A velocidade no local estava limitada a 50Km/h.

12. 18- A via tinha uma largura de 5,31metros.

13. (...)

14. 20- Após o acidente não foram detetadas pelas autoridades quaisquer anomalias

15. mecânicas e/ ou outras aos veículos intervenientes.

16. (...)”

17. Factos apurados no acórdão-fundamento:

18. “1. No dia 07 de Maio de 2016, pelas 06h50, em (...), (...) foi vítima de um acidente de viação, simultaneamente de trabalho, no trajeto entre a sua residência e o seu local de trabalho, por meio de colisão do veículo em que seguia e conduzia de matrícula (...) com o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (...), que seguia em sentido contrário;

19. (...)

20. 15.A estrada por onde circulava (...) é de traçado reto, com visibilidade superior a 100 metros, antecedida de uma curva fechada à esquerda;

21. 16. O piso estava molhado e escorregadio, devido à chuva;

22. 17. Possui duas faixas de rodagem, com duas linhas de trânsito, uma em cada sentido, separadas por linha longitudinal contínua;

23. 18. No sentido de marcha de (...), a anteceder entroncamento sito a cerca de um quilómetro de distância do local do embate, encontrava-se a seguinte sinalização vertical:

24. - sinal C13 – proibição de exceder a velocidade máxima de 50km/h; - sinal B9a – entroncamento com via sem prioridade; e

25. - sinal H20a – paragem de veículos de transportes coletivos de passageiros.

26. 19. O veículo conduzido por (...) saiu da sua mão de trânsito, ultrapassou o traço contínuo existente no local, e embateu, com a parte da frente, na parte frente do veículo de matrícula (...), que circulava na faixa de rodagem em sentido contrário;

27. 20. Cujo condutor ainda travou e encostou-se à berma para tentar evitar o embate.

28. (...)”↩︎