Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1195/13.9TBEPS.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CADUCIDADE DA AÇÃO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
COISA MÓVEL
DANOS PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Os prazos curtos de caducidade previstos no artigo 917º do CCiv aplicam-se ao pedido de indemnização por danos patrimoniais inerentes ao defeito, referentes aos prejuízos que não obtiveram compensação através do exercício do direito à reparação.
II. Já não se aplicam ao pedido de indemnização por danos patrimoniais decorrentes do defeito (colaterais ou sequenciais), para o qual vigora o regime geral da prescrição.
III. A deterioração das carpintarias, mobiliário, têxteis e instalação eléctrica em virtude da escorrência, em 2016, de água para o interior do edifício, ocasionada na falta de estanquicidade da cobertura, já denunciada em 2012, constitui um dano decorrente do defeito, e não inerente ao mesmo, indemnizável nos termos gerais da responsabilidade contratual.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA

ENTRE

AA

e mulher

BB

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Autores / Apelados / Recorrentes

CONTRA

CC

e mulher

DD

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Réus / Apelantes / Recorridos



I – Relatório

  Os Autores intentaram, em 24 OUT2013 a presente acção pedindo a condenação dos Réus a reparem e eliminaram todos os defeitos que se vieram a manifestar na moradia que em 30DEZ201 adquiriram aos Réus, nos 1º, 2º e 3º anos após a aquisição, que foram comunicados aos Réus nos 30 dias subsequentes ao seu aparecimento, tendo estes reconhecido a existência dos mesmos e chegado a efectuar algumas reparações em 2011 e 2012;  bem como a pagarem-lhes indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes daquela situação, a liquidar.

   Os Réus contestaram invocando a caducidade da acção e por impugnação; bem como pediram a condenação dos Autores, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

 No decurso da audiência os Autores apresentaram articulado superveniente, relativamente ao estado do imóvel em 2016, que foi admitido. Também os Réus apresentaram articulado superveniente, relativo ao estado do imóvel em 2018, igualmente admitido.

  A final foi proferida sentença que, considerando aplicável ao caso o regime da venda de bens de consumo do DL 67/2003, julgou improcedente a excepção de caducidade e procedente a acção condenando os Réus no pedido.

 Inconformados, apelaram os Réus impugnando a fixação da matéria de facto e alegando erro de julgamento quanto à caducidade, aos danos e à indemnização.

 Também os Autores apelaram subordinadamente invocando a nulidade da sentença e impugnando a matéria de facto (arguindo que não foi conhecido o que alegou em sede de articulado superveniente, relevante para a demonstração dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos).

 A apelação dos Réus foi admitida; não o tendo sido, porém, o recurso subordinado dos Autores (sem qualquer reacção destes).

  A Relação, depois de alterar a matéria de facto,  e considerando não ser aplicável ao pedido indemnizatório o regime de caducidade do DL 67/2003, estar indemonstrado o conhecimento dos defeitos pelo Autores aquando da aquisição e haver de cingir a indemnização ao dano provado, julgou verificada a excepção de caducidade quanto aos danos patrimoniais absolvendo os Réus dessa parte do pedido, circunscreveu a indemnização por danos não patrimoniais aos factos vazados no nº 36 dos factos provados, confirmando, no mais a sentença recorrida.

  Irresignados interpuseram recurso de revista Autores e Réus.

  Os Réus revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, al. a), do CPC; o qual não foi admitido pela formação a que alude o nº 3 do mesmo normativo.

 Os Autores revista nos termos do artigo 671º, nº 1, do CPC, concluindo, em síntese, pela nulidade do acórdão nos termos do artigo 615º, nº 1, als. b) e d) ou por insuficiência da matéria de facto e erro de julgamento.

  Não houve contra-alegações.


II – Da admissibilidade e objecto do recurso

A situação tributária mostra-se regularizada.

  O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (artigo 40º do CPC).

 Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (artigos 639º do CPC).

  O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

   Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

 Destarte, o recurso merece conhecimento.

 Vejamos se merece provimento.

           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

 De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

  Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

 Nas sua alegação e respectivas conclusões os Autores circunscrevem a sua argumentação à falta de discriminação e consideração de factualidade que invocaram no articulado superveniente, quer como causa de nulidade quer como causa de insuficiência factual, não se encontrando na genérica invocação de erro de julgamento qualquer referência directa relativamente à decisão de procedência da excepção de caducidade da acção. Mas está implícita em toda a argumentação que a factualidade que entendem omitida imporia diverso enquadramento jurídico daquela questão.

Ocorre, no entanto, que os articulados das partes, enquanto contenham declarações juridicamente relevantes são susceptíveis de interpretação (“Os articulados não são uma declaração de ciência mas sim de vontade e, como tal, um negócio jurídico pelo que estão sujeitos às respectivas regras de interpretação” – acórdão do STJ de 3FEV2004, proc 03A4486), a qual se “deve operar à luz do princípio da impressão do declaratário normal colocado na posição do real declaratário” (acórdão do STJ de 28JUN2007, proc. 2007/07).

E o que sobressai de toda a referida peça processual é a discordância dos Recorrentes relativamente à decisão da Relação na parte que absolveu do pedido relativamente aos danos patrimoniais. Intencionalidade essa que, para além de estar implícita, como ‘pano de fundo’, em todo o discorrer argumentativo, emerge expressa no pedido com que se remata essa mesma peça processual:
«NESTES TERMOS, e pelos motivos supra alegados, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência, revogar-se o Douto Acórdão proferido nos autos, e substituí-lo por outro Acórdão, que julgue procedente o pedido formulado na Petição Inicial: “b) Mais se condenam os RR a ressarcirem os AA de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial e assim, pagarem-lhe a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença”.»

 Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

 - da nulidade do acórdão;

 - da insuficiência dos factos;

 - da caducidade da acção relativamente aos danos patrimoniais.


III – Os factos

Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:

Factos provados

           

1º- Encontra-se registado em nome dos autores, um prédio urbano composto por casa com dois pavimentos e logradouro, sito no Lugar ..., Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...22, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...45.

2º- (…) que estes adquiriram aos réus em 30 de Dezembro de 2010, através de escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, pelo preço de 240.000,00€.

3º- Os autores pagaram integralmente aos réus o preço acordado.

4º- O réu marido dedica-se à edificação e comercialização de moradias e edifícios.

5º- O imóvel referido em 1 tem vindo a revelar anomalias que impedem a sua utilização ao fim a que se destina, ou seja a habitação, e que não eram visíveis na data da celebração do contrato de compra e venda.

6º- (…) tais como, ao nível do desvão sanitário verificam- se:

- fundações com armaduras à vista e já oxidadas,

- paredes estruturais e de suporte de terras realizadas em tijolo cerâmico, com infiltração visível de humidade,

- deficiente isolamento entre a parede estrutural e o muro divisório do prédio a Norte,

- fraca ventilação e execução de aberturas existentes no desvão sanitário,

- deficiente fixação de tubagens,

- falta de limpeza dos resíduos resultantes da construção da habitação.

7º- Ao nível da planta do rés-do-chão, existência de infiltrações de água principalmente nos tectos da lavandaria, da casa da caldeira e da garagem, estando o tecto da sala comum manchado por mau acabamento [alterado pela Relação; redacção da 1ª instância: ‘Ao nível da planta do rés-do-chão, existência de infiltrações de água, principalmente nos tectos, designadamente, no tecto da lavandaria, no tecto da casa da caldeira, no tecto da garagem e no tecto da sala comum’];

8º- (…) originadas pela forte presença de um teor elevado de humidade, que resulta de infiltrações da sua cobertura, que é realizada em terraço que não tem uma pendente constante favorável ao escoamento da água pluvial.

9º- Os muretes periféricos da cobertura apresentam deficiências no seu revestimento, permitindo a entrada de água.

10º- Existência de infiltrações de humidade pelos tectos ao nível do r/chão e primeiro andar.

11º- Nas varandas do quarto nascente/sul, existem tubos de queda de águas pluviais interrompidos nos pavimentos das varandas.

12º- O capeamento em granito dos muretes das varandas não tem aplicação de repelente e não tem protecção das juntas de união das pedras.

13º- As varandas do lado Norte e Sul apresentam fissuração nos muretes, devido ao movimento descente da consola que constituiu a varanda provocando o desligamento da parede que faz o murete.

14º- No quarto suite a sul/poente:

- no tecto da casa de banho há indícios de infiltração de humidade,

- os tubos de quedas de águas pluviais estão interrompidos no pavimento das varandas o que provoca má drenagem de águas pluviais,

- há deterioração da betumagem das juntas das tijoleiras, que revestem o pavimento das varandas,

- o capeamento em granito dos muretes das varandas não tem aplicação de repelente e não tem protecção das juntas de união das pedras,

- o murete da varanda do lado norte apresenta a pintura degradada, com acumulação de matéria vegetal.

15º- No quarto de banho a sul são visíveis infiltrações de água pela cobertura.

16º- Ao nível da planta das coberturas verifica-se haver acumulações de água provocando o aparecimento de matéria vegetal e a deficiente drenagem desses espaços.

17º- As fachadas da habitação apresentam acumulação de matéria vegetal, na pintura.

18º- Inexiste “pingadeira” nos elementos salientes, contribuindo para a degradação da pintura destes.

19º- É visível alguma fissuração nos elementos salientes, que formam varandas, nas fachadas sul e nascente, devido à fissuração existente ter características provenientes do assentamento ou rotação dos elementos que as apresentam, e,

20º- (…) verificam-se já fenómenos de capilaridade, provocando eflorescências junto ao rodapé, em virtude da falta de isolamento hídrico das paredes em relação ao solo ou aos pavimentos.

21º- Nos espaços envolventes da moradia, é manifesta a degradação da betumagem do revestimento cerâmico dos passeios,

22º- (...) onde se verifica uma concentração de água corrente proveniente dos tubos de queda, que desaguam directamente nos passeios, provocando a carbonatação rápida da betumagem.

23º- Existe a descarga directa das águas pluviais provenientes dos tubos de queda, no pavimento dos passeios, promovendo o alargamento dos passeios e provocando a deterioração do revestimento destes.

24º- Nos muros de vedação e suporte, a pintura destes encontra-se com mau aspecto e estão degradados.

25º- O muro a norte da moradia apresenta risco de ruína.

26º- A habitação referida em 1º, em virtude do supra referido, impede a sua utilização para o fim a que se destina.

27º- Os autores denunciaram aos réus os defeitos referidos supra logo nos trinta dias que se seguiram ao seu aparecimento, quer verbalmente, quer por escrito.

28º- (…) exigindo aos réus a sua eliminação e reparação.

29º- Na sequência, o 1º réu veio verificar a existência dos defeitos e inicialmente, em Agosto 2011, colocou todo o piso da planta do rés-do-chão, da habitação dos autores, que se levantou, em virtude da intensa humidade lá existente,

30º- (…) assim como, assentou todo o azulejo da casa de banho, do rés do chão da habitação dos autores, devido ao facto de o mesmo ter estalado e soar a oco, e alguns azulejos estavam descoladas da base.

31º- Em Dezembro de 2011 foram detectadas fortes infiltrações de água na garagem da habitação dos autores, pelo que, o autor efectuou aberturas na face inferior da lage da cobertura da casa, de forma a retirar a água existente.

32º- Em 2012 começaram a surgir problemas de humidade nas casas de banho ao nível da planta do 1º andar da habitação dos autores ao que o 1º réu procedeu à pintura dos referidos tectos.

33º- Em Agosto de 2012 o 1º réu colocou grelhas à volta de toda a habitação em virtude da deficiente drenagem desses espaços, para eliminar as águas existentes no desvão sanitário.

34º- Em Novembro de 2012 o 1º réu rectificou algumas rupturas da membrana de silicone, ‘tela líquida’, na cobertura da habitação realizadas em terraços, que se apresentavam degradadas.

35º- As telas que se encontram nas coberturas da habitação, realizadas em terraços, são muito finas e pouco resistentes aos fenómenos climáticos.

36º- Os autores têm residência efectiva em França, vindo a Portugal em gozo de férias, mas nos últimos meses, evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos defeitos que casa dos seus sonhos enferma.

37º- A 25/05/2016 os autores apresentaram contra os réus providência cautelar comum, que faz o apenso B, solicitando que estes custeiem na íntegra as obras de intervenção, nomeadamente a colocação de telha dupla nas coberturas da moradia e a proceder à retirada de água que se encontra nas lages e nas placas, através de furos, utilizando todos os meios técnicos necessários para a reparação/eliminação das anomalias existentes nas coberturas do prédio dos requerentes causadoras de infiltrações na habitação;

38º- (…) sendo os réus condenados a tal, por decisão final proferida a 04/01/2017, que mereceu recurso declarado improcedente por acórdão de 11/05/2017;

39º- (…) que os réus não cumpriram até hoje.

40º- Em Fevereiro de 2016 a não retenção pela cobertura da água das chuvas, penetrou na moradia dos autores.

41º- Em Fevereiro de 2016 o Técnico Eng. EE e o empreiteiro FF deslocaram-se à casa dos autores, designadamente ao desvão sanitário, e verificaram que o betão se encontrava podre.

42º- Os AA para reparar os danos na sua moradia e para proceder à reparação dos defeitos, terão que despender pelo menos 66.324,00€.

Factos não provados

a) o betão aplicado na habitação referida em 1º seja de fraca qualidade.

b) os autores não tenham denunciado aos réus os defeitos da habitação, no prazo legal.

c) a construção da habitação alvo dos autos tenha obedecido às técnicas de construção e nela tenham sido aplicados os melhores materiais e que tenha sido executada em estrita conformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal ... e que tivesse sido sujeita a rigorosa fiscalização.

d) os defeitos que os autores invocam na PI configuram aspectos que já existiam à data da compra do imóvel, imóvel esse que os autores inspeccionaram e verificaram ao pormenor, aceitando o imóvel no estado em que se encontrava.

e) a humidade que os autores referem existir na moradia deve-se à condensação pelo facto de a mesma estar permanentemente fechada.

f) o réu marido não tivesse reconhecido a existência dos defeitos denunciados pelos autores.

g) os danos que os autores invocam, a existirem, foram provocados pelos mesmos para assim tentarem um enriquecimento à custa dos réus, que desde o início dos autos contribuem para o agravamento dos danos, não fazendo manutenção na habitação, não arejando a mesma, mantendo-a meses a fio fechada.

h) a impermeabilização da casa dos autores está apta a impedir a entrada de qualquer humidade, pelo que a entrada de humidade ou água pela cobertura onde foi aplicada a protecção, resulta de danificação ou agressão da referida protecção.

i) no passado mês de Dezembro de 2017 os autores tinham as janelas abertas apesar de ninguém se encontrar no seu interior, sendo que chovia torrencialmente e a água da precipitação entrou directamente para o interior da casa dos autores, danificando soalho e tijoleira e paredes e tectos, sendo que tal aconteceu no mês de Dezembro de forma permanente.


IV – O direito

 Segundo os Recorrentes o acórdão da Relação padece das nulidades previstas no artigo 615º, nº1, als. b) e d), do CPC, porquanto não inclui no elenco factual os factos que alegou no articulado superveniente (falta de especificação dos fundamentos de facto) e não conheceu desses mesmos factos (omissão de pronúncia).

  Mas sem qualquer fundamento.

 Desde logo porquanto a existir o apontado vício ele ocorreu na 1ª instância e aí tal vício mostra-se sanado por falta ou inadequada reacção do Autores. Quanto à matéria em causa ela não estava inserida no âmbito do recurso de apelação dos Réus.

 Por outro lado, porquanto os pontos 40 a 42 do elenco dos factos provados correspondem a matéria alegada no referido articulado superveniente, o que significa que o tribunal (de 1ª instância) conheceu da alegação do referido articulado superveniente. Poderá tê-lo feito de forma insuficiente, mas aí competia aos Autores diligenciar nessa instância pela sanação de tal vício: ou ampliando o objecto da apelação, nos termos do artigo 636º do CPC para ampliação da matéria de facto relativamente aos factos que entendia omitidos; ou, na sequência da não admissão do recurso subordinado, reclamando da falta de apreciação pelo tribunal de 1ª instância das nulidades que arguira.

A Relação, depois de considerar que ao caso se aplicavam os prazos de denúncia e caducidade mais favoráveis resultantes da Lei 67/2003, relativamente aos direitos de reparação, substituição, redução do preço ou resolução, por desconformidades do bem vendido, considerou que ao comprador assistia, ainda, um direito de indemnização (quer decorrente do artigo 12º da Lei 24/96 quer dos termos gerais da responsabilidade contratual), os quais não estavam sujeitos àqueles prazos de caducidade.

 Considerou, porém, que relativamente aos danos patrimoniais fundados nos defeitos da coisa, que se reportam à reparação/ressarcimento do defeito, eles seguiam o regime próprio estabelecido na lei civil, encontrando-se sujeitos ao regime de caducidade do artigo 917º do CCiv. Já os demais danos patrimoniais (colaterais, provocados pelos defeitos) e os danos não patrimoniais seguem o regime geral da prescrição.

Consequentemente, considerando que os danos patrimoniais peticionados pelos Autores são, uma vez que nada mais se alega do que a existência dos defeitos, circunscritos à reparação/ressarcimento desses defeitos, concluiu pela verificação da caducidade quanto a essa pretensão.

Não se nos afigura correcta a qualificação dos danos patrimoniais peticionados pelos Autores se reportem à reparação/ressarcimento dos defeitos.

Comecemos por atentar na formulação do pedido:
«NESTES TERMOS e nos mais de direito deve a presente ser julgada procedente e provada e, em consequência:
A) - Serem os R.R. condenados a repararem e eliminarem todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel identificado nesta petição, alegados neste articulado, e, assim, nele efectuar todas as obras necessárias à sua total irradicação ou supressão.
B) - Serem os réus condenados a ressarcirem os autores de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial, e, assim pagarem-lhes a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.»

Nele claramente se distingue a pretensão de reparação dos defeitos da construção do pedido indemnizatório relativos aos provocados pelos referidos defeitos.

É certo que, como se refere no acórdão recorrido, não se descortina na alegação qualquer discriminação de danos patrimoniais; na petição inicial imputam-se à obra defeitos de ordem estrutural (má execução e deficiente material das fundações, paredes, muretes, tubagens e tintas) e falta de estanquicidade do edifício (em particular da cobertura), que dá origem a infiltrações. Mas essa ausência de alegação é colmatada posteriormente com o articulado superveniente; aí se vem invocar que a má execução da cobertura, pondo em causa a estanquicidade do edifício, deu azo à ocorrência, com as chuvas de FEV2016, de inundação e infiltração de água, o que, para além de agravar as infiltrações nas lajes e paredes do edifício, afectou o interior do mesmo danificando as carpintarias (portas, janelas, sanefas, roupeiros, escada e soalho), mobiliário, cortinados e roupa de cama, e a instalação eléctrica.

Ora estes danos, agora invocados, não se nos afigura que possam ser enquadrados como danos inerentes aos defeitos, enquadrando-se a respectiva indemnização como uma prestação residual, que apenas terá lugar relativamente aos prejuízos que não obtiveram reparação através do exercício do direito à reparação, e à qual se aplicariam os prazos curtos de caducidade estabelecidos no artigo 917º do CCiv. Pelo contrário, tais danos, até pelo próprio hiato temporal que medeia entre a construção e a sua ocorrência, não são inerentes ao defeito mas sequenciais a este, são provocados pelo defeito (‘danos colaterais’ lhes chama CURA MARIANO em Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª ed., 2020, 139-141, dando como exemplo “os estragos provocados na própria obra (…) pela existência dos defeitos”), sendo indemnizáveis pelas regras gerais da responsabilidade contratual, não estando o exercício desse direito sujeito a caducidade mas sim à prescrição geral.

No referido articulado superveniente os Recorrentes, ao quantificarem o dano patrimonial, consideram quer os custos de reparação dos danos invocados no articulado superveniente quer os custos da reparação dos defeitos. Estes últimos não são consideráveis uma vez que está pedida (e já decretada porquanto nessa parte não impugnada) a obrigação de reparação dos defeitos. Mas essa circunstância apenas determina a necessidade de se circunscrever o âmbito dos danos a que se refere o pedido indemnizatório.

Entendendo, em face do exposto, que o pedido indemnizatório por danos patrimoniais se refere (também) aos danos sequencialmente provocados pelos defeitos (e discriminados no articulado superveniente), concluiu-se que este não se encontra sujeito a prazos de caducidade; e que não se verifica a excepção de caducidade apontada pela Relação.

Por outro lado, tendo sido formulado pedido genérico, a falta de apuramento pelas instâncias dos danos alegados no articulado superveniente não redunda em insuficiência factual justificadora da anulação do julgamento. Com efeito, a factualidade apurada (ponto 40 dos factos provados) permite considerar verificado o dano, o que é suficiente para fundar a condenação no pedido, relegando-se especificação do dano para a liquidação.


V – Decisão

Termos em que se decide:

- não padecer o acórdão recorrido das invocadas nulidades;

-  concedendo a revista, revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu os Réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais, condenando os mesmos Réus a ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados, pagando-lhes o que se vier a liquidar;

- manter, no mais, o acórdão recorrido.

Custas, aqui e nas instâncias, pelos Réus.

                                                                      

Lisboa, 15SET2022

Rijo Ferreira (Relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista