Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17566/16.6T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
DELIBERAÇÃO
LEGALIDADE
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
CAUSA DE PEDIR
CONTRATO DE DEPÓSITO
RISCO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO E MORA NÃO IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / MÚTUO / DEPÓSITO / DEPÓSITO IRREGULAR.
Doutrina:
- Antunes Varela, Depósito Bancário, Revista da Banca, n.º 21, Janeiro/Março, 1992, p. 47;
- Carlos Ferreira de Almeida, E-BOOK do CEJ de Fevereiro 2015, p. 28 e ss.;
- Mafalda Miranda Barbosa, Os Limites da Medida de Resolução, Boletim de Ciências Económicas, da FDUC, 2016, p. 11.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 796.º, 800.º, 1142.º, 1144.º, 1145.º, 1205.º E 1206.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-10-2004, PROCESSO N.º 04A3101;
- DE 07-05-2009, PROCESSO N.º 195/2000.C2.S1;
- DE 10-11-2011, PROCESSOS N.º 1182/09.1TVLSB.S1.L1;
- DE 10-01-2012, PROCESSO N.º 467/2002.L1.S1;
- DE 08-03-2012, PROCESSO N.º 500/08.4TDDP.G1.S1;
- DE 08-05-2012, PROCESSO N.º 96/1999.G1.S1;
- DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 9966/02.5TVLSB.L1.S1;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 8507/12.0TBVNG.P1.S1;
- DE 30-03-2017, PROCESSO N.º 725/14.3TBLSD-A.P1.S1;
- DE 16-10-2018, PROCESSO N.º 52/14.6TVLSB.L1.S1.
Sumário :

I - Não obstante competir ao contencioso administrativo a apreciação da regularidade das deliberações do BdP, à luz das normas ao abrigo das quais se pautou a concreta adopção da medida de resolução por esta pessoa colectiva de direito público, e serem as mesmas vinculativas para os seus destinatários e válidas e eficazes para a jurisdição comum se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro, nada impede os tribunais comuns de procederem à interpretação do alcance da decisão proferida pela entidade supervisora no âmbito dos litígios que oponham particulares entre si.
II - Retirando-se da matéria de facto assente que as quantias que os autores pretendem reaver foram por eles entregues numa agência do DD SA, que, actuando através dos seus funcionários, efectuou a sua recepção, para “depósito a prazo”, radicou na sua esfera jurídica o conjunto de direitos e deveres intrínsecos a cada uma das relações contratuais nascidas com tais recepções, como se tivessem sido praticadas por ela própria (cf. art. 800.º do CC).
III - Este Tribunal tem entendido, consensualmente, que o CC de 1966, pondo termo a querelas doutrinárias, classifica o contrato de “depósito” de dinheiro como depósito irregular (art. 1205.°), a que é aplicável, atenta a sua semelhança com o contrato de mútuo, as normas relativas a este contrato, na medida do possível (art. 1206.º).
IV - O contrato de “depósito” bancário é um contrato real (quoad constitutionem), exigindo a sua constituição a entrega de dinheiro, com a inseparável transferência da sua propriedade do depositante para o banco, ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade e aquele, portanto, na titularidade de um direito de crédito sobre o valor equivalente à quantia depositada e aos frutos uros remuneratórios) que tenham sido estipulados (arts. 1144.º, 1142.º e 1145.º do diploma).
V - Ou seja, ao confiar ao depositário a guarda do dinheiro, o depositante aceita transferir para a esfera de domínio daquele o risco sobre a gestão da quantia que lhe transferiu, alheando-se, a partir de então, do seu uso e fruição, mas também da responsabilidade pelo risco do seu extravio, que passa a recair sobre o depositário até ao momento em que a restituição é exigível e daí que, nesse interregno, a movimentação fraudulenta por terceiro de um depósito bancário não é oponível ao depositante, que a ela foi alheio, independentemente de culpa do depositário nessa movimentação (art. 796.º do CC).
VI - E se o depositário não pode opor ao depositante o desvio que, nesse interregno, um seu funcionário tenha feito do montante que o segundo lhe entregara, também não pode a sua responsabilidade pela quantia que lhe foi entregue ser reputada de duvidosa ou incerta, isto é, de apenas possível, mas não necessária.
VII - Nesse sentido, a responsabilidade (contratual) da instituição de crédito perante os seus clientes e ora autores pela restituição das quantias (e respectivos frutos) que estes haviam depositado não poderia, na data em que a mesma foi sujeita a medida de resolução, ser considerada como discutível, duvidosa ou contestável e, por isso, contingente ou desconhecida, para os efeitos visados nas mencionadas deliberações do BdP, transmitindo-se, pois, tal responsabilidade para a instituição de transição, como sucessora nos direitos e obrigações da instituição originária.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

     

AA, BB e CC intentaram acção contra “Banco DD SA” e “EE SA”, pedindo a condenação destes a pagar-lhes, solidariamente, as quantias de 93.000 francos suíços (€ 85.611,71) e de 19.026,75 francos suíços (€ 17.515,91), correspondentes, respectivamente, ao valor do capital dos depósitos a prazo por eles constituídos e aos juros remuneratórios do mesmo, acrescidas de juros de mora sobre o capital, à taxa legal, contados desde a citação.

Alegaram, para tanto, em suma:

1)- Na qualidade de emigrantes na ... e de clientes do DD, efectuaram na agência deste em ..., em 2005 e em 2009, quatro depósitos a prazo, que tendo sido renovados, apresentavam, à data do último extracto de cada um deles, os valores de, respetivamente, 58.895,50, 12.454,10, 18.613,40 e 21.063,75 francos suíços;

2)- Em Portugal, na agência do DD em ..., ao pretenderem consultar os depósitos a prazo, foi-lhes dito que não localizavam a conta e, posteriormente, os funcionários do DD disseram-lhes que não haviam reconstituído um dos depósitos, mas que devolveriam 33,33% do seu valor, além do capital (em singelo) dos demais, tudo no valor de € 64.204,47.

3)- Em 03.8.2014 o Banco de Portugal aplicou a medida de resolução que deu origem ao EE, para o qual esses depósitos se transmitiram, mas que não os reembolsou dos respectivos capital e juros.

As RR contestaram, tendo a EE SA invocado a sua ilegitimidade, alegando que a relação bancária existente entre os AA e o DD era mediada por um funcionário deste (falecido em 2013) que, extravasando as suas funções e forjando documentos, desviou fundos dos clientes em proveito próprio, nunca tendo os mesmos sido depositados junto do banco, pelo que não pode a DD SA ser responsabilizada por tais quantias, assim como o não pode ser a contestante, uma vez que o crédito reclamado não se transmitiu para a mesma, por constituir contingência ou responsabilidade não contabilizada no DD aquando da aplicação da medida de resolução.

No saneador, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à R DD e considerou-se a R EE parte processualmente legítima.

Prosseguindo o processo, realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a ação procedente e, consequentemente, condenando a R EE a pagar aos AA a quantia equivalente em euros a 93.000 francos suíços de capital, acrescida dos juros remuneratórios vencidos, bem como de juros de mora à taxa legal, desde a citação.

A Relação julgou improcedente a apelação que a R interpôs dessa decisão, a qual confirmou, por considerar, em suma, que a R não logrou demonstrar que não se lhe transmitira a responsabilidade da DD SA pelos créditos que os AA detinham.

Desse acórdão da Relação, a R EE interpôs recurso de revista, admitido pela competente Formação deste Supremo, cujo objecto delimitou com a questão de saber se o acórdão recorrido desconsiderou os critérios estabelecidos pelo Banco de Portugal na medida de resolução da DD SA, por destes resultar que não se lhe transmitiu a responsabilidade, contingente e desconhecida, pela devolução das quantias entregues pelos AA para constituir depósitos bancários.

*

Importa apreciar e decidir, perante a seguinte matéria de facto considerada na decisão recorrida como provada:

1 - Em 27-05-2005, os AA deslocaram-se à agência de ... [...] do Banco DD, e abriram a conta com o número 1293-05 G (doc. 1).

2 - Em 27-05-2005, os AA depositaram 33.000 francos suíços (doc. 2).

3 - Em 29-05-2005, depositaram mais 15.000 francos suíços (doc. 3).

4 - Os AA pretendiam constituir um depósito a prazo no Banco DD, no valor de 48.000 francos suíços, com o prazo de 360 dias, à taxa de juro líquido de 2,50% ao ano, com início em 29-05-2005 (doc. 4).

5 - O referido depósito a prazo foi renovado sucessivamente e o R Banco DD enviou-lhes os respectivos extractos, com as respectivas renovações e alterações das taxas de juro, designadamente em 6-06-2005 (doc. 4).

6 - Em 5-06-2007, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,5 % ao ano (doc. 5).

7 - Em 6-06-2008, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,75 % ao ano (doc. 6).

8 - Em 9-06-2009, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3 % ao ano (doc. 7).

9 - Em 10-06-2010, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3 % ao ano (doc. 8).

10 - Em 10-06-2011, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,75 % ao ano (doc. 9).

11 - Em 10-06-2012, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,5 % ao ano (doc. 10).

12 - À data do último extracto este depósito a prazo tinha o valor de 59.895,50 francos suíços (docs. 4 a 10).

13 - Em 22-09-2005, os AA depositaram 10.000 francos suíços (doc. 11).

14 - Os AA constituíram um depósito a prazo, pelo prazo de 365 dias, à taxa de juro líquido de 2,65%, com início em 23-11-2005 (doc. 12).

15 - O depósito a prazo foi renovado sucessivamente e o R “Banco DD” enviou-lhes os respectivos extractos, com as respectivas renovações e alterações das taxas de juro, em 26-09-2005 (doc. 12).

16 - Em 25-09-2006, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3 % ao ano (doc. 13).

17 - Em 3-10-2008, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,65 % ao ano (doc. 14).

18 - Em 2-10-2009, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,75 % ao ano (doc. 15).

19 - Em 17-10-2010, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,75 % ao ano (doc. 16).

20 - Em 4-10-2011, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3% ao ano (doc. 17).

21 - Em 4-10-2012, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3 % ao ano (doc. 18).

22 - À data do último extracto este depósito a prazo, a que foi atribuído o número de conta Lau-8976-00, tinha o valor de 12.454,10 francos suíços (docs. 12 a 18).

23 - Em 12-10-2005, depositaram 5.000 francos suíços e em 16-11-2005 depositaram 10.000 francos suíços (docs. 19 e 20).

24 - E constituíram mais um depósito a prazo no valor de 15.000,00 francos suíços, pelo prazo de 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,75 % (doc. 21).

26 - O depósito a prazo foi renovado sucessivamente e o R “Banco DD” enviou aos AA os respectivos extractos, com as respectivas renovações e alterações das taxas de juro.

27 - Em 28-11-2005 (doc. 21) e em 17-10-2006, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquido de 3 % ao ano (doc. 22).

28 - Em 24-10-2008, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,75 % ao ano (doc. 23).

29 - Em 25 de Outubro de 2009, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,75 % ao ano (doc. 24).

30 - Em 27-10-2010, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,75 % ao ano (doc. 25).

31 - Em 28-10-2011, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3% ao ano (doc. 26).

32 - Em 28-10-2012, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 3,25 % ao ano (doc. 27).

33 - À data do último extracto este depósito a prazo tinha o valor de 18.613,40 francos suíços (docs. 21 a 27).

34 - Em 5-03-2009, depositaram 5.000 francos suíços e em 11-03-2009, depositaram 15.000 francos suíços (docs. 28 e 29).

35 - E constituíram mais um depósito a prazo no valor de 20.000,00 francos suíços, pelo prazo de 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,50 % (doc. 30).

36 - O depósito a prazo foi renovado sucessivamente e o R “Banco DD” enviou aos AA os respectivos extractos, com as respectivas renovações e alterações das taxas de juro, designadamente em 20-03-2009 (doc. 30).

37 - Em 20-03-2010, o depósito a prazo foi renovado por 365 dias, com a taxa de juro líquida de 2,75% ao ano (doc. 31).

38 - No último extracto deste depósito a prazo, a que foi atribuído o número .... - tinha o valor de 21.063,75 francos suíços (docs. 30 a 31).

39 - Em 7-08-2013 foi enviada ao A, para a Suíça, uma carta a solicitar uma exposição escrita sobre as suas pretensões (doc. 32).

40 - O A AA entregou na agência do “Banco DD” de ... a exposição que constitui o documento 33, a reclamar a quantia de 90.963,00 francos suíços, acrescidos dos juros.

41 - Um dos funcionários do DD com quem os AA lidavam e que consideravam o seu principal interlocutor foi o então funcionário daquele FF.

42 - FF recebeu fundos dos AA sem que os depositasse e falsificando documentação atinente para entregar àqueles.

E como não provada:

- que a relação bancária entre os AA tenha tido lugar através do então funcionário FF, no sentido de que tivesse lugar apenas com este, mas sim, conforme consta dos factos assentes, que tinha lugar também com este;

- que FF, ou outros funcionários do Banco, tenham recebido os fundos dos AA fora das instalações do DD.

Releva, ainda, o teor, a que decisão recorrida alude, das deliberações adoptadas pelo Conselho de Administração do BdP sobre a medida de resolução aplicada ao DD «[n]os termos do nº 1 do artigo 146º do RGICSF, e em face da necessidade premente das medidas agora tomadas para a salvaguarda da solidez financeira do Banco DD e do interesse dos seus depositantes, bem como para a manutenção da estabilidade do sistema financeiro português»), que a seguir se extractam (sendo nosso o realce):

1 - Em 3/8/2014 ([1]):

«(…) Na falta de soluções imediatas viáveis de alienação da atividade do Banco DD, SA, a outra instituição de crédito autorizada, a criação de um banco para o qual é transferida a totalidade da atividade prosseguida pelo Banco DD, SA., bem como um conjunto dos seus ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, revela-se como a (única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o EE dos riscos criados pela exposição do Banco DD, SA. a entidades do Grupo DD» (Considerando 11), (…) «permitirá aos seus depositantes manter um relacionamento estável com a sua instituição e a continuidade do acesso aos serviços por ela prestados» (Considerando 12).  «As razões apontadas fundamentam a conclusão de que esta solução, para alem de adequada à realização das finalidades, legalmente definidas, de proteção dos depositantes, de prevenção de riscos sistémicos e de promoção do crédito à economia (…)» (Considerando 15) «Com esta deliberação de manifesto e urgente interesse público, procura afastar-se os riscos para a estabilidade financeira, liberta-se o EE dos ativos de má qualidade que levaram à atual situação, expurgando-se incertezas sobre a composição do respetivo balanço, e abre-se assim o caminho para a venda da instituição a investidores privados» (Considerando 16). «De acordo com o princípio orientador previsto na alínea a) do artigo 145°-B do RGICSF, os acionistas devem suportar prioritariamente os prejuízos da instituição. Esta disposição consagra no ordenamento jurídico português o princípio de que se deve tratar de modo equitativo os credores inseridos dentro da mesma classe, prevendo-se que determinados credores recebam tratamento mais favorável que outros (…)» (Considerando 18).  

Com tais considerandos, foram «transferidos para o EE, SA, (…) os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco DD, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação».

2 - Em 11/8/2014 ([2]):

«(…) clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco DD, S.A., transferidos para o EE, S.A.», ficando a constar, na versão consolidada do Anexo 2 à deliberação inicial, designadamente:

«1. Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco DD, S.A. (DD), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o EE, S.A. (…)»:

(…) (b) As responsabilidades do DD perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o EE, S.A., com exceção dos seguintes («Passivos Excluídos»):

(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais». 

Nos termos da al. c) do mesmo nº 1 do Anexo 2, as responsabilidades do DD que não fossem objecto de transferência permaneceriam na esfera jurídica do DD.

2 - Em 29/12/2015 (“Contingências” e “Perímetro”) ([3]):

- “Contingências”:

«(…) A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014, não foram transferidos do B.E.S. para o EE quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do B.E.S. que, às 20:00 do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B.E.S. (…)

- “Perímetro”, conferindo ao texto consolidado do Anexo 2 a seguinte redação:

«1. Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco DD, S.A. (DD), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o EE, S.A. (…)

   (…) (b) As responsabilidades do DD perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o EE, S.A., com exceção dos seguintes («Passivos Excluídos»):

(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas (…)».

*

Em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação de recurso (art. 635º do CPC), a inviabilidade, sustentada pela recorrente NB, da pretensão dos AA ao reembolso das quantias por eles depositadas numa agência do DD na Suíça, atendendo aos termos em que esta e a respectiva causa de pedir haviam sido configuradas na acção, dependeria do reconhecimento judicial da não transmissão para aquela da responsabilidade da R DD SA por tal quantia, na sua alegada qualidade de potencial sucessora universal desta, sendo que essa transmissão também implicará a assunção – num passo, aliás, logicamente precedente – de que a responsabilidade radicou, originariamente, na suposta transmitente.

Vejamos.

Como tem sido consensualmente afirmado, a medida de resolução bancária assenta na proteção e estabilização da atividade bancária e do sistema financeiro (cf. art. 145º-A do RGICSF), de modo a assegurar a continuidade da prestação dos serviços essenciais e acautelar o risco sistémico, a confiança dos depositantes e os interesses dos contribuintes, sendo, sobretudo, nestes interesses que repousa a justificação para esta especialíssima forma de ingerência do poder público no domínio jurídico-privado, por se entender, finalmente, que não se pode «continuar a viver num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos» ([4]).

É certo que essa medida só deverá ser tomada caso seja necessária para a defesa do interesse público – a justificação para os efeitos gravosos para os credores por ela abrangidos – estando, por isso, sujeita a essa condição e, entre outras, a de não poder qualquer credor da instituição objecto de resolução suportar um prejuízo superior ao que ocorreria, no caso de essa instituição ter entrado em liquidação.

Porém, quando se pretenda defrontar o impacto da actuação do Estado (em sentido amplo) nos direitos a que os clientes da instituição de crédito originária se arrogam perante a sua pretendida transmissão para a instituição de transição, deve ter-se presente que não cabe aos tribunais judiciais a apreciação da legalidade e da validade das deliberações do BdP, a qual deve ser feita pela jurisdição administrativa.

O BdP é uma pessoa colectiva de direito público [art. 1º da respectiva Lei Orgânica (nº 5/98, de 31/1)] à qual é cometida a prossecução do interesse público e o correspondente exercício de funções públicas, designadamente as inerentes à supervisão do sector financeiro da economia, entre as quais aqui relevam as visadas com a aplicação de uma medida de resolução.

Ora, no âmbito de tal aplicação, o referido ente público actua no exercício da autoridade imanente ao poder público, com vista à realização de interesse público legalmente definido, regulado por normas de direito administrativo.

Por isso, cabe apenas aos tribunais administrativos a competência material para conhecer as pretensões formuladas com fundamento na actuação assumida no âmbito de relações jurídicas administrativas, como preceitua o art. 212º nº 3 da CRP e reafirma o art. 1º nº 1 do ETAF (aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2).

E, assim, competindo ao contencioso administrativo a apreciação da regularidade das aludidas deliberações do BdP, à luz das normas ao abrigo das quais se pautou a concreta actuação dessa pessoa colectiva de direito público, as mesmas são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.

O que em nada impede os tribunais comuns de procederem à interpretação do alcance da decisão proferida pela entidade supervisora no âmbito dos litígios que oponham particulares entre si, como tem sido ponderado por este Tribunal ([5]).

E, contra o que pode induzir o arrazoado deste recurso, não se mostra controvertido no acórdão recorrido a repercussão, em sentido formal, do decidido em sede administrativa: em bom rigor, o que a Relação entendeu foi, tão-somente, que, emanando os créditos dos AA de depósitos a prazo efectuados no DD anos antes da medida de resolução, os mesmos, à luz das deliberações adoptadas pelo BdP, não podem ser considerados contingentes nem desconhecidos, pelo que a demandada EE SA não logrou demonstrar que a responsabilidade por tais créditos não se lhe transmitiu.

Como se sabe, o Supremo Tribunal de Justiça, na revista, aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pela Relação. Por isso, trata-se aqui de reponderar o acerto da decisão recorrida – condenação da R NB a pagar aos AA as quantias por eles depositadas numa agência do DD e os juros remuneratórios (acrescidos de juros de mora) –, atendendo apenas aos factos tidos por provados pela Relação acima arrolados.

Ora, retira-se insofismavelmente da matéria de facto assente que as quantias que os AA pretendem reaver foram por eles entregues numa agência da DD SA, que, actuando através dos seus funcionários, efectuou a sua recepção, para “depósito a prazo”, e daí que se tenha radicado na sua esfera jurídica o conjunto de direitos e deveres intrínsecos a cada uma das relações contratuais nascidas com tais recepções, como se tivessem sido praticadas por ela própria (cf. art. 800º do CC).

Continua a ser discutida na doutrina a natureza jurídica dos contratos de “depósito” bancário ([6]). Contudo, a jurisprudência deste Tribunal tem entendido, consensualmente, que o Código Civil de 1966, pondo termo a querelas doutrinárias, classifica o contrato de “depósito” de dinheiro como depósito irregular (art. 1205º), a que é aplicável, atenta a sua semelhança com o contrato de mútuo, as normas relativas a este contrato, na medida do possível (art. 1206º) ([7]).

Por outro lado, o contrato de “depósito” bancário é um contrato real (quoad constitutionem), exigindo a sua constituição a entrega de dinheiro, com a inseparável transferência da sua propriedade do depositante para o banco: «a abertura de conta num Banco e os depósitos pecuniários nela efectuados, exprimem a existência de um contrato de depósito bancário que é um contrato real, cuja perfeição só se objectiva através da prática material da entrega de dinheiro, não sendo suficiente o mero acordo entre os depositantes e o banco depositário» ([8]).

Mas, por assim ser, o contrato de “depósito” bancário importa a transferência da propriedade da quantia depositada do depositante para o depositário pelo tempo que dure o contrato, ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade e aquele, portanto, na titularidade de um direito de crédito sobre o valor equivalente à quantia depositada e aos frutos (juros remuneratórios) que tenham sido estipulados (cf. arts. 1144º, 1142º e 1145º do diploma).

Sobre a radicação da quantia transferida (entregue) na esfera de dominialidade (propriedade) do depositário, diz Antunes Varela, expressivamente, que «o depositante que confia ao depositário o encargo de lhe guardar o dinheiro acaba, paradoxalmente, por perder o domínio sobre ele, e por apenas receber em troca o crédito à soma equivalente» ([9]).

Ou seja, ao confiar ao depositário a guarda do dinheiro, o depositante aceita transferir para a esfera de domínio daquele o risco sobre a gestão da quantia que lhe transferiu, alheando-se, a partir de então, do seu uso e fruição, mas também da responsabilidade pelo risco do seu extravio ou dissipação, que passa a recair sobre o depositário até ao momento em que a restituição é exigível (cf. art. 796º do CC). Daí que, durante esse interregno, «a movimentação fraudulenta por terceiro de um depósito bancário não é oponível ao depositante, que a ela foi alheio, independentemente de culpa do banco depositário nessa movimentação» ([10]).

Como tal, se o depositário não pode opor ao depositante o desvio ou dissipação que, nesse interregno, um seu funcionário tenha feito do montante (total ou parcial) que o segundo lhe entregara, também não pode a sua responsabilidade pela quantia que lhe foi entregue, comprovadamente, ser reputada de duvidosa ou incerta, i. é, de apenas possível, mas não necessária.

Nesse sentido, a responsabilidade da DD SA perante os seus clientes e ora AA pela restituição das quantias (e respectivos frutos) que estes haviam depositado no seu banco, na data em que foi adoptada a medida da sua resolução, não poderia ser considerada como “discutível, duvidosa ou contestável” e, por isso, contingente ou desconhecida.

Da matéria de facto assente extrai-se, sim, que um determinado indivíduo, na qualidade de funcionário da DD, não entregou totalmente – em medida não apurada – à sua efectiva proprietária os fundos que os AA haviam entregado a esta, para o que falsificou documentação atinente aos mesmos. Tal como se afirma na decisão recorrida, «in casu, a existência de abertura de conta e da efetuação de depósitos encontra evidência formal documental, expressa nos documentos de fls 20 a 48, onde consta claramente identificado o montante de depósitos efetuados e a conta a que respeitam, assim como o banco depositário e a identidade do depositante» ([11]).

Ora, essa matéria é, em abstracto, idónea a estribar a responsabilidade civil – eventualmente conexa com a penal – do aludido funcionário perante a DD SA, pelos actos ilícitos cometidos pelo aludido funcionário ao serviço desta e com os quais, detendo ele fundos cuja propriedade os AA, com a sua entrega, haviam transferido para a respectiva entidade patronal, inverteu o título dessa detenção e consumou a apropriação ilegítima de tais fundos, integrando-os no seu património.

Perante essa matéria, discutível ou contingente será a concreta medida da responsabilidade extracontratual do aludido funcionário perante a sua própria entidade patronal ([12]), gerada numa relação a que são estranhos os AA e a pretensão que nos autos formulam. Não era contingente, antes emerge como não duvidosa nem contestável, a responsabilidade contratual de tal sociedade em que essa pretensão foi assente pela obrigação a que a mesma, perante os AA, se encontrava adstrita nos apontados termos.

Com efeito, a causa de pedir dos AA não é o conjunto dos actos ilícitos e culposos do funcionário da DD SA, mas antes a qualidade de potencial sucessora universal da recorrente na responsabilidade contratual de tal sociedade, transmitida pela medida de resolução bancária a que foi sujeita.

E a essa relação contratual, com a inerente responsabilidade, são alheias ponderações atinentes ao modo como a DD SA tinha estruturado a sua própria actividade empresarial, designadamente quanto à distribuição e organização dos respectivos serviços de apoio ou à circunstância de, a partir de certa data a sua agência em Lausanne ter deixado de ser uma ”succursale” e passar a ser um “bureau de représentation”.

Em suma, perante a demonstrada factualidade e analisando a deliberação inicial do BdP de 3/8/2014 (que conformou a medida de resolução que incidiu sobre aquela instituição de crédito) e suas sucessivas clarificações e rectificações, operadas pelas deliberações de 11/8/2014 e 29/12/2015, dúvidas não restam de que a obrigação aqui accionada não foi considerada, inequivocamente, passivo excluído ou não transferido para a instituição de transição (EE SA), que, nessa medida, deve ser tida por responsável pelas quantias depositadas na conta titulada pelos AA na instituição de crédito originária, como sucessora nos direitos e obrigações desta.

Por conseguinte, improcede o recurso.

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Síntese conclusiva:

1. Não obstante competir ao contencioso administrativo a apreciação da regularidade das deliberações do BdP, à luz das normas ao abrigo das quais se pautou a concreta adopção da medida de resolução por esta pessoa colectiva de direito público, e serem as mesmas vinculativas para os seus destinatários e válidas e eficazes para a jurisdição comum se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro, nada impede os tribunais comuns de procederem à interpretação do alcance da decisão proferida pela entidade supervisora no âmbito dos litígios que oponham particulares entre si.

2. Retirando-se da matéria de facto assente que as quantias que os AA pretendem reaver foram por eles entregues numa agência da DD SA, que, actuando através dos seus funcionários, efectuou a sua recepção, para “depósito a prazo”, radicou na sua esfera jurídica o conjunto de direitos e deveres intrínsecos a cada uma das relações contratuais nascidas com tais recepções, como se tivessem sido praticadas por ela própria (cf. art. 800º do CC).

3. Este Tribunal tem entendido, consensualmente, que o CC de 1966, pondo termo a querelas doutrinárias, classifica o contrato de “depósito” de dinheiro como depósito irregular (art. 1205º), a que é aplicável, atenta a sua semelhança com o contrato de mútuo, as normas relativas a este contrato, na medida do possível (art. 1206º).

4. O contrato de “depósito” bancário é um contrato real (quoad constitutionem), exigindo a sua constituição a entrega de dinheiro, com a inseparável transferência da sua propriedade do depositante para o banco, ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade e aquele, portanto, na titularidade de um direito de crédito sobre o valor equivalente à quantia depositada e aos frutos (juros remuneratórios) que tenham sido estipulados (cf. arts. 1144º, 1142º e 1145º do diploma).

5. Ou seja, ao confiar ao depositário a guarda do dinheiro, o depositante aceita transferir para a esfera de domínio daquele o risco sobre a gestão da quantia que lhe transferiu, alheando-se, a partir de então, do seu uso e fruição, mas também da responsabilidade pelo risco do seu extravio, que passa a recair sobre o depositário até ao momento em que a restituição é exigível e daí que, nesse interregno, a movimentação fraudulenta por terceiro de um depósito bancário não é oponível ao depositante, que a ela foi alheio, independentemente de culpa do depositário nessa movimentação (art. 796º do CC).

6. E se o depositário não pode opor ao depositante o desvio que, nesse interregno, um seu funcionário tenha feito do montante que o segundo lhe entregara, também não pode a sua responsabilidade pela quantia que lhe foi entregue ser reputada de duvidosa ou incerta, i. é, de apenas possível, mas não necessária.

7. Nesse sentido, a responsabilidade (contratual) da instituição de crédito perante os seus clientes e ora AA pela restituição das quantias (e respectivos frutos) que estes haviam depositado não poderia, na data em que a mesma foi sujeita a medida de resolução, ser considerada como discutível, duvidosa ou contestável e, por isso, contingente ou desconhecida, para os efeitos visados nas mencionadas deliberações do BdP, transmitindo-se, pois, tal responsabilidade para a instituição de transição, como sucessora nos direitos e obrigações da instituição originária.

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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30/04/2019

Alexandre Reis

Pedro de Lima Gonçalves

Fátima Gomes

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[1] anexo3_deliberacao_3ago2014_medida_resolucao.pdf
[2] nexo1-deliberacao_11-o8-2014_-_clarificacao_do_perimetro.pdf
[3] www.DD.pt/Deliberacoes_BdP/20151229%20Deliberacao%20Contingencias.pdf.
[4] Cf. Mafalda Miranda Barbosa, “Os Limites da Medida de Resolução”, estudo já referido, in Boletim de Ciências Económicas, da FDUC, (2016), p. 11, nota 6. A Autora, citando Manuel Magalhães, “A evolução do direito prudencial bancário no pós-crise: Basileia III e CRD IV”, in O novo direito bancário, 285 s, também anota que, na verdade, «“entre os objetivos de Basileia III avulta o de evitar que os bancos voltem a ser resgatados por capitais públicos” e acrescenta: «Em termos económicos, o efeito perverso será a diminuição do crédito e o abrandamento económico. Em termos jurídicos, a consequência será o do alargamento dos poderes de supervisão e a tentativa de criar mecanismos que permitam à entidade supervisora intervir no seio da instituição financeira antes de haver uma situação de insolvência que a todos traria graves problemas. É neste contexto que instrumentos como a medida de resolução são pensados.»
[5] Cf., p. ex., acórdãos de 30-03-2017 (p. 725/14.3TBLSD-A.P1.S1) e de 16-10-2018 (p. 52/14.6TVLSB.L1.S1).
[6] Carlos Ferreira de Almeida, em “E-BOOK” do CEJ de Fevereiro 2015, pp 28 e s, informa que se distribuem «as opiniões no direito português por várias orientações, umas monistas (depósito irregular – opinião dominante na jurisprudência –, mútuo, contrato sui generis), outras dualistas (depósito irregular, para os depósitos à ordem e com pré-aviso; mútuo, para os contrato de depósito a prazo)».
Disso mesmo já o Acórdão deste Tribunal de 26-10-2004 (p. 04A3101) dava conta, referindo: Paula Ponces Camanho dedica todo o II capítulo do seu “Do Contrato de Depósito Bancário” a esta questão. Carlos Lacerda Barata e Fernando Conceição Nunes estudam, além do mais, a matéria em “Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles”, II volume, Direito Bancário, pág. 25 e ss e 75 e ss, respectivamente. O Professor Calvão da Silva (Direito Bancário, 348/349) conclui, muito pragmaticamente, pelo regime misto do depósito bancário, mas tende a considerá-lo depósito irregular. Vasco da Gama Lobo Xavier e Maria Ângela Coelho Bento Soares (Parecer junto na acção ordinária que sob o nº 7232/84 correu termos na 1ª secção do 6º juízo cível do Porto e foi julgada por Ac. do STJ, no Boletim 365-621, notam a pouca utilidade prática da discussão.). Esclarecia esse aresto: «Sabendo-se que os autores oscilavam entre a integração do depósito pecuniário no modelo clássico do contrato de depósito e a sua franca ou declarada integração na área vizinha do mútuo, o novo Código Civil enquadrou o depósito de coisas fungíveis (especialmente o dinheiro) no capítulo geral do depósito, dando-lhe o nome clássico de depósito irregular (1205.º). E não contente com essa qualificação, o novo Código procurou definir, em termos sintéticos, mas com grande precisão, as linhas mestras do regime do depósito de dinheiro, prescrevendo que se considerem “aplicáveis ao depósito irregular, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo” (art.º 1206.º).»
[7] Cf., para além do citado na nota anterior, entre muitos outros, os acórdãos de 14-07-2016 (p. 8507/12.0TBVNG.P1.S1), 11-07-2013 (p. 9966/02.5TVLSB.L1.S1), 8-05-2012 (p. 96/1999.G1.S1), 10-01-2012 (p. 467/2002.L1.S1), 10-11-2011 (p. 1182/09.1TVLSB.S1.L1), 09-06-2009 (p. 662/09), 7-05-2009 (p. 195/2000.C2.S1), 12-02-2009 (p. 3714/08), 18-11-2008 (p. 3583/08), 13-03-2008 (p.340/08), 10-01-2008 (p. 4225/07), 18-12-2007 (p. 3430/07), 22-03-2007 (p. 4786/06) e de 10-01-2006 (p. 3762/05).
[8] Sumário do citado acórdão de 10-01-2012.
[9] In “Depósito Bancário, Revista da Banca”, n.º 21, Janeiro/Março, 1992, p. 47, citado no referenciado acórdão de 14-07-2016.
[10] Sumário do acórdão deste Tribunal de 8-03-2012 (p. 500/08.4TDDP.G1.S1) e, no mesmo sentido, os de 10-11-2011, de 12-02-2009, já referidos, e o de 22-03-2007 (p. 4786/06), com a seguinte síntese: «Seja qual for a natureza do depósito bancário, porque existe transferência da propriedade da coisa concretamente recebida, sempre o risco pelo destino da coisa depositada há-de correr por conta do depositário - art. 796.º, n.º 1, do CC -, salvo se for devido a causa imputável ao depositante. Desde que não se verifique actuação quer do depositante quer do depositário propiciadora do surgimento de irregularidades, a responsabilidade pela integridade do depósito impende sobre o depositário. O risco assumido pelo banco depositário só não subsistirá quando houver culpa relevante do depositante, que se sobreponha ou anule a responsabilidade daquele.»
[11] Ao reponderarem a decisão sobre a matéria de facto, os Srs. Desembargadores asseveraram que «as entregas assinaladas tiveram lugar junto de funcionários do “Banco DD”, com documentação com o timbre daquele e remessa posterior do mesmo jeito», «sem prejuízo de poderem não ter entrado, pelo menos na sua totalidade no sistema, porque FF as fez suas ou procedeu a uma contabilidade paralela, chegando a proceder a remuneração com juros, forjando documentação para os clientes alvo» e que a inspectora bancária que procedera à averiguação dos factos esclareceu que os AA já teriam sido reembolsados de alguns valores e juros e confirmou que a reconstituição operada dá o valor por eles reclamado.
[12] Contra o argumentado no recurso, tendo sobrevindo o alegado decesso do funcionário, essa responsabilidade caberia à sua herança, ou, se aceite esta, aos respectivos herdeiros (o falecimento apenas teria extinguido a eventual responsabilidade penal do mesmo).