Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2066/15.0T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: NULIDADE DO ACÓRDÃO
TEMPO DE TRABALHO
TEMPO DE DISPONIBILIDADE
DIREITO AO DESCANSO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA PRINCIPAL. NÃO CONHECIDA A REVISTA SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª edição, p. 111;
- João Leal Amado, Coordenação: Manuel M. Roxo; Editora Almedina, ano 2017, Trabalho sem fronteiras? – O papel da regulação, p. 113 e ss.;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 247;
-Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, p. 69.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 663.º, N.º 2 E 679.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, N.º 1, ALÍNEA D).
Legislação Comunitária:
CARTA COMUNITÁRIA DOS DIREITOS SOCIAIS E FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES DE 09-12-1989: - ARTIGOS 7.º E 8.º.
Referências Internacionais:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, DE 10-12-1948: - ARTIGO 24.º.
PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS ECONÓMICOS SOCIAIS E CULTURAIS: - ARTIGO 7.º, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-04-1989, IN BMJ, 386º, P. 446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º, P. 382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P. 156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II, P. 143;
- DE 08-03-2004, PROCESSO N.º 04S3164I;
- DE 02-11-2004, PROCESSO N.º 340/04;
- DE 19-11-2008, PROCESSO N.º 08S0930.
Sumário :

I – O tribunal ao condenar a empregadora a indemnizar o trabalhador por danos não patrimoniais com fundamento na violação do direito ao descanso e do direito à privacidade, quando apenas fora pedida a indemnização por violação do direito ao descanso, incorre na nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, na medida em condena em objeto diverso do pedido.

II - A obrigatoriedade de permanência nas instalações da empregadora nos períodos em que o trabalhador não está a desempenhar a atividade, mas à disposição daquela, é o fator determinante para se considerarem aqueles períodos como tempo de trabalho.

III – Não estando o trabalhador, condutor de reboques, obrigado a permanecer nas instalações da empregadora, mas apenas contactável 24 horas por dia e disponível para efetuar os serviços de reboque sempre que fosse necessário, apenas os períodos em que efetivamente realizou estes serviços devem ser considerados tempo de trabalho.

IV - Não sendo os períodos de disponibilidade tempo de trabalho, e não se tendo provado os períodos de trabalho efetivamente prestados, nem que o trabalhador tenha sofrido quaisquer danos em consequência da disponibilidade permanente, não está a empregadora obrigada a indemnizá-lo por danos não patrimoniais com fundamento na violação do direito ao descanso.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi promovido por BB, LDA.

Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, apresentou a R. o articulado a motivar o despedimento, alegando, em resumo, que o A. foi despedido com justa causa, por violação do disposto no artigo 128.º, nº 1 alíneas a), c) e e), e nº 2, do Código do Trabalho.

O A. apresentou contestação/reconvenção, impugnando, parcialmente, a factualidade alegada pela R., e concluiu pedindo: “deve ser julgado injustificado ou ilícito e sem justa causa o despedimento promovido pela entidade patronal e julgada procedente a reconvenção condenando-‑se a entidade patronal BB, Ldª a pagar ao trabalhador AA todos os salários que este deixar de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como a indemnização pela cessão do contrato de trabalho no montante de 45 dias por cada ano completo e proporcional no caso de fracção de ano de trabalho, neste momento no montante de 2383,33 €; bem como o montante de 989,92 € a título de crédito por férias não gozadas; bem como o montante de 73000,00 € a título de créditos salariais pelo trabalho suplementar prestado nos dias descanso obrigatório, complementar e feriados, compensação pela falta de descanso compensatório, trabalho suplementar prestado além das 8 horas por dia em dia normal de trabalho, ou em alternativa caso se entenda não ser de qualificar como trabalho suplementar a disponibilidade nos termos supra alegados, o mesmo valor, ou outro que se entender conveniente a fixar segundo o prudente arbítrio do tribunal a título de indemnização pela violação do direito ao descanso, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

A R. respondeu pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, decido julgar a presente acção/reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

I) Julgo regular e lícito o despedimento do Trabalhador AA promovido pela Empregadora BB, Lda.

II) Condeno a Empregadora a pagar ao Trabalhador:

a) A quantia de €275 (duzentos e setenta e cinco euros) a título de retribuição por férias não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde o dia de citação da Empregadora até efectivo e integral pagamento.

b) A quantia de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros) a título de indemnização pela violação do direito ao descanso do Trabalhador no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 e 28 de Fevereiro de 2013, acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde o dia de citação da Empregadora até efectivo e integral pagamento.

III) Absolvo a Empregadora dos demais pedidos contra ela formulados.

Absolvo o Trabalhador do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Custas em dívida a juízo por Trabalhador e Empregadora na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Trabalhador.

Valor da acção: €76.373,15».

Inconformado, o A. apelou, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Atento o exposto, acordam os Juízes, que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, julgar:

1. - A apelação parcialmente procedente, no que reporta à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, alterando a mesma, quanto à redacção dos pontos 18) e 19) dos factos provados, nos termos supra descritos.

2. - A apelação parcialmente procedente, no que reporta ao valor da indemnização por danos não patrimoniais, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, nessa parte, a qual é substituída pelo presente acórdão que condena a ré:

- A pagar ao autor a indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 30 000,00 acrescido dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. 

3. – No mais, mantem-se a sentença recorrida.

As custas do recurso de apelação são a cargo do autor e da ré, na proporção de 85% e 15%, respectivamente».

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e arguindo a nulidade do mesmo, prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC.

O recorrido contra-alegou e recorreu subordinadamente requerendo a fixação da indemnização em € 40.000,00.

Recebidos os recursos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3, do CPT, o Exmº Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da concessão da revista, tendo considerado que não fora pedida indemnização por danos não patrimoniais, julgando-se, em consequência, “procedente a arguida nulidade do acórdão, repristinando-se a sentença proferida…”.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

I. O douto acórdão recorrido condenou a Ré no pagamento ao autor da quantia de 30.000,00 € por considerar que, no período entre 1 Março de 2013 e 31 Agosto 2014, ter violado o direito ao descanso diário de 11 horas seguidas e por ter violado o direito à privacidade do autor.

II. O douto acórdão recorrido padece da nulidade prevista nas alíneas d) do nº 1 do artigo 668 do CPC que dispõe que é nula a sentença que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

III. As conclusões delimitam o objeto do recurso e balizam o âmbito do conhecimento do tribunal.

IV. O Autor não formula qualquer pedido de indemnização a título de dano por violação à sua privacidade, tendo restringido tal pedido apenas com base numa alegada violação do direito ao descanso.

V. E das conclusões formuladas pelo autor não se extrai que o Autor pretendesse ser indemnizado por eventual violação do seu direito à privacidade, nem poderia fazê-lo, uma vez que, tal questão nunca fez parte do objeto do presente processo.

VI. Assim sendo, deve ser julgada procedente a nulidade aqui invocada e, consequentemente, ser a ré absolvida por ter violado o direito à privacidade e, consequentemente, deve o montante ser reduzido para metade.

VII. A situação dos autos integra o conceito jurídico de disponibilidade permanente.

VIII. Veja-se acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2007 referente ao processo 482/05.4TTVIS.C1, cujo sumário se encontra transcrito na douta sentença da 1ª instância, bem como do douto parecer do MP junto do tribunal da Relação.

IX. Embora o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal, na medida em que deve poder ser sempre localizado, ele pode gerir o seu tempo com menos constrangimentos comparativamente à situação de ter que estar sempre presente no local de trabalho, podendo dedicar-se a outros atos do seu interesse particular, daí que, embora esteja acessível a qualquer momento, apenas o tempo de trabalho relacionado com a sua prestação efetiva de trabalho deve ser considerado como tempo de trabalho.

X. No caso concreto, o trabalhador tinha momentos de trabalho efetivo e momentos de autodisponibilidade em que não desenvolvia qualquer tarefa próprias das suas funções de transporte e reboque de viaturas.

XI. O conceito de disponibilidade permanente não significa, porém, que o trabalhador tivesse que prestar trabalho efetivo além das 8 H diárias e das 40 H semanais.

XII. Não se tendo feito prova desse número de horas de trabalho efetivo e não se tendo provado que aquela disponibilidade permanente correspondia a trabalho efetivo, a douta sentença da 1ª instância, posteriormente confirmada, nesta parte, pelo douto acórdão aqui recorrido, absolveu a ré do pedido quanto ao trabalho suplementar.

XIII. A jurisprudência deste Tribunal tem-se pronunciado sobre esta problemática:

"Conforme refere Albino Mendes Batista, num estudo sobre esta problemática (Tempo de trabalho efetivo, tempos de pausa e tempo de terceiro tipo, "Revista de Direito e Estudos Sociais", Ano XLIII, Janeiro-Maço de 2002, pás. 29 e segts.) o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 3 de Outubro de 2000 (Acórdão SIMAP - Proc. 303/98, Col. 1-7963), que se debruçou sobre esta matéria, distingue duas situações: a) tempo de presença física na empresa,- e b) tempo de localização. Na primeira, uma vez que o trabalhador (no caso tratava-se de analisar a situação de médicos das equipas de urgência) tem que estar presente e disponível no local de trabalho, com vista à prestação dos serviços, atividade insere-se no exercício das suas funções, pelo que é de qualificar de tempo de trabalho.

Na segunda, embora o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal, na medida em que deve poder ser sempre localizado, ele pode gerir o seu tempo com menos constrangimentos que na situação anterior e pode dedicar-se a atos do seu próprio interesse, daí que, se bem que o trabalhador deva estar acessível permanentemente, apenas o tempo relacionado com a sua prestação efetiva de trabalho deve ser considerado "tempo de trabalho". (...)

(...) se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; mas já se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, por exemplo em casa, em que pode ainda que de uma forma limitada gerir os seus próprios interesses e desenvolver, até, atividades à margem da relação laboral que mantém com a entidade empregadora, apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, como regra esse período de tempo não pode considerar-se tempo de trabalho."

(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 04S3164 de 23-02-2005, que acolhe o entendimento proferido no Acórdão, também do STJ de 2 de Novembro de 2004 (Revista 340/04),

(...)

III- A disponibilidade relevante, para efeitos da sua qualificação como tempo de trabalho, pressupõe que o trabalhador permaneça no seu local de trabalho.

IV- Assim, se o trabalhador permanece no seu local de trabalho e se encontra disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece disponível ou acessível para trabalhar, mas fora do seu local de trabalho ou do local controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), esse período de tempo deve considerar-se como tempo de repouso."

(Ac. do STJ, Processo 08S0930 de 19-11-2008, in www.dgsi.pt)

XIV. Foi isso que foi dado como provado em 47 dos Factos provados: "no período compreendido entre 25 Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com exceção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o trabalhador, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via publica, não tinha que estar presente nas instalações da empregadora, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto e disponibilidade por parte da empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite."- sublinhado e bold nosso.

 XV. Sem embargo daquela disponibilidade permanente, mas precisamente para compensar o trabalhador de alguma penosidade que a disponibilidade permanente possa causar, a ré estabeleceu uma componente remuneratória, tendo celebrado com o autor um regime de isenção de horário de trabalho pagando-lhe um acréscimo remuneratório que entre 1 Março 2013 e 31 agosto 2013 se fixou em 100 € x 14, que entre 1 setembro 2013 e 31 Agosto de 2014 se fixou em 137,50 € x 14.

XVI. O acordo de isenção de horário de trabalho celebrado entre autor e ré válido, em virtude de a atividade desenvolvida pelo autor ao serviço da ré, se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 218, nº 1, nomeadamente na alínea c) do CT, atenta a matéria dada como provada no ponto 47 da sentença da primeira instância.

XVII. Mas mesmo que se considere que tal acordo quanto à isenção de horário e trabalho é nulo, não é certo que, mesmo assim, a ré tenha violado qualquer direito de personalidade do autor, maxime, direito ao descanso previsto no artigo 214, nº 1 do CT (reportado ao descanso diário de 11 horas seguidas) e ao direito à privacidade.

XVIII. Relativamente à retribuição devida pela isenção do horário de trabalho, conforme no ensina o douto acórdão Uniformizador do STJ, Processo 407/08.5TTMTS.P1.S1 de 23-05-2012,

"Em termos retributivos, o trabalhador isento de horário de trabalho tem direito a uma retribuição especial, que visa, compensá-lo pela incomodidade resultante de uma maior disponibilidade por o trabalho ser prestado sem sujeição a um horário de trabalho, e destina-se também a compensar uma penosidade resultante de uma menor auto-disponbilidade, pois o trabalhador em questão, ao contrário do que sucede com os trabalhadores com horário de trabalho, não beneficia da regra da previsibilidade da duração e distribuição do tempo de trabalho, nem dos limites máximos dos períodos normais de atividade."

(...)

Por isso, e consoante a maior ou menor penosidade e incomodidade que a situação de isenção traz ao trabalhador, para a isenção total mantém o artigo 256º nº 2, uma retribuição especial que não pode ser inferior à que corresponde a uma hora de trabalho suplementar por dia, salvo se a contratação coletiva previr outra.

 Compreende-se perfeitamente esta diferenciação, dada a maior penosidade que advém para o trabalhador sujeito a isenção total de horário de trabalho, que fica à margem do sistema de pré-‑determinação das horas de entrada, de saída e dos intervalos de descanso, e por isso, fora do âmbito das normas que consagram os limites da duração diária e semanal do trabalho, embora lhe fique salvaguardado o direito ao repouso diário e semanal."

XIX. A Ré não deixou de pagar ao Autor uma componente remuneratória mensal especial com vista a compensar essa eventual penosidade relativamente à sua disponibilidade permanente.

XX.   A violação do direito ao descanso, designadamente o previsto no artigo 214, nº 1 do CT, apenas se verificará se resultar provado que o trabalhador não descansou, pelo menos 11 horas seguidas, em função também do número de horas efetivamente prestadas.

XXI. Não se pode confundir o tempo de disponibilidade com violação ao tempo de descanso, cabendo aqui particularmente o raciocínio seguido quanto à questão tempo de disponibilidade/tempo de trabalho efetivo/trabalho suplementar.

XXII.                Para se concluir por uma hipotética violação do direito ao descanso, designadamente pela violação ao descanso diário de 11 horas seguidas, com base na qual o douto Acórdão aliás fundamenta a condenação, seria necessário que se verificasse, EM CONCRETO, uma efetiva supressão daquele direito alegadamente violado.

XXIII. Não resulta minimamente provado quantas horas diárias de trabalho efetivo foi prestado pelo autor para que, através da quais, se pudesse concluir que o trabalhador não descansou, pelo menos, durante 11 horas consecutivas.

XXIV. De acordo com a regra de repartição do ónus de prova, previsto no artigo 342 do CC, impendia sobre o autor quantificar o número de horas de trabalho efetivo prestado em cada um dos dias da semana, facto que o autor nem sequer Alegou, e muito menos resulta provado qualquer facto, mesmo que indiciário.

 XXV. Nessa medida, entendemos, salvo melhor opinião, que a conclusão a que chegou o tribunal recorrido, conclusão essa estribada no facto inexistente que o autor não gozou 11 horas seguidas de descanso diário, extravasa o objeto do processo, porque alicerçada em meras conclusões de raciocínio.

XXVI. O autor não alega qualquer violação do direito ao descanso em função das horas de trabalho efetivamente prestado, mas sim a violação do direito ao descanso em função daquela disponibilidade permanente (que não se confunde com trabalho efetivamente prestado).

XXVII. Não se verifica qualquer violação do direito ao descanso.

XXVIII. O autor não só não alega factos que sustentem uma violação do direito à sua privacidade, nem sequer efetua qualquer pedido de condenação, quer na reconvenção por si deduzida, quer nas conclusões insertas no seu recurso de apelação.

XXIX. Sem prejuízo, sempre dirá ainda que não existem factos concretos através dos quais se possa concluir por uma violação ao direito à reserva privada.

XXX.                Era necessário que resultasse minimamente provado, EM CONCRETO, factos através dos quais se concHHse que os responsáveis da ré tiveram não só o propósito, como também efetivamente se intrometeram ou violaram a reserva da vida privada do autor.

XXXI. Também de acordo com a regra de repartição do ónus de prova, previsto no artigo 342 do CC, impendia sobre o autor quantificar o número de horas de trabalho efetivo prestado em cada um dos dias da semana, facto que o autor nem sequer Alegou, e muito menos resulta provado qualquer facto, mesmo que indiciário.

XXXII. Não é verdadeiro que a ré através dos dispositivos elencados pudesse controlar os locais que o autor frequentava ou os trajetos por si efetuados durante o dia ou noite.

 XXXIII. Na verdade, o sistema de localização GPS e PDA está apenas inserto no veículo.

 XXXIV. O Autor não estava, obrigatória e permanentemente, "sentado" dentro do veículo à espera que caísse um serviço.

XXXV. O Autor podia estar dentro de casa, fora de casa, a cortar a relva, no café, ir levar os filhos à escola, o filho ao futebol, podia até ter qualquer outro tipo de atividade profissional que lhe permitisse ter flexibilidade na execução da sua atividade secundária.

XXXVI. O Autor não estava impedido de se deslocar para onde quisesse nem estava obrigado a utilizar o veículo da empresa, apenas tinha que estar contactável via telemóvel.

XXXVII. O sistema de "localização" do GPS servia unicamente para registo dos serviços efetuados, para contabilização dos quilómetros, do tempo para efeito de faturação junto das companhias de seguro e bem assim para aferir no momento da entrega do serviço, qual a viatura que se encontrava mais perto do local do sinistro.

XXXVIII. A Ré através do uso do telemóvel não acedia a qualquer informação acerca da localização do autor.

XXXIX. O telemóvel não pode ser considerado como meio de controlo à distância.

XL. O direito à privacidade não reveste de um carácter absoluto.

XLI. O GPS é um dos meios tecnológicos que permitem conhecer a localização geográfica de um objeto, neste caso da viatura de reboque, onde o mesmo estava aplicado e era o único meio de controle de localização por parte da entidade patronal e que se cingia única e exclusivamente à viatura de reboque, aliás de que era proprietário.

XLII. A instalação de GPS nas viaturas de reboque permite à Ré uma melhor eficiência e qualidade no serviço prestado e a otimização dos seus recursos, dos seus reboques, na medida em que permite, mediante a ocorrência de um sinistro saber qual o reboque que está disponível (sem estar a efetuar outro serviço) e qual o que se encontra mais perto do local do sinistro, de forma a que com isso, obter um trabalho mais rápido e mais eficiente para os seus clientes.

 XLIII. Não procura saber qual o paradeiro do seu trabalhador (que pode estar no café, enquanto o reboque está parado em casa ou na rua) nem procura sequer monitorizar o seu desempenho profissional, apenas servindo para contabilizar a distância percorrida e o tempo de execução do serviço entre o local de carga e o local de descarga da viatura acidentada.

XLIV. Não houve violação da reserva da vida privada, de que forma houve sequer algum desvio à finalidade determinada para a utilização desses sistemas de geolocalização da viatura (e não do trabalhador), e não vemos não só mas também porque nenhuma circunstância foi alegada.

XLV. Mesmo que se entendesse tratar-se de uma situação de vigilância pela entidade patronal, o Código de Trabalho admite, no artigo 20º, nº 2 a utilização de equipamento tecnológico para vigilância à distância para a finalidade de "proteção e segurança de pessoas e bens" ou "quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem", situação que naturalmente terá que respeitar os requisitos quanto às finalidades dos tratamentos e quanto à idoneidade dos meios para alcançar os fins pretendidos, a que alude nomeadamente o artigo 7º, nº 2 da Lei de Proteção de Dados.

XLVI. Nesse sentido conclui a Comissão Nacional de Proteção de Dados, na sua Deliberação nº 7680/2014, aplicável aos tratamentos de dados pessoais decorrentes da utilização de tecnologias de geolocalização no contexto laboral, quando vem dizer o seguinte: "60. Quanto à finalidade de gestão de frotas, entendida aqui no âmbito mais reduzido e específico de gestão da frota em serviço externo em que a localização dos vários veículos é relevante para a distribuição do serviço, para a informação dos tempos de espera ou para a melhoria da capacidade de resposta, a CNPD entende que há certas atividades em que se pode justificar a utilização de dispositivos de geolocalização para este fim.

61.   Efetivamente, ter um retrato permanente em tempo real da localização dos veículos usados para a prestação de serviços ao cliente mostra-se necessário e uma mais-valia significativa à tomada de decisões na hora, melhorando a capacidade de resposta na prestação do serviço e otimizando os recursos.

62.   Conforme o disposto no nº 2 do artigo 21º do CT, quando existirem particulares exigências relacionadas com a natureza da atividade, os meios de vigilância à distância podem ser justificados, nessa medida, por aplicação do princípio da necessidade e da proporcionalidade, entende a CNPD que podem ser utilizados dispositivos de Geolocalização para gestão da frota em serviço externo nas seguintes atividades: assistência técnica externa ou ao domicílio, distribuição de bens, transporte de passageiros, transporte de mercadorias, segurança privada.

XLVII. Ainda, razões contendentes com a proteção dos bens transportados também justificam a utilização desses meios de geolocalização, pois são efetuados transportes de reboques de viaturas de valor a maior parte das vezes, considerável.

XLVIII. Parece-nos ser evidente a aplicação ao caso concreto: a utilização do GPS serve apenas para uma melhor gestão, organização da frota de reboques e otimização de serviços, de forma a saber qual o reboque que está mais perto do local do sinistro, por questões de economia de custos, de gastos mas sobretudo de tempo, muito importante para a satisfação dos seus clientes.

XLIX. A obrigação de indemnização por parte da ré empregadora dependeria sempre da alegação e prova por parte do autor da existência de danos decorrentes daquelas alegadas violações (ao direito ao descanso e à intimidade), e a prova do necessário nexo causal entre o facto ilícito e o dano - Que não existe!

L. O douto acórdão recorrido fundamenta a fixação do montante indemnizatório pelo facto de a disponibilidade permanente conflituar com a organização da vida pessoal do autor (o conflito com atividades lúdicas, de convívio com amigos, celebração de eventos) ou familiar (ao nível do acompanhamento do[s] filhos, programação de passeios, de visitas e celebração de aniversários), mais sustentando os danos causados à saúde por interrupção ou falta de dormir o tempo necessário, acrescentando quanto ao risco que a falta de descanso pode comportar quanto à atividade de condução.

LI. Não resulta alegado pelo autor, e muito menos provado, que aquela disponibilidade permanente tivesse impedido o autor de conviver com os familiares e amigos, que tivesse impedido quaisquer eventos ou que tivesse impedido o autor de descansar e tivesse afetado a sua saúde.

 LII. Admitindo-se que improcede o acima alegado, sempre se dirá que o montante fixado pelo douto Acórdão é manifestamente exagerado.

LIII. O montante fixado ascende, em termos médios, em montante superior a 700 €/mês.

LIV. Valor manifestamente exagerado, tendo em conta ainda o facto de o autor, durante aquele período, ter sido remunerado, a título de isenção de horário de trabalho em montante a rondar os 3.500 € (entre março 2013 e agosto de 2013 o valor foi de 100 € x 14 e entre Setembro 2013 a agosto de 2014 o montante foi de 137,50 € x 14.

LV. Assim sendo, o valor indemnizatório a título de danos morais, improcedendo-se hipoteticamente o acima exposto, mas que não se concebe, deverá fixar-se, em termos de equidade, em montante nunca superior a 5.000 €.

LVI. Ao decidir como decidiu, violou o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 70, nº 1, 342, nº 1 e artigo 496 do CC artigo 668, nº 1 alínea d) do CPC; e os artigos 203, artigo 214 e artigo 218 do CT.”

O recorrido formulou as seguintes conclusões:

I- O sentido de direito ao descanso, dado na petição é um sentido amplo, abrangendo todo um direito de estar livre de preocupações, de privar com a família e com amigos enfim, de ter uma vida privada, normal organizada e descansada como qualquer trabalhador normal.

II- O tribunal da relação não atribuiu sentido diferente do atribuído pelo autor não conheceu questão que o autor não tenha colocado, apenas ajuizou, naturalmente com mais perfeição que o seu mandatário dos danos que causa à saúde a interrupção ou falta de dormir o tempo necessário num período de 3 anos e cinco meses e a falta de privacidade, com base na matéria alegada pelo autor em suporte do pedido subsidiário,

III- não é esse o caso, mas de todo o modo em processo de trabalho não há proibição de condenação extra vel ultra petitum, conforme resulta do artigo 74º do Código do Processo Trabalho, pelo que com o devido respeito não tem sentido a arguição de nulidade invocada pela recorrente.

IV- A matéria provada nos factos 43º a 47º da sentença de primeira instância que abaixo se transcrevem e ainda melhor ilustrada nos documentos de folhas 547º a 578º do III volume demonstram bem o regime de escravidão a que o trabalhador esteve sujeito no período entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014.

V- Os danos não patrimoniais sintetizados na conclusão IV do acórdão recorrido estão bem demonstrados entre outros pelos factos referidos na conclusão anterior, não fazendo qualquer sentido os requisitos de propósitos e de maior concretização pretendi[d]a pelo recorrente.

VI- Atento ao valor da exigência que não libertava o dia de descanso complementar nem liberta sequer um pequeno período de 6 horas para vida familiar ou para um sono descansado, durante aqueles três anos e meio justificar-se-á no mínimo uma indemnização de 40.000,00 € em lugar dos 30.000,00 € fixados na primeira instância.

VII- Deve ser negado provimento ao recurso principal e dado provimento ao recurso subordinado, substituindo-se o acórdão recorrido por outro que condene a ré no pagamento da importância de 40.000,00 € acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

VIII- Valor do recurso 37200,00 € (vinte e sete mil e duzentos euros do recurso principal e dez mil euros do recurso subordinado)”.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, cuja data de instauração é 24 de julho de 2015.

O acórdão recorrido foi proferido em 24 de janeiro de 2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão atual;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), também na versão atual.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO:

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC;

2 – Se o A. deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos pela violação pela R. do seu direito à privacidade;

3 - Se o A. deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos pela violação pela R. do seu direito ao descanso;

4 – Se o montante da indemnização pela violação dos direitos referidos nos itens anteriores deve ser fixado em € 40.000,00 (recurso subordinado).

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

1) A Empregadora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, com intuito lucrativo, à assistência a veículos na estrada, vulgarmente designada de serviços de reboque, tendo como objecto social a assistência a veículos na estrada, transporte de mercadorias por conta de outrem, manutenção e reparação de veículos automóveis e comércio de automóveis.

2) O Trabalhador exercia desde 25 de Abril de 2011, sob autoridade e fiscalização da Empregadora, a função de motorista, assim categorizado, consistindo as suas funções na condução de reboques e assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública.

3) Cumpriu como horário de trabalho, a partir de 16 de Setembro de 2014, 8 horas diárias, de Segunda a Sexta-feira, entre as 8h30m e as 12.00 horas da parte da manhã e das 13h às 17.30 horas da parte da tarde.

4) Por decisão proferida em 4 de Maio de 2015 pela Empregadora foi ordenada a instauração de um processo disciplinar ao Trabalhador.

5) Foi elaborada a nota de culpa, cuja cópia consta de fls.60 a 63, onde constavam os factos que lhe eram imputados, notificada ao Trabalhador, e onde lhe foi comunicada a intenção de aplicação de uma sanção disciplinar.

6) A remessa da nota de culpa foi efectuada através de carta registada com aviso de recepção, datada de 5 de Maio de 2015.

7) Após, foi remetido ao Trabalhador, em 15 de Maio de 2015, por carta registada com aviso de recepção, aditamento à nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 67 a 70, onde foi comunicada a intenção de despedimento.

8) O Trabalhador respondeu à matéria vertida na nota de culpa e no seu aditamento, por carta registada datada de 27 de Maio de 2015, cuja cópia consta de fls. 73 a 75, não tendo requerido qualquer diligência de prova.

9) Em 4 de Junho de 2015, por carta registada com aviso de recepção, foi remetido ao Trabalhador novo aditamento à nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 77 a 79.

10) Tendo desta vez o Trabalhador sido suspenso preventivamente das suas funções, sem perda de retribuição.

11) Por carta registada datada de 24 de Junho de 2015, cuja cópia consta de fls. 99 e 100, o Trabalhador respondeu ao aditamento de 4 de Junho de 2015 à nota de culpa, não tendo requerido qualquer diligência de prova.

12) No âmbito do procedimento disciplinar foram ouvidas as declarações das testemunhas indicadas pela Empregadora.

13) No relatório final e respectivas conclusões elaborado pelo instrutor nomeado, cuja cópia consta de fls. 101 a 120, este propôs a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.

14) A Empregadora aceitou a proposta apresentada pelo instrutor do processo disciplinar e por decisão de 10 de Julho de 2015 decidiu aplicar ao Trabalhador a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, comunicando tal decisão ao Trabalhador por carta registada com aviso de recepção recepcionada pelo Trabalhador em 13 de Julho de 2015.

15) No dia 26/03/2015, pelas 08h40, foi solicitado à Empregadora um serviço de grua a realizar com a sua viatura Volvo -LS-, a efectuar na ..., serviço esse que foi atribuído pela Empregadora ao Trabalhador, através de instrução dada pela funcionária CC.

16) O Trabalhador referiu à funcionária CC que só fazia o serviço se ela arranjasse alguém que lhe viesse explicar como funcionava aquela grua.

17) A Empregadora enviou outro funcionário para efectuar aquele serviço de grua.

18) Em data indeterminada, na parte da manhã, encontrando-se o gerente da Empregadora, DD, junto dos mecânicos a tratar de assuntos relativos a reparações dos seus reboques, o Trabalhador aproximou-se e discutiram ambos num tom exaltado, sobre problemas mecânicos de um determinado veículo, que não foi possível identificar (alterado pela Relação).

19) O que consta do teor do ponto 18) (alterado pela Relação).

20) O referido em 18) e 19) ocorreu na presença do funcionário da Empregadora EE, bem como de FF, GG e HH, sendo o FF sócio gerente e o GG e o HH funcionários de uma sociedade que explora uma oficina de reparação de automóveis que partilha instalações com a aqui Empregadora.

21) No dia 11 de Maio de 2015, pelas 14.00 horas, o Trabalhador deslocou-se ao escritório da Empregadora, onde se encontrava a funcionária CC e o funcionário II (que é também filho dos sócios da Empregadora) e entregou o seu livrete individual de controlo, como é prática fazê-lo sempre que o mesmo se encontre totalmente preenchido.

22) Na mesma altura pediu ao funcionário II que lhe entregasse cópias dos penúltimo e antepenúltimo livrete individual de controlo, tendo aquele informado que viesse mais tarde porque só a sua mãe (D. JJ) é que lhos poderia entregar.

23) Cerca das 15h10, o Trabalhador voltou ao escritório da Empregadora, e solicitou à D. JJ (sócia da Empregadora e esposa do gerente desta) cópias do penúltimo e antepenúltimo livrete individual de controlo, encontrando-se ali também a funcionária CC.

24) A esta solicitação respondeu-lhe a D. JJ que para lhe dar as cópias teria que consultar o seu advogado.

25) O Trabalhador, em tom mais elevado de voz, disse à D. JJ que ela tinha de lhe passar uma declaração a declarar que não lhe tinha dado as cópias que ele tinha pedido, ao que a D. JJ respondeu que não passava sem falar com o advogado, porque estava a correr contra o Trabalhador um processo disciplinar, e que logo que conseguisse falar com o mesmo agiria em conformidade e que se o advogado desse indicações para entregar ao Trabalhador as cópias por ele pedidas que ela o faria.

26) Perante esta resposta, o Trabalhador, aos berros, disse que ela tinha de lhe passar a declaração.

27) A D. JJ disse ao Trabalhador para que falasse mais baixo e deixasse de importunar a CC, que tinha medo de ficar sozinha no escritório por causa do Trabalhador, até porque a CC recentemente é que tinha entrado ao serviço da Empregadora, e que quando quisesse tratar de algum assunto se deveria dirigir directamente a ela (D. JJ) ou ao seu marido (Sr. DD), os donos da empresa.

28) O Trabalhador, enquanto saía do escritório, virou-se para a sua patroa, a D. JJ, e para a funcionária CC e disse-lhes que eram mentirosas e que iam pagar caro por isso.

29) No dia 13 de Maio de 2015, o filho dos donos da Empregadora, II, também funcionário da Empregadora, encontrava-se na oficina existente nas instalações da Empregadora, onde também se encontravam FF, HH e GG.

30) O Trabalhador aproximou-se então do II e perguntou-lhe, referindo-se à casa de banho dos clientes, se achava que aquela casa de banho estava em condições para ser utilizada, pois até tinha o tampo da sanita partido, situação de que eram testemunhas todos os mecânicos que lá estavam.

31) O II disse ao Trabalhador que devia dirigir-se ao escritório e falar com os patrões, porque naquele local ele era um simples empregado como o Trabalhador e nada mais.

32) De imediato o Trabalhador respondeu ao II que não sabia se ele era empregado ou não e que não falava com os patrões porque “a tua mãe é uma deficiente e arrogante e o teu pai nem sabe falar”.

33) No dia 1 de Junho de 2015, entre as 8h15 e as 8h30, o Trabalhador apresentou-se ao trabalho nas instalações da Empregadora sitas em …, ..., e o gerente da Empregadora, Sr. DD, questionou-o sobre o que é que estava ali a fazer, pois deveria ficar em casa mais um dia a gozar férias, tendo o Trabalhador respondido que estava ali para trabalhar e que ia ter de lhe pagar o dia se não que lhe tivesse enviado uma carta registada a avisar.

34) De seguida, o Trabalhador foi ver as casas de banho e reclamou que estavam sujas, tendo o gerente da Empregadora respondido que se achasse que não estavam limpas que se queixasse à ACT.

35) De seguida, enquanto o gerente da Empregadora ajudava outros funcionários a carregar viaturas para entrega, o Trabalhador manteve-se sempre junto a este e em tom e postura desafiadora ia-lhe dizendo que já tinha um patrão melhor, que tinha estado a trabalhar para outro patrão “durante as férias e paga muito melhor do que você”.

36) Perante esta postura, o gerente da Empregadora disse ao Trabalhador que o deixasse trabalhar e saiu para o parque descoberto para ajudar os funcionários nas tarefas que estavam a realizar.

37) O Trabalhador continuou no encalço do gerente da Empregadora, e depois de ver um dos reboques da Empregadora acidentado disse “muito gozo me dá ver os vossos reboques todos partidos, deviam era estar todos assim”, ao que respondeu o gerente da Empregadora que não se preocupasse porque a empresa tinha seguro contra todos os riscos.

38) O Trabalhador continuou virado para o gerente da Empregadora, dizendo-lhe “és um porco” e “quando me mandares embora vou-te partir todo”, tudo isto sempre próximo do gerente da Empregadora, em voz alta.

39) O gerente da Empregadora decidiu deixar o local e foi para o escritório.

40) O Trabalhador foi condenado em processo disciplinar que lhe foi movido pela Empregadora por decisão de 2 de Abril de 2015, na sanção disciplinar de suspensão do trabalho por um período de 2 dias com perda de retribuição, a qual foi cumprida nos dias 16 e 17 de Abril de 2015.

41) No processo disciplinar referido em 40), cujo relatório final consta de fls. 128 a 136 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Trabalhador foi condenado pela prática dos seguintes factos:

- No dia 23 de Fevereiro de 2015, pelas 11.40 horas, o Trabalhador estava ao serviço de reboque da Empregadora em ..., quando recebeu indicação para um serviço passado via GPS pela Seguradora KK, S.A., e que consistia em proceder ao reboque de uma viatura marca ..., modelo ..., a carregar na Rua …, nº …, em ... e descarregar na Reparadora LL, sita no Lugar de …, também em ....

- O Trabalhador recusou efectuar esse serviço de reboque, tendo esse serviço sido efectuado por outro reboque.

- No dia 20 de Fevereiro deslocou-se às instalações da Empregadora, sitas em ..., uma empresa denominada Transportes MM., para proceder ao carregamento de um contentor frigorífico, tarefa que estava a ser levada a cabo pelo funcionário da Empregadora NN, que procedia ao transporte utilizando uma grua.

- E foi então que o Trabalhador se aproximou do seu colega, dizendo-lhe que este não percebia nada do que estava a fazer, tendo aquele lhe retorquido que fizesse o Trabalhador melhor, ao que este rematou dizendo que não estava lá para ensinar burros.

42) Em 19 de Agosto de 2015 os sócios da Empregadora, DD e JJ, apresentaram queixa-crime contra o Trabalhador, cuja cópia consta de fls. 138 a 145 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

43) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014 o Trabalhador exerceu, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Empregadora, a função de motorista, consistindo as suas funções na condução de reboques e assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública.

44) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, por regra, só era permitido ao Trabalhador folgar por semana um dia, que era o Sábado ou o Domingo alternados, únicos períodos, além das férias, em que lhe era permitido ter o telemóvel da Empregadora desligado, assim como o dispositivo de localização.

45) O Trabalhador (com excepção do Sábado ou Domingo alternados em que folgava e do período de férias), no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, estava permanentemente, durante 24 horas por dia, seis dias por semana, sujeito a monitorização e controle pela Empregadora, que pelo dispositivo de localização sabia exactamente onde ele estava, em que estrada ou local estava, se estava parado ou em marcha, sendo todo o equipamento, nomeadamente o reboque, os acessórios (GPS, PDA e Telemóvel) e em geral todas as ferramentas para o trabalho fornecidos pela Empregadora, a quem pertenciam, sendo da conta desta todos os gastos com o equipamento, nomeadamente com a deslocação do reboque, abastecimento, portagens, e manutenção.

46) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, nos restantes dias o Trabalhador tinha de ter o dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel ligados 24 horas por dia, seis dias por semana.

47) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o Trabalhador, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública, não tinha que estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto e disponibilidade por parte da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite.

48) A partir de 16 de Setembro de 2014 o Trabalhador passou, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Empregadora, a exercer as funções de motorista na base da Empregadora, sita em …, ..., passando a partir de então a cumprir um horário de trabalho de 8 horas diárias, de Segunda a Sexta-feira, entre as 8h30m e as 12.00 horas da parte da manhã e das 13h às 17.30 horas da parte da tarde, pelo que, a partir daquela data, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública, o Trabalhador passou a ter de estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora.

49) Em 1 de Março de 2012 a Empregadora e o Trabalhador celebraram o acordo que intitularam de “acordo de isenção de horário de trabalho” cuja cópia consta de fls. 194 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

50) No período compreendido entre 1 de Março de 2013 e 31 de Agosto de 2013 a Empregadora pagou ao Trabalhador a quantia de € 100,00 por mês a título de prémio por isenção de horário de trabalho.

51) No período compreendido entre 1 de Setembro de 2013 e 31 de Agosto de 2014 a Empregadora pagou ao Trabalhador a quantia de € 137,50 por mês a título de prémio por isenção de horário de trabalho.

52) No ano de 2012 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 24 de Agosto a 2 de Setembro e desde 16 de Dezembro a 30 de Dezembro.

53) No ano de 2013 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 1 de Abril a 7 de Abril; desde 10 de Junho a 16 de Junho e desde 1 de Setembro a 15 de Setembro.

54) No ano de 2014 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 14 de Abril a 20 de Abril de 2014; desde 1 de Setembro a 15 de Setembro; no dia 6 de Novembro e desde 9 de Dezembro a 12 de Dezembro.

55) No ano de 2015 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 12 de Janeiro a 16 de Janeiro; no dia 23 de Janeiro; desde 19 de Maio a 31 de Maio.

56) À data da comunicação por parte da Empregadora ao Trabalhador da decisão de despedimento, qual seja, 13 de Julho de 2015, o Trabalhador auferia a retribuição mensal base de €550,00.

57) A Empregadora, em Julho de 2015, pagou ao Trabalhador a quantia de €200 a título de férias não gozadas.

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]), bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

4.2.1 – Se o acórdão enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.

Invoca a recorrente que a Relação ao condená-la a indemnizar o A. pela violação do direito à privacidade, conheceu de questão de que não poderia tomar conhecimento, incorrendo assim na nulidade referida.

Estabelece o art. 609º, nº 1, do CPC, que o tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, objeto que é balizado, em primeiro lugar, pela providência pedida e, em segundo lugar, pela causa de pedir.

Trata-se da emanação do princípio do dispositivo de que está imbuído o processo civil e cuja primeira manifestação consta do art. 3º, nº 1, nos termos do qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida, bem como está limitado na resolução aos factos essenciais alegados pelas partes que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as exceções invocadas.

Vejamos.

Consignou a Relação no acórdão revidendo na parte relativa à violação do direito à privacidade:

«6.2. – Além disso, a ré violou, ainda, o direito à privacidade do autor, já que estava obrigado a ter ligado o dispositivo de localização (GPS, PDA e Telemóvel), 24 horas por dia, seis dias por semana, isto é, muito para além do período normal de trabalho, quer diário quer semanal, legalmente previsto. 

A este propósito, citando a Directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, escrevemos no acórdão deste Tribunal da Relação, de 05.12.2016, publicado na página da dgsi:

“E no que reporta à intrusão na esfera privada, é afirmado na Directiva que “Os dispositivos de geolocalização facultam a obtenção de um vasto manancial de dados relativos ao utilizador, os quais permitem, consoante a extensão de dados a tratar, elaborar perfis comportamentais ao rastrear as movimentações realizadas e, nessa medida, identificar hábitos de vida pelos percursos efetuados, pelos locais frequentados, pelos tempos de permanência. Os dispositivos de geolocalização, em particular o GPS, são comummente definidos como sistemas de rastreamento de objetos e/ou pessoas e, nessa medida, constituem uma ingerência na vida privada. (negritos nossos).

Mas mais: a CNPD considera que, no contexto laboral, o uso de dispositivos de geolocalização, instalados em veículos automóveis ou em dispositivos móveis inteligentes usados pelos trabalhadores, constitui um sério risco de invasão da privacidade, entrando na esfera da sua vida pessoal e da sua privacidade. E, por isso, constitui um tratamento de dados pessoais.

E esses dados, por dizerem respeito à vida privada dos trabalhadores, enquadram-se no conceito de dados sensíveis, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Dados.”

Atenta a factualidade provada nos pontos 45, 46 e 47, a ré, através do dispositivo de geolocalização (GPS, PDA e Telemóvel), localizava o veículo/reboque usado pelo autor, incluindo para fins particulares, como lhe era permitido - “… ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse” – facto 47 -, 24 horas por dia e 6 dias por semana, isto é, muito para além do período normal de trabalho diário e semanal, legalmente previsto. Ou seja, sabendo a ré qual era a residência do autor, através do dispositivo de geolocalização (GPS, PDA e Telemóvel) ficava a saber, por exemplo, se autor pernoitava ou não em casa e, se não, qual a localidade e rua onde a pernoita ocorreu e a que distância se encontrava da sua residência ou da sede da empresa. 

Assim, a ré, através do dispositivo de geolocalização instalado na viatura/reboque, podia elaborar os perfis comportamentais - diurnos e nocturnos - do autor e, dessa forma, ao rastrear as movimentações realizadas, identificar os hábitos de vida do autor, pelos percursos efectuados, pelos locais frequentados e pelos tempos de permanência.

E estes factos, diga-se o que se disser, respeitavam, com toda a clarividência, à vida privada do autor, quando ocorridos fora do período normal de trabalho, diário e semanal, legalmente previsto (e só nesta circunstância, para o caso dos autos), e enquadram-se na previsão do artigo 26.º da CRP:

1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.” (negritos nossos).

E da lei ordinária vertida no artigo 16.º do CT - Reserva da intimidade da vida privada -:

“1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.

2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.” (negritos nossos).

Em síntese: atento o teor dos pontos 45, 46 e 47 dos factos provados, no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, a ré violou o direito do autor ao repouso e aos lazeres” (pessoais e familiares), e o direito à privacidade, previstos, respectivamente, no artigo 59.º, n.º 1, alínea d), e no artigo 26.º, ambos da CRP – cf. artigos 16.º, 197.º, 198.º, 199.º e 214.º, n.º 1, todos do CT.»

Na sequência do referido condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 30.000,00 por violação do direito à privacidade e do direito ao descanso.

O A. fundamenta o pedido indemnizatório nos seguintes termos (sic):

56º - A entidade patronal entende que com recurso à figura da isenção de horário de trabalho, pode exigir dos seus motoristas de reboques, como exigia do autor, até 16 de Setembro de 2014, disponibilidade 24 horas por dia 6 dias por semana e feriados.

57º - forçando-os a estar junto do reboque que lhe atribuía para o efeito, em local ou locais determinados, com os dispositivos de localização à distancia GPS e PDA , bem como telemóvel ligados permanentemente,

58º - controlando dessa forma à distância todos os movimentos do trabalhador e determinando-‑lhe todos os movimentos, no sentido de fazerem os serviços de reboque que lhes fosse atribuindo, por virtude da sua localização ou do seu critério de momento, no momento em que lhos entendesse atribuir, entre as 0:00 horas e as 24:00 horas de cada dia[.]

59º - Assim a actividade do trabalhador não preenchia os requisitos para a figura de isenção de horário de trabalho que não foi criada para permitir nem permite o regime de escravidão de disponibilidade e controle permanente 24 horas por dia seis dias por semana que a entidade patronal pratica com a generalidade dos seus motoristas de reboque e praticava com o trabalhador até 16 de Setembro de 2014, conforme supra referido.

60º - No caso concreto a obrigação de disponibilidade determinada pela entidade patronal era de tal modo vincada, que não pode deixar de considerar-se como fazendo parte da actividade.

61º - Era imposto ao trabalhador estar em determinado ponto, nem que fosse a sua própria casa a determinada hora, disponível, para ter maior chance de responder imediatamente aos pedidos de serviço de reboque ou de aparecer no sistema como reboque disponível um reboque da entidade patronal de forma a apanhar ou captar para a empresa o maior número de serviços possível 24 horas por dia.

62º A disponibilidade em determinado local constituía assim por si só exercício de actividade no interesse da entidade patronal, fazendo parte da fase do 1º ciclo da actividade no interesse da entidade patronal que é angariação do serviço.

63º De todo o modo se assim não for entendido, sempre se poderá afirmar que os direitos ao repouso e ao estabelecimento de um limite máximo de jornada de trabalho impõem que a actividade laboral, mesmo a acentuadamente intermitente, esteja temporalmente limitada.

64º - Assim alega sempre o trabalhador que as imposições da entidade patronal de disponibilidade ao serviço 24 horas por dia 6 dias por semana, junto ou próximo do reboque, com os dispositivos de localização (GPS) e de localização e indicação de disponibilidade (PDA) ligados, assim como o telemóvel, em local ou locais determinados pela entidade patronal constituem uma clara violação do direito ao descanso consagrado pelo artigo 59º n.º 1 al d) da CRP, bem como artigo 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como artigo 7º al d) do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais, artigos 7º e 8º da Carta Comunitária dos Direitos Sociais e Fundamentais dos Trabalhadores de 9/12/1989 entre outros,

65º - assim ainda que se entenda que o trabalho ou a disponibilidade permanente para o trabalho imposta ao trabalhador nos referidos termos não constitui trabalho suplementar, constituirá ilícito passível de indemnização por violação de direitos fundamentais, do autor, no caso direito ao descanso,

66º - causadora de danos na personalidade do autor, não reconstituíveis in natura e por isso a indemnizar em dinheiro,

67º - em montante a determinar de acordo com o prudente, mas justo arbítrio do tribunal, apontando o autor a esse respeito como valor do dano da violação do seu direito de personalidade, o valor o equivalente ao respectivo valor em termos de horas de trabalho suplementar e falta de descanso compensatório de acordo com os cálculos referidos no montante de 73000,00 €.

68º valor esse com que a entidade patronal se locupletou à custa do trabalhador ao tê-lo ao seu serviço naquele período, em violação das referidas disposições legais fundamentais, sem lhe pagar sequer a correspondente contrapartida como tempo suplementar e,

69º - evitando contratar outros trabalhadores para dar cumprimento às suas necessidades laborais, como é notório.

Afigura-se assim inquestionável que a Relação ao condenar a R. a indemnizar o A. pelos danos não patrimoniais sofridos por violação do seu direito à privacidade, condenou em objeto diverso do pedido, conhecendo, assim, de questão que não poderia conhecer, certo como é que não estamos perante quaisquer direitos indisponíveis e de conhecimento oficioso.

É certo, como é referido no acórdão que apreciou a invocada nulidade, que nos termos do nº 3 do art. 5º do CPC, “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Porém, a Relação não se limitou a interpretar e aplicar as regras de direito de forma diversa da invocada pelo A. Como referido, não tendo sido formulado pedido indemnizatório pela violação do direito à privacidade nem tendo sido, sequer, invocada a violação de tal direito, a Relação condenou em objeto diverso do pedido que o A. formulara, assim violando o estabelecido no art. 609º, nº 1, do CPC e incorrendo na invocada nulidade.

4.2.2 – Se o A. deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos pela violação pela R. do seu direito à privacidade.

A apreciação desta questão está prejudicada pela resposta dada à anterior.

Não tendo o A. invocado a violação do direito à privacidade, nem formulado pedido indemnizatório de danos não patrimoniais pela violação de tal direito, não podia a Relação nem pode agora este Supremo Tribunal condenar em tal indemnização ou manter, na parte respetiva, a condenação decidida pela Relação.

4.2.3 - Se o A. deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos pela violação pela R. do seu direito ao descanso.

O A. pediu a condenação da R. a indemnizá-lo pela violação do seu direito ao descanso, invocando que a R., até 16 de Setembro de 2014, lhe exigia que estivesse disponível 24 horas por dia 6 dias por semana e feriados, mantendo permanentemente ligados os dispositivos de localização à distância GPS e PDA, bem como telemóvel, no sentido de fazer os serviços de reboque que lhe fosse atribuindo, no momento em que lhos entendesse atribuir, entre as 0:00 horas e as 24:00 horas de cada dia. Os direitos ao repouso e ao estabelecimento de um limite máximo de jornada de trabalho impõem que a atividade laboral, mesmo a acentuadamente intermitente, esteja temporalmente limitada. As imposições da entidade patronal de disponibilidade ao serviço 24 horas por dia 6 dias por semana, constituem uma clara violação do direito ao descanso consagrado pelo artigo 59º n.º 1 al d) da CRP, bem como artigo 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como artigo 7º, al d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais, artigos 7º e 8º da Carta Comunitária dos Direitos Sociais e Fundamentais dos Trabalhadores de 9/12/1989, entre outros.

A Relação acolheu a pretensão do A. e condenou a R. a indemnizá-lo pela violação do direito ao descanso, tendo aduzido a seguinte fundamentação:

«Segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, “Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas”. (artigo 24.º); e, como resulta do disposto no artigo 16.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), estes textos estão integrados no ordenamento jurídico português, o mesmo acontecendo com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, cujo artigo 2.º, n. 1, dispõe que "O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei...".

Mas também a Constituição da República Portuguesa preceitua que “Todos os trabalhadores têm direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal, …” (artigo 59.º), e que a integridade moral e física das pessoas é inviolável (artigo 25.º, n.º 1), que todos têm direito à protecção da saúde (artigo 64.º, n. 1) e que todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º, n.º 1).

[Sobre o “período de descanso” como “um tempo de desconexão profissional”, vide João Leal Amado, in “Trabalho sem fronteiras? – O papel da regulação”, págs. 113 e segs.; Coordenação: Manuel M. Roxo; Editora Almedina, ano 2017]. 

Estamos, pois, perante direitos fundamentais, porque figuram entre os direitos, liberdades e garantias (capitulo I, título II da Parte I) ou porque são direitos fundamentais da natureza análoga (artigo 17 da Constituição), de natureza social (Capítulo II do Título III). E é indiscutível que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono se insere no direito à integridade física e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, enfim, no direito à saúde e à qualidade de vida. Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, e nos termos dos artigos 14.º e segs. do CT são salvaguardados os direitos de personalidade dos trabalhadores, nos quais se inclui o direito ao repouso diário, ao limite máximo da jornada de trabalho e ao descanso semanal – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, págs. 273 e 274.

A ré nega que, ao seu serviço, o autor tivesse exercido a sua actividade “24 horas por dia, seis dias por semana”, até Setembro de 2014, dado que o serviço “foi prestado em regime de isenção total de horário de trabalho, e portanto de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”.  

Ora, sobre as condições de isenção de horário de trabalho, o artigo 218.º do CT estatui:

1 – Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:

a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos;

b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho;

c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.

2 – O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho.

3 – O acordo referido no n.º 1 deve ser enviado ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral.”

E o artigo 219.º - Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho -, prevê:

“1 – As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho:

a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho;

b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana;

c) Observância do período normal de trabalho acordado.

2 – Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.

3 – A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário.  

Daqui resulta que a actividade desenvolvida pelo autor, ao serviço da ré, não se enquadrava em nenhuma das situações previstas no citado artigo 218.º, n.º 1, do CT.

Se é verdade que a actividade desenvolvida pelo autor o era fora do estabelecimento da ré, também é certo que o controlo dessa actividade era imediato, não só porque “sujeito a monitorização e controle pela Empregadora, que pelo dispositivo de localização (GPS, PDA e Telemóvel) sabia exactamente onde ele estava, em que estrada ou local estava, se estava parado ou em marcha”, mas também porque a sua actividade estava dependente do contacto directo da sede da ré, que lhe comunicasse qual a viatura e localização, para a respectiva assistência e reboque: “O Trabalhador tinha que estar contactável e disponível (…), a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite.” cf. ponto 47 dos factos provados. 

Mas mesmo que, por mera hipótese, se entendesse que a actividade desenvolvida pelo autor se enquadrava na alínea c) do n.º 1 do artigo 218.º, do CT, o “Acordo de isenção de horário de trabalho”, referido no ponto 49 dos factos provados, violou o disposto no artigo 219.º, n.º 3, no que reportava ao descanso diário de 11 horas, expressamente, previsto no artigo 3.º da Directiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, e no artigo 214.º, n.º 1 do CT.

Mutatis mutandis, em relação ao período compreendido entre 25 de Abril de 2011 e 15 de Setembro de 2014, pode-se dizer que se passou da “escravatura da senzala” dos séculos XVI a IX”, para “a escravatura electrónica” do século XXI. A organização do trabalho por turnos era o antídoto legal.

E porque se trata de um direito fundamental, de ordem e interesse público (a falta de descanso de um motorista profissional potencia, significativamente, a ocorrência de acidentes rodoviários), consagrado na Constituição da República Portuguesa, tal acordo está ferido de nulidade, que se declara – cf. artigo 286.º do CC. 

Vejamos.

Como é referido pela Relação, o direito ao descanso constitui um direito dos trabalhadores constitucionalmente garantido no art. 59º, nº 1, al. d) da CRP ([5]).

Também o art. 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 estabelece que Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.

Positivando estes princípios, a Secção II do Código do Trabalho regula a “Duração e organização do tempo de trabalho”, estabelecendo no art. 197º, nº 1, que “[c]onsidera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.

Por contraposição o art. 199º define o período de descanso como aquele “que não seja tempo de trabalho”.

Vem provado o seguinte:

1) A Empregadora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, com intuito lucrativo, à assistência a veículos na estrada, vulgarmente designada de serviços de reboque, tendo como objecto social a assistência a veículos na estrada, transporte de mercadorias por conta de outrem, manutenção e reparação de veículos automóveis e comércio de automóveis.

43) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014 o Trabalhador exerceu, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Empregadora, a função de motorista, consistindo as suas funções na condução de reboques e assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública.

46) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, nos restantes dias o Trabalhador tinha de ter o dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel ligados 24 horas por dia, seis dias por semana.

47) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o Trabalhador, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública, não tinha que estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto e disponibilidade por parte da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite.

Resulta da factualidade provada e, designadamente, da acabada de transcrever, que o A. não estava obrigado a prestar um número de horas de trabalho diário, máximo ou mínimo, nem estava, sequer, obrigado a permanecer nas instalações da R. durante qualquer período de tempo.

Estava obrigado a permanecer contactável 24 horas por dia, e a executar os serviços de reboque que a R. lhe distribuía, o que podia acontecer a qualquer hora do dia ou da noite.

Repare-se que, como vem provado, o modo de prestação da atividade do A. sofreu alteração a partir de 16 de setembro de 2014, data em que o A. “passou, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Empregadora, a exercer as funções de motorista na base da Empregadora, sita em …, ..., passando a partir de então a cumprir um horário de trabalho de 8 horas diárias, de Segunda a Sexta-feira, entre as 8h30m e as 12.00 horas da parte da manhã e das 13h às 17.30 horas da parte da tarde, pelo que, a partir daquela data, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública, o Trabalhador passou a ter de estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora (48).

A obrigatoriedade, ou não, de permanência no local de trabalho nos períodos em que o trabalhador não está a desempenhar a atividade, mas à disposição do empregador, tem sido a pedra de toque na jurisprudência desta 4ª Secção para se considerarem aqueles períodos como tempo de trabalho ou como tempo de descanso.

Vejam-se os seguintes acórdãos, entre outros ([6]):

De 19/11/2008, proc. nº 08S0930 (Sousa Grandão):

I – O direito comunitário, como o nosso direito interno, dividem o tempo de cada trabalhador por conta de outrem, em duas grandes categorias dicotómicas: tempo de trabalho e tempo de descanso.

II – O tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua actividade ou das suas funções; o tempo de descanso obtém-se por exclusão, de onde decorre que o respectivo conceito pressupõe a prévia e necessária integração da primeira modalidade (tempo de trabalho).

III – A disponibilidade relevante, para efeitos da sua qualificação como tempo de trabalho, pressupõe que o trabalhador permaneça no seu local de trabalho.

IV – Assim, se o trabalhador permanece no seu local de trabalho e se encontra disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece disponível ou acessível para trabalhar, mas fora do seu local de trabalho ou do local controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), esse período de tempo deve considerar-se como tempo de repouso.

(…)”.

 De 2/11/2004, proc. nº 340/04 (Mário Pereira):

I – O tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções (art. 2.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 73/98 de 10.11).

II – Se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, podendo ainda que de forma limitada, gerir os seus interesses e desenvolver actividades à margem da relação laboral, apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, esse período de tempo não pode em regra considerar-se tempo de trabalho.

III – Não pode entender-se como tempo de trabalho o chamado “tempo de localização”, ou seja, aquele em que o trabalhador não tinha que estar presente fisicamente na empresa, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto.

IV – Assim, não é de considerar tempo de trabalho o período em que o trabalhador não está a conduzir o veículo que lhe está distribuído como motorista, apenas se encontrando contactável e disponível, sendo certo que a ré pagava ao autor uma “ajuda de custo” diária fixa por esta disponibilidade, conforme com ele acordara antes da admissão ao serviço.

Ou ainda o acórdão de 8.03.2004, proc. 04S3164I (Fernandes Cadilha):

“I - Encontrando-se um trabalhador em regime de disponibilidade permanente para prestar serviços de clínica veterinária, em certos dias de descanso semanal e complementar, só o tempo de serviço efectivamente prestado nessas funções é que é remunerado como trabalho suplementar;

(…)”.

No caso dos autos, o A., no período de 25 de abril de 2011 até 15 de setembro de 2014, tinha que estar sempre disponível e contactável, mas não estava obrigado a permanecer fisicamente nas instalações da R., nos períodos ou em parte dos períodos em que não estava a conduzir o reboque da R., prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública.

Consequentemente, atento o estabelecido nos arts. 197º, nº 1 e 199º, do CT e a jurisprudência desta Secção, são “tempo de trabalho” os períodos em que o A. conduziu o reboque prestando a referida assistência e “tempo de disponibilidade” os restantes períodos das 24 horas do dia, dos 6 dias por semana.

Estipula o art. 214º, nº 1, e nº 2, al. c), do CT, sob a epígrafe “Descanso diário” que “[o] trabalhador  tem direito a um período de descanso de, pelo menos, onze horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho” exceto “[q]uando o período normal de trabalho seja fraccionado ao longo do dia com fundamento em características da actividade…”.

De acordo com o disposto no art. 203º, nº 1 do CT, “[o] período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana”.

No caso, já vimos que o A. não tinha períodos normais de trabalho previamente estabelecidos, estando os mesmos dependentes dos serviços de reboque que fosse necessário efetuar.

Por conseguinte, não podendo os períodos de disponibilidade ser considerados “tempo de trabalho” e integrantes do período normal de trabalho, para aferir se ocorreu violação do direito do A. ao descanso, necessário seria saber se e quando foram excedidos os períodos estabelecidos no referido art. 203º, nº 1 do CT, ou, não se considerando a atividade subsumível ao disposto no nº 2, al. c), do art. 214º, saber se e quando não foram assegurados ao A. os períodos mínimos de descanso consecutivos estabelecidos no nº 1, prova essa que, nos termos do art. 342º do CC, cabia ao A. fazer.

Ora, o A. nem sequer invocou que algum dia tivesse efetivamente exercido as funções excedendo os referidos períodos normais de trabalho ou que entre um e outro serviço não tivessem mediado 11 horas, tendo apenas pretendido que o tempo de disponibilidade fosse considerado tempo de trabalho e remunerado como trabalho suplementar.

Admitindo que aqueles períodos de disponibilidade não pudessem ser considerados e retribuídos como trabalho suplementar, invocou que devido a essa ininterrupta disponibilidade, “[n]ão lhe era permitido jantar fora de casa sem prévia autorização da entidade patronal, pois tinha de estar sempre perto do reboque e manter o sistema de localização e o telemóvel ligado durante a refeição, que muitas vezes não começava ou terminava rapidamente por causa de uma chamada de reboque; Não lhe era permitido ir jantar fora ou desligar o dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel, durante a hora de jantar…; Por tudo isso a maior parte das festividades na sua família e na da sua mulher eram marcadas para as folgas…; Não podia ir jantar fora porque não podia sair da sua área de serviço; [Q]uando ia a casa de familiares, tinha de pedir autorização e levar o reboque, ocorrendo várias vezes que teve de sair a meio da refeição; Era imposto ao trabalhador estar em determinado ponto, nem que fosse a sua própria casa a determinada hora, disponível, para ter maior chance de responder imediatamente aos pedidos de serviço de reboque ou de aparecer no sistema como reboque disponível um reboque da entidade patronal de forma a apanhar ou captar para a empresa o maior número de serviços possível 24 horas por dia”.

Alega que a permanente disponibilidade foi “causadora de danos na personalidade do autor, não reconstituíveis in natura” estando, por isso a R. obrigada a indemnizá-lo.

Os danos não patrimoniais são os que têm “por objecto um interesse não patrimonial, isto é, um interesse não avaliável em dinheiro” ([7]). São danos na personalidade, traduzindo-se no sofrimento físico ou psíquico provocado pela lesão.

Embora o A. não os qualifique, expressamente, como danos não patrimoniais e os reconduza até, e em certa medida, a danos patrimoniais, consistindo o valor indemnizatório peticionado, no “valor… com que a entidade patronal se locupletou à custa do trabalhador ao tê-lo ao seu serviço naquele período, em violação das referidas disposições legais fundamentais, sem lhe pagar sequer a correspondente contrapartida como tempo suplementar e, evitando contratar outros trabalhadores para dar cumprimento às suas necessidades laborais, como é notório”, aceitemos qualificá-los como tal.

O artº 483º do CC condiciona a obrigação de indemnizar o lesado, seja pelos danos patrimoniais seja pelos não patrimoniais, à verificação de cinco requisitos: o acto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano.

No caso, nenhuma das consequências invocadas pelo A. e qualificáveis como danos não patrimoniais, se provaram.

Consta do acórdão recorrido:

«Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a descoberta da verdade material e da boa decisão da causa constantes dos articulados juntos aos autos, e designadamente, não se provou que:

(…)

- O Trabalhador recebia vários telefonemas a indagar porque é que tinha ido pela auto-estrada em vez da estrada normal ou porque é que tinha parado quando numa viagem mais longa parava para ir à casa de banho.

- O Trabalhador acordava pelo menos uma vez a meio da noite para fazer um serviço de reboque.

- Não lhe era permitido jantar fora de casa sem prévia autorização da entidade empregadora.

- Não podia ir jantar fora porque não podia sair da sua área de serviço.

- Quando ia a casa de familiares tinha de pedir autorização.

(…)

Por conseguinte, não podendo qualificar-se os períodos de disponibilidade como tempos de trabalho, nem vindo provados quaisquer factos que demonstrem ter sido violado o direito ao descanso, nem que o A. tenha sofrido quaisquer danos não patrimoniais em consequência daquela disponibilidade, não pode a R. ser condenada a indemnizar o A. por tais danos não provados.

Impõe-se, por conseguinte, a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença da 1ª instância, dado que a R., ora recorrente, se conformou com o ali decidido.

4.2.4 – Se o montante da indemnização pela violação dos direitos referidos nos itens anteriores deve ser fixado em € 40.000,00 (recurso subordinado).

A apreciação do objeto do recurso subordinado está prejudicada pela solução dada aos itens anteriores que não lhe reconheceu o direito à indemnização fixada pela Relação, termos em que não se conhece daquele recurso.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Julgar procedente a invocada nulidade do acórdão;

2 - Conceder a revista principal interposta pela R;

3 – Revogar o acórdão recorrido repristinando-se a sentença da 1ª instância;

4 – Julgar prejudicado o conhecimento da revista interposta subordinadamente pelo A;

5 – Condenar o A. nas custas da apelação e das revistas (principal e subordinada).

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 9 de janeiro de 2019

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

___________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5]Artigo 59.º
(Direitos dos trabalhadores)
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
(…)
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
[6] In www.dgsi.pt.
Veja-se também no mesmo local, o acórdão deste coletivo de 20.06.2018, proc. 641/15.1T8LSB.L1.S1, a propósito dos condutores dos transportes rodoviários de passageiros, em que, para além dos períodos em que estavam escalados para efetuar o transporte de passageiros, tinham outros em que teriam que estar disponíveis para executar o mesmo serviço caso para o efeito fossem convocados. Aí se exarou o seguinte sumário: “II – Os tempos, fora dos períodos em que, de acordo com as escalas de serviço previamente divulgadas, têm serviço atribuído, os condutores não são obrigados a permanecer no seu posto de trabalho, nem sequer nas instalações da empresa, mas sabem que podem ser chamados para acorrer à realização de qualquer serviço, não revestem a natureza de tempo de trabalho, quer na qualificação do Decreto-Lei 237/2007 de 19/06, quer dos arts. 197º e 199º do Código de Trabalho.
[7] Vaz Serra, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, p. 69.