Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2475/10.0YXLSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALRETA PEREIRA
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/13/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: DR I SÉRIE, 4, 07.01.2016, P. 21 - 24; PUBLICADO NOS CADERNOS DE DIREITO PRIVADO, Nº 54 - ANOTADO POR ANA AFONSO (FLS. 48-63)
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL / CRÉDITO BANCÁRIO.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Alberto Luís, Direito Bancário, ano 1985, 168.
- Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, 309, 403 (nota 1118), 407 a 410, 456.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 224 e 225.
- Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Coimbra, 1983, 55.
- Menezes Cordeiro, A Boa-Fé no Direito Civil, Vol. I, Coimbra, 1985, 649; Manual de Direito Bancário, 3.ª Ed., 466, 478, 479.
Legislação Nacional:
REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG): - ARTIGOS 15.º, 18.º, 19.º, 25.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6.05.2004, PROCESSO N.º1180/04.
-DE 27.04.2006, 15.05.2008, 19.04.2001 E 24.10.2000, PROCESSOS N.ºS 647/06, 357/08, 821/01 E 2295/2000.
-DE 16.10.2014, PROC. N.º 2476/2010, DE 09.09.2014, PROC. N.º 679/10, DE 07.02.2006, PROC. N.º 3659/05, DE 16.03.2004, PROC. N.º 3966/03.
Sumário :
É proibida, nos termos do preceituado pelo artº. 15º da LCCG, por contrária à boa-fé, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta colectiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular.
É proibida, nos termos do preceituado pelo artº. 18º al. a) da LCCG, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a ceder total ou parcialmente a sua posição contratual para outras entidades do respectivo grupo, sediadas em Portugal ou no estrangeiro.
A nulidade da cláusula de atribuição de competência territorial pode ser apreciada em acção inibitória, em função da valoração do quadro contratual padronizado e não apenas no âmbito dos contratos concretos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça

O Ministério Público intentou acção declarativa sumária (inibitória) contra ... S.A., pedindo que sejam declaradas nulas as cláusulas, que concretiza, do contrato de abertura de crédito, condenando-se o réu a abster-se de as utilizar em contratos futuros e a dar publicidade à decisão.
A acção procedeu relativamente às cláusulas 5.4 da Secção A, 2.2 da Subsecção B2 e da Secção B, 3.2 da Subsecção G2, 4.2 da Subsecção G3, 7.1.a), da Secção A, 7.1.b) da Secção A, 2.3 da Secção F, 8.9 da Secção G, 8.10 da Secção G, 10.1.b) da Secção A, 10.1.c), da Secção A, 5.2 da Secção G, 5.9. b) da Secção G, 12.3, da Secção A, 14.
O réu foi, ainda, condenado a dar publicidade à parte decisória da sentença.
O réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão a julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença na parte em que declarou proibidas as cláusulas 7.1. a)-A, 8.9. G1 e 8.10. G1, mantendo em tudo o mais a sentença recorrida.
Inconformado, o réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que proferiu acórdão a conceder parcialmente a revista, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que considerou ilegais as cláusulas mencionadas nas alíneas G), J), K), L) e M), mantendo quanto ao demais a decisão recorrida, julgando proibidas as cláusulas A) a D), E), F), N) e O).
Transitado em julgado este acórdão do STJ, veio o réu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs. 627º nº 1, 631º, 637, 639º, 688º, 689º, 690º, 692º, 693º e 695º do CPC, dele interpor recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o Pleno das Secções Cíveis.

O recorrente pretende a reapreciação das seguintes questões:
a) Verificação de excepção de inutilidade superveniente da lide e da falta de interesse em agir;
b) Possibilidade da compensação de créditos;
c) Desoneração dos riscos de utilização de cartão, em caso de actuação, omissão, falha ou descuido por parte de terceiras entidades e por anomalias decorrentes de deficiências no funcionamento do sistema informático ou da rede de comunicações;
d) Possibilidade de cessão da posição contratual;
e) Possibilidade de fixação da competência territorial;
f) Adequação da publicidade da decisão nos jornais nacionais.
Juntou acórdãos fundamento para justificar a admissibilidade do recurso e apresentou alegações em que, em resumo, conclui:
1ª. Tratar-se de compensação voluntária ou convencional, em que não houve prejuízos de terceiros, na medida em que os restantes contitulares, ao subscreverem o contrato do qual consta a cláusula em causa, deixaram de preencher o conceito de terceiros previsto no nº 2 do artº. 853º do CC.
2ª. A possibilidade da cessão da posição contratual por parte do recorrente é válida pelo facto de não violar a regra constante do artº. 18º al. l) da LCCG, uma vez que a identidade do cessionário consta do contrato inicial.
3ª. A fixação da competência no Tribunal da Comarca de Lisboa tem, agora, reduzida aplicação, face ao disposto nos artºs 71º nº 1 e 104º nº 1, do CPC, sendo certo que, por outro lado, a cláusula só pode considerar-se proibida quando envolva graves inconvenientes para o aderente, sem que os interesses do predisponente o justifiquem, o que só em concreto pode ser verificado, quando integrada num qualquer contrato, nunca em acção inibitória.

O recorrido começou por se opor à admissibilidade do recurso, alegando terem sido suscitadas várias questões a reapreciar, com vários acórdãos fundamento, o que não está processualmente contemplado.
Para a hipótese de vir a ser admitido o recurso extraordinário, o recorrido defende só ocorrer a oposição de acórdãos relativamente a quatro das questões suscitadas pelo recorrente.
Mais enuncia os segmentos uniformizadores a serem decididos por este Tribunal.

O Exmo. Relator do processo acabou por julgar verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário apenas em relação às questões enunciadas nas acima referidas alíneas b), d), e) e f).
Deste despacho não houve reclamação para a conferência.
O processo foi remetido à distribuição como Recurso de Uniformização de Jurisprudência.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Antes de mais há que decidir a questão prévia suscitada pelo recorrido, a inadmissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência pelo facto de o recorrente ter suscitado várias questões a serem reapreciadas pelo acórdão uniformizador, com dois acórdãos fundamento, o que vai obrigar a vários segmentos uniformizadores num único acórdão com as inerentes dificuldades em conseguir maiorias em todos eles, o que pode levantar sérios problemas logísticos.
A rejeição do recurso proposta pelo recorrido não se nos afigura solução razoável, já que o direito a recorrer consagrado na lei não pode ser afastado pelas dificuldades logísticas do correcto processamento do recurso.
Resta-nos definir se vamos decidir as várias questões num único acórdão uniformizador ou se optamos por proferir um acórdão por cada questão e segmento uniformizador.
Não temos dúvidas que esta última solução será a adequada para a hipótese do recurso de uniformização de jurisprudência interposto pelo Ministério Público, nos termos do preceituado pelo artº. 691º do CPC.
No caso em julgamento, em que o acórdão uniformizador a proferir pode revogar o acórdão recorrido, substituindo-o (artº. 695º nº 2 do CPC), não achamos curial a prolação de tantos acórdãos, quantas as questões a apreciar.
Optamos, assim, pela reapreciação de todas as questões neste acórdão.
Ultrapassada esta questão, vejamos, agora, se o Exmo. Relator do acórdão recorrido teve razão em considerar verificados os pressupostos da oposição de acórdãos relevante relativamente às quatro questões em que foi admitido o recurso extraordinário.
O Pleno das Secções Cíveis não está vinculado ao despacho do relator (Acs. do STJ de 24.09.2014, Proc. Nº 995/10, e de 19.03.2015, Proc. Nº 176/03).
A publicitação da decisão, que, nos termos do artº. 30º nº 2 das Cláusulas Contratuais Gerais (doravante designado por LCCG), dependia do pedido do autor, havendo quem defendesse que o Tribunal podia não a decretar, apesar de solicitada (Almeno de Sá – Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 1999), passou a ser oficiosa e obrigatória com a publicação da Lei 24/96, de 31.07 (artº. 11º nº 3).
A Lei da Defesa do Consumidor, já vigente à data da propositura da acção que conduziu à prolação do acórdão recorrido, no seu artº. 11º nº 3 dispõe:
“Transitada em julgado, a decisão condenatória será publicada a expensas do infractor, nos termos fixados pelo juiz, e será registada em serviço a designar, nos termos da legislação regulamentar da presente lei”.
O acórdão fundamento, de 03.12.98, decidiu que: “o pedido de condenação do réu a publicitar a declaração de nulidade não pode proceder porque, ao contrário da lei alemã, nos termos do artº. 35º do DL 220/95, previu-se a criação de um serviço de registo de sentenças anulatórias e encarregado de publicitar as decisões”.
Enquanto o acórdão fundamento entendeu não se justificar uma dupla publicação da decisão condenatória, o acórdão recorrido moveu-se no âmbito de uma diferente legislação, que não fazia depender a publicitação da decisão condenatória do pedido do autor e previa a sua convivência com o respectivo registo no serviço competente.
O acórdão recorrido e o acórdão fundamento não foram prolatados no domínio da mesma legislação.
Não se justifica minimamente que este Tribunal discuta, face à lei vigente à data da propositura da acção que deu origem ao acórdão recorrido, se o julgador pode ordenar ou dispensar a publicitação da decisão condenatória.
Não existe a mínima dúvida que o Tribunal tem que ordenar oficiosamente a publicação da decisão condenatória proferida em acção inibitória.
Não se verifica, assim, o circunstancialismo previsto no artº. 688º nº 1 do CPC para a admissibilidade do recurso, no que tange à publicitação da decisão condenatória proferida em acção inibitória.
Nos termos expostos, decide-se não admitir o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência quanto à questão da publicitação da decisão condenatória em acção inibitória.

De relevo para a decisão estão provados os seguintes factos:
Da minuta do contrato de abertura do crédito proposto pelo recorrente aos seus clientes constam as cláusulas seguintes:
A) Cláusula 5.4. da Secção A – Disposições Gerais e Comuns – Ordens, Instruções e Processamento:
O Banco fica desde já expressamente autorizado a movimentar a conta para os efeitos previstos no número anterior, bem como a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que o cliente seja ou venha a ser titular ou contitular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes da execução das operações previstas nestas Condições Gerais, podendo, ainda, proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores da cliente e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal.
B) Cláusula 2.2. Débitos em in Subsecção B2 (Depósitos à Ordem) da Secção B (Condições Gerais de Abertura e Movimentação de Conta):
Caso a conta não se encontre provisionada com saldo suficiente para o lançamento a débito de qualquer pagamento, poderá o Banco proceder ao débito do montante em causa em qualquer outra conta da titularidade ou contitularidade do cliente junto do Banco, ou autorizar o pagamento, ficando neste caso o cliente, independentemente de interpelação, obrigado a regularizar de imediato qualquer descoberto assim originado, o qual vencerá juros contados dia a dia à taxa mais alta praticada pelo Banco para operações activas, acrescida de quaisquer sobretaxas, impostos e outros encargos aplicáveis.
C) Cláusula 3.2. sob a epígrafe Pagamentos, inserida na Subsecção G2 (Operações a Débito) da Secção G) (Condições Gerais de Utilização de Cartões):
Sem prejuízo do disposto no ponto 11 da Secção A supra, o Banco, caso autorize operações ou efectue pagamentos para os quais não existe provisão na conta, fica desde já expressamente autorizado a, independentemente de interpelação, debitar os respectivos valores em qualquer outra conta de depósitos à ordem ou a prazo junto do Banco de que o cliente seja ou venha a ser titular ou contitular solidário.
D) Cláusula 4.2. sob a epígrafe Pagamentos, inserida na Subsecção G3 (operações a Crédito) da Secção G (Condições Gerais de Utilização de Cartões):
   Sem prejuízo do disposto no ponto 11 da Secção A supra, o Banco, em caso de insuficiência de provisão na conta na data-valor estabelecida para liquidação do saldo em dívida, fica desde já expressamente autorizado a, independentemente de interpelação, debitar os respectivos montantes em qualquer outra conta de depósitos à ordem ou a prazo junto do Banco de que o cliente seja ou venha a ser titular ou contitular solidário.
E) Cláusula 12.3. sob a epígrafe Disposições Diversas inserida na Secção A (Disposições Gerais Comuns):
O cliente desde já autoriza o Banco a ceder total ou parcialmente a sua posição contratual nestas Condições Gerais para outras entidades do Grupo ... sediadas em Portugal ou no estrangeiro com representação em Portugal, a qual será eficaz a partir da data da sua comunicação ao cliente mediante carta registada.
F) Cláusula 14., sob a epígrafe Lei Aplicável e Foro Competente inserida na Secção A (Disposições Gerais e Comuns):
Para julgar todas as questões emergentes dos serviços e produtos abrangidos pelas presentes Condições Gerais e as operações bancárias nos seus termos realizadas, as partes elegem, ressalvadas as limitações da lei, o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa.



FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

As cláusulas constantes das alíneas A), B), C) e D) dos factos provados têm como elemento comum a autorização dada ao Banco recorrente para compensar qualquer crédito que tenha sobre o cliente aderente ao contrato, independentemente da sua fonte, com qualquer conta colectiva solidária de que o cliente seja contitular.
É este o único ponto que temos que dilucidar, uma vez que o acórdão fundamento, de 02 de Março de 2010, relatado pelo Exmo. Conselheiro Urbano Dias, tirado no processo nº 29371/03, apenas se pronuncia sobre a validade da cláusula que autoriza o Banco a compensar o seu crédito com qualquer conta colectiva solidária em que o seu cliente devedor seja ou venha ser contitular.
Trata-se da compensação convencional, que, em regra, seria válida, quando negociada caso a caso, sem violar normas imperativas.
A conta colectiva solidária tem como característica marcante a possibilidade de cada contitular movimentar livremente a conta, sem autorização dos restantes titulares.
Este regime de solidariedade parte da “fidutia” entre os contitulares e é escolhido por estes para facilitar a movimentação da conta em ordem a prosseguir um objectivo comum.
São os contitulares que optam pelo regime da solidariedade, no sentido de melhor darem satisfação à necessidade de facilmente movimentarem a conta (Acórdão do STJ de 6.05.2004, proferido no processo 1180/04, relatado pelo Exmo. Conselheiro Moitinho de Almeida).
O regime solidário não foi escolhido para facilitar a vida ao Banco na cobrança dos respectivos créditos, mas no interesse exclusivo dos titulares da conta.
A confiança recíproca dos contitulares em que nenhum deles usará o respectivo saldo em seu exclusivo proveito não permite inferir que aceitam que o Banco compense o crédito que detém sobre um deles com o saldo existente na conta solidária.
O regime estabelecido nos depósitos bancários colectivos é de solidariedade imprópria de credores e não de devedores.
Qualquer um dos contitulares pode esgotar o saldo, mas o Banco não pode tomar a iniciativa de escolher unilateralmente o contitular a quem o entregar, para se desonerar da sua obrigação.
A autorização dada ao Banco para compensar o seu crédito com o saldo da conta em que o seu devedor é contitular, no regime da solidariedade, transforma os restantes contitulares em seus devedores e no regime de solidariedade.
Esta autorização é dada ao Banco para operar a compensação também sobre contas colectivas solidárias futuras.
A imposição desta cláusula aos aderentes do contrato de depósito colectivo em regime de solidariedade, sem possibilidade da respectiva discussão e boa compreensão dos seus contornos e riscos, contraria a boa-fé que se exige às partes na negociação e celebração dos contratos (artº. 15º das CCG), sendo nula (Acs. do STJ de 27.04.2006, 15.05.2008, 19.04.2001 e 24.10.2000, proc. 647/06, 357/08, 821/01 e 2295/2000 relatados pelos Exmºs Conselheiros Borges Soeiro, Mota Miranda, Dionísio Correia e Afonso de Melo).
A boa-fé constitui uma cláusula geral que exige uma atitude metodológica particular perante a realidade jurídica, a concretização material dos escopos visados (Coutinho de Abreu – Do Abuso de Direito, Coimbra, 1983, p. 55; Menezes Cordeiro – A Boa-Fé no Direito Civil – Vol. I, Coimbra, 1985, p. 649.
Ana Prata, in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais” – 2010, pág. 309 e 403 (nota 1118) defende a nulidade da referida cláusula.
Também Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral” – Vol. II, pág. 224 e 225, defende não ser possível a compensação nos depósitos colectivos, conjuntos ou solidários, a não ser na medida do presumido direito do credor sobre o saldo existente.
Já Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 3ª Ed., p.466, defende a validade da compensação com contas colectivas solidárias.
Alberto Luís, in “Direito Bancário”, ano 1985, pág. 168, opta pela não possibilidade de compensação com contas colectivas.
Passemos, agora, à análise da cláusula em que o recorrente fica autorizado a ceder, total ou parcialmente, a sua posição contratual para outras entidades do grupo ... sediadas em Portugal ou no estrangeiro, com representação em Portugal, em que o acórdão fundamento volta a ser o AC. do STJ, de 02.03.2010, relatado pelo Exmo. Conselheiro Urbano Dias, no Proc. nº 29371/03.
Esta cláusula é absolutamente proibida nos termos da al. l) do artº. 18º da LCCG, salvo se a identidade do cessionário constar do contrato inicial.
O recorrente entende que a indicação de outras entidades do grupo ..., sediadas em Portugal ou no estrangeiro, como possíveis cessionárias, cumpre a excepção prevista no corpo do preceito.
A proibição de cessão da posição contratual, sem o acordo do aderente, pretende prevenir que, a coberto do esquema de transmissão do contrato, se venha a limitar, de facto, a responsabilidade, bastando para tal, transferir a posição para uma entidade que não tenha adequada cobertura patrimonial para, na prática, esvaziar o conteúdo de qualquer imputação de danos (Menezes Cordeiro, obra citada, p. 478).
A indicação como possíveis cessionárias de todas as entidades do grupo ..., sediadas em Portugal ou no estrangeiro, não previne minimamente o risco que a proibição quis evitar.
Desconhece-se quem são e quantas são essas entidades e se, durante o prazo do contrato, o grupo vai sofrer alterações.
A identificação feita no contrato não cumpre as exigências da lei, razão pela qual a cláusula em questão é absolutamente nula.
Ana Prata, obra citada, p. 407 a 410, considera também nula a cessão da posição contratual em idênticas condições.
Vejamos, por último, a cláusula que definiu o Tribunal da Comarca de Lisboa como o territorialmente competente para julgar os litígios emergentes do contrato, em que o acórdão fundamento é o AC. do STJ, de 19.09.2006, relatado pelo Exmo. Conselheiro João Camilo, no Proc. nº 06A2616.
A contradição radica na possibilidade de em acção inibitória ser declarada nula a cláusula em questão.
O artº. 19º al. g) da LCCG considera proibida, consoante o quadro negocial padronizado, a cláusula contratual geral que estabeleça um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra parte o justifiquem.
A doutrina e a jurisprudência têm oscilado entre duas perspectivas contrárias de olhar para esta norma.
Há quem entenda que tal cláusula só pode julgar-se proibida, após a sua inserção num concreto contrato, onde se possa constatar o nível dos inconvenientes causados a uma das partes e os interesses da outra.
Foi este o pensamento orientador do acórdão fundamento.
Há, por outro lado, quem defenda que a cláusula é em si proibida, porque integrando uma proposta de contrato é abstractamente aplicável a um número indeterminado de aderentes, entre os quais se incluem muitos a quem a mesma cause graves inconvenientes, sem que os interesses do predisponente, o recorrente, os justifiquem.
É esta a posição assumida pelo acórdão recorrido.
O argumento do recorrente do cada vez mais reduzido campo de aplicação da cláusula, face à redacção dos artºs. 71 nº 1 e 104º nº 1 do CPC, é perfeitamente reversível.
Na verdade, se o campo de aplicação da cláusula é cada vez menor, menos se justifica a sua inclusão nos contratos.
Os acórdãos do STJ de 16.10.2014, proc. nº 2476/2010, relatado pelo Exmo. Conselheiro Lopes do Rego, 09.09.2014, proc. nº 679/10, relatado pelo Exmo. Conselheiro Gabriel Catarino, 07.02.2006, proc. nº 3659/05, relatado pelo Exmo. Conselheiro Sousa Leite, 16.03.2004, proc. nº 3966/03, relatado pelo Exmo. Conselheiro Moreira Alves, julgaram nula  a referida cláusula em acção inibitória.
Ana Prata, obra citada, p. 456, defende que a cláusula em questão deve ser declarada proibida em acção inibitória.
Menezes Cordeiro, obra citada, p. 479, parece concordar com a perspectiva da proibição da cláusula em abstracto.
Trata-se, como já se deixou dito, de uma cláusula relativamente proibida, em que a lei faz depender a sua validade ou proibição do quadro negocial padronizado.
Estas cláusulas estão enunciadas no artº. 19º da LCCG.
Ora, o artº. 25º da LCCG dispõe:
“As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artºs. 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º, podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.
Se este tipo de cláusulas pode ser proibido por decisão judicial, mesmo sem estarem incluídas em qualquer contrato, significa que o tribunal não precisa de analisar as circunstâncias concretas do negócio jurídico em que as mesmas foram inseridas para as declarar proibidas, desde que tome em consideração o tipo de contrato e o padrão de aderentes.
Sendo assim, tratando-se de um contrato de abertura de crédito e o padrão de aderentes ser muito diversificado, incluindo necessariamente pessoas para quem a cláusula em análise é altamente lesiva, a perspectiva do acórdão recorrido é a correcta, não merecendo a decisão que considerou a cláusula proibida qualquer censura.
Nos termos expostos decide-se julgar improcedente o recurso extraordinário e confirmar o acórdão recorrido.

Segmentos uniformizadores:
É proibida, nos termos do preceituado pelo artº. 15º da LCCG, por contrária à boa-fé, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta colectiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular.
É proibida, nos termos do preceituado pelo artº. 18º al. a) da LCCG, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a ceder total ou parcialmente a sua posição contratual para outras entidades do respectivo grupo, sediadas em Portugal ou no estrangeiro.
A nulidade da cláusula de atribuição de competência territorial pode ser apreciada em acção inibitória, em função da valoração do quadro contratual padronizado e não apenas no âmbito dos contratos concretos.

Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Novembro de 2015 - Salreta Pereira (Relator) – João Bernardo – Paulo Sá – Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – Oliveira Vasconcelos – Fonseca Ramos – Garcia Calejo – Helder Roque – Salazar Casanova – Lopes do Rego – Távora Victor – Gregório da Silva Jesus – Fernandes do Vale – Fernando Bento – Martins de Sousa – Gabriel Catarino – João Trindade – Tavares de Paiva – Silva Gonçalves – Abrantes Geraldes -  Ana Paula Boularot -  Maria Clara Sottomayor – Pinto de Almeida – Fernanda Isabel Pereira – Tomé Gomes –  Júlio Vieira Gomes - Manso Rainho – Sebastião Póvoas – Nuno Cameira – Alves Velho – Bettencourt de Faria – João Camilo (Vencido, conforme voto que apresento em separado) – Pires da Rosa (Vencido, conforme declaração que junto) – Henriques Gaspar (Presidente)

Voto de vencido

Votei vencido apenas no tocante ao último segmento uniformizador, no sentido da proibição da cláusula contratual geral que fixa  a competência territorial para dirimir os litígios emergentes do contrato.

Tal como foi decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido em 19-09-2006, no processo nº 06A2616 por mim relatado e que aqui funcionou como acórdão fundamento desta parte da uniformização, a proibição de tal tipo de cláusula prevista no art. 25º do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10, refere-se às cláusulas que contrariem o disposto, entre outros, no art. 19º do mesmo diploma.

A cláusula contratual geral prevista na al. g) do mesmo art. 19º apenas é proibida, se o estabelecimento de um foro de competência, atento o quadro negocial, envolver graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra parte o justifiquem.

Daqui que, em meu entender, a proibição prevista no art. 25º mencionado apenas atinja a cláusula da citada al. g) do art. 19º quando se verifique o circunstancialismo especifico ali previsto.

E havendo a possibilidade de o mesmo circunstancialismo se não verificar, somos da opinião de que a cláusula contratual de atribuição de foro competente, não pode ser declarada nula em abstrato em ação inibitória que, obviamente, não pode avaliar das particularidades de cada caso para se saber se se preenche o aludido circunstancialismo fáctico previsto na referida al. g).

Desta forma uniformizaria a jurisprudência no sentido de que a cláusula contratual geral de atribuição de foro não é proibida em  abstrato e julgando o pedido, nessa parte, improcedente, com a concessão da revista no tocante à questão acabada de apreciar.  

João Camilo
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Declaração de voto

Vencido quanto ao ponto terceiro do “segmento uniformizador” que redigiria nos precisos termos em que se chegou à uniformização quanto aos pontos primeiro e segundo.

Assim:

 É proibida a cláusula contratual geral que atribui ao Tribunal Judicial da comarca sede do banco predisponente a competência territorial para dirimir os litígios emergentes do contrato.       

Pires da Rosa