Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3730
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
SENHORIO
AUTONOMIA DA VONTADE
Nº do Documento: SJ200812110037302
Data do Acordão: 12/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
1. Face à natureza imperativa do preceito, estabelecida no artigo 51º do Regime do Arrendamento Urbano, o arrendatário não pode renunciar aos direitos que lhe são concedidos pelo nº2 do artigo 72º do mesmo Regime.
2. Mas nada o impede, como titular desses direitos e ao abrigo do princípio da autonomia da vontade privada estabelecido no artigo 405º do Código Civil, de uma vez transitada em julgado um decisão judicial de que resultou a cessação do contrato de arrendamento, negociar ou acordar os termos em que a desocupação do prédio, consequência daquela cessação, se fará.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 05.05.20, na 1ª Vara Cível de Lisboa, AA intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra BB

pedindo
a) - que fosse declarada nula a renúncia da autora à reocupação da fracção autónoma designada pela letra J correspondente ao 5.º andar direito do prédio sito na Rua ................., nºs ....... A, em Lisboa, constante do documento n.º 1 junto com a petição inicial ou, em alternativa, anulada por ter sido obtida por coacção moral;
b) - que a ré fosse condenada a permitir a reocupação da casa nos termos do art. 72.º do Regime do Arrendamento Urbano;
c) - que a ré fosse condenada a pagar à autora a importância de € 1.845,00, acrescida de juros desde a citação.

alegando
em resumo, que
- por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 20/09/2003, foi a autora condenada a despejar a fracção autónoma designada pela letra -- correspondente ao .. andar direito do prédio sito na R............, nºs ... e ......., em Lisboa, com fundamento na necessidade do local arrendado para habitação da Ré;
- a autora sofre de doença do foro psiquiátrico;
- a autora tem fracos recursos económicos;
- a autora vivia há 32 anos no andar arrendado, sozinha e próxima da filha que lhe garantia o sustento e a assistência que necessitava;
- perante a perspectiva de ter de abandonar a casa na sequência do ordenado despejo e tendo em atenção o circunstancialismo descrito nas três alíneas anteriores, a autora criou uma síndroma de terror, que a tornou permeável a qualquer coacção que sobre si fosse exercida;
- durante o período legalmente previsto para abandonar o local arrendado, foi contactada pela ré que lhe propôs que a autora lhe desse permissão para não habitar o prédio, renunciando ao direito de reocupação, autorizando-a a ré, em contrapartida, a permanecer gratuitamente no andar até 29/02/2004 e comprometendo-se a celebrar um novo contrato de arrendamento, noutras condições de renda, o que a autora aceitou;
- veio a reduzir se a escrito este acordo mas apenas no que toca à renúncia pela autora do direito de reocupação e contra uma estadia no locado por mais dois meses;
- a ré não cumpriu contudo o referido acordo verbal, na parte respeitante à celebração de um novo contrato de arrendamento, colocando a fracção à venda, sem sequer ser objecto de qualquer reparação;
- o documento onde renunciou à reocupação da fracção foi obtido por coacção moral em conexão com uma promessa enganosa que a ré lhe fez de voltar a arrendar o ex locado;
- nessa medida, a renúncia da autora é nula, por contrariar um direito conferido em nome de interesse e ordem pública e por lei imperativa e por ter sido obtido por coacção moral e, por outro lado, que a ré não foi habitar o andar referido, propondo-se vendê-lo.

Contestando
e também em resumo, a ré alegou que
- a autora não estava em qualquer situação de fragilidade psíquica;
- não existiu qualquer ameaça sobre a mesma que a tivesse determinado à celebração do acordo pelo qual renunciou ao direito de reocupar a fracção em questão;
- tal acordo foi celebrado pela autora livre e conscientemente;
- sendo certo que, por esse acordo, recebeu uma indemnização e ficou desonerada do pagamento dos danos causados na fracção por mau uso, cuja reparação importou em € 5.000;
- a autora já não pode invocar a existência de coacção moral, pois, na data da interposição desta acção, já havia decorrido mais de um ano sobre a celebração do acordo referido.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 07.08.13, foi proferida sentença, em que se julgou a acção procedente.

A ré apelou, sem êxito, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 08.05.29, confirmado a decisão recorrida.

Novamente inconformada, ré deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) – Imperatividade do regime estabelecido no nº2 do artigo 72º do Regime do Arrendamento Urbano;
B) – Abuso de Direito;
C) – Litigância de má fé.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
1) Por acórdão de 3 de Julho de 2003, transitado em julgado em 20 de Setembro do mesmo ano, cuja cópia foi junta a fls. 6/15 que se dá por reproduzida o Venerando Tribunal de Relação de Lisboa confirmou uma sentença onde se condenou a Autora a despejar a fracção autónoma designada pela letra J correspondente ao 5.º andar direito do prédio sito na R. ........................,.............,............ em Lisboa, onde habitava, julgando procedente o pedido formulado naquela acção pela, aqui, Ré de denúncia do contrato de arrendamento referente àquela fracção por dela necessitar para sua habitação (alínea A) dos factos assentes);
2) A Ré não foi habitar o andar referido e continua a viver em Lisboa na Av. C......................, n.º .. – .....– Lisboa (alínea B) dos factos assentes);
3) A Autora e a Ré celebraram em 21 11 2003 um contrato, através do qual aquela deixava de pagar a renda do 5.º andar direito até 29 de Fevereiro de 2004 e a Autora renunciava ao direito de reocupação do referido andar e desvinculava a Ré da obrigação de o ir habitar (alínea C) dos factos assentes);
4) Acordando ambas que a entrega do andar era feito à Ré ou ao seu pai às 15 horas do dia 29 02 04 e que nessa data a Ré devia entregar lhe a indemnização acordada de € 2.200,00 (alínea D) dos factos assentes);
5) A Autora e a Ré acordaram ainda que com a entrega da casa à Ré e a entrega à Autora desta quantia, nada mais tinham a reclamar ou a receber (alínea E) dos factos assentes);
6) A Ré emitiu a favor da Autora o cheque visado n.º......... sobre a sua conta no Banco Pinto & Sotto Mayor, para lhe pagar a quantia dos 2.200,00 €, nos termos que constam do Doc. 2 da contestação que se dá por reproduzido (alínea F) dos factos assentes);
7) Nessa altura, o Sr. Dr. CCrecebeu o cheque referido e apôs na sua fotocópia a declaração “Recebi o cheque para entrega à destinatária” que datou e assinou (alínea A) dos factos assentes);
8) A Autora sofre de doença do foro psiquiátrico (ponto 1) da base instrutória);
9) Em 20.10.2003, o médico psiquiatra, chefe de serviço hospitalar, que assiste a Autora há mais de 10 anos, certificou que a Autora “… é doente do foro psiquiátrico há 10 anos, sofre de doença depressiva grave, com crises com risco sério, incluindo suicídio, sendo altamente nocivo à sua saúde mental a perda do actual domicílio onde coabita há 32 anos”, nos termos que constam do documento junto a fls. 16 que se dá por reproduzido (ponto 2) da base instrutória);
10) Em 30.11.2004, o mesmo médico certificou que a Autora “…sofre de depressão ansiosa crónica, com crises graves, sendo pessoa muito frágil, sensível e indefesa. No período do fim de 2003 (Outono) estava muito doente, sendo provável que possa ter sido sugestionada a subscrever documentos que não garantiam os seus direitos em relação à casa. Aliás a falta da residência, onde habitava há 32 (trinta e dois) anos tem agravado o seu estado de saúde”, nos termos que constam do documento junto a fls. 16 que se dá por reproduzido (ponto 3) da base instrutória);
11) A Autora vivia há 32 anos no andar referido em A) e perto da filha que lhe garantia assistência (ponto 4) da base instrutória);
12) A perspectiva de abandonar a casa referida em A) e de perder o amparo da sua filha e de pessoas amigas e o apoio de vizinhos criaram na Autora um síndroma de terror (ponto 5) da base instrutória);
13) Devido aos seus recursos económicos começou a aperceber se que não podia habitar em Lisboa, perto de ou facilmente acessível às pessoas que a podiam continuar a apoiar (ponto 6) da base instrutória);
14) A Autora não obteve uma habitação em Lisboa, vivendo actualmente sozinha, na R. F................., n.º..,........sq. – Damaia (ponto 7) da base instrutória);
15) Em seguida, a fracção aludida em A) foi posta à venda por intermédio da Imobiliária ERA – BENFICA – IMOBILIÁRIA, sita na Av. ................– .. – ..e com o telefone ......... (ponto 12) da base instrutória);
16) O andar tinha a bancada de mármore da cozinha partida, deslocada, o apoio do lado direito também em mármore fora do lugar, outras peças de mármore partidas, alguns dos armários sem portas, vidros da marquise e varanda partidos, o exaustor inutilizado, a dispensa sem prateleiras, o chão de parquet parcialmente danificado, as paredes com falta de estuque, o tecto da casa de banho com falta de estuque e cimento, os estores da sala para a varanda e respectiva instalação arrancados (ponto 18) da base instrutória);
17) Todo o andar estava sujo (ponto 19) da base instrutória);
18) A Ré procedeu a obras de reparação despendendo € 750,60 em materiais (ponto 20) da base instrutória);
19) O Sr. Dr. ECC o, mandatário da Autora e na ausência desta, entregou a casa ao pai da Ré em 15 03 2004 (ponto 22) da base instrutória);
20) A Autora celebrou o acordo cuja cópia foi junta a fls. 15 com liberdade e consciente do que fazia (ponto 24) da base instrutória);
21) O acordo escrito cuja cópia foi junta a fls. 15 foi previamente negociado entre o pai da demandada e a Autora, a quem foi apresentado já assinado pela Ré (ponto 26) da base instrutória);
22) É professora de música e dava aulas de piano no andar donde saiu (ponto 28) da base instrutória).

Os factos, o direito e o recurso

A) Imperatividade do regime estabelecido no nº2 do artigo 72º do Regime do Arrendamento Urbano

No acórdão recorrido entendeu-se que não se encontrava na livre disponibilidade das partes a celebração do acordo, referido nas alíneas c) a g) dos factos assentes, com vista à derrogação do regime instituído pelo nº2 do artigo 72.º do Regime do Arrendamento Urbano, dado a renúncia em questão visar alterar uma disposição relativa à denúncia do contrato de arrendamento habitacional, contornando a consequência legal para o incumprimento dos pressupostos de que a lei e a subsequente sentença judicial fez depender a cessação do contrato, na modalidade de denúncia
A ré recorrente entende que uma vez que não se demonstrou que a vontade da autora tinha sido viciada por coacção da ré, nada a impedia de celebrar o referido acordo, uma vez que a matéria dele objecto não estava abrangida pelo regime vinculístico do arrendamento urbano e, portanto, não violava qualquer norma de natureza imperativa.
Cremos que tem razão.

Nos termos do nº2 do artigo 72º do Regime do Arrendamento Urbano e após a procedência do pedido de denúncia para habitação, “se o senhorio, desocupado o prédio, não o for habitar dentro de 60 dias, ou o tiver devoluto durante mais de um ano sem motivo de força maior, ou não permanecer nele durante três anos, e bem assim se ele não tiver feito, dentro desse mesmo prazo, a obra justificativa da denúncia, o arrendatário despedido tem direito, além da indemnização fixada no número anterior, à importância correspondente a dois anos de renda e pode reocupar o prédio, salvo, em qualquer dos casos mencionados, a ocorrência de morte ou deslocação forçada do senhorio não prevista à data do despejo.”

Face à natureza imperativa do preceito, estabelecida no artigo 51º do Regime do Arrendamento Urbano, o arrendatário não pode renunciar aos direitos que lhe são concedidos pelo nº2 do artigo 72º já referido.
Mas nada o impede de, como titular desses direitos e ao abrigo do princípio da autonomia da vontade privada estabelecido no artigo 405º do Código Civil de, uma vez transitada em julgado um decisão judicial de que resultou a cessação do contrato de arrendamento, negociar ou acordar os termos em que a desocupação do prédio, consequência daquela cessação, se fará.
E isto por duas razões.

A primeira, é que não se compreenderia porque razão um arrendatário teria que ser obrigado a exercer e a beneficiar de um direito – o direito de reocupação de um prédio – quando entendesse que os seus interesses ficariam melhor protegidos com outros benefícios que não aquele.
O próprio texto da lei inculca esta ideia, na medida em que aí se estabelece que o arrendatário pode reocupar o prédio, do que se conclui que se pode não reocupar o prédio também pode negociar a sua desocupação em condições diferentes das que são estabelecidas no citado nº2 do artigo 72º
Quem pode o mais, pode o menos.

A segunda razão é porque as consequências previstas no nº2 do artigo 72º actuam como sanção à fraude dos senhorios que, invocando a necessidade do prédio para habitação, denunciam o arrendamento e não vão habitá-lo no prazo fixado na lei como mais que suficiente para a instalação, desmentindo a imediata necessidade, antes afirmada na acção de despejo.
Ora, se é o próprio arrendatário a concordar que o senhorio pode não ir habitar o local antes a si arrendado, é evidente que nunca se pode pôr aqui a hipótese de fraude.
E não havendo fraude, para quê impor um regime não querido pelas partes?

No caso concreto em apreço, a aqui autora e recorrida acordou com a aqui ré e recorrente “regular as consequências e direitos decorrentes da sentença” – como se diz no documento referido nas alíneas c) a e) - proferida na acção que decretou o despejo do locado e nos termos do constante dessas alíneas, decisão essa que já tinha transitado em julgado.
E desse acordo resulta que a aqui autora não queria nem iria reocupar o locado depois de o entregar à aqui ré e que concordava em que esta não tinha que o ocupar.

A aqui autora alegou que a aqui ré a ameaçou que não lhe faria um novo arrendamento caso não assinasse o documento pelo qual liberaria a ré da sua obrigação de ir habitar o andar.
Ou seja, que assinou o documento sob coacção.
Tais factos, no entanto, não foram dados como provados.
Na verdade, perguntando-se no ponto 11º da base instrutória se “a ré ameaçou a autora que não lhe faria um novo arrendamento caso a autora não assinasse o documento pelo qual libertaria a ré da sua obrigação de ir habitar o andar”, tal quesito teve resposta negativa.
Antes, foi dado como provado que “a autora celebrou o acordo (…) com liberdade e consciente do que fazia” - resposta positiva ao ponto 24º da base instrutória.
É certo que se provou que a aqui autora sofre de doença depressiva grave.
Mas também é certo que se provou que isso não afectou a liberdade e consciência do que fazia – cfr. resposta ao ponto 24º da base instrutória.
Logo, não se constata qualquer vício da vontade que ocasionasse a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico em que a autora foi parte com a ré.
Provou-se que a autora vivia há 32 anos no andar, perto da filha que lhe garantia assistência, criando-lhe a perspectiva de abandonar a casa e de perder o amparo da sua filha e de pessoas amigas e o apoio de vizinhos um síndroma de terror, sendo que devido aos seus recursos económicos começou a aperceber-se que não podia habitar em Lisboa, perto de ou facilmente acessível às pessoas que a podiam continuar a apoiar, não obtendo uma habitação em Lisboa, vivendo actualmente sozinha, na Damaia – cfr. respostas aos pontos 4º a 7º da base instrutória.
Mas da conjugação destes factos com o facto de se ter dado como provado que a autora celebrou o acordo com liberdade e consciente do que fazia e ainda com o facto de não se ter dado como provado que tenha sido ameaçada pela ré para assinar o referido acordo, apenas nos pode levar à conclusão que a autora não teria sopesado todas as consequências desse acordo e que depois de o assinar, veio a arrepender-se de o ter feito.

Mas como é sabido e resulta do disposto no nº1 do artigo 224º do Código Civil “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida; (…)”.
Ora, chegada ao poder da ré a declaração negocial da autora referida nas alíneas c) a e) da base instrutória e não se tendo provado haver o vício da vontade por si invocado, tal arrependimento não pode ser considerado motivo bastante para tornar nulo ou ineficaz o acordo.
Pelo que, sendo ele válido, nos termos acima assinalados, não resta à autora outra solução senão cumpri-lo – cfr. nº1 do artigo 406º do Código Civil.

Finalmente, não podemos deixar de salientar o seguinte.
Os traços mais particulares e característicos do “arrendamento vinculístico” são aquelas restrições à liberdade contratual que deram origem à sua denominação, e se reconduzem fundamentalmente a duas imposições legais: a prorrogação forçada do contrato, se o arrendatário, finda a sua duração, não quiser pôr-lhe termo, e o bloqueio das rendas – neste sentido, ver Pinto Furtado “in” Manual do Arrendamento Urbano, 4ª edição, volume II, página 270.
Daí que depois da ocorrência de situações em que se definiram definitivamente os direitos do arrendatário quanto a estas matérias, não se vê razão para impor ou proibir o mesmo de dispor dos seus interesses que, no caso da denúncia, não derivam directamente desta, mas de uma situação posterior a esta.
A este respeito, ver com interesse, o referido pelo citado autor na citada obra sobre a chamada mitigação do princípio da imperatividade, a páginas 209 e seguintes, nomeadamente o que se diz a página 279.

Concluímos, pois, pela validade do acordo em causa e, consequentemente, pela improcedência dos pedidos da autora em desocupar o locado e ser indemnizada.

B) – Abuso de Direito

Entende a ré recorrente que a autora recorrida actuou com abuso de direito ao opor-se a um acto que ela própria praticou e por força do qual levou a ré à prática de actos constitutivos de direitos e obrigações e sobretudo o não ir habitar o andar, inserindo-se, assim, num “venire contra factum próprio”.
A resolução da questão, no sentido de impedir a autora de exercer o direito que pretendia exercer com esta acção, deixou de ter interesse dada a improcedência da mesma resultante da solução dada à questão anterior.
Por isso, o seu conhecimento encontra-se prejudicado.

C) – Litigância de má fé

Entende também a ré recorrente que autora litigou de má fé ao imputar-lhe a prática de actos desonrosos e atentatórios à sua dignidade e consideração social e profissional, omitindo o seu dever de cooperação na lide.

A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes - material e instrumental - pressupõe sempre a existência de dolo ou negligência grave - cfr. artigo 456º, nº2, do Código de Processo Civil.
É necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou pelas aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida.

Assim, só existirá má fé quando a lide for explicitamente maliciosa ou imprudente.
Por outras palavras, para haver condenação por litigância de má fé - no caso de má fé material, única que “in casu” importa considerar - não basta a comprovação da falta de fundamento da pretensão ou da oposição, necessário é que com ela concorra a clara revelação de que a parte teve perfeita consciência dessa falta de fundamento.

No caso concreto em apreço, não existem elementos que nos permitam chegar a essa conclusão.
Do facto de não te conseguido provar determinados factos, só por si, não pode levar à conclusão de que tenha actuado de má fé.
Necessário era que também se provasse aquele dolo ou má fé.
O que, em nosso entender, não ressalta dos factos.
Daí, não se poder dizer que a autora actuou com má fé.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em conceder a revista e assim, revogando o acórdão recorrido, julgar improcedente a acção e absolver a ré dos pedidos.
Custas em todas as instâncias pela recorrente.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2008


Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Duarte Soares