Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4578/07.0TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA
EXCLUSÃO DE ASSOCIADO
COMUNICAÇÃO
DECLARAÇÃO
CÔNJUGE
EFICÁCIA
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ NEGÓCIO JURÍDICO
Doutrina: - Vaz Serra, RLJ, Ano 111, p. 220.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º
CÓDIGO DAS ASSOCIAÇÕES MUTUALISTAS, APROVADO PELO DL N.º 72/90, DE 3-3: - ARTIGOS 1.º, 2.º, N.º 1.
DEC. LEI N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 11.º, N.º2.
ESTATUTOS DO MONTEPIO GERAL ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA (1998): - ARTIGOS 2.º, N.º 2, 3.°/1, A), 9.º, 10.º, 11.º, N.º 8.
REGULAMENTO DE BENEFÍCIOS DO MONTEPIO GERAL-ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA (1/9/1992): - ARTIGOS 1.º, 7.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 31-07-2007, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 27-9-2007, CJ ACS. STJ, ANO XV, TOMO III, P. 64, PONTO V DO RESPECTIVO SUMÁRIO;
-DE 08-09-2009, REVISTA N.º 1127/05.8TBCBR.C1.S1-1.ª SECÇÃO;
-DE 20-01-2010, REVISTA N.º 312/2002.C1.S1-1.ª SECÇÃO.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 18-10-2011, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Tendo ambos os autores, casados segundo o regime de comunhão de adquiridos, sido admitidos como associados da associação mutualista 2.ª ré e inscritos em “Plano de Encargos Habitação”, traduzido em garantia do pagamento de encargos relativos a contrato de mútuo com hipoteca celebrado com a instituição bancária 1.ª ré, a exclusão de associado por falta de pagamento de quotizações deve ser comunicada a cada um dos cônjuges, não podendo considerar-se eficaz em relação à autora a comunicação feita pela 2.ª ré ao autor.

II - Para tal, era necessário que a 2.ª ré tivesse dirigido também directamente à autora uma declaração de vontade e que essa declaração tivesse chegado à posse da mesma ou, ao menos, que se provasse que tomara conhecimento do seu teor.
Decisão Texto Integral:            

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial de Gondomar, AA e BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Caixa Económica Montepio Geral e Montepio Geral, Associação Mutualista, pedindo a condenação destas a:

1-Reconhecerem aos AA a qualidade de associados da 2.ª Ré, por admissão ocorrida em Maio de 1997, tendo o Autor o n.º 000000000 e a Autora o n.º 000000000 e a sua consequente inscrição no Plano de Encargos Habitação (Garantia de Pagamento de Encargos), subscrito junto da 2.ª Ré e, em consequência:

2-Reconhecerem a validade das Garantias de Pagamento de Encargos relativas ao contrato de mútuo outorgado em 30.4.1997, empréstimo n.º 00000000000 e, em consequência:

3-Ser a 2.ª Ré condenada a pagar à 1.ª Ré a totalidade do valor relativo ao contrato de mútuo n.º 0000000000000, que neste momento ascende a € 43.199,20, valor em divida no momento dos AA perante a 1.ª Ré e juros vencidos e vincendos;

4-Ser a 1.ª Ré condenada a restituir aos AA os valores por estes pagos desde Janeiro de 2006, a título de amortização do contrato de mútuo outorgado em 30.4.1997 – empréstimo n.º 00000000000000 e que ao mês de Setembro de 2007 ascendem a € 4.238,25 e demais quantias pagas ou a pagar pelos AA a este título na pendência da acção, valor a liquidar em execução de sentença, acrescidas dos juros legais desde a citação.

A Ré Caixa Económica Montepio Geral deduziu contestação, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Ré Montepio Geral-Associação Mutualista deduziu contestação, concluindo igualmente pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Os Autores replicaram.

Fixou-se à acção o valor de € 47.437,45.

Efectuou-se a selecção da matéria de facto.

Procedeu-se a julgamento, com gravação das provas oralmente produzidas.

Proferiu-se sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo ambas as Rés do pedido.

Os Autores apelaram da sentença para a Relação que julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O pedido de subscrição da Garantia de Pagamento de Encargos (GPE) que os Recorrentes subscreveram junto do Montepio Geral - Associação Mutualista é omisso quanto às coberturas que aquela Garantia cobria; risco de morte e invalidez ou apenas o de morte. (doc. de fls. 285).

2. Nos termos do art.° 1 do capítulo III do Regulamento de Benefícios do Montepio Geral, o associado tanto pode subscrever o risco de morte e invalidez como qualquer de um.

3. O contrato de seguro estabelecido entre os Recorrentes e a Recorrida Montepio Geral é um contrato típico de adesão.

4. Dos documentos (docs. 2 e 3) juntos com a p.i. e emitidos pela Recorrida Montepio Geral, não se pode concluir que o risco coberto fosse apenas o de morte.

5. Não compete à Recorrida Montepio Geral, definir unilateralmente qual o risco coberto pela referida GPE.

6. Nos termos do art.° 115 do D. Lei 102/94 no ramo vida, o seguro de vida também pode estar associado de invalidez.

7. O contrato em causa, típico contrato de adesão, deve ser interpretado em caso de dúvida de acordo e prevalecendo a interpretação mais favorável aos Recorrentes, na esteira do entendimento subscrito pelo Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 15 de Maio 2001, Col. Jurisprudência Acórdãos STJ - Ano IX Tomo II-2001.

8. Razão pela qual deve ser entendido que a Garantia de Encargos subscrita pelos Recorrentes, cobria também o risco de invalidez.

9. Resultou provado que o atraso do pagamento de quotas relativas à Garantia de Pagamento de Encargos foi de dois meses (ponto 25 da matéria de facto provada).    

10. Nos termos do art. 6 do Regulamento da Beneficiário do Montepio Geral - (n.º 18   dos factos provados) só um atraso superior a dois meses é que determina a suspensão automática da subscrição.

11. Nos termos do art. 9 n.º 1 (doc. 12 junto com a P.I.) dos Estatutos da Recorrida - Montepio Geral, só um atraso de seis meses determinaria a exclusão dos Recorrentes.

12. A carta de fls. 118 (art.° 22 da matéria de facto provada) apenas foi enviada ao Recorrente marido, sendo ineficaz quanto à Recorrente mulher.

13. A comunicação de exclusão, nos termos do art. 9 n.º 3 dos Estatutos do Montepio Geral (doc 12 junto com a P.I.) teria que ser comunicada aos dois cônjuges.

Acontece que nem a um nem a outro o foi, pois a carta de fls. 118, não comunica risco qualquer exclusão da qualidade de associados da Recorrida Montepio Geral.

14. Sendo ineficaz em relação à Recorrente. (Acórdão do STJ, de 31.01.2007 www.dgsi-processo 0614485 número convencional JST 1000.

15. Os Recorrentes, nunca perderam o seu vínculo associativo à Recorrida Montepio Geral aliás tal facto não lhes foi comunicado.

16. A douta sentença violou o disposto nos arts. 236, 237, 238 e 239 do C. Civil, arts. 115 e 171, n.º 1, al. d) do D. Lei 102/94, de 20/4 e arts. 2, 4, n.º 1 e 2, arts. 8 e 10 do D. Lei 176/95, de 26/6, e arte 1.° do Capitulo III do Regulamento de Benefícios do pelos Montepio Geral.

17. Normas estas que deveriam ser aplicadas no sentido de a subscrição da Garantia de Pagamento de Encargos cobrir também o risco de invalidez.

18. Os arts. 9 e 11 do Estatuto do Montepio Geral foram incorrectamente aplicados, devendo ser aplicados no sentido de não se ter verificado os requisitos necessários para a exclusão dos Recorrentes como associados do Montepio Geral.

As Rés contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Factos provados:

1. Por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada em 30 de Abril de 1997, CC e mulher DD, declararam vender a BB e mulher, AA, que declararam aceitar, pelo preço de doze mil contos, a fracção autónoma designada pela letra "T" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 000, da freguesia de Valbom (alínea A) dos factos assentes).

2. Na mesma escritura, BB e mulher, AA e EE confessaram-se solidariamente devedores à Caixa Económica Montepio Geral da quantia de catorze mil contos, que dela receberam a título de empréstimo para aquisição e obras de beneficiação do imóvel referido em 1. (alínea B) dos factos assentes).

3. Consta da cláusula 12.ª do documento complementar à escritura referida em 1. que: "1) Para garantia do pagamento total da dívida será constituído, segundo instruções da Caixa Económica Montepio Geral e em seu beneficio, um seguro de vida ou garantia similar no montante mínimo do valor do empréstimo; 2) A apólice de seguro referida no número anterior ficará em poder da Caixa Económica Montepio Geral, não podendo este seguro ser transferido nem alterado sem autorização desta, dada por escrito, bem como a fazer inserir na respectiva apólice ou em acta adicional a qualidade da CEMG enquanto beneficiária do seguro; C) A Caixa Económica Montepio Geral fica autorizada a pagar este prémio de seguro por conta da parte devedora e a reembolsar-se deste pagamento nos termos da cláusula sétima" (alínea C) dos factos assentes).

4. Em cumprimento do disposto na cláusula 12.ª do documento referido em 3, os Autores foram admitidos na qualidade de associados da Ré Montepio Geral, Associação Mutualista, a Autora com o n.º 0000000 e o Autor com o n.º 000000, mediante o pagamento de 200$00 mensais, e inscritos no Plano Encargos Habitação, mediante o pagamento da quota anual de 41 070$00 (alínea D) dos factos assentes).

5. Para esse efeito, subscreveram um pedido de subscrição da Garantia de Pagamento de Encargos da Ré Montepio Geral -Associação Mutualista, para garantia do contrato de HP.P. n.º 0000, cuja data de início ocorreria no dia 30 de Abril de 1997, cf. documento de fls. 285 cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.

6. Em 27 de Maio de 1997, a 2.ª Ré remeteu à Autora a carta constante de fls. 21 dos autos, onde consta, para além do mais, "resultante da inscrição no Plano Encargos Habitação (Garantia de Pagamento de Encargos), em conjunto com o associado n.º 000000, BB, a contar de 4/1997, com um capital de Esc: 14.000.000$00, a quota anual é de Esc: 41 070$00 e será debitada na conta D.O. do referido associado. Esta inscrição extinguir-se-á com a primeira morte" (alínea E) dos factos assentes).

7. Em 27 de Maio de 1997, a 2.ª Ré remeteu ao autor a carta constante de fls 22 dos autos, onde consta, para além do mais, "resultante da sua inscrição no Plano Encargos Habitação (Garantia de Pagamento de Encargos), a contar de 4/1997, com um capital de Esc.-14. 000. 000$00, a quota anual a pagar é de Esc.­41.070$00.(. . .)

A referida inscrição, por ter sido subscrita sobre duas vidas, beneficia também a associada n.º 0000000, AA e extingue-se com a primeira morte" (alínea F) dos factos assentes).

8. Em Novembro de 2001, os autores deixaram de pagar as prestações relativas ao empréstimo referido em 2 e as quantias referidas em 4. (alínea G) dos factos assentes).

9. A Ré Caixa Económica Montepio Geral instaurou acção executiva contra os aqui Autores, que correu termos pelo 12.º juízo cível deste Tribunal sob o n.º 0000000, com vista ao pagamento das prestações em dívida e valor dos seguros pagos (alínea H) dos factos assentes).

10. Naquela acção, foi celebrado acordo de pagamento para regularização da dívida, tendo os autores sido absolvidos da instância (alínea I) dos factos assentes).

11. Por escritura de mútuo com hipoteca, outorgada em 27/10/2004, BB e mulher, AA, confessaram-se solidariamente devedores à Caixa Económica Montepio Geral da quantia de oito mil oitenta e dois euros e vinte e sete cêntimos, que nesta data receberam a título de empréstimo, pelo prazo de vinte e dois anos, para amortização parcial do contrato de empréstimo referido em 2., relativo ao montante do capital mutuado que se destinou a realização de obras de beneficiação no imóvel referido em 1. (alínea J) dos factos assentes).

12. Para garantia do pagamento da quantia referida no ponto anterior, os Autores subscreveram garantia de pagamento de encargos na ré "Montepio Geral, Associação Mutualista" (alínea L) dos factos assentes).

13. Em Janeiro de 2006, a Autora adoeceu, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade física permanente de 80% (alínea M) dos factos assentes).

14. A 2.ª Ré procedeu ao pagamento integral da quantia em dívida relativa ao empréstimo referido em J) e recusou o pagamento da quantia relativa ao empréstimo referido em B) (alínea N) dos factos assentes).

15. Dispõe o artigo 9.º/1 dos estatutos da 2.ª Ré que "os associados efectivos não podem ter em dívida mais de 6 meses de quotização, sob pena de exclusão, salvo a situação prevista no número seguinte" (alínea O) dos factos assentes).

16. Dispõe o artigo 9.º/3 dos estatutos da 2.ª Ré que "a exclusão do associado ou a modificação dos seus direitos, nos termos dos números antecedentes, não se tornará eficaz sem que o associado seja para tal efeito notificado por carta registada, com aviso de recepção, endereçada para a morada constante do processo com pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao termo do sexto mês consecutivo de mora" (alínea P) dos factos assentes).

17. Dispõe o artigo 10.º dos estatutos da 2.ª Ré que "quem tiver perdido o vínculo associativo nos termos do artigo anterior ou por ter deixado livremente o Montepio Geral, pode readquiri-lo, com os consequentes direitos, desde que o solicite no prazo máximo de um ano a contar da data da perda daquele vínculo e satisfaça as demais condições previstas no Regulamento de Benefícios" (alínea Q) dos factos assentes).

18. De acordo com o disposto no artigo 6.º/1 do Regulamento de Benefícios do Montepio Geral -Associação Mutualista, "o atraso no pagamento de quotas por período superior a dois meses suspende automaticamente a subscrição, deixando o Montepio Geral de assumir qualquer responsabilidade caso ocorra a morte ou a invalidez do subscritor após a suspensão" (alínea R) dos factos assentes).

19. De acordo com o disposto no artigo 6.º/2 do mesmo Regulamento, "o subscritor pode retomar a sua posição com o pagamento das quotas em dívida, não tendo, porém, quaisquer direitos relativamente ao período de suspensão" (alínea S) dos factos assentes).

20. De acordo com o disposto no artigo 9.º/1, do mesmo Regulamento, "a subscrição pode ser feita sobre duas vidas, extinguindo-se quando se verificar a primeira morte ou invalidez, sendo o capital devido quando tal ocorrer" (alínea T) dos factos assentes).

21. Em 01 de Maio de 1998, a 2.ª Ré remeteu ao autor, que recebeu, a carta constante de fls. 117, onde consta que "de acordo com informação da Caixa Económica Montepio Geral, a conta de depósito à ordem indicada por V.Exa. apresentava saldo insuficiente para cobrança da quotização respeitante a subscrições efectuadas. O montante total da dívida é de 42.791$00. Assim, torna-se indispensável que efectue o provisionamento da conta em causa, dado que, tendo subscrito o plano de Garantia de Pagamento de Encargos, o respectivo Regulamento no seu artigo 6.º determina que, em caso de atraso no pagamento por período superior a dois meses, a subscrição seja automaticamente suspensa, ficando V Ex., consequentemente, sem garantia da cobertura prevista nesta modalidade" (alínea U) dos factos assentes).

22. Em 1 de Setembro de 1999, a 2.ª Ré remeteu ao Autor, que recebeu, a carta constante de fls 118, onde é referido como assunto "Cobrança de Quotização ­Regularização do pagamento de quotas em atraso ", onda consta, para além do mais, "de acordo com os nossos registos, V Exa. encontra-se em atraso no pagamento das quotizações referentes às modalidades indicadas no verso. (. . .)

Por outro lado, convém igualmente recordar que os Estatutos do Montepio Geral ­Associação Mutualista determinam a anulação ou redução das subscrições quando os associados devam quotas correspondentes a seis meses. A anulação referida poderá mesmo levar à eliminação de Associado, o que lamentaríamos" (alínea V) dos factos assentes).

23. De 1 de Março de 2006 até 30 de Setembro de 2007, os Autores pagaram à 1.ª Ré, pelo menos, a quantia de € 4238,25, relativa a amortização de capital do empréstimo referido em 2., juros, juros de mora, impostos e despesas (alínea X) dos factos assentes).

24. A partir de Dezembro de 1999, a 1.ª Ré deixou de proceder ao desconto, na conta dos Autores, das quotas referidas na alínea 4. (resposta ao n.º 2 da base instrutória).

25. Aquando do envio da carta referida em 21, existia um atraso de dois meses no pagamento das quotizações relativas à Garantia do Pagamento de Encargos (resposta ao n.º 3 da base instrutória).

26. Aquando do envio da carta referida em 22., havia um atraso de cinco meses no pagamento da quota devida pela inscrição no Plano Encargos Habitação, referida na parte final do ponto 4. (resposta ao n.º 4 da base instrutória).

27. Em Novembro de 1999, a 2.ª Ré considerou anulada a subscrição da Garantia do Pagamento de Encargos relativa ao empréstimo referido em 2. (resposta ao n.º 5 da base instrutória).

28. Em 2004, os Autores solicitaram junto da Ré a reaquisição de direitos (resposta ao n.º 6 da base instrutória).

29. O que foi recusado com o fundamento de ter sido excedido o prazo para o efeito (resposta ao n.º 7 da base instrutória).

O Direito:

Questão prévia:

Nas suas contra-alegações, dizem as Recorridas que as alegações de recurso de revista apresentadas pelos Autores, nomeadamente, as suas conclusões, são uma reprodução quase integral das alegações e respectivas conclusões apresentadas no recurso de apelação.

O que equivale à falta de alegações, implicando a deserção do recurso.

A repetição das alegações só seria admissível quando a Relação usasse a faculdade a que alude o art. 713, n.º 5 do CPC, situação que não ocorre nestes autos.

            Que dizer?

No caso dos autos, o acórdão da Relação confirmou a sentença da 1.ª instância, noutros termos, mas com idênticos fundamentos.

Visando impugnar o acórdão recorrido, os Autores apresentaram as suas alegações de recurso de revista, formulando as conclusões que acima transcrevemos.

Confrontando estas últimas com as conclusões das alegações do recurso do recurso de apelação, verificamos que todas as conclusões das alegações do recurso de revista já se encontravam vertidas nas conclusões das alegações do recurso de apelação (nestas havia sido ainda deduzida a impugnação da matéria de facto):

As conclusões da revista sob os n.º 1, 2 e 3 correspondem, respectivamente, às conclusões n.º 1, 2 e 3 da apelação;

A conclusão n.º 4 da revista corresponde à conclusão n.º 5 da apelação;

A conclusão n.º 5 da revista corresponde á conclusão n.º 7 da apelação;

A conclusão n.º 6 da revista corresponde à conclusão n.º 8 da apelação;

A conclusão n.º 7 da revista corresponde á conclusão n.º 10 da apelação;

A conclusão n.º 8 da revista corresponde à conclusão n.º 11 da apelação;

A conclusão n.º 9 da revista corresponde à conclusão n.º 12 da apelação;

A conclusão n.º 10 da revista corresponde à conclusão n.º 13 da apelação;

A conclusão n.º 11 da revista corresponde à conclusão n.º 19 da apelação;

A conclusão n.º 12 da revista corresponde á conclusão n.º 20 da apelação;

A conclusão n.º 13 da revista corresponde á conclusão n.º 21 da apelação;

A conclusão n.º 14 da revista corresponde à conclusão n.º 22 da apelação;

A conclusão n.º 15 da revista corresponde á conclusão n.º 28 da apelação;

As conclusões n.º 16 e 17 da revista correspondem à conclusão n.º 34 da apelação; e

A conclusão n.º 18 da revista corresponde à conclusão n.º 36 da apelação.

Pois bem. Quanto a nós, e em termos gerais, inclinamo-nos para considerar que a repetição das alegações apresentadas na apelação não conduz à rejeição da revista. [1]

            Se no recurso de revista, o recorrente pretendendo, efectivamente, impugnar o acórdão da Relação (não se limitando, portanto, a pedir a revogação da sentença da 1.ª instância), vem repetir as conclusões das alegações do recurso de apelação, por não se lhe afigurar justificado apresentar outros fundamentos, além dos apresentados no recurso de apelação, não é caso de deserção de recurso, por falta de alegações, por a lei do processo não o prever.

            Improcede, assim, a questão prévia suscitada nas contra-alegações de recurso.

As questões colocadas no recurso são, pela sua ordem lógica, e em substância, as seguintes:

I- Se à data do pedido de pagamento da indemnização, que a Autora formulou  à 2.ª Ré, por carta de 1 de Fevereiro de 2006, se encontrava validamente anulada, desde Novembro de 1999, a subscrição da Garantia de Pagamento de Encargos (GPE), de 11  de Abril de 1997, relativa ao contrato H.P.P. n.º 205-7, referido no ponto n.º 5 dos factos provados;

II- Se a mesma Garantia de Pagamento de Encargos (GPE) abrangia o risco de morte e de invalidez permanente ou só o risco de morte.

            A resposta positiva á primeira questão prejudica a segunda questão.

Enquadramento normativo da matéria:

No Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo DL n.º 72/90, de 3-3:

 Art. 1: “as associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social com um número ilimitado de associados, capital indeterminado e duração indefinida que, essencialmente, através da quotização dos seus associados, praticam, no interesse destes e de suas famílias, fins de auxilio recíproco, nos termos previstos neste diploma”.

Art. 2, n.º 1: “constituem fins fundamentais das associações mutualistas a concessão de benefícios de segurança social e de saúde destinados a reparar as consequências da verificação de factos contingentes relativos à vida e á saúde dos associados e de seus familiares e a prevenir, na medida do possível, a verificação desses factos”.

Nos Estatutos do Montepio Geral Associação Mutualista (1998):

Art. 2, n.º 2: São, designadamente, fins do Montepio Geral:

a)Conceder e garantir, através de modalidades individuais e colectivas, benefícios de segurança social e de saúde destinados a prevenir ou a reparar as consequências da verificação de factos contingentes relativos à vida e á saúde dos associados e seus familiares e dos beneficiários por aqueles designados”.

Art. 9:

1.Os associados não podem ter em dívida mais de 6 meses de quotização sob pena de exclusão, salvo a situação prevista no número seguinte.

2. Os associados efectivos, que tenham em divida mais de 6 meses de quotização, poderão manter a sua qualidade desde que verificadas cumulativamente as seguintes condições:

a)Serem, até ao momento em que se verificar a sua entrada em mora, associados com pelo menos 1 ano seguido de quotas pagas;

b)Existir pelo menos uma subscrição cujas reservas matemáticas sejam suficientes para permitir a sua manutenção, por valor não inferior ao previsto nos Estatutos ou no Regulamento de Benefícios, à data de efectivação da mesma;

c)Continuarem a proceder ao pagamento da quota associativa, quando devida.

3.A exclusão do associado ou a modificação dos seus direitos, nos termos dos números antecedentes, não se tornará eficaz sem que o associado seja para tal efeito notificado por carta registada, com aviso de recepção, endereçada para a morada constante do processo com pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao termo do sexto mês consecutivo de mora”.

Art. 10:

“Quem tiver perdido o vínculo associativo nos termos do artigo anterior ou por ter deixado livremente o Montepio Geral, pode readquiri-lo, com os consequentes direitos, desde que o solicite no prazo máximo de 1 ano a contar da data da perda daquele vínculo e satisfaça as demais condições previstas no Regulamento de Benefícios”.

Art. 11, n.º 8:

“Os associados expulsos só por deliberação da Assembleia Geral podem ser novamente admitidos, desde que decorridos 10 anos sobre a data da sua expulsão”.

No Regulamento de Benefícios do Montepio Geral-Associação Mutualista (de 1 de Setembro de 1992)):

Art. 1:

“1.A Garantia de Pagamento de Encargos destina-se, em caso de falecimento e ou invalidez permanente do subscritor, a substitui-lo no pagamento das prestações que se vencerem e até ao termo de um determinado contrato ou a proporcionar a entrega de determinada quantia aos beneficiários indicados.

2.A subscrição é anual e considera-se automaticamente renovada no termo de cada ano, de acordo com o respectivo plano de amortização, salvo indicação em contrário do subscritor.

3.No caso de não ser apresentado o contrato referido no n.º 1 o prazo mínimo a estabelecer será de 10 anos.

4.A garantia de pagamento de encargos pode ser subscrita por qualquer associado que, à data de subscrição, tenha idade superior a 13 anos e inferior a 65 anos e tenha aprovação médica, mediante exame presencial e sem agravamento de idade”.

Art. 7:

“1.Quando tiver sido emitida declaração comprovativa da “garantia de pagamento de encargos”, a entidade credora ou os beneficiários indicados, não podem ser substituídos sem prévia autorização escrita dos mesmos.

2.O Montepio obriga-se a comunicar por escrito à entidade credora ou aos beneficiários indicados a eventual suspensão ou anulação da subscrição”.

Primeira questão:

A resposta a esta questão prende-se com outra: a de saber se, devendo a comunicação da exclusão do associado, nos termos e para os efeitos do art. 9, n.º 1 e 3 dos Estatutos do Montepio Geral Associação Mutualista, ser feita aos Autores (marido e mulher), a comunicação feita pela segunda Ré ao Autor, pela carta de fls. 118 (v. o ponto n.º 22 dos factos provados), se pode considerar eficaz em relação à Autora (a quem não foi enviada comunicação para o mesmo efeito, como é aceite pelas partes), com implicação na anulação da subscrição da GPE em causa.

Tendo em atenção os factos provados sob os n.º 22, 24, 26, 27, 28 e 29, respondeu o acórdão recorrido, a esta sub-questão, no sentido afirmativo, considerando, nomeadamente, que:

 “ …, importa atender ao comportamento subsequente da autora e á especifica conjuntura em que foi emitida a declaração, dirigida ao seu cônjuge, numa relação negocial sedimentada e em que também ela era uma das contraentes, assumindo as mesmas obrigações e beneficiando das mesmas contrapartidas do autor.

A autora é casada com o autor segundo o regime de comunhão de adquiridos.

O contrato teve por objecto uma fracção destinada á residência permanente de ambos.

No ano de 2002 a primeira Ré intentou contra os dois AA uma acção executiva que culminou na outorga de uma transacção.

(…)

Nesta especifica relação entre os demandantes, sendo a A também interveniente directa no negócio, o normal e natural é que tivesse conhecimento que a R enviou ao marido aquelas comunicações e qual o seu conteúdo.

(…)

Com efeito, este conhecimento é plenamente afirmado pelo seu comportamento subsequente, pois a autora, tal como o autor, solicitou a reaquisição de direitos, solicitação só possível porque sabia que a sua qualidade de associada tinha sido anulada.

E a autora também interveio no contrato outorgado em 27 de Outubro de 2004.

Esta sucessão de actos exprime um comportamento declaratório só possível a quem sabia da exclusão ocorrida em Novembro de 1999 e das suas causas, pelo que, assente este conhecimento da autora, se impõe afirmar que a declaração da segunda R foi também eficaz relativamente á mesma autora”.

Inclinamo-nos, no entanto, para um entendimento diverso a respeito deste ponto.

Temos presente o Ac. do STJ, de 31-07-2007, de que foi Relator o Ex. m.º Conselheiro Dr. Faria Antunes, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:

“Tendo ambos os cônjuges, casados segundo o regime supletivo de comunhão de adquiridos, celebrado um contrato de seguro de vida associado a um crédito hipotecário para aquisição da sua habitação, a comunicação da resolução contratual pela Companhia Seguradora, por inadimplemento do pagamento do prémio de seguro, tem de ser feita directamente a cada um dos cônjuges, não podendo ter-se o contrato por legalmente resolvido se a comunicação de rescisão foi apenas dirigida ao cônjuge marido”.

Permitimo-nos transcrever da fundamentação jurídica desse douto acórdão, a seguinte parte:

“ (…) A resolução contratual pode fazer-se ou por acordo, ou judicialmente (se houver conflito entre os contraentes e um deles negar ao outro o direito de resolução), ou por declaração à parte contrária, hipótese esta que marca o momento da resolução, mesmo que haja necessidade de posteriormente obter declaração judicial de que o contrato foi legalmente resolvido (cfr. anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao art. 436 do C. Civil).

No caso vertente, tratando-se de uma rescisão por inadimplemento da obrigação de pagamento dos prémios do seguro de vida, só a última forma de resolução contratual (rescisão ope voluntatis) interessa abordar.

Diz o art. 436, n.° 1 do C. Civil que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.

Essa rescisão, sendo obra do credor, e não do juiz, opera por vontade do primeiro, mas é necessário que este leve essa vontade ao conhecimento da outra parte, isto é que lhe comunique a sua decisão de resolver, por qualquer meio de comunicação, desde que se possa fazer a sua prova, considerando-se o contrato rescindido a partir do momento em que a comunicação for recebida pelo destinatário (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª Edição Revista e Actualizada, págs. 463 e 464).

Segundo Vaz Serra (no Estudo "Resolução do Contrato ", no BMJ n.° 68, pág. 227 e 228), no caso de resolução por não cumprimento do contrato não há necessidade de obrigar o titular do direito de resolução a pedir em juízo que esta seja decretada, bastando que ele declare directamente à outra parte que resolve o contrato, contando-se os efeitos da resolução da data em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade recipiendas, produz efeitos.

Resulta do art. 224, n.° 1 do C. Civil que a declaração negocial que tem um destinatário se torna eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida ....

O dispositivo começa por aludir à chega ao seu poder (recepção) do destinatário... e não ao seu conhecimento efectivo (percepção) ...

Por isso, consagra a doutrina da recepção. Mas não será necessário que a declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do destinatário se por qualquer meio foi dele conhecida (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 268). Adoptou-se assim, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento ... bastando que a declaração tenha chegado ao poder do declaratário (presumindo-se o conhecimento, neste caso, juris et de jure), mas provado o conhecimento não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração (anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao art. 224 da lei substantiva).

Ora, não bastava a declaração de resolução dirigida ao falecido marido da recorrida, pois era imprescindível que tal declaração tivesse também sido dirigida a esta, e que tivesse chegado à sua esfera de acção (caso em que se presumia o conhecimento), ou que se provasse o conhecimento, por ela, do teor da declaração directamente dirigida a ela (dispensando-se nesse caso a prova da recepção da declaração).

A circunstância de a recorrida ter casado segundo o regime de comunhão de adquiridos, de o pagamento dos prémios do seguro constituir um acto de administração ordinária, e de a obrigação de pagamento desses prémios constituir dívida da responsabilidade da recorrida e do seu falecido marido (…) em nada interfere.

A recorrida também é parte no articulado contrato de seguro de vida, tendo assumido por via dele direitos e obrigações, como pessoa física e jurídica distinta que é.

O próprio art. 33 do Decreto de 21 de Outubro de 1907, ao referir-se à resolução do contrato de seguro de vida estabelece expressamente que o segurado deve ser avisado, por meio de carta, de que se não satisfizer os prémios em dívida no prazo de 8 dias ou noutro que se ache convencionado na apólice, o contrato será considerado insubsistente.

Era por conseguinte indispensável que a recorrente tivesse feito duas comunicações de rescisão do contrato de seguro, uma à recorrida, e outra ao marido.

Na verdade, quem contratou o seguro foram ambos os cônjuges, sendo os dois devedores dos prémios de seguro, não bastando à seguradora comunicar a resolução do contrato apenas ao marido.

Galvão Telles, no Manual dos Contratos em Geral, pág. 353, expende que a rescisão extrajudicial resulta de uma declaração de vontade recipienda porque para produzir efeitos terá de ser levada ao conhecimento do outro ou dos outros interessados.

Reportando-se aos contratos indivisíveis (como é o caso dos autos, por ser legalmente impossível resolver o contrato de seguros só em relação á recorrida ou só em relação ao seu marido) escreveu Vaz Serra (ibidem, págs. 239 e 240) que a resolução, como medida excepcional, só se adoptariacontra todos os devedores…isto, mesmo que… os devedores sejam solidários”.

Ora, esta doutrina parece-nos ter plena aplicação no caso vertente. [2]

Era necessário que a segunda Ré tivesse dirigido também directamente à Autora uma declaração de vontade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9, n.º 1 e 3 dos Estatutos do Montepio Geral Associação Mutualista (1998) e que essa declaração tivesse chegado à posse dela ou ao menos que se provasse que tomara conhecimento do seu teor.

Como não o fez, resta-nos concluir, ao contrário do acórdão recorrido, pela ineficácia em relação á Autora, da comunicação feita ao Autor, através da carta de 1 de Setembro de 1999, constante de fls 118 dos autos, com a consequente resposta negativa á primeira questão colocada no recurso.

Segunda questão:

Há que determinar o âmbito da GPE em causa: abrangia a mesma o risco de morte e de invalidez permanente ou apenas o risco de morte?

É uma questão de interpretação contratual.

É sabido que, em matéria de interpretação da declaração negocial, a nossa lei consagra, no art. 236, n.º 1 do Cód. Civil, a chamada teoria da impressão do destinatário, ao estatuir que:

“A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

Acerca das circunstâncias atendíveis para a interpretação, referem-se na doutrina, entre outras, “os termos do negócio, os interesses nele compreendidos e o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares, as relações negociais precedentes das partes, os usos do declarante e os da prática que possam interessar”. [3]

Pois bem.

Em nosso entender, não merece censura a interpretação da Garantia de Pagamento de Encargos (GPE) efectuada pelas instâncias, com realce para os fundamentos constantes da sentença, de transcrevemos:

“(…) No caso específico das associações mutualistas, cujo regime jurídico consta do DL n.º 72/90, de 3.03, os associados podem subscrever quaisquer modalidades de benefícios nos termos regulamentares (art. 31 do referido diploma), o que encontra eco no art. 8.°/1, a), dos Estatutos da Ré, onde se prevê o direito dos associados subscreverem uma ou várias modali­dades de protecção e usufruírem dos respectivos benefícios.

Entre os benefícios que a Ré Montepio Geral - Associação Mutualista concede aos seus associados a denominada Garantia de Pagamento de Encargos (GPE).

Segundo o art. 1.° do capítulo III do Regulamento de Benefícios, a GPE "destina­-se, em caso de falecimento e ou invalidez permanente do subscritor, a substitui-lo no paga­mento das prestações que se vencerem até ao termo de um determinado contrato ou a pro­porcionar a entrega de determinada quantia aos beneficiários indicados.”

Decorre daqui que a Ré Montepio Geral - Associação Mutualista assegura, aos seus associados subscritores da GPE, o pagamento de prestações por estes devidas caso se verifi­que um determinado evento futuro e incerto - a morte ou a invalidez permanente. Com recurso à terminologia do contrato de seguro, diremos que a Ré Montepio Geral - Associação Mutualista assume os riscos de morte ou invalidez permanente dos seus associados que subs­crevam a GPE.

Aqui há, no entanto, que notar o seguinte: no texto do citado art. 1.º do capítulo III do Regulamento de Benefícios é utilizada a conjuntiva e seguida da disjuntiva ou o que não pode deixar de significar que o associado tanto pode subscrever a GPE para cobrir os riscos de morte e invalidez como para ficar protegido contra apenas um desses riscos.

Torna-se, assim, necessário interpretar as declarações negociais - tanto a do pedido de subscrição quanto a da aceitação da subscrição - para, em cada caso, saber os riscos cober­tos pela Ré Montepio Geral - Associação Mutualista.

Como se sabe, a interpretação da declaração negocial visa captar o seu sentido, o seu conteúdo. De acordo com o art. 236/1 do Código Civil, "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa dedu­zir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele", de um lado e, de outro (art. 236/2), "sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida ".

            (…) O pedido de subscrição da GPE subscrito pelos Autores é omisso quanto ao âmbito de cobertura por eles pretendida.

            Contudo, se tomarmos em conta que este pedido surgiu no âmbito do contrato de mútuo celebrado entre os Autores e a Ré Caixa Económica Montepio Geral (esta detida pela Ré Montepio Geral - Associação Mutualista, cf. art. 3.°/1, a), dos Estatutos desta), concluí­mos que a subscrição da GPE visou dar resposta à exigência plasmada na cláusula 12.a do documento complementar à escritura de mútuo - ou seja, à exigência de constituição de um seguro de vida ou garantia similar em beneficio da Ré Caixa Económica Montepio Geral.

A menção a seguro de vida inculca claramente a ideia de que o risco que a entidade credora exigiu fosse coberto pelos Autores foi a morte dos mutuários.

Conforme com isto, a declaração de aceitação da proposta dos Autores por banda da Ré Montepio Geral - Associação Mutualista refere que a garantia, por ter sido subscrita sobre duas vidas, "extingue-se com a primeira morte" - o que, para a questão que nos inte­ressa, não pode ter outro significado que não seja o de que a Ré interpretou a proposta dos Autores como visando apenas a cobertura do risco de morte de um deles e foi nesses termos que a aceitou. Certamente que se a Ré tivesse assumido o risco de invalidez permanente dos Autores não teria deixado de mencionar que a garantia se podia extinguir também quando, na vigência do contrato de mútuo, ocorresse um evento (doença ou acidente) do qual resultasse a invalidez permanente de uma das pessoas seguras. E nem se diga, como fazem os Autores, que esta declaração alude apenas ao quando e não ao porquê da extinção da garantia. É que o momento da extinção da garantia sempre decorreria das regras gerais. Coincidiria necessaria­mente com o ocorrer do risco coberto ou com a extinção do crédito da Ré Caixa Económica Montepio Geral. Não havia, por isso, qualquer necessidade de se referir o quando da extinção da garantia. O que se tornava necessário era saber o seu âmbito. E é a este que se refere a de­claração da Ré.

Perante isto, concluímos que a resposta a dar à pretensão dos Autores é negativa: a GPE subscrita pelos Autores não abrange o risco de invalidez permanente, mas apenas o risco de morte”.

Uma nota final, para dizermos que, assim, não existindo ambiguidade do clausulado da Garantia de Pagamento de Encargos em causa, não há que ponderar sobre a aplicação ao caso concreto da regra especial prevista no art. 11, n.º 2 do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, invocada no recurso.

Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, nega-se a revista.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 11 de Setembro de 2012

Marques Pereira (Relator)

Azevedo Ramos

Silva Salazar

____________________________

[1] Neste sentido, entre outros, os seguintes:
 Ac. de 08-09-2009, Revista n.º 1127/05.8TBCBR.C1.S1-1.ª Secção:
“Mostra-se perfeitamente admissível que, confrontada a parte com uma posição duplamente aceite pelas instâncias, não tenha mais nenhum argumento a acrescentar aos já nomeados. Dentro desta linha de pensamento, é natural que, por sua vez, o tribunal ad quem nada mais tenha a acrescentar ao aduzido pelo tribunal a quo. Sendo esse o caso, tem perfeito cabimento o uso da faculdade contida no art. 713, n.º 5, ex vi art. 726, ambos do CPC” (ponto II do respectivo Sumário);
Ac. de 20-01-2010, Revista n.º 312/2002.C1.S1-1.ª Secção:
“As alegações de recurso para o Supremo que reproduzam ipsis verbis ou pari passu as alegações de recurso para a Relação, nem por isso podem conduzir à rejeição dele.
No entanto, se os Juízes do STJ estiverem de acordo, por unanimidade, quer quanto á decisão quer quanto aos fundamentos utilizados na decisão recorrida, poderão limitar-se a remeter para a decisão impugnada nos termos do art. 713, n.º 5, do CPC” (pontos I e II do Sumário).

[2] Muito embora, no nosso caso, não seja correcto falar-se de um verdadeiro contrato de seguro outorgado entre os Autores e a segunda Ré. Esta não exerce a actividade seguradora, mas sim a actividade mutualista. Cfr. Ac da RL, de 18-10-2011, de que foi Relator o então Desembargador e ora Conselheiro Dr. Abrantes Geraldes, publicado na íntegra em www.dgsi.pt.

[3] Vaz Serra, RLJ, Ano 111, p. 220.
É entendimento largamente dominante, que “constitui matéria de direito, sindicável pelo Supremo, determinar se na interpretação das declarações foram observados os critérios legais impostos pelos arts. 236 e 238 do Código Civil, para efeito da definição do sentido que há-de vincular as partes, face aos factos concretamente averiguados pelas instâncias” (Ac. do STJ de 27 de Setembro de 2007, CJ Acs STJ, Ano XV, Tomo III, p. 64, ponto V do respectivo Sumário).