Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1118/16.3T8VRL-B.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: DECISÃO JUDICIAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Não viola o princípio da igualdade a decisão judicial que interpreta e aplica normas legais de modo diferente, ocasionando um resultado também diverso.
Decisão Texto Integral:


      

PROC. N.º 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1

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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Notificado do acórdão de 11.02.2020, que negou provimento ao recurso de revista apresentado por “Nesinocas – Engenharia e Construção, Lda.”, veio esta requerer a reforma desse acórdão, “ao abrigo do artigo 616º, n.º 2, ex vi artigos 666º e 685º” do CPC, alegando incorrecta interpretação e aplicação do Direito.
Pretende, em concreto, que se reforme o acórdão de harmonia com o acórdão deste STJ de 23.10.2018, em que se decidiu que o prazo de 10 dias para ser requerida a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser contado “a partir do momento em que a decisão transita em julgado, necessariamente antes da conta”. E acrescenta que, ao não ter seguido esse entendimento, o acórdão de 11.02.2020 violou o princípio da igualdade.

Relembremos o que se decidiu no acórdão reformando:
“Como o acórdão impugnado, da Relação de Guimarães, versa sobre uma decisão interlocutória, o recurso de revista é admissível se esse acórdão estiver em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme – artigo 671º, n.º 2, alínea b).

O que ali se decidiu foi, em síntese, que o trânsito em julgado da decisão final da causa (com a insusceptibilidade de recurso ordinário e reclamação) constitui o momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Refere a recorrente que esta decisão, confirmatória da proferida na 1ª instância, contradiz o decidido pelo STJ nos dois acórdãos que juntou, quanto a essa mesma questão.

Vejamos:

O que estava em causa no acórdão-fundamento de 03.10.2017 (em que o presente relator interveio como segundo adjunto) era saber se o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 7, do RCP poderia ser efectuado após a elaboração da conta, tendo-se concluído que tal não era possível. Já no acórdão de 23.10.2018 considerou-se que as partes dispõem de 10 dias para requerer a aludida dispensa, a partir do momento em que a decisão transita em julgado.

Salvo o devido respeito, o primeiro dos citados acórdãos (de 03.10.2017) não pode servir de fundamento à revista, porquanto os pressupostos de facto são substancialmente diversos dos que aqui se discutem. Ali, o requerimento de dispensa foi apresentando já depois de elaborada a conta, circunstância que afasta qualquer similitude com a situação presente nos autos. O que aqui está em causa é saber até que momento, antes de elaborada a conta, é que pode ser requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Nesta discussão também não nos parece que possa intervir como fundamento da revista o acórdão do STJ de 23.10.2018, na medida em que, segundo os factos aí descritos, ambas as partes requereram a dispensa da taxa de justiça remanescente após a elaboração da conta, mas antes de terem sido dela notificados.

Não obstante, não deixaremos de responder à questão colocada na revista, até porque neste último aresto o entendimento que fez vencimento (note-se que há um voto de vencido) foi o de que as partes podem requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no prazo de 10 dias a partir do trânsito em julgado da decisão final.

Servir-nos-emos, para essa resposta, do que deixámos escrito no nosso acórdão de 26.02.2019[1]:
‘Estabelece o artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), que ‘nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento’.
Desta norma decorre que ao juiz assiste o poder-dever de determinar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente devida pelas partes nas causas de valor superior a 275.000 €, quando, em seu critério, entenda que tal se justifica no contexto particular do processo em questão.
O momento adequado a fazê-lo é a decisão final: é aí que se fixa a responsabilidade das partes relativamente às custas da acção ou incidente.
No entanto, se o não fizer, podem as partes, logo que notificadas da decisão final, suscitar a sua reforma quanto à responsabilidade pelas custas da acção ou incidente, nos termos do artigo 616º do CPC, se considerarem haver fundamento para a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
É este o último momento processual em que o pedido pode ser feito.
Foi também esta a posição seguida no acórdão recorrido, após exaustiva e proficiente análise da questão.
De facto, parecendo não haver dúvidas de que a responsabilidade pelas custas tem de ficar definida antes de o processo ir à conta[2], a jurisprudência tem-se debatido com a questão de saber qual o momento em que preclude o direito de requerer a dispensa da taxa de justiça remanescente.
O acórdão de 23.10.2018, como se disse, ‘estendeu’ essa possibilidade pelo prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final.
Não concordamos, salvo o devido respeito, acompanhando o que também defende Salvador da Costa[3]:

“Assente que o devedor do remanescente da taxa que pretenda a dispensa do seu pagamento deve formular o respetivo requerimento antes do trânsito em julgado da decisão final, na ação ou no recurso, importa verificar a fase processual em que pode e deve fazer.

Considerando o disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 6º, no artigo 11º, ambos do RCP, e na tabela I a este anexa, as partes conhecem do montante do remanescente da taxa de justiça cujo pagamento lhes foi diferido, logo na sequência do respetivo impulso processual, seja nas ações, seja nos recursos.

Elas também conhecem, ou podem conhecer, aquando do termo dos articulados, nas ações, nos incidentes, nos procedimentos e nos recursos, conforme os casos, o modo da respetiva conduta processual e a simplicidade ou não da espécie processual em causa, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6º do RCP.

Assim, face às regras de experiência forense, as partes ficam a dispor, a partir do termo da referida fase processual, de informação adequada à sua decisão de exercer ou não a faculdade de requererem a referida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que o citado normativo se reporta.

(…) a partir da prolação da sentença na 1ª instância, e da elaboração do projeto de acórdão relativo ao recurso pelo relator, queda precludida – preclusão temporal – a faculdade das partes de requererem relevantemente a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Todavia, isso não exclui que o juiz na sentença, ou o coletivo dos juízes dos tribunais de recurso, nos acórdãos, conforme os casos, decidam no sentido da mencionada dispensa.

Todavia, no caso de as partes não terem requerido a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, se o juiz, na sentença, ou o coletivo de juízes dos tribunais superiores, nos recursos, conforme os casos, nada tiverem decidido sobre a mencionada dispensa, é legítima presunção, de experiência forense feita, no sentido que aqueles tribunais concluíram no sentido da inexistência de fundamento de facto ou de direito para o efeito.

Não obstante, nessa situação, verificados os pressupostos da aludida dispensa de pagamento, as partes podem reverter o não conhecimento oficioso da questão, por via do pedido de reforma da sentença ou do acórdão quanto a custas, autonomamente ou em recurso, nos termos dos artigos 616º, nºs 1 e 3, 666º, n.º 1 e 679º, todos do CPC”.

No caso dos autos, o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente foi deduzido depois de transitada em julgado a decisão final (cfr. conclusão 15ª) e de terem sido devolvidos os autos à 1ª instância, pelo que, nos termos que ficaram expostos, não pode considerar-se que o mesmo tenha sido apresentado em tempo.
Como se vê, a posição por nós defendida não deixou de equacionar o decidido no acórdão de 23.10.2018, embora afastando-se do entendimento aí assumido. As razões desse desencontro estão, segundo queremos acreditar, perfeitamente explicitadas no segmento acima transcrito. Ou seja, perfilhamos o entendimento de que é a data em que ocorre o trânsito em julgado da decisão final que constitui o momento-limite para exercer o direito de requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, não sendo lícito à parte exercê-lo depois desse momento.
Por outro lado, também não procede o argumento de que, decidindo de forma diversa da que consta no acórdão de 23.10.2018, se violou o princípio da igualdade, fazendo tal argumento presumir que a requerente considera essa decisão como ‘norma’ impositiva a decisões posteriores sobre a mesma questão.
Ora, não é assim. O que sucedeu é que – como é frequente e normal – o tribunal interpretou e aplicou normas legais de modo diferente, ocasionando um resultado também diverso.

Termos em que se indefere o pedido de reforma.

                                                                       *

Custas pela requerente.

                                                                       *  


LISBOA, 13 de Outubro de 2020

Henrique Araújo (Relator)
Maria Olinda Garcia
Raimundo Queirós

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).


           

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[1] No processo n.º 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2, em www.dgsi.pt.
[2] Remetemos, quanto a este aspecto, para o que escrevemos no acórdão por nós relatado em 26.02.2019, indicado na anterior nota.

[3] Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.09.2019, no processo n.º 1245/14.1TVLSB.L3-4, em 25.10.2019, no sítio https://blogippc.blogspot.com/