Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3583/16.40T8BR.C1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ÂMBITO DO RECURSO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS AUTÊNTICOS / PROVA TESTEMUNHAL.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 283 e 284;
- ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª Edição, Coimbra, p. 362;
- JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código Civil, vol. II, Livraria Petrony, p. 150 e 151;
- LEBRE DE FREITAS, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, p. 37;
- MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, p. 225 e 226;
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, p. 327;
- RITA GOUVEIA, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, p. 889;
- VAZ SERRA, Provas – Direito Probatório Material, B.M.J. n.º 111, p. 137.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 672.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 363.º, N.º 2, 365.º, N.ºS 1 E 2, 371.º, N.º 1 E 393.º, N.º 2.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 2073/2005, DA COMISSÃO, DE 15-12.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-12-2013, PROCESSO N.º 675/08.2TBCBR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 362333/10.7YIPRT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 28247/10.4T2SNT-A.L1.S1, IN SASTJ, CIVEL, 2015, WWW.STJ.PT;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 796/08.1TVPRT.P1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 4902/14.9T2SNT.L1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 16-11-2017, PROCESSO N.º 1251/13.3TYVNG-A.P1.S1, IN SASTJ, CIVEL, 2017, WWW.STJ.PT;
- DE 08-03-2018, PROCESSO N.º 2170/13.9TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-10-2018, PROCESSO N.º 4155/05.0TBSXL.L1.S1-A, IN SASTJ, CIVEL, 2018, WWW.STJ.PT.
Sumário :

I - Os poderes cognitivos da conferência julgadora, nos casos de admissão excecional da revista, circunscrevem-se às questões suscitadas no recurso relativamente às quais foi, em antecedente acórdão da formação de apreciação preliminar, decidido que se verificavam um ou alguns dos pressupostos específicos que, para aquele efeito, são enunciados no n.º 1 do art. 672.º do CPC.
II - Consequentemente, o objeto do recurso, delimitado nos termos do referido em I, não abarca quaisquer outras questões que, cumulativa e paralelamente, hajam sido enunciadas na revista.
III - Os certificados sanitários para exportação emitidos no Vietnam farão prova nos mesmos moldes que os documentos da mesma natureza emitidos em Portugal (art. 365.º, n.ºs 1 e 2 do CC), sendo, assim, tidos como documentos autênticos (art. 363.º, n.º 2, do CC).
IV - A força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do art. 371.º, n.º 1, do CC, aos factos, praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público, de que emanam os documentos, já não abarcando, porém, os níveis de histamina presente no pescado, situação que ultrapassa o alcance das perceções do documentador.
V - Não estando a atestação da conformidade com os critérios microbiológicos estabelecidos pelo Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão, de 15-12, abarcada pela força probatória plena que deve ser reconhecida aos certificados sanitários, forçoso se torna concluir que é inaplicável a proibição de recurso à prova testemunhal que se acha estabelecida no n.º 2 do art. 393.º do CC.

Decisão Texto Integral:            

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA SARL instaurou ação declarativa comum contra BB S.A. pedindo a condenação desta ré a pagar-lhe a quantia de € 133.750,00, acrescida dos juros de mora vencidos e que ascendem a quantia de € 12.653,98 e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, e custas.

Alegou para tanto o seguinte:

No exercício da sua atividade de comércio de produtos alimentares vendeu à ré, por encomenda desta, que recebeu e aceitou, produtos alimentares - atum pré-cozinhado congelado, originário do ... - constantes de duas faturas, - o 1º contentor expedido em 13/09/2014, desembarcado no Porto de ... em 12/10/2014, vencida a fatura a 90 (noventa) dias após a respetiva emissão, e o segundo, expedido em 22/11/2014, desembarcado no Porto de ... em 23/12/2014, vencida 30 (trinta) dias após ETA, apondo como condições de venda INCOTERM “CFR ...”- isto é, cost and freight – custo e frete.

As mercadorias foram devidamente analisadas - análise que confirmou cumprirem os requisitos sanitários e de boa qualidade da UE- e certificadas pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do ... - que emitiram certificado sanitário, em que se atestou que a mercadoria, uma vez controlada pelos seus laboratórios, cumpre as normas europeias, nomeadamente que os níveis de histamina são inferiores ao limite imposto pela Comunidade Europeia; ambos os contentores foram analisados e, apesar de ter sido detetada histamina, os valores ali registados são valores aceitáveis e previstos como tal pelo Regulamento (CE) n.º 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005.

Todos os documentos foram devidamente validados pela Ré, previamente ao envio dos originais por correio urgente DHL, e enviados pela Autora, e as autoridades competentes aceitaram a entrada dos contentores em território nacional, tendo passado pelo devido controlo sanitário.

Apenas no final de Janeiro de 2015 a ré veio reclamar que a mercadoria entregue continha valores elevados e fora do legalmente admissível de histamina, o que não lhe permitia dar o uso previsto ao atum.

 As reclamações apresentadas pela Ré não têm fundamento, sendo que esta não procedeu ao pagamento das faturas.

A ré contestou e deduziu reconvenção, alegando em resumo o seguinte:

As mercadorias foram adquiridas ao abrigo da Quota/Destino Especial, por forma a evitar a taxação de 24% de direitos de importação sobre estas mercadorias e por essa razão, as mercadorias só puderam ser desalfandegadas em Janeiro de 2015;

Após o desalfandegamento definitivo, e após ter colhido determinadas amostras do produto para análise de controle de qualidade, constatou que aquelas mercadorias apresentavam índices de histamina bastantes elevados e fora do legalmente admissível pelo Regulamento CE nº. 2073/2005 de 15/11/2005.

O controlo veterinário da mercadoria só foi feito pela análise documental e não por uma análise laboratorial, donde, no ato de descarregamento, não foi possível verificar os índices altos de histamina.

Já após a chegada do produto a Portugal, tomou conhecimento que o atum fornecido pela autora foi pescado no ... sem que o barco tivesse congelação a bordo; a congelação a bordo é determinante para que o peixe chegue ao destino com qualidade e isento de parasitas e de contaminantes de forma a evitar índices de histamina superiores ao legalmente previsto; os testes laboratoriais e restante documento oriunda do ... são de reduzida fiabilidade sendo fácil obter documentos não condizentes com a realidade.

A mercadoria foi inspecionada pelo seu departamento de qualidade, e feita análise de histamina detetou-se de imediato problemas de qualidade, índices de histamina elevados.

A ré reclamou à autora, a qual enviou o Sr. DD à sua fábrica que acompanhou com o departamento de qualidade, a realização de análises de histamina a vários lotes de produto, tendo constatado os altos níveis de histamina no produto que foi analisado; o que levou a autora a retomar 3.500 Kgs emitindo NC nº. 0162014 datada de 20/02/2015.

Análises de histamina ao restante pescado, o qual foi feito pelo laboratório externo (Silliker) confirmaram a existência de histamina fora dos parâmetros regulamentares.

Não houve alteração das condições de conservação de frio do pescado a bordo do navio, ou nas câmaras frigoríficas ou na fábrica da ré, pelo que, o atum congelado vendido já saiu de origem do ... impróprio para o consumo humano de acordo com as normas europeia.

Em 16/03/2015 a ré enviou à autora carta registada com AR, considerando incumprido definitivamente o contrato de fornecimento.

Na falta de qualquer resposta por parte da autora, a ré entregou a mercadoria para destruição à EE Lda.

O incumprimento da autora provocou à ré diversos prejuízos.

E concluiu pedindo, para além da improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido, que a autora reconvinda fosse condenada a pagar-lhe indemnização no valor de € 60.650,42, juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.

A autora respondeu, impugnando a factualidade alegada e mantendo a sua posição.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:

- Julgar a ação totalmente improcedente;

- E julgar parcialmente procedente a reconvenção, condenando-se a autora reconvinda no pagamento à ré reconvinte da quantia de € 7.150.42

( sete mil cento e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos).

  Na sequência e no âmbito de apelação da autora, a Relação de Coimbra, sem voto de vencido, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

Uma vez mais inconformada, interpôs a autora recurso de revista excecional (admitido pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC), no qual formulou as seguintes conclusões:

1ª - A admissibilidade da presente revista excecional justifica-se nos termos do artigo 672.° n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil, por um lado se tratar de uma questão nova sobre o alcance da força probatória dos documentos n.º 3 a 17 juntos à petição inicial que constituem a documentação necessária, entre os quais os certificados sanitários para exportação do ... e importação para Portugal de pescado, exigível para os restantes países da Comunidade Europeia.

2ª - O acórdão recorrido entendeu que tais documentos, mesmo que sejam tidos como documentos autênticos, apenas possuiriam força probatória plena limitada às amostras do pescado, nada certificando quanto ao restante pescado exportado, do qual aquelas amostras foram retiradas, mais entendendo que não existe impedimento de produção de outras provas que demonstrem a não conformidade sanitária do produto em causa.

3ª - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça impõe-se para uma melhor aplicação do Direito comunitário e que não foi corretamente aplicada pelas instâncias, já que os certificados referidos na conclusão anterior devem ser tidos como documentos autênticos, emitidos por uma autoridade estrangeira,

no caso, o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural do ..., em respeito pelas convenções com a Comunidade Europeia e com respeito integral dos requisitos impostos pela Legislação Comunitária, como resulta da conjugação dos seguintes Regulamentos comunitários: Regulamento do Conselho (EC) n.º 1005/2008 de 29 de Setembro de 2008: Regulamento (CE) 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005; Regulamento (CE) 1441/2007 da Comissão de 5 de Dezembro de 2007, Regulamento (CE) 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 2002, relativamente aos quais o acórdão recorrido entendeu não possuírem qualquer força probatória relativamente ao género alimentício exportado pelo ...

excetuando as amostras.

4ª - A intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça parece-nos plenamente necessária para o esclarecimento se, nos termos dos pertinentes normativos, legais, tais documentos possuem ou não força probatória plena e, em caso afirmativo, se tal força probatória plena deve ser limitada, ou não, apenas relativamente às amostras ou, pelo contrário, abrange toda o produto objeto da exportação, de forma a que os Tribunais inferiores possam ser orientados sobre o âmbito da aplicação da força probatória plena aos documentos emitidos por autoridades estrangeiras e que entendemos como autênticos.

5ª - A questão sub judice para além de original, deve ser objeto de pronúncia por este Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do Direito comunitário e convenções com países extracomunitários, no âmbito das relevantes relações de comércio internacional entre países comunitários e extracomunitários, evitando que sobre a mesma matéria venham a recair decisões com orientações diametralmente opostas.

6ª - Por outro lado, a presente revista excecional deverá também ser admitida por tal questão se revelar de particular relevância social, na medida em que o acórdão recorrido esvazia de conteúdo e de eficácia o Direito aplicável ao caso concreto, suscetível de causar forte impacto negativo nas relações comerciais de países comunitários e extracomunitários e nos objetivos da legislação comunitária, porquanto a legislação comunitária impõe aos países extracomunitários, na exportação para países da Comunidade Europeia, a verificação de determinados requisitos sanitários para os géneros alimentícios, precedidos de verificação laboratorial química a determinado número de amostras e, apesar disso, a decisão recorrida entendeu que tais requisitos se verificam apenas relativamente às amostras e não a todo o produto exportado, ou que aquelas são em número reduzido apesar de impostas legalmente, para poder determinar que o produto se encontra impróprio para consumo, apesar de por causa dos legais certificados sanitários se ter permitido a entrada em território comunitário.

7ª - A relevância social da questão suscitada traduz-se no entrave à fluidez do comércio internacional, como é colocado pela decisão da Relação de Coimbra ao parecer atribuir efeitos probatórios plenos aos certificados sanitários apenas quanto à conformidade das amostras, e que por ser um entendimento sem o mínimo cabimento legal, merece e justifica a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça na apreciação daquela questão, o que tudo justifica a admissão da presente revista excecional.

8ª - A matéria em recurso relaciona-se com o erro das instâncias na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que ofenderam normativos que impõe prova documental da conformidade sanitária dos produtos exportados do ...e e de normativos que estipulam a força probatória plena dos documentos autênticos, tal como entendemos tais certificados sanitários, o que impõe a alteração da matéria de facto considerada provada sob as alíneas: z); aa); cc); ee), bem como da matéria de facto considerada como não provada sob o n.º 1.

9ª - Entendeu o Tribunal recorrido que apesar de tais certificados sanitários de conformidade dos produtos impostos legalmente, nada impede a produção de qualquer outra prova para aferir se o produto está ou não “estragado” aquando da “inspecção”, como lhe chamou, mas que, em boa verdade, são testes laboratoriais traduzidos em análises químicas, mais entendendo que tais certificados apenas demonstram a conformidade sanitária das amostras, mas já não do remanescente do produto do qual as primeiras foram retiradas, subscrevendo que o pequeno número - para uma quantidade tão grande – de amostras analisadas, ou mesmo a proveniência do pescado de diversas embarcações que não possuem congelação a bordo, aliada ao facto de demorarem pelo menos 3 dias a chegar a porto e às altas temperaturas dos locais de pesca que rondam os 30.º celsius, são suscetíveis de desmentir a certificação sanitária. precedida de análise química ao produto, emitida pela autoridade ...ita competente.

10ª - Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não compete a qualquer instância judicial considerar que o número de amostras utilizado para a certificação do produto é pequeno, pois o mesmo é imposto por Lei, à qual é devida obediência, pelo que o número das amostras utilizadas para a

certificação do produto no caso sub judice não é pequeno, nem é grande, é o legal e, como tal, insuscetível de abalar a certificação sanitária efetuada ao género alimentício, e muito menos, abalar a sua força probatória plena, própria dos documentos autênticos, da mesma forma que as restantes circunstâncias referidas não são suscetíveis de as contrariar, pois tal certificação é precedida de análise química ao produto.

11ª - Entendeu também o Tribunal recorrido que “inexiste” em termos jurídico formais de direito probatório qualquer impedimento à produção de outra prova, como a testemunhal, para além da “inspeção” que foi efetivada na origem”, não só por existir uma desdogmatização da prova por documento, mas também porque mesmo que se tenha como documento autêntico a inspeção realizada no ...e, a respetiva força probatória plena encontrar-se-ia limitada à conformidade apenas das amostras e já não do restante pescado!

12ª - Esqueceu o Tribunal a quo que a Legislação comunitária impõe a realização de análises laboratoriais químicas a um legal e pré-definido número de amostras aos produtos destinados à exportação para espaço comunitário, certificando-se a conformidade sanitária apta ao consumo humano do lote examinado, dentro dos limites legais, e que sem tal certificado os géneros alimentícios não podem entrar em território nacional ou comunitário, sendo certo que tal proibição não pode ser ultrapassada por qualquer outra prova, designadamente a testemunhal, motivos pelos quais se conclui que a conformidade sanitária dos géneros alimentícios vindos do exterior ao espaço comunitário, só pode ser provada por documento que consubstancia os certificados sanitários.

13ª - Tais certificados sanitários são documentos autênticos, na medida em que consubstanciam documentos exarados pela autoridade competente de acordo com a legislação comunitária aplicável, in casu, o Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural do ...e e cuja força probatória emana do art. 371.° Código Civil, sendo certo que a conformidade da mercadoria, designadamente quanto aos seus níveis de histamina inferior ao limite regulamentar comunitário, não é um mero juízo pessoal do documentador, pelo contrário, surge certificado após análise química da mercadoria, nos termos previstos no Regulamento da Comunidade Europeia, assim certificando que a mercadoria cumpria todos os requisitos higieno-sanitários, aquando do embarque no navio no ...e.

14ª - Não faz qualquer sentido atribuir força probatóría a tais certificados apenas relativamente às amostras, como fez peregrinamente o Tribunal recorrido e que esvazia de qualquer conteúdo a exigência legal dos mesmos, pois, em primeiro lugar, as amostras nem sequer entram em território nacional depois da sujeição a análises químicas, pois não passam de lixo, e, em segundo lugar, e como é absolutamente óbvio, a submissão das amostras àquelas análise químicas, destina-se a garantir às autoridades alimentares de cada Estado membro da Comunidade Europeia que os lotes exportados e dos quais foram retiradas as amostras se encontram em condições sanitárias dentro dos limites legalmente fixados, como resulta do n.º 15 do Regulamento do Conselho (EC) n.º 1005/2008 de 29 de Setembro de 2008, que estipula que a emissão de um certificado constitui uma condição prévia à importação de produtos da pesca para a Comunidade e que não pode ser ultrapassada pela produção de qualquer outra prova, designadamente por testemunhas, por ser legalmente exigido o respetivo certificado pelas autoridades competentes, nos termos do disposto no artigo 393.° n.º 2 do Código Civil e artigos 12.° n.º 2 a 4 do Regulamento (CE) n.º 1005/2008, do conselho de 29/9 e artigos 1.° e 5.° do  Regulamento (CE) n.º 2073/2005 da Comissão de 15/11.

15ª - Conforme factos provados sob as alienas ff) e gg), foi demonstrado documentalmente que não só os fornecedores da mercadoria encontravam-se homologados e aprovados pela Comunidade Europeia, como também se encontra demonstrado que as mercadorias foram objeto de certificação sanitária pela autoridade competente ...ita, tendo sido ambos os contentores sujeitos a analise química, pelo que não podiam as instâncias contra documentos que possuem força probatória plena e que é a única prova legalmente admissível para permitir a entrada dos géneros alimentícios em espaço comunitário, considerar como provado que a mercadoria não estava conforme a regulamentação europeia, a não ser que tivesse sido, e não foi, alegada a sua falsidade, não podendo ser contrariados por nenhum dos factos secundários referidos na decisão recorrida, já que nenhum deles é suscetível de abalar a certificação sanitária baseada em análise química a que foram submetidas as remessas e na sequência da qual foi detetada histamina com valores regulamentares e conforme o previsto no Regulamento CE n.º 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005.

16ª - Como flui das conclusões anteriores, a resposta à matéria de facto supra identificada violou de forma flagrante e manifesta o princípio da prova plena de documentos autênticos e que constitui um limite à livre apreciação da prova pelo julgador, conforme o estipulado nos artigos 369.° e 371.° Código Civil e 607.° do Código de Processo Civil, pois não se podia considerar provado que o produto não estava conforme na origem, sendo certo que tendo a transação sido efetuada com a aposição do Incoterm CFR, o risco pela perda ou deterioração da mercadoria a partir do embarque no porto de origem, corriam por conta do comprador/recorrida, pois a transação comercial sub judice foi sujeita ao Incoterm CFR, por acordo de ambas as partes, sendo mesmo a única condição da realização do negócio, não existindo quaisquer outras, sendo certo que a recorrente cumpriu com todos os seus deveres contratuais, designadamente, com a verificação das condições sanitárias da mercadoria aquando do embarque, como foram, não lhe podendo ser atribuída qualquer responsabilidade pelo que poderá ter sucedido após aquela entrega, já que o risco se transfere e passa a correr por conta do comprador/recorrida.

17ª - É, assim, óbvio que a autora logrou i1idir qualquer presunção de cumprimento defeituoso ou incumprimento, o que fez perante a ré enviando-lhe a certificação da mercadoria em conformidade com o Regulamento Europeu e que a ré expressamente aceitou, mesmo que o tribunal a quo tenha entendido, ilegalmente, desvalorizar documentos autênticos e que provam plenamente que aquando do embarque da mercadoria os seus valores de histamina estavam dentro dos limites aceitáveis pela regulamentação comunitária.

18ª - Ao julgar provado que as mercadorias estavam sem a qualidade exigida pela Regulamentação Europeia na origem, o entendimento das instâncias recorridas viola os objetivos expressos no Regulamento do Conselho (CE) n.º 1005/2008, de 29 de Setembro de 2008, pelo qual a Comunidade estabeleceu um regime para prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal não declarada e regulamentada, de proteção ambiental, impondo a emissão de certificado sanitário dos produtos e o registo e licenciamento das embarcações dedicadas à pesca visando a exportação para a Comunidade Europeia, designadamente o (9); (13); (15); (17), o artigo 12.0 n.º 2 a 4 e 14.°; o Regulamento Comunitário (CE) n.º 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005, que regulamenta a atividade e as condições sanitárias do pescado exportado, designadamente os (1), (2) (6), artigos 1,°, 2.° als. J) e K) e o artigo 5,°; o Regulamento Comunitário (CE) n,º 1441/2007 da Comissão de 5 de Dezembro de 2007 que regulamenta o nível de histamina máximo permitido no pescado, previsto no seu ponto 1.26 e o Regulamento (CE) n.º 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 2002, por contrariar as estipulações dos n.ºs 6 e 7 do artigo 14,°.

19ª - Não se pode manter, assim, o acórdão recorrido que violou o disposto nos artigos 369.°, 371.° e 393,° do Código Civil, bem como os artigos 413.° e 607,° n,º 5 do Código de Processo Civil, ao apreciar livremente factos que estão plenamente provados através de documento autêntico, cuja falsidade não foi invocada e cuja legislação comunitária impõe como a única prova admissível da conformidade dos produtos.

20ª - Deve, pois, e nos termos do disposto no artigo 674,° n.º 1 al. a) n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil, admitir-se a presente revista excecional e, a final, ser alterada a resposta à matéria de facto que considerou como provada que a mercadoria fornecida por autora à ré encontrava-se com níveis superiores de histamina, aquando do seu embarque no ...e, como o impõe a força probatória plena dos documentos autênticos que consubstanciam os certificados sanitários junto à petição inicial como os documentos n,ºs 3 a 17 e como o impõe a exigência da legislação comunitária citada que exige tais certificados sanitários como prova da conformidade sanitária dos produtos exportados pelo ...e, pelo que considerando a prova plena dos factos contrários, impõe-se que o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais seja corrigido, alterando-se a resposta do facto elencado no ponto 1 dos factos não provados, considerando-se, assim, o mesmo como provado; a resposta ao facto provado constante da alínea aa) que deve ser alterada para não provado; a alteração da resposta ao facto provado sob a alínea Z) na parte “o atum congelado vendido já saído de origem do ... impróprio para o consumo humano de acordo com as normas europeias”, para não provado; na resposta ao facto provado sob a alínea cc) deve ser eliminada a parte da resposta: “e em virtude de o produto vendido estar impróprio para consumo humano” e na resposta à matéria de facto sob a alínea ee) eliminada a resposta na parte “As anomalias ocorreram não obstante”.

21ª - Alterando-se a supra identificada resposta à matéria de facto, verifica-se que a autora cumpriu cabalmente todas as suas obrigações contratuais com a ré, que, nos termos do Incoterm CFR aposto à transação, não pode excecionar com o recebimento da mercadoria com anomalias para não cumprir com as inerentes obrigações contratuais de pagamento de preço pedido nos autos e muito menos resolver o contrato, o que a autora que cumpriu cabalmente com as suas obrigações contratuais, naturalmente não aceita, pois nos termos do Incoterm CFR, a partir do embarque da mercadoria no porto de origem, o risco de deterioração da mercadoria corria por conta da ré, pelo que a receção da mercadoria em condições impróprias para consumo humano não pode ser imputado à autora que, comprovadamente, fez embarcar tal mercadoria em condições para o consumo humano, designadamente com níveis de histamina inferiores aos limites estabelecidos no Regulamento da Comunidade Europeia citado.

22ª - Destarte, e face ao cabal cumprimento contratual da autora, resulta injustificada a pretendida resolução contratual pela ré, motivos pelos quais deverá o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por acórdão que julgue a ação procedente e improcedente a reconvenção formulada com o que será feita Justiça.

A ré, recorrida, contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

É a seguinte a factualidade dada como provada pelas instâncias (ordenada logicamente):

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de produtos alimentares.

2. No exercício da sua atividade, a Autora vendeu à Ré, por encomenda desta, que recebeu, os produtos - atum pré-cozinhado congelado, originário do ... - constantes das seguintes faturas:

- n.º 1409048, relativa ao contentor BMOU9753970, datada de 16/09/2014, no valor de € 72.500,00 (setenta e dois mil e quinhentos euros), expedido em 13/09/2014, desembarcado no Porto de ... em 12/10/2014, vencida 90 (noventa) dias após a respetiva emissão, e

- n.º 1411069, relativa ao contentor TEMU9195296, datada de 17/11/2014, no valor de € 61.250,00 (sessenta e um mil, duzentos e cinquenta euros), expedido em 22/11/2014, desembarcado no Porto de ... em 23/12/2014, vencida 30 (trinta) dias após ETA.

3. O atum fornecido pela Autora foi pescado no ...e sem que os barcos tivessem congelação a bordo.

4. A congelação a bordo é determinante para que o peixe chegue ao destino com qualidade e sem índices de histamina superiores ao legalmente previsto.

5. As anomalias ocorreram não obstante os fornecedores serem homologados e aprovados pela Comunidade Europeia;

6. E, não obstante, antes de embarcarem no ..., as mercadorias terem sido objeto de certificação pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do ..., sendo ambos os contentores (amostras colhidas) previamente sujeitos a análise química, na sequencia da qual foi detetada histamina com valores aceitáveis e conformes aos previstos pelo Regulamento (CE) n.º 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005, de que cumpria as normas europeias, nomeadamente que os níveis de histamina são inferiores ao limite imposto pela Comunidade Europeia;

7. Não houve alteração das condições de conservação de frio do pescado a bordo do navio, ou nas câmaras frigoríficas ou na fábrica da Ré, o atum congelado vendido já saído de origem do ... impróprio para o consumo humano de acordo com as normas europeias.

8. Autora e Ré acordaram a aposição das condições de venda, tal como consta das faturas, o INCOTERM "CFR ...".

9. Os Inconterms (International Commercial Terms) definem, nas transações internacionais de mercadorias, as condições em que os produtos devem ser exportados, fixando direitos e obrigações, tanto para o exportador como para o importador, estabelecendo, com precisão, o significado do preço negociado entre as partes.

10. Conforme supra alegado, o Incoterm, a condição de venda dos fornecimentos, acordado entre as partes foi "CFR", isto é, cost and freight - custo e frete- significando que:

- o exportador (aqui Autora) deve entregar a mercadoria no porto de destino escolhido pelo importador, ficando as despesas de embarque e transporte a cargo do exportador, transferindo-se a propriedade da mercadoria do exportador para o importador no momento do embarque no país de origem e os riscos por perdas e danos do vendedor para o comprador.

- já o importador deve arcar com as despesas de seguro e de desembarque da mercadoria, suportando os riscos de perda ou dano que possam ocorrer na mercadoria, a partir do momento em que a mesma foi entregue, sem prejuízo da cobertura dos seguros que o mesmo entenda contratar.

11. A 12/10/2014 chegou ao porto de ... o contentor referente à fatura nº. -- e foi colocado em entreposto aduaneiro, na “Frigomato”, a aguardar desalfandegamento definitivo.

12. E em 23/12/2014 chegou ao porto de ... o contentor referente à fatura nº. --, tendo sido colocado em entreposto aduaneiro, na “Frigomato”, a aguardar desalfandegamento definitivo.

13. Neste caso, o controlo veterinário da mercadoria – ao entrar em Portugal – só foi feito pela análise documental e não por uma análise laboratorial da mercadoria, donde, no ato do descarregamento não foi possível verificar os índices altos de histamina.

14. Os documentos mencionados em 6.[1] foram sido validados pela Ré, previamente ao envio dos originais por correio urgente DHL, e enviados pela Autora, e as autoridades portuguesas competentes aceitarem a entrada dos contentores em território nacional, tendo a mercadoria passado por fiscalização sanitária aduaneira (mera visualização, sem análise química).

15. Conforme condições acordadas entre a Ré e Autora, as mercadorias foram adquiridas pela Ré a esta ao abrigo da Quota/Destino Especial, por forma a evitar a taxação de 24% de direitos de importação sobre estas mercadorias e por essa razão, as mercadorias só iriam ser desalfandegadas em Janeiro de 2015 - o que era do conhecimento da Autora.

16. Enquanto as mercadorias estão em entreposto aduaneiro a Ré não tem acesso às mesmas, não podendo verificar a qualidade do produto, ficando as mercadorias armazenadas – enquanto não forem desalfandegadas – nas câmaras de frigorífico da “Frigomato”, as quais não sofreram quaisquer oscilações nas condições de frio.

17. Em Janeiro de 2015, a Ré procedeu ao desalfandegamento definitivo, e transportou a mercadoria para a fábrica, em contentor frigorifico;

18. E, aí chegada, após ter colhido determinadas amostras do produto para análise de controle de qualidade, constatou que aquelas mercadorias apresentavam índices de histamina bastantes elevados e fora do legalmente admissível pelo Regulamento CE nº. 2073/2005, de 15/11/2005.

19. Por ser prática comum na empresa da Ré a realização de análises laboratoriais ao produto, rececionada a mercadoria, na fábrica da Ré, foi inspecionada pelo seu departamento de qualidade, sendo que nessa análise se inclui a realização de análises de histamina; e detetou-se de imediato problemas de qualidade, índices de histamina elevados;

20. Feitas mais análises por laboratório clinico externo, confirmou-se esses valores anómalos, o que originou a rejeição total de um dos contentores referente à fatura n.º -- (de lombos de atum);

21. Numa primeira fase, relativamente ao contentor da fatura -- (troços), a Ré pensou que poderia aproveitar parte da mercadoria, pois algumas análises feitas ao produto originaram resultados de histamina superiores aos legais e outras abaixo deste limite legal, o que parecia apontar para o facto de apenas parte da mercadoria ter que ser rejeitada;

22. No final de Janeiro de 2015, a Ré veio reclamar junto da Autora que a mercadoria entregue continha valores elevados e fora do legalmente admissível de histamina, o que não lhe permitia dar o uso previsto ao atum;

23. O produto vendido pela reconvinda não tinha as qualidades necessárias para a realização do fim contratado, pois os lombos de atum congelado apresentavam índices de histamina superior ao limite máximo estipulado pelo Regulamento 1441/2007 (200mg/Kg), o que determinou a rejeição total do produto por parte da Ré/reconvinte e consequentemente a sua destruição

24. Na sequência da reclamação da Ré, a Autora enviou o Sr. DD à fábrica da CC, que acompanhou com o departamento de qualidade, a realização de análises de histamina vários lotes de produto, tendo constatado os altos níveis de histamina no produto que foi analisado, o que levou a autora a retomar 3.500 Kgs emitindo NC nº. --, datada de 20/02/2015.

25. A Ré entendeu que havia um risco elevado do restante pescado não estar próprio para consumo humano, pelo que, achou conveniente mandar repetir de novo as análises de histamina ao pescado, o qual foi feito pelo laboratório externo (“Silliker”), que confirmou a existência de histamina fora dos parâmetros regulamentares;

26. Posteriormente, ainda a Ré reconfirmou com análises e relatórios da SGS, entidade mundialmente reconhecida para estes efeitos, mantendo-se inalteráveis os resultados;

27. E em resultado, rejeitou os dois contentores na sua totalidade, comunicando por e-mail à Autora que rejeitava por completo os dois contentores pelos enormes riscos de saúde pública que tal representaria, solicitando que a Autora os levantasse, sob pena de ter que chamar as entidades sanitárias para a sua destruição.

28. A Ré rejeitou os dois contentores na sua totalidade solicitando que a Autora os levantasse sob pena de ter que chamar as entidades sanitárias para a sua destruição e em 16/03/2015 enviou à Autora carta registada com AR, considerando incumprido definitivamente o contrato de fornecimento, conforme doc nº. 5 junto à contestação.

29. A Ré suportou os seguintes custos com a entrada da mercadoria em Portugal - no total de € 7.150,42 (sete mil cento e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos):

a) despacho para entrada em entreposto no valor de € 1.174,15, fact. nº. 2014/1201;

b) levantamento e transporte “FF”, fact. 2014/1202 no valor de 489.89 euros;

c) despacho para entrada em entreposto, fact. 2014/1455 no valor de 1175.64€;

d) levantamento e transporte “FF” no valor de € 489.89, fact. 2014/1456;

e) despacho de importação, assistência e controlo aduaneiro no valor de  €351.14- fact. 2015/28 e fact. 1401048 e 1411069;

f) despesas de conservação de frio “FF”:
1.1- fact. 2014/981 de 31/10/14 no valor de €726,00;
1.2- fact. 2014/1089 de 30/11/14 no valor de 630.00;
1.3- fact 2014/1230 de 31/12/14 no valor de 375.00€;
1.4- fact 2014/1188 de 31/12/2014- €52.47(fact. 141106) + 315.00€ (fact 1409048) +€44.80(ft 1409048);
1.5- ft 2015/56 de 31/01/15 ( €86.80- fact 1409048+ €542.19- fact 141106+87,45€);

 g) transporte do levantamento para a fábrica- 610.00€;

30. A Reconvinte adquiriu à Reconvinda 50 toneladas de atum pré congelado, e custou-lhe por kilo o valor de €2.85; e em virtude de o produto vendido estar impróprio para o consumo humano, tal levou à sua destruição, ficando a reconvinte com menos produto para comercializar;

31. Na sequência de falta de resposta da Autora, após comunicação de 16-2-2015 de que considerava o contrato incumprido definitivamente, a Ré entregou a mercadoria para destruição à “Empresa Figueirense de Pesca Lda.”;


Questões a resolver

A Autora, ora recorrente, interpôs, recurso de revista excecional do acórdão recorrido – recurso esse que, conforme já supra referido, veio a ser admitido por acórdão da Formação a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, no qual se expendeu:

“(…) No que toca ao aspecto em apreciação, a relevância jurídica da questão, a recorrente refere que o tema fundamental de direito que se debate respeita à dimensão do alcance da força probatória dos documentos nº 3 a 17 juntos à petição inicial e que constituem os certificados sanitários para exportação do ...e e importação para Portugal de pescado, exigível para os restantes países da Comunidade Europeia. Entendeu o douto acórdão recorrido que tais certificados sanitários, ainda que possuam força probatória plena, a mesma encontra-se limitada às amostras do pescado, no sentido de que apenas essas amostras se encontravam em conformidade sanitária, nada certificando ou provando quanto ao restante pescado exportado dos quais aquelas amostras foram retiradas, mais entendendo que nada obsta à produção de qualquer outra prova sobre a conformidade (ou não) das condições sanitárias dos géneros alimentícios importados para Portugal. Entende-se porém, que aqueles certificados constituem documentos que devem ser considerados como documentos autênticos, enquanto documentos emitidos por uma autoridade estrangeira, no caso, o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural do ...e, em respeito pelas convenções com a Comunidade Europeia e com respeito integral dos requisitos impostos pela Legislação Comunitária, como resulta da conjugação dos seguintes Regulamentos comunitários: Regulamento do Conselho (EC) nº 1005/2008 de 29 de Setembro de 2008; Regulamento (CE) 2073/2005 da Comissão de 15 de Novembro de 2005; Regulamento (CE) 1441/2007 da Comissão de 5 de Dezembro de 2007, Regulamento (CE) 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 2002, mas que o acórdão recorrido entendeu que, quando muito, poderiam possuir força probatória plena relativamente às condições sanitárias das amostras recolhidas ao pescado acondicionado em determinado contentor e não relativamente a todo o pescado que constituiu a remessa exportada pelo ...e.

Ou seja, pretende a recorrente a intervenção deste STJ para se fixar o valor probatório dos ditos certificados sanitários do pescado (exportação do ...e e importação para Portugal), mais concretamente determinar se esses certificados constituem documentos que devem ser considerados como documentos autênticos, emitidos por uma autoridade estrangeira, em respeito pelas Convenções da Comunidade Europeia, e também se a força probatória plena dos documentos deve ser limitada, ou não, relativamente aos ditos elementos. (…)”.

           

Tem-se vindo a entender neste Supremo Tribunal de Justiça que, nos casos de admissão excecional da revista, os poderes cognitivos da conferência julgadora circunscrevem-se às questões suscitadas no recurso relativamente às quais foi, em antecedente acórdão da formação de apreciação preliminar, decidido que se verificavam um ou alguns dos pressupostos específicos que, para aquele efeito, são enunciados no n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

Se assim não fosse, afrontar-se-ia o cariz restritivo da admissibilidade da revista subjacente à instituição da dupla conforme[2] e contornar-se-ia o respetivo regime legal.

Consequentemente, o objeto do recurso, assim delimitado, não abarca quaisquer outras questões que, cumulativa e paralelamente, hajam sido enunciadas na revista[3].

                       

           Revertendo estas considerações para a revista sub juditio alcança-se a conclusão de que o acórdão da formação de apreciação preliminar ajuizou que apenas a questão atinente ao âmbito da força probatória recognoscível aos certificados sanitários para exportação emitidos no ...e[4] ostentava a relevância jurídica qualificada que é erigida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil como fundamento de admissibilidade da revista excecional.

Assim, atento o cariz definitivo daquele aresto (n.º 1 do artigo 620.º e n.º 4 do artigo 672.º, ambos do Código de Processo Civil), é de considerar que as remanescentes questões suscitadas no recurso – quais sejam as atinentes à perfeição do cumprimento do contrato de compra e venda e à legitimidade substancial da resolução contratual encetada pela recorrida – não devem ser apreciadas.

É que o acórdão da formação de apreciação preliminar não afirmou, quanto a essas questões, a verificação de qualquer um dos pressupostos de que depende a admissibilidade da revista excecional, pelo que, em decorrência do que antes se expendeu, há que reconhecer que as mesmas estão excluídas do âmbito da revista.

E, mesmo que assim não se devesse entender, o certo é que – como a própria recorrente implicitamente reconheceu no requerimento de interposição de recurso –, o acórdão recorrido confirmou a sentença quanto àquele aspeto, não se tendo, para tanto, socorrido de fundamentação que se possa qualificar como sendo essencialmente diversa.

Constata-se, pois e quanto àquelas questões, que sempre ocorreria o obstáculo à admissão da revista normal que é prevenido pelo n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

Assim, na concorrência destes dois fundamentos, torna-se patente que as sobreditas questões se acham inapelavelmente excluídas do âmbito da presente revista.

Impõe-se, em consonância, enjeitar o conhecimento desse segmento do objeto da revista (alínea b) do n.º 1 do artigo 652.º e n.º 1 do artigo 655.º, ambos do Código de Processo Civil).

A questão a dirimir resume-se assim a determinar se os certificados sanitários de pescado emitidos no ...e constituem documentos que devem ser considerados como documentos autênticos emitidos por uma autoridade pública e, na afirmativa, a precisar qual o alcance da força probatória plena dos mesmos.

Está, pois, em causa uma questão relacionada com a fixação da matéria de facto.

Como resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 46.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto e do n.º 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça funciona, em regra, como tribunal de revista e não como um tribunal de instância, o que significa que lhe cabe, tão só, apreciar a justeza e correção da solução jurídica dada ao caso aos factos definitivamente julgados pelos tribunais de hierarquia inferior.

Os poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça no domínio da fixação da matéria de facto são, compreensivelmente, assaz exíguos. O erro na apreciação da prova é, em regra, alheio à sindicância deste Tribunal, sendo essa a jurisprudência pacífica e uniforme desta Instância.

Assim, como é consabido, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer da matéria de facto quando ocorra ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou que estabeleça o valor de determinado meio probatório.

Compreende-se que assim seja, já que, em qualquer uma dessas hipóteses, é ainda possível descortinar a ocorrência de erros na aplicação de regras de direito, sendo, aliás, esse o parâmetro pertinente – e não a apreciação dos factos concretamente efetuada – a ter em conta.

Esclarecido este aspeto, impõe-se incontornavelmente a conclusão de que a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça na fixação de matéria de facto preconizada pela recorrente – é esse, como se expende na conclusão 20ª[5], o sentido útil da resposta à questão solvenda acima enunciada – pressupõe, primeiramente, que se verifique uma das faladas hipóteses.

Argumenta a recorrente que foram infringidas disposições legais que fixam o valor probatórios dos ditos certificados sanitários, pelo que nos deparamos com a hipótese prevenida na parte final do n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

Avaliemos então se aos ditos documentos é atribuída uma força probatória específica, começando por contextualizá-los.

Como é consabido, a União Europeia, de que Portugal faz parte, coloca rígidas restrições à importação de produtos piscatórios provenientes de países terceiros.

É que a existência de «um elevado nível de proteção da saúde pública é um dos objetivos fundamentais da legislação alimentar», consabidos que são os “perigos que os géneros alimentícios apresentam a nível microbiológico constituem uma importante fonte de doenças de origem alimentar para o ser humano.”. Por isso, os géneros alimentares “(…) não devem conter microrganismos nem as suas toxinas e metabolitos em quantidades que representem um risco inaceitável para a saúde humana. (…)”[6].

Entre esses agentes patogénicos destaca-se a histamina[7], tendo o legislador europeu considerado ser benéfico estabelecer “requisitos microbiológicos harmonizados”[8].

Nessa conformidade e após se estabelecer que “(…) os operadores das empresas do sector alimentar devem assegurar que os géneros alimentícios cumprem os critérios microbiológicos pertinentes estabelecidos no anexo I” (…)” (artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão, de 15 de Dezembro de 2005), são definidos os valores mínimos e máximos que os produtos da pesca de espécies de peixes associadas a um elevado teor de histidina[9] podem ostentar aquando na sua colocação no mercado (cfr. ponto n.º 1.26 da anexo I[10]).

Atentando agora nos documentos em causa (os quais foram juntos com a petição inicial sob os n.º 5 e 17), resulta da sua valoração, são encimados pela expressão “Certificado Sanitário para as importações de produtos de pesca destinados ao consumo humano”[11].

Dessa valoração e em conjugação com o que deflui dos factos provados – cfr. ponto n.º 6 do elenco factual – resulta ainda que os mesmos foram emitidos pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural do ...e, mais concretamente por um funcionário do Departamento Nacional para o Controlo de Qualidade Agrícola Florestal e Piscatória.

Tal como consta do respetivo “site”[12], trata-se de uma instituição que assiste aquele Ministério no domínio do controle de qualidade de produtos piscatórios, competindo-lhe, particular, a tarefa de verificar e certificar as condições sanitárias do pescado, de acordo com os requisitos emanados de organizações internacionais.

Perante a conjugação destas constatações, impõe-se assim constatar que os certificados sanitários em causa constituem documentos emitidos em país estrangeiro.

Assim, à partida e independentemente da sua legalização[13], farão prova nos mesmos moldes que os documentos da mesma natureza emitidos em Portugal, (n.º 1 e n.º 2 do artigo 365.º do Código Civil).

Desse modo, importa discernir qual a natureza desses documentos.

Como se disse, a entidade emitente dos certificados sanitários aqui em causa é um organismo estadual ...ita e a emissão dos ditos certificados situa-se no âmbito da respetiva esfera de competência. Daí que, se tais documentos houvessem sido emitidos por autoridades públicas portuguesas, os mesmos seriam tidos como documentos autênticos, de acordo com a aceção vertida no n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil.

Como se sabe, aos documentos autênticos é reconhecida força probatória material[14] plena[15] quanto aos factos neles referidos que hajam sido praticados pelo oficial público documentador ou que hajam sido objeto das suas perceções diretas (n.º 1 do artigo 371.º daquele diploma)[16] [17].

Temos assim que a força probatória plena alcança a “veracidade das atestações do funcionário documentador (…) até onde versem sobre actos praticados por ele próprio ou praticados na sua presença (…) – isto é sobre acções ou percepções suas (quorum notitiam et scientiam habet propiis sensibus, visus et auditus)”[18] [19].

Consequentemente e como se depreende do que se expôs, “as restantes atestações (juízos, apreciações) do funcionário valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”[20] (cfr. parte final do n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil). É que tais juízos ou apreciações “estão fora daquilo que ele pode atestar com base em perceções suas”[21], pois, naturalmente, a fé pública “só pode abranger os factos que o funcionário foi agente ou testemunha, isto é os factos de que foi agente ou testemunha, que ele viu ou ouviu (…)”, já que “a fé pública do notário ou do funcionário cobre as suas ações e perceções; mas não pode ir além destes limites”[22].

Por outras palavras e como se escreveu no Acórdão deste Supremo de 19 de Fevereiro de 2004[23], a “autenticidade estabelecida pelo artigo 371º-1-2, do Código Civil respeita aos factos cobertos pela força probatória (plena e autêntica) do documento, às percepções documentadoras da autoridade competente pela credibilidade pública de que goza, mas só na medida dos limites de abrangência do conteúdo assim documentado.”.

Assim, por exemplo, a conclusão formulada pelo notário e inscrita num testamento público, de que o testador estava em condições de testar escapa ao âmbito da prova plena[24]. De igual modo, não goza de força probatória plena menção feita no relatório do IDICT quanto à data da admissão do sinistrado ao serviço da entidade empregadora “(…) por se tratar de um dado que não é atestado com base nas percepções de quem elabora o relatório, sendo-lhe alheio”[25]. Também a certidão judicial carece desse valor demonstrativo no segmento em que atesta a data em que ocorreu o trânsito em julgado de uma decisão[26].

Regressando aos certificados sanitários em apreço, deles consta, no campo respeitante à informação sanitária, que o signatário declarava que “conhece as disposições pertinentes dos Regulamentos (CE) n.º 178/2002 (…) e certifica que os produtos de pesca anteriormente descritos foram produzidos de acordo com os ditos requisitos, especialmente que: (…)

- cumprem os critérios estabelecidos no Regulamento (CE) n.º 2073/2005 relativo aos critérios microbiológicos aplicáveis aos produtos alimentícios (…)”[27].

Serão estes os dizeres que corporizam a conformidade das mercadorias vendidas com os critérios estabelecidos no Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão a que se alude na conclusão 12.ª.

Deste conteúdo narrativo dos documentos em causa poder-se-ia, assim e num primeiro relance, inferir que se mostrava atestado o cumprimento do critério microbiológico atinente aos níveis de histamina a que se refere aquele Regulamento.

Contudo, é de obtemperar que, conforme evola desses documentos, tal aspeto não foi, em concreto, objeto de particular análise e de sequente certificação. Na verdade, não foi feita, em qualquer um deles, uma expressa ou implícita referência aos resultados das análises laboratoriais químicas (que constam, respetivamente, dos documentos juntos sob os n.º 3 e 14), sendo que apenas essa referenciação poderia permitir confirmar aquela impressão.

Mais relevantemente, há, decisivamente, a salientar que, nos aludidos certificados, não consta que o oficial público que firmou esses documentos haja, por si, verificado os níveis de histamina no pescado. Com efeito, não é neles referido que os níveis em que essa bactéria se achava presente no pescado foram sensorial[28] e diretamente percecionados por um funcionário público ...ita ao serviço da referida entidade.

Daí que, na confluência do que viemos de expor, seja de concluir que a atestação supra referenciada ultrapassa o alcance das perceções do documentador, constituindo-se, nessa medida, como um mero juízo pessoal deste a que a lei nacional não reconhece força probatória plena.

Repare-se que esta conclusão não colide com a constatação de que não foi arguida a falsidade dos mencionados certificados. Com efeito, a circunscrição do âmbito da força probatória plena que vimos de efetuar não é passível de ser confundida com a total eliminação desse valor demonstrativo acrescido, sendo que só a consecução desse desiderato torna necessário o recurso a tal arguição[29].

Note-se, paralelamente, que, como se disse, os documentos em apreço não contêm qualquer menção às aludidas análises não se podendo, pois, concordar com asserção de que a referida atestação é nelas suportada, como se aventa na minuta recursória.

Mas mesmo que assim fosse, a força probatória plena apenas abrangeria, como decidiram as instâncias, a realização dessas análises e os respetivos resultados[30], não abarcando, pois, a valoração que dos mesmos haja sido efetuada pelo oficial[31]. É que tais apreciações são fruto do trabalho intelectual do funcionário e a elas não se pode reconhecer infabilidade[32].

Por isso, ainda que se pudesse localizar, nos aludidos certificados sanitários, uma menção aos resultados dos aludidos exames laboratoriais a título de justificação da aludida asserção, a mesma não seria suficiente para conferir força probatória plena àquela atestação ou, noutra perspetiva, para desvirtuar a sua índole de juízo pessoal.

Até ao momento, temos vindo a concitar o ordenamento jurídico nacional.

Vejamos, porém, se o ordenamento europeu fornece solução diversa, até porque esse é também o cerne da questão solvenda.

Os artigos 1.º e 5.º[33] do Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão, de 15 de Dezembro de 2005, nada dispõem sobre o valor probatório de certificados sanitários emitidos por autoridades públicas de países terceiros, pelo que mal se percebe a sua concitação para efeitos de apreciação da questão solvenda.

De igual modo, deve-se ter por desajustada a referência aos n.os 6 e 7[34] do artigo 14.º do Regulamento (CE) n.º 178/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, já que também estes normativos não versam sobre tal questão.

Importa, por fim e de feição um pouco mais desenvolvida, precisar o alcance das disposições do Regulamento (CE) n.º 1005/2008, do Conselho, de 29 de Setembro de 2008 citadas pela recorrente.

Um dos desideratos da política comum de pescas delineada no seio da União Europeia é «(…) garantir uma exploração dos recursos aquáticos vivos que crie condições sustentáveis dos pontos de vista económico, ambiental e social», sendo que a «pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) constitui uma das mais graves ameaças para a exploração sustentável dos recursos aquáticos vivos e compromete o próprio fundamento da política comum das pescas e dos esforços envidados a nível internacional para promover uma melhor governação dos oceanos. (…)»[35].

Nessa medida, o legislador europeu considerou que ser imperioso «(…)proibir o comércio de produtos de pesca provenientes da pesca INN com a Comunidade. Para tornar efectiva esta proibição e assegurar que todos os produtos de pesca comercializados importados e exportados pela Comunidade tenham sido capturados no respeito das medidas internacionais de conservação e de gestão e, se for caso disso, das outras regras pertinentes aplicáveis aos navios de pesca em causa, é instituído um regime de certificação aplicável a todas as trocas comerciais de produtos da pesca com a Comunidade (…)», passando a emissão do certificado a constituir «(…)uma condição prévia à importação de produtos da pesca para a Comunidade. O referido certificado deve conter informações que permitam demonstrar a legalidade dos produtos em causa. O certificado deve ser validado pelo Estado de pavilhão dos navios de pesca que capturaram o pescado em causa, em conformidade com a obrigação que lhe incumbe, por força do direito internacional, de assegurar que os navios de pesca que arvoram o seu pavilhão observem as regras internacionais de conservação e de gestão dos recursos haliêuticos. (…)». Tal condição é aplicável a «todas as importações de produtos da pesca marítima para a Comunidade (…)»[36].

Nesse encadeamento, o n.º 1 do artigo 12.º do dito Regulamento estabelece a importação de produtos de pesca INN. Para assegurar a eficácia dessa proibição prevêem os n.º 2 e 4 do mesmo preceito, a necessidade de os produtos de pesca importados para o seio da UE serem acompanhados de um certificado de captura que ateste que as capturas foram efetuadas nos termos das leis, regulamentações e medidas internacionais de conservação e de gestão aplicáveis. Tal certificado deverá conter as informações prescritas no anexo II desse regulamento e será validado por uma autoridade pública do Estado de pavilhão dotada dos poderes necessários para certificar a exatidão das informações.

Assim, é preclaro, este preceito não se reporta aos certificados sanitários que estão em causa nestes autos mas antes – e apenas – à imperatividade e conteúdo dos denominados certificados de captura[37], os quais, como se vê, não se destinam a assegurar que os géneros alimentares piscícolas respeitam os critérios microbiológicos delineados no Regulamento n.º 2073/2005, da Comissão.

Daí que a consideração deste preceito regulamentar em nada contrarie a conclusão acima extraída quanto ao valor probatório daqueloutros certificados.

Temos, pois, que as normas europeias invocadas pela recorrente não fornecem qualquer contributo útil para dirimir aquela questão.

Não estando a atestação da conformidade com os critérios microbiológicos estabelecidos pelo Regulamento (CE) n.º 2073/2005 da Comissão abarcada pela força probatória plena que deve ser reconhecida aos certificados sanitários a que vimos aludindo, forçoso se torna concluir que é inaplicável a proibição de recurso à prova testemunhal que se acha estabelecida no n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil.

É que tal normativo, destinado a salvaguardar a hierarquia valorativa dos diferentes meios de prova[38], apenas tem valia no que respeita a factos demonstrados por documentos dotados de força probatória plena e no estrito âmbito desta[39].

Nessa medida, era lícito às instâncias socorrerem-se de prova testemunhal para estabelecerem factos cuja valoração lhes permitiu alcançar a conclusão de que os produtos de pesca a que se referiam os certificados sanitários tinham um nível de histamina superior ao regulamentarmente estabelecido, não obstante o conteúdo daqueles e, bem assim, os resultados das análises laboratoriais.

Assim, a consideração conjugada de todas estas ponderações conduz à conclusão de que, na fixação da matéria de facto, não se mostram infringidas disposições legais que reconheçam um determinado valor probatório a um certo meio de prova.

Como tal e na sequência do que expusemos, mostra-se vedado a este Supremo Tribunal de Justiça alterar o acervo factual nos termos preconizados pela recorrente.

Improcedem assim, nesta conformidade, as concussões recursórias, impondo-se negar a revista.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

                                    Lisboa, 23 de maio de 2019

                                    Acácio das Neves

                                    Fernando Samões

                                    Maria João Vaz Tomé

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[1] Alterou-se a redacção da alínea gg) dos factos fixados pela Relação, de modo a acomodar as modificações introduzidas na ordenação factual.
[2] A este respeito, atente-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto e ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 283 e 284 e, entre tantos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2013 no processo n.º 675/08.2TBCBR.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido:
· Nulidade de sentença - Falta de fundamentação - Fundamentos de direito - Fundamentos de facto -Oposição de julgados - Acórdão recorrido - Acórdão fundamento - Revista excepcional - Revista excecional - Objecto do recurso
I - O objecto do recurso é limitado ao fundamento de admissibilidade da revista excepcional interposta. (…)
16-11-2017 - Revista n.º 1251/13.3TYVNG-A.P1.S1 - 6.ª Secção - Henrique Araújo (Relator), Maria Olinda Garcia e Salreta Pereira (acórdão sumariado em: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf);
· Oposição de julgados - Prestação de contas - Mandato - Procuração - Conta bancária - Obrigação de informação - Poderes de representação - Formação de apreciação preliminar - Revista excepcional -Revista excecional - Objecto do recurso - Objeto do recurso - Erro na forma do processo - Princípio da preclusão
I - A decisão da formação – a que se refere o n.º 3 do art. 672.º do NCPC (2013) – que admitiu a revista excepcional com fundamento em oposição de julgados quanto à questão de saber se existe ou não a obrigação de prestação de contas, delimita o objecto do recurso, que, assim sendo, fica circunscrito a essa concreta questão. (…)
23-06-2016 - Revista n.º 4902/14.9T2SNT.L1.S1 - 2.ª Secção - Maria da Graça Trigo (Relatora), Bettencourt de Faria e João Bernardo (acórdão integralmente acessível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a249626b64b55e0b802580bc0057bdb6?OpenDocument);
· Abuso do direito - Venire contra factum proprium - Nulidade por falta de forma legal - Arguição de nulidades - Cessão de exploração - Estabelecimento comercial - Escritura pública - Documento particular - Revista excepcional - Revista excecional - Relevância jurídica -Objecto do recurso - Objeto do recurso (…)
III - Tendo o recurso sido admitido como revista excepcional, com fundamento no art. 672.º, n.º 1, a), do CPC, pela relevância jurídica da referida questão – se os efeitos da nulidade por vício de forma podem ser paralisados pela invocação do abuso do direito –, só esta questão, assim qualificada e delimitada pela Formação (art. 672.º, n.º 3, do CPC), constitui objecto do recurso. 
09-07-2015 - Revista n.º 796/08.1TVPRT.P1.S1 - 6.ª Secção - Pinto de Almeida (Relator), Júlio Gomes e Nuno Cameira (acórdão integralmente acessível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e02386d6812ed9aa80257e7d004e82c8?OpenDocument);

[4] A que genericamente se reportam as conclusões 8.ª a 16.ª (primeira parte) e 18.ª a 20.ª.
[5] Consta daquela conclusão «(…) impõe-se que o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais seja corrigido, alterando-se a resposta do facto elencado no ponto 1 dos factos não provados, considerando-se, assim, o mesmo como provado; a resposta ao facto provado constante da alínea aa) que deve ser alterada para não provado; a alteração da resposta ao facto provado sob a alínea Z) na parte "o atum congelado vendido já saído de origem do ... impróprio para o consumo humano de acordo com as normas europeias", para não provado; na resposta ao facto provado sob a alínea cc) deve ser eliminada a parte da resposta: "e em virtude de o produto vendido estar impróprio para consumo humano" e na resposta à "matéria de facto sob a alínea ee) eliminada a resposta na parte "As anomalias ocorreram não obstante"».
[6] Citam-se os considerandos (1) e (2) do Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão, de 15 de Dezembro de 2005, publicado no JOUE, L 338/1, de 22 de Dezembro de 2005.
[7] A histamina provém da descarboxilação bacteriana do aminoácido histidina, fenómeno que sucede após a morte do peixe. O atum é dos peixes que possui quantidades elevadas de histidina, sendo que a histamina tem, para o ser humano, potencial alérgico e intoxicante (informações recolhidas no site https://www.infoescola.com/saude/histamina-no-pescado).
[8] Cita-se o considerando (4), do Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão, de 15 de Dezembro de 2005.
[9] Entre os quais se conta a família de peixes Scombridae que designa, entre outras, espécies o atum. Cfr. nota 16 ao anexo I do Regulamento (CE) n.º 2073/2005, da Comissão, de 15 de Dezembro de 2005.
[10] Considera-se a redacção emergente do Regulamento n.º 1441/2007, da Comissão, de 5 de Dezembro de 2007.
[11] Tradução livre dos originais em língua castelhana e inglesa.
[12] Acessível em http://nafiqad.gov.vn/summary-of-functions-responsibilities-powers-and-organizational-structure-of-the-national-agroforestryfisheries-quality-assurance-department-nafiqad_t221c92n185.
[13] Cfr., a respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2002, proferido no processo n.º 02B3970 e acessível em www.dgsi.pt.
[14] Sobre a distinção entre força probatória formal – noção que se refere à própria autenticidade do documento – e a força probatória material – conceito que, diferentemente, se reporta ao conteúdo do documento –, v., entre outros, MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, págs. 225 e 226, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª Edição, Coimbra, pág. 362 e JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código Civil, vol. II, Livraria Petrony, págs. 150 e 151.
[15] A qual só é ilidível mediante a arguição e prova da falsidade (n.º 1 do artigo 372.º do Código Civil).
[16] Como lucidamente escreveram PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, pág. 327, «O valor probatório do documento autêntico não respeita a tudo quanto se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e quanto aos factos que são referidos no documento pela entidade documentadora. (…)».
[17] Daí que, consequentemente, um documento autêntico apenas possa ser tido como falso «quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi» (cfr. n.º 2 do artigo 372.º do Código Civil).
[18] Cita-se MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., pág. 227.
[19] No mesmo sentido, pode-se ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2015 – proferido no processo n.º 28247/10.4T2SNT-A.L1.S1 e sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015.pdf – «(...) Não obstante, a força probatória plena do documento só vai até onde alcançam as percepções do notário (…)»; De igual modo, expendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006 – proferido no processo n.º 1135/06 e sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2006.pdf – «O documento autêntico prova, pois, plenamente, os factos que foram objecto das acções ou percepções da entidade documentadora. Porém, como é evidente, tal força probatória só poderá ir até onde alcançam as percepções do documentador.».
[20] Idem, nota 19.
[21] Cita-se VAZ SERRA, Provas – Direito Probatório Material, B.M.J. n.º 111, pág. 137.
[22] Cita-se ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 368.
[23] Proferido no processo n.º 03B4370 e acessível em www.dgsi.pt.
[24] Assim, LEBRE DE FREITAS, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, pág. 37; paralelamente, v. o caso decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2018, proferido no processo n.º 2170/13.9TVLSB.L1.S1      e acessível em www.dgsi.pt.
[25] Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2009, proferido no processo n.º 08S3966 e acessível em www.dgsi.pt.
[26] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 4155/05.0TBSXL.L1.S1-A e sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/01/sum_acor_civel_outubro_2018.pdf.
[27] Idem, nota 12.
[28] Não é demais salientar que, como escreve VAZ SERRA – ob. cit., pág. 134 –, a força probatória plena «só pode referir-se àquilo que o documentador se certificou com os seus sentidos».
[29] Assim ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 369.
[30] E não tanto as amostras com base nas quais foram apurados os resultados laboratoriais, como parece ter sido entendido no acórdão recorrido.
[31] No mesmo sentido e com exemplos em tudo paralelos, v. LEBRE DE FREITAS, loc. cit. e ALBERTO DOS REIS, ob. cit., págs. 373 e 374.
[32] Parafraseia-se a lição de LESSONA, citada por ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 371.
[33] É o seguinte o conteúdo destes preceitos:
«Artigo 1.º
Objecto e âmbito de aplicação
O presente regulamento estabelece os critérios microbiológicos para certos microrganismos e as regras de execução a cumprir pelos operadores das empresas do sector alimentar quando aplicarem as medidas de higiene gerais e específicas referidas no artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 852/2004. A autoridade competente deve verificar o cumprimento das regras e critérios estabelecidos no presente regulamento em conformidade com o Regulamento (CE) n.º 882/2004, sem prejuízo do seu direito de realizar outras amostragens e análises a fim de detectar e quantificar outros microrganismos, suas toxinas ou metabolitos, quer no quadro da verificação dos processos, quer em relação a géneros alimentícios suspeitos de serem perigosos, quer ainda no contexto de uma análise de riscos. O presente regulamento aplicar‑se‑á sem prejuízo de outras regras específicas relativas ao controlo de microrganismos estabelecidas na legislação comunitária e, em especial, as normas sanitárias para os géneros alimentícios fixadas no Regulamento (CE) n.º 853/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, as regras relativas a parasitas fixadas no Regulamento (CE) n.º 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho e os critérios microbiológicos estabelecidos na Directiva 80/777/CEE do Conselho.
Artigo 5.º
Regras específicas em matéria de testes e amostragem
1. Os métodos de análise e os planos e métodos de amostragem previstos no anexo I serão aplicados como métodos de referência.
2. Serão colhidas amostras das zonas de transformação e do equipamento utilizado na produção de alimentos, sempre que tal for necessário para assegurar a observância dos critérios.
Neste contexto, dever‑se‑á utilizar como método de referência a norma ISO 18593.
Os operadores das empresas do sector alimentar que produzam alimentos prontos para consumo susceptíveis de constituir um risco para a saúde pública devido à presença de Listeria monocytogenes devem proceder à amostragem das zonas e do equipamento de transformação com vista à detecção
desta bactéria, no quadro do respectivo regime de amostragem.
Os operadores das empresas do sector alimentar que produzam fórmulas desidratadas para lactentes ou alimentos desidratados para fins medicinais específicos destinados a lactentes com menos de seis meses, susceptíveis de constituir um risco para a saúde pública devido à presença de Enterobacter sakazakii devem proceder à amostragem das zonas e do equipamento de transformação com vista à detecção de Enterobacteriaceae, no quadro do respectivo regime de amostragem.
3. Poderá reduzir‑se o número de unidades de amostra dos planos de amostragem estabelecidos no anexo I se o operador da empresa do sector alimentar puder demonstrar, mediante documentação histórica, que dispõe de procedimentos eficazes baseados nos princípios do HACCP.
4. Se os testes tiverem como objectivo avaliar especificamente a aceitabilidade de um determinado processo ou lote de géneros alimentícios, devem respeitar‑se, no mínimo, os planos de amostragem estabelecidos no anexo I.
5. Os operadores das empresas do sector alimentar poderão utilizar outros procedimentos de amostragem e de análise se puderem demonstrar, a contento da autoridade competente, que estes procedimentos proporcionam pelo menos garantias equivalentes. Tais procedimentos podem incluir a utilização de locais de amostragem alternativos e de análises de tendências.
A realização de testes baseados em microrganismos alternativos e respectivos limites microbiológicos, bem como o recurso a testes de substâncias que não sejam microbiológicas, só serão permitidos no caso dos critérios de higiene dos processos.
É aceitável a utilização de métodos de análise alternativos se esses métodos forem validados em função do método de referência fixado no anexo I e se for utilizado um método desenvolvido pelo próprio, certificado por terceiros em conformidade com o protocolo estabelecido na norma EN/ISO 16140 ou outros protocolos idênticos internacionalmente aceites.
Se o operador da empresa do sector alimentar pretender utilizar métodos analíticos diferentes dos métodos validados e certificados em conformidade com o disposto no parágrafo anterior, esses métodos devem ser validados de acordo com protocolos aceites internacionalmente e a sua utilização deve ser autorizada pela autoridade competente.»
[34] É o seguinte o teor destes preceitos:
«Artigo 14.º
Requisitos de segurança dos géneros alimentícios
6. Sempre que um género alimentício que não é seguro faça parte de um lote ou remessa de géneros alimentícios da mesma classe ou descrição, partir-se-á do princípio de que todos os géneros alimentícios desse lote ou remessa também não são seguros, a menos que, na sequência de uma avaliação pormenorizada, não haja provas de que o resto do lote ou da remessa não é seguro.
7. São considerados seguros os géneros alimentícios que estejam em conformidade com as disposições comunitárias específicas que regem a sua segurança, no que diz respeito aos aspectos cobertos por essas disposições.».
[35] Citam-se os considerandos (2) e (3) do Regulamento (CE) n.º 1005/2008 do Conselho, de 29 de setembro de 2008, publicado no JOUE n.º L 268/1, de 29 de Outubro de 2008.
[36] Citam-se os considerandos (12), (14) e 15 do Regulamento (CE) n.º 1005/2008 do Conselho, de 29 de setembro de 2008.
[37] Tratam-se dos escritos que foram juntos como documentos n.º 8, 9, 12 e 16 com a petição inicial.
[38] Assim, RITA GOUVEIA, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, pág. 889.
[39] Neste sentido, v. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 342 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 362333/10.7YIPRT.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.