Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21/18.7SHLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: RECURSO PENAL
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I



Por Acórdão proferido nestes Autos foi decidido julgar parcial procedente e provada a Acusação Pública que imputava aos Arguidos AA, BB e CC a prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma consumada, dos artigos 21º nº 1 e 24º, alíneas b) e j), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexo ao mesmo diploma.

E, em consequência, foi decidido absolvê-los da prática do crime que lhes era imputado e, após convolação, condená-los da seguinte forma:

· O Arguido AA na pena de 6 anos de prisão, pela prática, em coautoria material, na forma consumada, de 1 crime tráfico de estupefacientes, do artigo 21º nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma;

· O Arguido BB na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em coautoria material, na forma consumada, de 1 crime tráfico de estupefacientes, do artigo 21º nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma;

· O Arguido CC na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, em coautoria material, na forma consumada, de 1 crime tráfico de estupefacientes, do artigo 21º nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma

Mais foi decidido declarar perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente e objetos apreendidos, determinando-se a sua oportuna destruição e, bem assim, perdidos a favor do Estado os valores monetários apreendidos.


II

Inconformados com esta decisão, os Arguidos AA (1), BB (2) e CC (3) vieram interpor recurso. Das respetivas Motivações retiraram as seguintes Conclusões:

1.

1) O recorrente entende que a pena deve ser reduzida e suspensa na sua execução

a) O arguido confessou os factos logo no início do julgamento;

b) Está em causa um transporte de cerca de 30 kg de haxixe por via rodoviária;

c) Todo o haxixe foi apreendido;

d) O haxixe é dos produtos estupefacientes com menor danosidade para a saúde;

e) O arguido é primário;

f) Tem forte apoio familiar;

g) Está preso há mais de 1 ano e 5 meses;

h) Tem 1 filho menor, cuja ausência impõem a decisão já tomada de não se voltar a envolver com crimes sob pena de novamente ficar afastado dos seus filhos;

i) Tem hábitos de trabalho;

j) Roga-se pela redução da pena aplicada e a sua suspensão.

Violaram-se as seguintes normas jurídicas: artigos 40.º, 50º e 71º do Código Penal;

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento.

V. Exas farão assim Justiça!

2.

I - A conduta do Arguido consistiu em ter-se disponibilizado, e efetuado com o seu veículo automóvel, um único transporte de haxixe.

II - O Recorrente, conforme esclareceu perante o Tribunal a quo desconhecia, inclusive, qual a quantidade de produto estupefaciente que tinha sido colocada no veículo, nunca tendo tido o domínio sobre esse facto.

III - Como é sabido o produto estupefaciente transportado pelo Arguido é, de todos os produtos estupefacientes criminalizados, o que menos danosidade social causa, sendo o Recorrente consumidor dessa substância.

IV - Entende o ora Recorrente que, tendo em atenção a imagem global dos factos, a sua condenação deveria ter sido enquadrada no tráfico de Menor Gravidade, alínea a) do Artigo 25º do Decreto – Lei n.º 15/93, de Janeiro.

V - Punir uma conduta como a do recorrente nos quadros da moldura abstracta do Artigo 21º (grande tráfico), como o fez o douto Tribunal “a quo”, para além de esvaziar por completo de sentido o Artigo 25º, constitui uma violência intolerável, repudiada, nomeadamente, pelo princípio da proporcionalidade consagrado no Artigo 18º da C.R.P.

VI - Precisamente para prevenir excessos constitucionalmente inadmissíveis, é que o legislador consagrou o Artigo 25º do D. Lei n.º 15/93, tido como válvula de segurança do sistema, em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade – onde cabe indubitavelmente o caso dos autos – sejam tratadas com penas desproporcionadas.

VII - Assim, a pena a aplicar ao arguido deveria ter sido encontrada tendo em atenção uma moldura penal abstracta de 1 a 5 anos de prisão, pelo que, não o tendo feito o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 21º e 25º do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

VIII - Na sequência do que ficou exposto, sempre terá que se considerar que a pena imposta ao ora recorrente revela-se manifestamente desproporcional e desadequada, tendo em atenção, nomeadamente a protecção dos bens jurídicos em causa e a reintegração do agente na sociedade.

IX - Nos termos do Artigo 71º n.º 2 do Código Penal na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

X - A pena aplicada ao recorrente viola, no entendimento da defesa, os Princípios da Proporcionalidade e adequação;

XI - Ao decidir como decidiu o tribunal "a quo" violou, nomeadamente, o artigo 71º do Código Penal, termos em que deve a pena aplicada ser substancialmente reduzida;

XII - Ao Arguido deveria ter sido aplicada uma pena de prisão entre os 3 (três) e 4 (quatro) anos.

XIII - Mas mesmo que se considerasse verificado que o Arguido cometeu o crime p. e p. pelo Artigo 21º, do D.L. n.º 15/93, considerando a imagem global dos factos a sua pena deveria ter-se situado no seu limite mínimo, ou seja, entre os 4 (quatro) anos e os 4 (quatro) anos e meio.

XIV - Resulta do disposto nos artigos 40º e 71º do C.P., que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral especial ou individual, está já positiva ou negativa, porque, por um lado, ressocializadores, por outro também ainda dissuasora – tudo relativamente ao delinquente – funcionando a culpa, simultaneamente, como seu pressuposto e limite máximo.

XV - Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, no caso Sub Júdice a aplicação de pena de prisão efectiva não visa, nem pode visar, qualquer prevenção geral ou especial, e não pode, naturalmente, visar qualquer ressocialização, bem pelo contrário;

XVI - No caso em apreço, considerando a concreta conduta levada a cabo pelo Arguido, a sua colaboração para a descoberta da verdade, o seu sincero arrependimento, o Tribunal a quo poderia e deveria ter condenado o Arguido numa pena suspensa na sua execução, subordinando a suspensão da execução da pena de prisão, ao cumprimento de deveres ou à observação de regras de conduta, ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do n.º 2 do art. 50.º do CP.

XVII - Os efeitos que se pretendem obter com a aplicação de uma pena de prisão efetiva foram já obtidos com a submissão do Recorrente a longos meses de prisão preventiva;

XVIII - Atendendo à personalidade do Recorrente, às condições da sua vida, ao apoio familiar que beneficia, é forçoso concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XIX - Assim sendo, ponderado, o circunstancialismo descrito deveria a pena aplicada ao Arguido ser suspensa na sua execução, tudo nos termos dos artigos 40º, 50º, 71º, 72º e 73º do C.P.

Termos em que deve o presente Recurso obter provimento com o que farão V. Exas. a esperada Justiça

3.

A) O presente recurso vem no seguimento da discordância com o quantum da pena que considera excessiva e pelo facto de a pena ser efectiva.

B) Por acórdão proferido a 13 de Abril de 2021, foi decidido:

- Absolver os arguidos AA, BB e CC da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 21º e 24º, alíneas b) e j) d0 Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência *a Tabela T-C, anexa ao mesmo diploma.

- Condenar o arguido CC, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 3 de Janeiro de 2020, em co-autoria material, na forma consumada, de 1 (crime) de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma.

C) O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos relativamente ao arguido CC:

1. Apenas resultou provado que, com respeito ao 3 de Janeiro de 2020, o arguido BB se deslocou ….., tal como o fizeram os arguidos AA e CC, competindo-lhe o transporte e a introdução da canábis no território português , recebendo contrapartida em montante não concretamente apurado (ponto 4);

2. Apenas resultou provado que em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 3 de janeiro de 2020, os três arguidos acordaram entre si deslocarem-se  ….., a fim de adquirirem canábis e transportarem tal produto para Portugal, o que fariam utilizando dois veículos automóveis. Um destes veículos seria utilizando para o transporte de canábis e outro veículo para seguir na frente do primeiro e verificar a eventual presença de forças policiais para, na afirmativa, poder dar indicação ao veículo tinha a missão de – vulgo – batedor. Mais acordou o arguido AA que, pela realização da viagem, pagaria ao arguido BB, daquela que viesse a receber, quantia não concretamente apurada (ponto 5);

3. Assim, na execução doa cordado pelos três arguidos, no dia 3 de Janeiro de 2020, cerca das 12h25, os mesmos encontraram-se na Rua …., em ….. – ….. (ponto 6);

4. Após breve diálogo entre os três arguidos, o arguido CC entrou para o veículo de matrícula …-=X-… e sentou-se no lugar do condutor. Ao mesmo tempo o arguido AA sentou-se ao lado do arguido CC e o arguido BB entrou para o veículo ...-...-UM e sentou-se no lugar do condutor (ponto 7);

5. Iniciada a marcha dos veículos, os três arguidos deslocaram-se para sul, mais precisamente para  ….., com o arguido CC na condução do veículo ...-OX-... e com o arguido BB na condução do veículo de matrícula ...-...-UM (ponto 8);

6. Durante a viagem o arguido AA, por telemóvel, ia dando indicações sobre o caminho ao arguido BB (ponto 9);

7. Uma vez chegados ao …, os dois arguidos que conduziam os veículos dirigiram-se para        este e, encontraram-se em …. (ANSF);

8. Uma vez ali estacionado o veículo conduzido por BB, este arguido entrou no veículo em que se faziam transportar os arguidos CC e AA e seguiram em direcção  ….., fazendo-o com o propósito de identificarem o exacto local onde se deveriam apresentar para receberem o haxixe a transportar para Portugal, conhecendo o arguido CC o trajecto a tomar para chegar à localidade (ANSF);

9. Identificado o local, regressaram ao território nacional (ANSF);

10. Após, retomarem a ocupação dos veículos, conforme vinham fazendo desde a partida no local de origem e, pelas 16h00, voltaram a entrar no território do …. (ANSF);

11. Apenas resultou provado que, dentro do território …, em local e hora não apurados, indivíduo não identificado, entregou aos três arguidos 29,339 quilogramas de (ponto 11);

12. Apenas resultou provado que, a canábis foi carregada no veículo automóvel de matrícula ...-...-UM, que, concluído o carregamento, o arguido BB entrou para o mesmo veículo e tomou o lugar do condutor e; que o arguido CC tomou o lugar de condutor do veículo de matrícula ...-OX-... e o arguido AA sentou-se ao seu lado (ponto 12);

13. Apenas resultou provado que, os três arguidos retomaram então a marcha de regresso para …. e, de acordo com o que tinham combinado, os arguidos CC e AA seguiram na dianteira e, por telemóvel, o arguido AA ia informando o arguido BB que conduzia o veículo onde estava a canábis, sobre se a estrada estava livre e se apareciam ou não agentes ou operações policiais de forma a, em caso afirmativo, lhe permitirem a fuga por outra estrada (ponto 13);

14. Durante a viagem de regresso …, o arguido AA, por telemóvel, ia dando indicações e instruções sobre o caminho ao arguido BB, bem como sobre o local onde paravam (ponto 14);

15. Pelas 21h 33, o arguido CC entrou na estação de serviço  …, sita na autoestrada …, e aí imobilizou o veículo de matrícula …-=X-…, ao mesmo tempo que o arguido AA, por telemóvel, deu instruções ao arguido BB para este ir ao seu encontro (ponto 15);

16. O arguido BB agiu como lhe tinha sido indicado pelo arguido AA e entrou com o veículo de matrícula ...-...-UM na estação de serviço ….. (ponto 16);

17. Logo que estacionou o veículo, o arguido BB dirigiu-se ao encontro dos arguidos CC e AA, que se encontravam no restaurante. O arguido AA entregou ao arguido BB comida que já tinha adquirido e, após ingestão da mesma, os três arguidos regressaram aos dois veículos, tomaram as mesmas posições e retomaram a marcha em direcção a …. (ponto 17);

18. Cerca das 22h20m, ao quilómetro … da autoestrada …, elementos da Polícia de Segurança Pública interceptaram os dois veículos (ponto 18);

19. Apenas resultou provado que, nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido BB tinha na sua posse, na mala do veículo que conduzia (de matrícula …-…-Um), um fardo, envolvo em plástico e com 300 placas de canábis, com o peso global de 29,339 quilogramas, e um telemóvel de marca “…..”, que o mesmo utilizava para contactar com os outros dois arguidos e deles receber informação sobre a viagem e para acordar os pormenores e eventuais alterações à mesma (ponto 19);

20. Apenas resultou provado que, nas mesmas circunstâncias, o arguido CC tinha na sua posse a quantia de €205,00, em notas do banco Central Europeu, bem como dois telemóveis, um de marca “….” e outro de marca “….” e que tinha, ainda na sua posse um pedaço de canábis com o peso de 2,6 gramas que destinava ao seu consumo (ponto 20);

21. Apenas resultou provado, que a quantidade de canábis transportada pelos três arguidos (29,339 quilogramas) se chegasse a ser comercializada dava para produzir 58.678 doses diárias por consumidor do mesmo produto, tendo a virtualidade de ser distribuível por grande quantidade de número de pessoas (ponto 22);

22. Apenas resultou provado, que a quantidade de canábis transportada pelos três arguidos (29,339 quilogramas) se chegasse a ser comercializada dava para 58.678 doses diárias por consumidor do mesmo produto, tendo a virtualidade de ser distribuível por grande quantidade de número de pessoas (ponto 22);

23. Apenas resultou provado, que os arguidos CC e AA conheciam as características de canábis e representaram a possibilidade de deter, transportar consigo, o que lograram alcançar, para daí retirarem o proveito económico, tendo agido deliberadamente com o fim de atingirem tal objectivo.

24. Os três arguidos agiram sempre e em todas as condutas acima descritas de forma livre, voluntária e consciente, sabendo da reprovabilidade jurídica das mesmas condutas (ponto 24);

D) Ficou ainda aprovado relativamente às condições pessoais do arguido que:

1. Iniciou o percurso laboral com 12 anos de idade, na área  …, actividade que manteve até aos 18 anos de idade, após abandono escolar, tendo concluído a 4ª classe.

2. Desempenhou actividade  …, não registando longos períodos de desemprego.

3. Iniciou os consumos de haxixe com cerca de 12 anos de idade, que mantém e desvaloriza.

4. Aos 20 anos iniciou uma relação afectiva com a sua actual companheira, tendo um filho comum com 20 anos de idade, estudante, residindo os três em casa arrendada

5. Encontra-se na situação de desemprego (desde cerca de uma semana antes da detenção) trabalhando a companheira como …, auferindo rendimentos regulares, desenvolvendo o arguido actividade na empresa de amigo na …. e participando na actividade …. da claque ……;

6. Não apresenta registo no EOP;

7. Tem apoio familiar do filho e da companheira que o visitam no EP com regularidade;

8. O arguido sofreu as seguintes condenações anteriores:

c) Por acórdão de 27 de abril de 2011, transitada em julgado no dia 1 de Março de 2012, no processo comum (colectivo) nº 2958/09……, … Vara Criminal ….., na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, pela prática no dia 1 de Julho de 2009, de 1 crime de tráfico de quantidades diminuídas e de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro e, no dia 1 de janeiro de 2009 e de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 3º, nº 2, alínea h), e artº 86º, nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, julgada extinta pelos seu cumprimento;

d) Por sentença de 20 de Dezembro de 2012, transitada em julgado no dia 23 de Janeiro de 2013, no processo comum (singular) nº 2448/09 ..…., Juízo de Média Instância Criminal, … Secção, Juiz …, Comarca  …., na pena única de 9 meses de prisão, substituída por 270 dias de multa, pela prática no dia 5 de Dezembro de 2009, de 1 crime de ameaça. P. e p. pelo artigo 153º, nº 1, e no dia 23 de Dezembro de 2009, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 e 155º, nº 1 al. a) do Código penal (7 meses), declarada extinta pelo cumprimento;

E) O Tribunal a quo não deu como provado os seguintes factos:

1. Desde Janeiro de 2019 que os arguidos AA e CC procedem à compra, transporte e posterior venda de canábis, a outros indivíduos, revendedores e consumidores desta substância (ponto 1);

2. Estes dois indivíduos adquirem canábis em …, transportam-na para …. e fazem a sua distribuição nas áreas …, … …, onde a vendem a preço superior ao da sua aquisição, assim obtendo lucro (ponto 2);

3. Para melhor desenvolverem a mesma actividade e evitarem ser interceptados pelas forças policiais, estes dois arguidos acordam com vários outros indivíduos serem seus auxiliares nesta actividade, para o que lhes entregam pagamentos em dinheiro (ponto 3);.

F) O Tribunal baseou-se na prova produzida na audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do Juiz (Artº 127º do Cód. Penal).

G) A prova produzida, nomeadamente as declarações dos arguidos AA e BB referem que o arguido CC não tem nada a ver com o produto estupefaciente.

H) Nada ficou provado quanto à participação do arguido CC, nem qual era o seu papel nem se iria tirar alguns proventos com a venda do produto estupefaciente.

I) O Tribunal a quo só pode considerar os factos do dia 3 de Janeiro de 2020.

J) O Tribunal a quo considerou o arguido CC como “batedor”, competindo-lhe seguir à frente do veículo que transportava a droga, vigiando o percurso.

K) Em nosso entender erradamente.

L) O arguido só pode ser considerado como cúmplice.

M) O arguido CC não é o dono do produto estupefaciente, nem iria receber quaisquer proventos da venda do produto.

N) Basta analisar o previsto no artº 27º do Cód. Penal. Isto quer dizer que ao cúmplice a pena a aplicar deve ser especialmente atenuada.

O) Quanto à determinação da medida da pena, as circunstâncias atendíveis encontram-se previstas no Artº 71º do Cõd. Penal.

P) A atenuação especial encontra-se prevista no Artº 73º do Cód. Penal

Q) No acaso em apreço o arguido a ser condenado como cúmplice, a sua pena não poderia exceder os 4 anos de prisão.

R) No que respeita à cumplicidade existem inúmeros acórdãos-

S) Passemos a citar um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Proc. Nº 04P1875, de 6 de Outubro de 2004 que, em resumo refere a distinção entre co-autoria e cumplicidade:

I - A co-autoria pressupõe um elemento subjectivo - o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.

II - A execução conjunta, neste sentido, não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.

III - Tal como o autor deve ter o domínio funcional do facto, também o co-autor tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e que, na execução desse acordo, se dispôs a levar a cabo.

O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo.

IV - A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

T) Assim em nosso entender deve o arguido ser condenado numa pena perto dos 4 anos de prisão, prisão essa que deve ser suspensa na sua execução.

U) O arguido apesar de não ser primário no que respeita ao mesmo tipo de crime foi condenado há muitos anos.

V) O arguido está bem integrado familiar e socialmente.

X) O arguido tem hábitos de trabalho.

Z) O arguido tem trabalho garantido, conforme referiu a testemunha DD.

AA) A decisão recorrida violou, entre outros o previsto nos artºs 27º, 71º, 73º, 127º, todos do Cód. Penal e o princípio in dúbio pro reo.

Artº 28º e 32º, ambos da Constituição.

Termos em que:

Deve o presente acórdão ser revogado e em sua substituição proferido outro que condene o arguido como cúmplice, numa pena não superior a 4 anos, suspensa na sua execução, embora com regime de prova.

Assim decidindo, V. Exas farão a costumada Justiça.


III

Nas suas respostas, a Digna Magistrada do Ministério Público articulou as seguintes Conclusões:

1.

1. Nenhuma censura nos merece a dosimetria penal encontrada para a punição do arguido, considerando a expressiva quantidade de canabis transportada pelos arguidos, com o peso total de 29.339 quilogramas, que possibilitaria a divisão em 58.678 doses diárias por consumidor do mesmo produto e os parâmetros invocados pelo Tribunal, em sede de determinação da medida da pena.

2. E se é certo que o mesmo admitiu a prática dos factos, refira-se que não podia deixar de o fazer já que o transporte do produto estupefaciente foi constatado pelos senhores Agentes da PSP, pelo que a assunção dos factos, no contexto em que surgiu, nem sequer foi determinante na fundamentação da convicção do Tribunal, porque quase inevitável face à abundância da prova produzida a esse respeito, devendo a valoração da mesma ser limitada e reflectir tal circunstancialismo.

3. O facto de o produto estupefaciente apreendido não ter chegado a entrar no mercado também nos parece irrelevante, atenta a natureza do ilícito em causa: com efeito, estamos perante um crime de perigo abstracto, que se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública,

4. sendo certo que a inserção familiar de que beneficia e os hábitos de trabalho que revela não constituíram factor de contenção suficiente, que evitasse a prática dos factos em causa.

5. Precludida se mostra a possibilidade de suspensão da execução da pena por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50º do Código Penal, ainda assim se dizendo que não vislumbramos fundamento para a pretendida suspensão de execução da pena de prisão, já que do acervo dos factos dados como provados, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao Recorrente, a aconselhar tal suspensão.

6. Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem desaconselhado vivamente a suspensão da execução da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes, precisamente pela gravidade das consequências, individuais, familiares e colectivas, considerando também o preceituado no artigo 40º do Código Penal, já que a não ser assim, ficariam irremediavelmente comprometidas as finalidades de prevenção que a pena deve prosseguir - e que assumem especial relevo no tipo de ilícito em apreciação.

7. Não se mostra violado o preceituado em quaisquer preceitos legais, mormente os invocados. 

                                                                                                              Pelo exposto, deve o douto acórdão proferido ser integralmente mantido, negando-se provimento ao recurso, como acto de inteira e sã Justiça.

2.

1. A factualidade dada como assente, não impugnada pelo arguido, suporta inquestionavelmente a sua responsabilização como co-autor do crime de tráfico de estupefacientes: houve uma decisão conjunta e uma execução conjunta, com distribuição de tarefas entre os arguidos, cada uma delas indispensável à produção do resultado comum.

Com efeito, BB interveio, quer na decisão tomada, quer na sua execução, praticando os actos que lhe competiam: o de conduzir o veículo onde a droga era transportada.

Pelo que deverá improceder a questão suscitada sobre a comparticipação criminosa quanto ao arguido ora Recorrente.

2. No caso vertente, a imagem global dos factos subsume-se inequivocamente na previsão do tipo-base do artigo 21º, não se vislumbrando na factualidade apurada qualquer diminuição da ilicitude, muito menos considerável.

Não se verificam os critérios enunciados de acordo com situações-padrão, para a prefiguração do tráfico de menor gravidade, a título exemplificativo, no Acórdão do STJ de 23711/2011 e que deverão ser tendencialmente cumulativos.

3. Desde logo, a quantidade do produto estupefaciente em causa, só por si consubstanciadora de uma maior ilicitude, permitindo o acesso a um número considerado de consumidores caso não tivesse ocorrido a respectiva apreensão.

Também não ocorre o contacto directo do agente com os consumidores, nem o exercício da actividade numa área geográfica restrita, antes envolvendo a transposição de fronteiras terrestres para o país vizinho.

O modo de execução dos factos, a utilização de dois veículos – um para o transporte do produto estupefaciente e outro, especificamente para a função de vigilância -, a utilização de telemóveis para o contacto entre os arguidos, permite concluir que se está perante uma actuação sofisticada, um esquema elaborado, com alvos alertados, dificilmente compaginável com o tráfico de menor gravidade.

4. A invocação da menor danosidade para a saúde do produto em causa não pode fazer esquecer a quantidade muito elevada de placas de canabis (com o peso total de 29.339 quilogramas, que possibilitaria a divisão em 58.678 doses diárias por consumidor do mesmo produto) transportada pelos arguidos, nas descritas circunstâncias de tempo e de lugar.

5. Nenhuma censura nos merece a dosimetria penal encontrada para a punição do arguido.

E se é certo que o mesmo admitiu a prática dos factos, refira-se que não podia deixar de o fazer já que o transporte do produto estupefaciente foi constatado pelos senhores Agentes da PSP, pelo que a assunção dos factos, no contexto em que surgiu, nem sequer foi determinante na fundamentação da convicção do Tribunal, porque quase inevitável face à abundância da prova produzida a esse respeito, devendo a valoração da mesma ser limitada e reflectir tal circunstancialismo.

6. Acresce que a inserção familiar de que beneficia e os hábitos de trabalho que revela não constituíram factor de contenção suficiente, que evitasse a prática dos factos em causa.

7. Precludida se mostra a possibilidade de suspensão da execução da pena por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50º do Código Penal, ainda assim se dizendo que não vislumbramos fundamento para a pretendida suspensão de execução da pena de prisão, já que do acervo dos factos dados como provados, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao Recorrente, a aconselhar tal suspensão.

8. Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem desaconselhado vivamente a suspensão da execução da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes, precisamente pela gravidade das consequências, individuais, familiares e colectivas, considerando também o preceituado no artigo 40º do Código Penal, já que a não ser assim, ficariam irremediavelmente comprometidas as finalidades de prevenção que a pena deve prosseguir - e que assumem especial relevo no tipo de ilícito em apreciação.

9. Não se mostra violado o preceituado em quaisquer preceitos legais, mormente os invocados.                                                           

Pelo exposto, deve o douto acórdão proferido ser integralmente mantido, negando-se provimento ao recurso, como acto de inteira e sã Justiça.

3.

1. Nas conclusões de recurso, o arguido tornou a reproduzir na íntegra a motivação apresentada, incluindo a transcrição da factualidade apurada e não apurada, ao invés de resumir as razões do seu pedido, conforme preceitua o artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Terminou ainda com a referência ao regime de prova que deverá acompanhar a suspensão da execução da pena pretendida, que não fora sequer aflorado na motivação, nem nas respectivas conclusões.

2. Acresce que não foi cumprido o disposto no seu nº 2, desde logo no que diz respeito ao artigo 127º do Código Penal, que alude a outras causas de extinção da responsabilidade criminal (morte, amnistia, perdão genérico, indulto e extinção), disposição elencada como tendo sido violada pelo acórdão condenatório, sem que tenha sido explicitado o sentido da interpretação efectuada pelo Tribunal, nem a interpretação que devia ter sido seguida.

3. Ainda assim, sempre diremos que a factualidade dada como assente, não impugnada pelo arguido, suporta inquestionavelmente a sua responsabilização como co-autor do crime de tráfico de estupefacientes: houve uma decisão conjunta e uma execução conjunta, com distribuição de tarefas entre todos, cada uma delas indispensável à produção do resultado comum.

4. Com efeito, não obstante os arguidos não silentes terem procurado evitar a responsabilização e envolvimento do ora Recorrente, o certo é que, pelas razões plasmadas a fls. 27 a 29 do texto decisório, a apreciação de toda a prova produzida – e que não se circunscreveu às declarações daqueles, abarcando também o relatório de vigilância de fls. 3275 a 3280 e o depoimento da testemunha EE, Agente da PSP -, de acordo com um raciocínio lógico impõe a conclusão que pelo Tribunal foi (e bem) extraída. 

5. No caso vertente, CC interveio, quer na decisão tomada, quer na sua execução, praticando os actos que lhe competiam: o de conduzir o veículo “batedor”, competindo-lhes seguir à frente do veículo que transportava a droga, vigiando o percurso, designadamente quanto à eventual presença de órgãos de polícia criminal, de forma a permitir que o veículo onde a droga era transportada alterasse o trajecto, assim procurando evitar qualquer intercepção que pudesse ocorrer.

Pelo que deverá improceder a questão suscitada sobre a comparticipação criminosa quanto ao ora Recorrente.

6. Nenhuma censura nos merece a dosimetria penal encontrada para a sua punição, considerando também as necessidades de prevenção especial, de intensidade elevada, face à anterior condenação por crime da mesma natureza.

7. Precludida se mostra a possibilidade de suspensão da execução da pena por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50º do Código Penal, ainda assim se dizendo que não vislumbramos fundamento para a pretendida suspensão de execução da pena de prisão, já que do acervo dos factos dados como provados, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao Recorrente, a aconselhar tal suspensão.

Pelo contrário: a anterior condenação numa pena suspensa na sua execução, ainda que por um crime de tráfico de menor gravidade, leva-nos a concluir que a mesma não teve sobre ele qualquer efeito dissuasor.

8. Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem desaconselhado vivamente a suspensão da execução da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes, precisamente pela gravidade das consequências, individuais, familiares e colectivas, considerando também o preceituado no artigo 40º do Código Penal, já que a não ser assim, ficariam irremediavelmente comprometidas as finalidades de prevenção que a pena deve prosseguir - e que assumem especial relevo no tipo de ilícito em apreciação.

9. Não se mostra violado o preceituado em quaisquer preceitos legais, mormente os invocados.                                                                                                 

Pelo exposto, deve o douto acórdão proferido ser integralmente mantido, negando-se provimento ao recurso, como acto de inteira e sã Justiça.


IV

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP.

O Arguido veio aos Autos reiterar o já anteriormente expendido.


V

Realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

O Acórdão recorrido é do seguinte teor:

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os Factos

Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes Factos Provados:

Acusação Pública

1. Apenas resultou provado que, com respeito ao dia 3 de Janeiro de 2020, o Arguido BB se deslocou a …, tal como o fizeram os Arguidos AA e CC, competindo-lhe o transporte e a introdução da canábis no território português, recebendo contrapartida em montante não concretamente apurado [ponto 4];

2.  Apenas resultou provado que, em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 3 de Janeiro de 2020, os três Arguidos acordaram entre si deslocarem-se  …., a fim de adquirirem canábis e transportarem tal produto para Portugal, o que fariam utilizando dois veículos automóveis. Um destes veículos seria utilizado para o transporte da canábis e outro veículo para seguir na frente do primeiro e verificar a eventual presença de forças policiais para, na afirmativa, poder dar indicação ao veículo de transporte e este alterar a sua rota, ou seja, este segundo veículo tinha a missão de – vulgo – batedor. Mais acordou o Arguido AA que, pela realização da viagem, pagaria ao Arguido BB, daquela que viesse a receber, quantia não concretamente apurada, [ponto 5];

3.   Assim, na execução do acordado pelos três Arguidos, no dia 3 de Janeiro de 2020, cerca das 12H25, os mesmos encontraram-se na Rua …., em ….. – ….. [ponto 6];

4    Após breve diálogo entre os três Arguidos, o Arguido CC entrou para o veículo de matrícula ...-OX-... e sentou-se no lugar do condutor. Ao mesmo tempo o Arguido AA sentou-se ao lado do Arguido CC e o Arguido BB entrou para o veículo de matrícula ...-...-UM e sentou-se no lugar do condutor [ponto 7];

5.    Iniciada a marcha dos veículos, os três Arguidos deslocaram-se para sul, mais precisamente para  ….., com o Arguido CC na condução do veículo de matrícula ...-OX-... e com o Arguido BB na condução do veículo de matrícula ...-...-UM [ponto 8];

6.    Durante a viagem o Arguido AA, por telemóvel, ia dando indicações sobre o caminho ao Arguido BB [ponto 9];

7.    Uma vez chegados ……, os dois Arguidos que conduziam os veículos dirigiram-se para este e, encontraram-se em …. (ANSF);

8.   Uma vez ali estacionado o veículo conduzido por BB, este Arguido entrou no veículo em que se faziam transportar os Arguidos CC e AA e seguiram em direcção …, fazendo-o com o propósito de identificarem o exacto local onde se deveriam apresentar para receberem o haxixe a transportar para Portugal, conhecendo o Arguido CC o trajecto a tomar para chegar à localidade (ANSF);

9.    Identificado o local, regressaram ao território nacional (ANSF);

10.   Após, retomaram a ocupação dos veículos, conforme vinham fazendo desde a partida no local de origem e, pelas 16H00, voltaram a entrar no território  …. (ANSF);

11.   Apenas resultou provado que, dentro do território …., em local e hora não apurados, indivíduo não identificado, entregou aos três Arguidos 29,339 quilogramas de [ponto 11];

12.   Apenas resultou provado que, a canábis foi carregada no veículo automóvel de matrícula ...-...-UM; que, concluído o carregamento, o Arguido BB entrou para o mesmo veículo e tomou o lugar do condutor e; que o Arguido CC tomou o lugar de condutor do veículo de matrícula ...-OX-... e o Arguido AA sentou-se ao seu lado [ponto 12];

13.   Apenas resultou provado que, os três Arguidos retomaram então a marcha de regresso para ….. e, de acordo com o que tinham combinado, os Arguidos CC e AA seguiram na dianteira e, por telemóvel, o Arguido AA ia informando o Arguido BB que conduzia o veículo onde estava a canábis, sobre se a estrada estava livre e se apareciam ou não agentes ou operações policiais de forma a, em caso afirmativo, lhe permitirem a fuga por outra estrada [ponto 13];

14.   Durante a viagem de regresso  ….., o Arguido AA, por telemóvel, ia dando indicações e instruções sobre o caminho ao Arguido BB, bem como sobre o local onde paravam [ponto 14];

15.   Pelas 21H33, o Arguido CC entrou na estação de serviço de …, sita na autoestrada …, e aí imobilizou o veículo de matrícula ...-OX-..., ao mesmo tempo que o Arguido AA, por telemóvel, deu instruções ao Arguido BB para este ir ao seu encontro [ponto 15];

16.   O Arguido BB agiu como lhe tinha sido indicado pelo Arguido AA e entrou com o veículo de matrícula ...-...-UM na estação de serviço  ….., onde imobilizou o veículo [ponto 16];

17.   Logo que estacionou o veículo, o Arguido BB dirigiu-se ao encontro dos Arguidos CC e AA, que se encontravam no restaurante. O Arguido AA entregou ao Arguido BB comida que já tinha adquirido e, após ingestão da mesma, os três Arguidos regressaram aos dois veículos, tomaram as mesmas posições e retomaram a marcha em direcção ……. [ponto 17];

18.    Cerca das 22H20, ao quilometro … da autoestrada …, elementos da Polícia de Segurança Pública interceptaram os dois veículos [ponto 18];

19.    Apenas resultou provado que, nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o Arguido BB tinha na sua posse, na mala do veículo que conduzia (de matrícula …-…-UM), um fardo, envolvo em plástico e com 300 placas de canábis, com o pelo global de 29,339 quilogramas, e um telemóvel de marca “…..”, que o mesmo utilizava para contactar com os outros dois Arguidos e deles receber informação sobre a viagem e para acordar os pormenores e eventuais alterações à mesma. [ponto 19];

20.   Apenas resultou provado que, nas mesmas circunstâncias, o Arguido CC tinha na sua posse a quantia de €205,00 em notas do Banco Central Europeu, bem como dois telemóveis, um de marca “….” e outro de marca “….” e que tinha, ainda, na sua posse um pedaço de canábis com o peso de 2,6 gramas que destinava ao seu consumo [ponto 20];

21.   Apenas resultou provado que, nas mesmas circunstâncias, o Arguido AA tinha na sua posse a quantia de €375,00 em notas do Banco Central Europeu, tendo parte daquele montante sido recebido como contrapartida da entrega de canábis e que destinava a custear a viagem a ….., bem como três telemóveis, um de marca “…..”, um de marca “….” o outro de marca “…..”, o primeiro que o mesmo utilizou para uso pessoal e para dar indicações e instruções ao Arguido BB durante a viagem [ponto 21];

22.   Apenas resultou provado, que a quantidade de canábis transportada pelos três Arguidos (29,339 quilogramas) se chegasse a ser comercializada dava para produzir 58.678 doses diárias por consumidor do mesmo produto, tendo a virtualidade de ser distribuível por grande quantidade de número de pessoas [ponto 22];

23.   Apenas resultou provado, que os Arguidos CC e AA conheciam as características da canábis e representaram a possibilidade de deter, transportar consigo, o que lograram alcançar, para daí retirarem o proveito económico, tendo agido deliberadamente com o fim de atingirem tal objectivo.

O Arguido BB conhecia as características da canábis e representou a possibilidade de deter e transportar consigo tal produto para ajudar os Arguidos CC e AA a obter para si proveito económico, tendo agido deliberadamente com o fim de atingir tal objectivo, o que logrou alcançar [ponto 23];

24.    Os três Arguidos agiram sempre e em todas as condutas acima descritas de forma livre, voluntária e consciente, sabendo da reprovabilidade jurídica das mesmas condutas [ponto 24];


***


Mais se provou (condições pessoais, sociais e antecedentes criminais)

AA

25.   Concluiu o 12º ano de escolaridade;

26.   Iniciou consumo de canabinoides aos 18 anos de idade que interrompeu até retomar aos 24 anos de idade;

27.    Desempenhou funções profissionais em várias áreas de actividade, nomeadamente numa empresa .…., gerência ….., ……. …. em superfícies comerciais e nas ….. do aeroporto ….., sendo actualmente sócio numa empresa de …. (realizando …. em diversos locais, em função da sua disponibilidade e da qual aufere rendimento não apurado) e trabalhando numa empresa metalúrgica desde o início de 2019, auferindo um vencimento mensal de €900,00;

28.   Iniciou uma relação marital aos 26 anos de idade, entretanto terminada, da qual nasceu o seu filho, com o qual mantém uma relação forte e próxima;

29.   Reside numa habitação da avó que o Arguido remodelou;

30.   É considerado um individuo sociável e pacífico, com boa imagem comunitária na sua cidade de origem;

31.   Beneficia do suporte incondicional da família e disponibilidade para o ajudar, recebendo visitas regulares dos pais e da namorada;

32.   Tem consciência da gravidade dos factos e adopta uma postura de responsabilização face aos mesmos;

33.   Mantém ocupação profissional no Estabelecimento Prisional, no sector das limpezas e bar de reclusos, entretanto suspensa por razões disciplinares, ainda em averiguações, sendo praticante regular de actividades desportivas;

34.   Não tem antecedentes criminais registados pela prática de quaisquer crimes;


***


BB

35.   Iniciou o percurso laboral com 18 anos de idade, na área ….., tendo desempenhado funções profissionais como …. e como ….. numa ….. até aos 20 anos de idade, tendo posteriormente começado a trabalhar como …. numa ….., onde iniciou uma relação com uma cidadã ….., tendo vivido no país de origem da mesma durante quatro meses;

36.   Após ter regressado a Portugal, com 24/25 anos de idade, trabalhou como …. e, após ter cessado o seu vínculo contratual, concluiu um curso ….., obtendo o 9º ano de escolaridade, com 27 anos de idade, tendo iniciado uma ocupação laboral na área …..;

37.   Iniciou os consumos de haxixe com 14 anos de idade, desvalorizando qualquer problemática relacionada com os mesmos;

38.    Reside com a progenitora em casa arrendada, pagando uma renda mensal de €250,00, encontrando-se ambos desempregados;

39.   Não apresenta registo disciplinar no EP, tendo iniciado uma ocupação laboral …, em Junho de 2020, tendo apresentado testes negativos de consumo de estupefacientes;

40.   Tem apoio da progenitora que o visita regularmente no EP, tal como uma prima;

41.    É considerado um individuo simpático e pacato;

42.   Não tem antecedentes criminais registados pela prática de quaisquer crimes;


***

      CC

43.   Iniciou o percurso laboral com 12 anos de idade, na área …., actividade que manteve até aos 18 anos de idade, após abandono escolar, tendo concluído a 4ª classe;

44.   Desempenhou actividade na ….., não registando longos períodos de desemprego;

45.   Iniciou os consumos de haxixe com cerca de 12 anos de idade, que mantém e desvaloriza;

46º   Aos 20 anos iniciou uma relação afectiva com a sua actual companheira, tendo um filho comum com 20 anos de idade, estudante, residindo os três em casa arrendada;

47.   Encontrava-se na situação de desemprego (desde cerca de uma semana antes da detenção) trabalhando a companheira como …., auferindo rendimentos regulares, desenvolvendo o Arguido actividade na empresa de amigo ….. e participando na actividade ….. da claque …..;

48.   Não apresenta registo disciplinar no EP;

49.   Tem apoio familiar do filho e da companheira que o visitam no EP com regularidade;

50.   O Arguido sofreu as seguintes condenações anteriores:

a) Por acórdão de 27 de abril de 2011, transitado em julgado no dia 1 de Março de 2012, no processo comum (colectivo) n.º 2958/09……, …Vara Criminal  ….., na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, pela prática no dia ... de Junho de 2009, de 1 crime de tráfico de quantidades diminuídas e de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, no dia 1 de Janeiro de 2009 e de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 3.º n.º 2, alínea h), e art. 86.º n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, julgada extinta pelo cumprimento;

b) Por sentença de 20 de Dezembro de 2012, transitada em julgado no dia 23 de Janeiro de 2013, no processo comum (singular) n.º 2448/09….., Juízo de Média Instância Criminal, … Secção, Juiz …, Comarca  ……, na pena única de 9 meses de prisão, substituída por 270 dias de multa, pela prática no dia ... de Dezembro de 2009, de 1 crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º n.º 1, e no dia 23 de Dezembro de 2009, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1, al. a), do Código Penal (7 meses), declarada extinta pelo cumprimento;


***


Factos Não Provados

Da Acusação pública

a) Desde Janeiro de 2019 que os Arguidos AA e CC procedem à compra, transporte e posterior venda de canábis, a outros indivíduos, revendedores e consumidores desta substância [ponto 1];

b) Estes dois Arguidos adquirem a canábis em …., transportam-na para …. e fazem a sua distribuição nas áreas  …., … e  …., onde a vendem a preço superior ao da sua aquisição, assim obtendo lucro [ponto 2];

c) Para melhor desenvolverem a mesma actividade e evitarem ser interceptados pelas forças policiais, estes dois Arguidos acordam com vários outros indivíduos serem seus auxiliares nesta actividade, para o que lhes entregam pagamentos em dinheiro [ponto 3];


***


Motivação da decisão de facto

No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração critica e conjugada dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).


***


Foram, assim, apreciados e valorados, de forma conjugada entre si, os seguintes meios de prova:

Declarações de Arguido

O Arguido CC declarou, de forma expressa, que não pretendia prestar declarações em audiência de julgamento.

 “A génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o Arguido, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao Arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se autoincrimine.

No entanto, se o uso do direito ao silêncio não poderá em caso algum prejudicar o Arguido, também o não deverá beneficiar” [Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 2 de Fevereiro de 2016, Fernando Ribeiro Cardoso].

Verifica-se assim que, o Arguido não pretendeu exercer o direito a prestar declarações, conferido pelo artigo 343.º n.º 1 do Código de Processo Penal, optando por se remeter ao silêncio.


***

        

Por seu turno, os Arguidos AA e BB optaram por prestar declarações em audiência, fazendo-o no seu início (contrariamente ao que tantas vezes sucede em que os Arguidos reservam a prestação para momento ulterior, uma vez terminada a produção de prova da acusação) fazendo-o de forma genuína e sincera, prestando ambos os esclarecimentos que lhe foram sendo solicitados pelo Colectivo, pelo Ministério Público e pelos Senhores Advogados.

No entanto, procuraram evitar a responsabilização e envolvimento do co-Arguido CC.

AA, negou ainda qualquer participação na actividade do tráfico de droga, para além dos factos reportados na acusação, com referência ao dia 3 de Janeiro de 2020.


***

 AA, declarou pretender assumir a culpa, mas apenas em relação ao que fez e não com respeito ao que não fez (a confissão não foi integral e sem reservas).

E, o que não fez, na sua perspectiva, respeita à actividade de tráfico que lhe é imputada, para além do transporte de droga no dia 3 de Janeiro de 2020, relativamente ao qual assumiu a sua participação.

Procurou justificar a sua intervenção com uma dívida que tinha relacionada com o seu próprio consumo de haxixe (consumos que partilhava com o co-Arguido BB), tendo-lhe o seu “credor” sugerido que a dívida fosse paga através do transporte de droga que este faria por conta deste mesmo credor.

Esclareceu que a proposta lhe fora dirigida antes do Natal e que, por ser amigo do co-Arguido BB, lhe transmitiu que pensava fazê-la, propondo-lhe que também ele participasse na viagem …., assim recebendo uma contrapartida.

Inicialmente ficou convencido que a deslocação se faria num único automóvel, sendo que, o dito “credor” o informou, posteriormente, que deveriam ser dois os automóveis a serem utilizados.

Acertou o encontro com o Arguido BB, junto da residência da mãe do seu filho.

Segundo referiu, para sua surpresa, para além do Arguido BB, surge também no mesmo local, em momento anterior à partida para …., o Arguido CC, indivíduo que conhecia, por ligações ao …., mas que não sabia que iria participar na “deslocação”.

Acabaram por iniciar a viagem, ambos no veículo automóvel com a matrícula ...-OX-... que pertence à sua irmã, sendo conduzido pelo Arguido CC, competindo-lhe a si estar de alerta para a presença de órgãos de polícia criminal que pudessem estar a vigiá-los e, caso se apercebesse de tal facto, informar de imediato o Arguido BB através de telefone.

Quanto aos contactos estabelecidos com este Arguido (BB), no percurso de ida, justificou-os com a prestação de informações sobre o percurso a tomar.

Quanto à recolha da droga a efectuar em …., referiu que deveriam deslocar-se até determinado local, onde surgiria uma carrinha da marca ….. com matrícula portuguesa.

Assim sucedeu, tendo recebido, do condutor da referida carrinha (já em território ….), no local previamente definido e indicado, dois telemóveis, destinados a serem utilizados em cada um dos veículos no regresso ao ponto de partida em Portugal.

Por essa razão, entregou ao BB um dos aparelhos que havia recebido.

Referiu, ainda, que o dito indivíduo levou o veículo do Arguido BB e quando regressou ao local onde os três Arguidos permaneceram, sabia que o carregamento de droga já havia sido efectuado.

Relativamente a contactos estabelecidos entre as duas viaturas, reportou um contacto feito pelo BB, através do seu telefone pessoal (não terá conseguido utilizar o telefone entregue em .........), justificado com alguma desorientação no percurso a tomar, não se tendo apercebido de qualquer acção que considerasse suspeita, até ao momento em que decidiram interromper a viagem na estação de serviço  …..

Reiniciada a viagem, é a mesma interrompida, devido ao que julgava ser um acidente, com trânsito parado, mas que, afinal, se tratava duma acção dos órgãos de polícia criminal, com o objectivo de interceptarem as duas viaturas, o que foi conseguido.

Prestou ainda esclarecimentos no que concerne à contrapartida que iria receber pela recolha da droga em ......... e seu transporte para Portugal, fazendo-o de forma não totalmente apreensível pelo Tribunal, mas que quantificou em €1.500,00 (mil e quinhentos euros) para além da dívida (quantificada em €700,00) que ficaria paga.

Ainda antes da partida, terá procurado pagar parcialmente a dívida ao seu “credor”, em montante de €200,00 que não foi aceite, antes lhe tendo sido dito para o utilizar para custear a viagem (combustível, alimentação e portagens).

Mais esclareceu, ter acordado com o Arguido BB que, do montante de €1.500,00, BB receberia €1.000,00 (por ser quem transportava a droga no carro) recebendo ele o remanescente.

Ainda que estivesse convencido que receberia tal valor em ........., apenas recebeu €500,00 (quinhentos euros), que disse ter mantido na sua posse, por lhe ter sido referido por quem lhe entregou tal montante em ........., ser preferível que o condutor do veículo onde a droga era transportada, não se fizesse acompanhar de tal montante. Terá sido então informado que receberia os €1.000,00 (mil euros) em falta, quando a droga fosse entregue no destino final e que haveria de receber um contacto através do telefone que recebera em ........., para definir os termos da entrega.

BB, assumiu, sem hesitações a sua participação nos factos, referindo-se a uma conversa casual com o Arguido AA sobre a proposta que lhe havia sido dirigida para saldar a dívida, tendo-se disponibilizado para o ajudar porque também lhe interessava receber a contrapartida.

Quanto à contrapartida, seria de montante superior ao do AA, por ser ele quem iria fazer o transporte da droga, quantificando-a em €1.000,00 (mil euros).

No entanto, pretendia receber €500,00 (quinhentos euros) em numerário e, o remanescente, em haxixe, fazendo coincidir €500,00 (quinhentos euros) com cinco placas de haxixe que disse destinar ao seu consumo.

Das declarações prestadas por estes Arguidos não foi possível ao Tribunal apurar, com rigor, qual a contrapartida a receber por cada um pela participação nos factos enunciados na acusação e considerados provados, tendo-se, no entanto, por certa, a existência duma contrapartida a receber.

AA, ficaria com a dívida relacionada com anteriores aquisições de droga paga (de valor aproximado de €700,00) e receberia €1.500,00 (mil e quinhentos euros), dos quais entregaria €1.000,00 (mil euros) ao Arguido BB, reservando o remanescente de €500,00 (quinhentos euros) para si.

Sucede que, ainda que BB tenha anuído quanto ao recebimento da referida contrapartida que lhe seria entregue por AA, também referiu que, receberia €500,00 em numerário e o correspondente a €500,00 (quinhentos euros) em haxixe.

Perante tal declaração deste Arguido, poder-se-ia ter concluído que AA seria este Arguido, a par do Arguido CC, que, de forma clara e evidente quis certificar-se que a droga seria carregada em ......... e transportada para Portugal, o verdadeiro proprietário da droga a transportar, porquanto teria a possibilidade de dispor da mesma para pagar a contrapartida pelo transporte físico da droga.

No entanto, quanto a esta concreta forma de pagamento da contrapartida, nada mais se provou, tanto que AA não se referiu à referida forma de pagamento e CC não prestou declarações.

BB, referiu-se, ainda à ocupação dos veículos, tendo o Arguido CC tomado o lugar de condutor no veículo ...-OX-..., acompanhado do AA e, o próprio, a condução do seu automóvel com a matrícula ...-...-UM.

Deu pormenores relevantes com respeito à viagem, referindo que chegaram …. mais cedo do previsto, assim lhes permitindo fazer uma prévia deslocação ......... para identificarem o exacto local onde deveriam encontrar-se com quem lhes entregaria a droga.

Por esse motivo, parqueou o seu automóvel em …., tendo-se deslocado os três Arguidos a uma localidade em ........., cujo percurso era do conhecimento do Arguido CC (conhecia o McDonald’s).

Uma vez identificado o local, regressaram a Portugal, tendo recolhido o seu automóvel e retomado a direcção ........., desta feita, fazendo-se os Arguidos transportar nos automóveis, tal como vinham fazendo desde o ponto de partida.

Uma vez em ........., no local que haviam previamente identificado, surgiu a carrinha ….. cinzenta que esperavam, tendo o seu condutor pedido as chaves do seu automóvel, que lhe entregou, tendo sido este individuo quem fez o carregamento da droga.

Uma vez feito o carregamento, aguardou breves instantes (enquanto adquiriu alimentação) tendo os co-Arguidos iniciado o percurso de regresso a Portugal.

Referiu-se ao telemóvel que recebeu do Arguido AA e que deveria utilizar para estabelecer ou receber contactos com o automóvel onde este seguia com o CC.

Não conseguiu utilizar aquele aparelho, pelo que recorreu ao seu próprio telemóvel “…..” para contactar a outra viatura, para tomar conhecimento do local deveria parar.

Foi então informado que deveria sair na estação de ……, o que fez.


***


Testemunhal

EE, prestou um depoimento claro e assertivo, reportando ao Tribunal a razão da sua intervenção, sendo no âmbito do exercício das suas funções de agente da Policia de Segurança Pública, tendo estado envolvido na investigação relacionada com o transporte de 700 quilogramas de haxixe, iniciada em 2018 e que envolvia o Arguido CC, referindo-se a várias acções de vigilância, nomeadamente em Maio de 2019, na …., onde disse ter assistido ao transbordo.

Referiu-se à inexistência de escutas e de apreensões com referência ao designado “transbordo”.

No âmbito das diligências realizadas, apercebeu-se que ira ser feito um “abastecimento” (referindo-se aos contactos telefónicos entre os Arguidos Arguido AA e BB) no dia 3 de Janeiro de 2020, tendo “montado” uma acção de vigilância no local onde se iriam encontrar e, nesse local ter assistido à chegada do Arguidos BB e Arguido AA e, mais tarde, também do Arguido CC.

Identificou a ocupação dos veículos envolvidos, sendo, respectivamente, dos Arguidos Arguido AA e CC num veículo e o Arguido BB em outro, tendo a testemunha preparado o que designou por operação na Autoestrada, que visava a intercepção das viaturas no regresso ao ponto de origem, já carregados com a droga.

Participou na dita operação, que descreveu, fazendo referência aos ocupantes dos veículos, ao período de tempo que mediou entre a chegada do veículo conduzido por CC (no qual seguia também o Arguido AA) e o veículo conduzido pelo Arguido BB e, bem assim, às detenções efectuadas e aos objectos apreendidos.


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FF, mãe do Arguido AA, declarou conhecer o Arguido BB, referiu-se ao apoio que presta ao seu filho, à relação de proximidade que este mantém com o próprio filho, identificando o veículo com a matrícula ...-OX-..., como pertencente à família.

***

GG, amigo do Arguido AA, que considera um bom amigo, desenvolve uma actividade com …, à qual disse que o Arguido AA poderá voltar para prestar colaboração.

 Conhece o Arguido CC dos meios “futebolísticos”.


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HH, namorada do Arguido AA, abonou em seu favor.

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II, mãe do Arguido BB, referiu-se ao mesmo como trabalhador, tendo conhecimento que o seu filho consumia haxixe e que está arrependido.

***

JJ, manteve um relacionamento com a mãe do Arguido BB, que descreve como sendo pacato, simpático e preocupado, nunca se tendo apercebido de consumos por parte deste Arguido.

***

DD, amigo de infância do Arguido CC, tendo trabalhado juntos em eventos, identifica o Arguido como membro da claque do …, procedendo à venda  …, salientando que o Arguido é consumidor de estupefacientes (haxixe) e de bebidas alcoólicas.

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     Documental

- comprovativo da passagem na portagem dos veículos ...-OX-... e ...-...-UM, de fls. 3893 e 3894;

-autos de notícia por detenção, de fls. 3255 a 3257;

-autos de busca e de apreensão, de fls. 3259 e 3269 a 3271;

-impressão fotográfica de fls. 3264 a 3268;

-auto de relatório de vigilância, de fls. 3275 a 3280;

-transcrição das conversações e comunicações, apenso 17 e 18, com referência ao dia 3 de Janeiro de 2020;

-relatórios sociais de fls. 4831-4833 (AA), de fls. 4840-4841 (BB) e 4836-4837 (CC);

-certificados de registo criminal de fls. 4800 ((AA), de fls. 4801 (BB) e de fls. 4817-4821 (CC;


***

Pericial

- Relatório de fls. 4454 e 4456;


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A análise conjugada destes meios de prova, permitiu ao Tribunal concluir, de forma segura (sem qualquer dúvida) e pela forma considerada na fundamentação, que os Arguidos decidiram deslocar-se a ........., para ali procederem ao carregamento de haxixe que haviam decidido transportar para Portugal, o que conseguiram.

Cada um dos co-Arguidos tinha a função bem definida, sendo a dos Arguidos AA e de CC a de “batedores”, competindo-lhes seguir à frente do veículo que transportava a droga, vigiando o percurso, designadamente quanto à eventual presença de órgãos de polícia criminal, de forma a permitir que o veículo onde a droga era transportada alterasse o trajecto, assim procurando evitar qualquer intercepção que pudesse ocorrer.

Para o Tribunal é claro, que a deslocação foi pensada ao pormenor, sendo as funções dos ocupantes daquele veículo (...-OX-...) perfeitamente claras. Ambos deveriam estar de alerta, sendo que ao Arguido CC também competia conduzir o automóvel, sendo a actuação do Arguido AA mais centrada na vigilância.

A ocupação daquele veículo apenas pelo condutor, não permitiria executar a pretendida vigilância, quando a deslocação importava percorrer cerca de 300 quilómetros até à entrada em ......... e outros tantos no regresso ao ponto de partida.

Note-se, aliás, que era no veículo que circulava na frente onde seguiam dois ocupantes. A presença de órgãos de polícia criminal, que fosse percepcionada no veículo que transportava a droga (caso um dos co-Arguidos Arguido AA ou CC se fizesse transportar naquele veículo) não permitiria alterar o percurso, de forma a evitar a intercepção.

Importava, assim, que fossem dois os ocupantes do veículo “batedor”, sendo dispensável a presença de qualquer outro ocupante no veículo de transporte da droga.

Já ao Arguido BB competia transportar a droga no automóvel (...-...-UM), circulando sozinho no veículo que lhe pertencia, mantendo-se, em contacto com o veículo ocupado pelos co-Arguidos.

O pretendido sucesso da operação, designadamente, a de proceder ao carregamento da droga em ......... e transportá-la para Portugal, dependia do rigoroso cumprimento da estratégia que definiram.

Os Arguidos que prestaram declarações pretenderam fazer crer ao Tribunal que nada sabiam quanto à participação do co-Arguido CC.

Não faz qualquer sentido lógico, ainda que por mera hipótese, admitir tal possibilidade.

A verdade é que a acção de vigilância considerada dá conta da chegada de CC ao ponto de partida junto à residência da mãe do filho de AA.

Ainda que não disponham os autos de intercepções de conversações com intervenção deste Arguido, o certo é que, na hora e local definido por AA e BB como ponto de partida para da deslocação (dispondo os autos, quanto a estes de transcrições de conversações), o Arguido CC também compareceu, entrou no veículo que era propriedade do co-Arguido AA, tomou o lugar do condutor e partiu em direcção  ..........

Não soubesse do local e hora do encontro, como poderia ter surgido naquele exacto local (junto da residência da mãe do filho dum conhecido seu) na hora que havia sido definida.

Não encontramos resposta, sendo que o Arguido não a indicou.

Não estivesse a sua participação previamente determinada e definida, qual a razão que o determinaria a tomar o lugar de condutor de um veículo que pertencia a um seu conhecido.

Não encontramos resposta, sendo que o Arguido não a indicou.

Não soubesse o Arguido qual seria o destino e propósito da sua intervenção, como justificar que tenha conduzido aquele veículo até ...... (cerca de 300 quilómetros do ponto de partida), tivesse entrado em ......... e dirigido ao local onde a droga seria carregada, regressado a Portugal e retomado, de seguida, a direcção ......... onde o fardo de haxixe foi efectivamente carregado.

Não encontramos resposta, sendo que o Arguido não a indicou.

O certo é que CC se assegurou que o carregamento seria feito, tanto que poderia ter optado por permanecer em território nacional, enquanto os co-Arguidos se deslocassem a ......... para proceder ao carregamento.

Acompanhou sempre os Arguidos, quando estes se deslocaram no veículo ...-OX-... ao local onde a entrega de droga seria feita, sendo CC quem conhecia o percurso para lá chegar.

De salientar que optaram por fazer a deslocação em veículo distinto daquele que, mais tarde, iria proceder ao carregamento do fardo de haxixe e que fora parqueado em .......

Com recurso a um raciocínio lógico, facilmente se conclui, que o Arguido CC queria efectivamente certificar-se que o carregamento da droga era feito, competindo-lhe acompanhar o respectivo transporte para Portugal, para o que circulava num veículo, a pouca distância do veículo de transporte, também ocupado por outro indivíduo que estabeleceria contacto telefónico com o veículo que circulava atrás com o fardo de haxixe, caso se apercebessem de elementos policiais durante o percurso.

Não é possível extrair outra conclusão pela análise dos elementos probatórios juntos aos autos, sendo certo que o Arguido CC não apresentou qualquer outra justificação que pudesse contrariar a formação da convicção do Tribunal quanto à sua participação nos factos.

No que concerne ao conhecimento da ilicitude e voluntariedade das respectivas condutas, resulta de forma evidente da conjugação de todas estes elementos, para o que se socorreu o tribunal das regras da lógica, com critérios de razoabilidade, sendo do conhecimento do cidadão comum que a detenção de transporte de estupefacientes é proibida por lei, sendo de realçar, no caso concreto do Arguido CC, a anterior condenação do Arguido pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.


***

No que concerne à factualidade que o Tribunal julgou não provada, não foi possível ao Tribunal concluir pela ocorrência dos factos tal como enunciada na acusação.

Na verdade, a actuação dos Arguidos CC e AA na actividade do tráfico de droga, pese embora referenciada pela testemunha envolvida no que designou de investigação, não encontra suporte probatório seguro nos autos, tendo sido negada pelo Arguido AA.

Não descuramos a junção aos autos de inúmeros relatórios de vigilância com referência a CC, mas por si, não conjugados com quaisquer outros meios, não se mostram suficientes para a formação segura da convicção do julgador quanto à mesma.


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Os recursos ordinários perante o Supremo Tribunal de Justiça visam exclusivamente o reexame da matéria de Direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios elencados no artigo 410º nº 2 do CPP, os quais não podem constituir fundamento do recurso.

Tal significa que, não podendo embora a decisão final a proferir assentar em matéria de facto que seja insuficiente ou que contenha uma contradição insanável entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, ou  ainda que se se alicerce num erro notório na apreciação da prova, tais vícios da matéria de facto não poderão nunca constituir fundamento de recurso, e como tal serem aduzidos pelos/as recorrentes, pois que se esgotou já em fases processuais anteriores todo o poder jurisdicional de reexame da matéria de facto.

Pelo que o conhecimento de tais vícios apenas pode ser realizado de modo oficioso, isto é, por iniciativa própria do S.T.J. nos casos em que da análise de todo o teor da decisão recorrida, considerada por si só ou em função das regras da experiência comum, se constatar a sua verificação.

Analisado o Acórdão recorrido à luz do acima exposto, é de concluir “prima facie” inexistir qualquer dos vícios do artigo 410º nº 2, ou nulidade que não deva considerar-se sanada - nº 3 do mesmo dispositivo.

Como é sabido, o âmbito de um recurso é delimitado pelo teor das Conclusões apresentadas pelo/a recorrente.

Nas Conclusões apresentadas nestes Autos, os recorrentes suscitam as seguintes questões que importa apreciar:

a) Violação do princípio “in dúbio pro reo” - recorrente CC;

b) Natureza da comparticipação criminosa - recorrente CC;

c) Enquadramento jurídico-penal dos factos provados – recorrente BB;

d) Natureza e medida concreta da pena aplicada – todos os recorrentes.

Face ao disposto nos artigos 368º e 369º do CPP, aplicáveis ex-vi artigo 424º nº 2 do CPP, que estabelecem as regras de precedência lógica da apreciação e decisão das questões objeto de recurso, as questões suscitadas serão apreciadas em função da ordem supra-exposta.

 

a)

O recorrente CC considera que o Acórdão recorrido teria violado o princípio “in dúbio pro reo” e, consequentemente os artigos 28º e 32º da Constituição da República.

Não obstante não invocar quaisquer factos em que assente tal alegação, não deixará este Tribunal de a examinar.

O princípio “in dubio pro reo et contra civitatem”, como ensina G.Bettiol “(...) não diz respeito ao problema da livre convicção do juiz que se manifesta no pressuposto de que se tenha constatado um facto; mas liga-se fundamentalmente ao problema do ónus da prova e encontra o seu campo e oportunidade de aplicação perante um facto incerto. Desde que haja incerteza quanto ao facto, nunca poderá ter lugar uma sentença de condenação: o juiz absolverá com fórmula dubitativa (sentença de absolvição por insuficiência da prova), em que se traduz e manifesta uma das exigências de liberdade do processo penal moderno.” ([1]).

Este princípio geral de apreciação da prova decorre, aliás, do princípio da presunção de inocência do/a Arguido/a, que se encontra constitucionalmente consagrado, no artigo 32º nº 2 da Lei Fundamental.

Sendo hoje Jurisprudência pacífica que a violação deste princípio geral só pode ser dada como assente quando do texto da decisão recorrida se verificar que, perante a existência de uma dúvida sobre a verificação de um facto o Tribunal optou por decidir em desfavor do/a Arguido/a.

Ora, tal não é manifestamente o que alcança da decisão recorrida. Da leitura desta não se vislumbra que, em ocasião alguma, o Tribunal “a quo” tenha tido dúvidas sobre a verificação de algum facto e tivesse decidido contra qualquer dos Arguidos.

Antes, correlacionando e conjugando todos os elementos de prova na sua globalidade, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, constata-se estar suficientemente alicerçado o juízo conclusivo que indica com segurança que o recorrente, e, adiante-se os recorrentes, praticou/praticaram os factos dados como provados.

E, como tal inexiste qualquer fundamento para se poder equacionar a aplicação do princípio “in dúbio pro reo”. Carecendo, em consequência, de razoabilidade e fundamento a alegação de violação de tal princípio e também da garantia constitucional invocada.

Termos em que se não pode deixar de concluir pela improcedência do alegado.

b)

O recorrente CC alega também que a sua comparticipação na prática dos factos dos Autos se não situa no domínio da co-autoria mas antes da cumplicidade, pois, em seu entender do Acórdão recorrido não constariam factos provados quanto á sua participação nos mesmos “nem qual era o seu papel nem se iria tirar alguns proventos com a venda do produto estupefaciente”.

Defende, assim, o recorrente que a sua comparticipação nos factos dos Autos deveria ser enquadrada na figura da cumplicidade e não da co-autoria, como consta da decisão recorrida.

Todavia, e sem prejuízo de tal alegação carecer da necessária sustentação fáctica na matéria dada como assente, o que releva na apreciação da questão suscitada é a circunstância de, como alegado pelo Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Alto Tribunal no seu Douto Parecer, elaborado nos termos do artigo 416º do CPP, tal questão não poder ser conhecida no âmbito do presente recurso, na medida em que a decisão recorrida sobre ela se não pronunciou em virtude de não ter sido suscitada, e como tal inexistir uma qualquer decisão sobre a mesma que possa ser reapreciada por este Tribunal.

Subscrevendo-se inteiramente o que a este respeito consta do Douto Parecer acima referido, reproduz-se o Acórdão deste Tribunal aí citado ([2]): “Os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, pelo que não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante aquele Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1ª instância.”

Nesta conformidade, se julga improceder o alegado.

c)

O recorrente BB considera que os factos dados como provados não deveriam ter sido enquadrados na previsão do artigo 21º do DL nº 15/93 de 22 de janeiro, mas sim no do artigo 25º daqueles mesmo diploma, fundamentando tal alegação numa menor “danosidade social” do estupefaciente em questão nestes Autos.

Todavia tal alegação carece, em absoluto, da necessária sustentação de Direito.

Na verdade, de acordo com o previsto na norma em questão - o artigo 25º do DL nº 15/93 de 22 de janeiro – o tipo em apreço é construído face a uma verificação casuística de uma considerável diminuição da ilicitude do facto, a qual deve ser aferida em função de diferentes elementos, alguns dos quais são indicados no texto da norma, a saber, “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.”

Assim, para proceder a esta operação de apreciação de uma eventual considerável diminuição da ilicitude do facto há, necessariamente, que se ter uma imagem de conjunto dos factos e ponderar se nestes se poderá alicerçar um tal juízo de Direito.

Este é, aliás, o entendimento unanime, e constante ao logo dos anos, da Jurisprudência deste Alto Tribunal.

Por todos, vejam-se, por exemplo, o Acórdão de 12.03.2015([3]): “I – O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º do DL nº15/93 de 22.01, que se situa entre o tráfico simples e o crime de tráfico agravado, tem lugar sempre que a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída. II – A Ilicitude exigido neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos – índice a atender numa valoração global não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde, em que a quantidade não é o único, nem eventualmente o mais relevante.”

E o de 14.04.2021 ([4]): “IV – O traço marcante do privilegiamento do tráfico de estupefacientes advém da consideravelmente diminuída ilicitude da conduta típica. V – O legislador fornece, exemplificadamente, alguns indicadores que podem apontar para a diminuição considerável da ilicitude – os meios utilizados; a modalidade da acção; as circunstâncias da acção; a qualidade das plantas, substâncias ou preparações; e a qualidade dos estupefacientes -, conferindo á jurisprudência a tarefa de acrescentar outros indicadores”.

Ora, retomando os factos dados como assentes nestes Autos, constata-se que o recorrente, juntamente com os co-Arguidos, “acordaram entre si deslocarem-se ........., a fim de adquirirem canábis e transportarem tal produto para Portugal, o que fariam utilizando dois veículos automóveis. Um destes veículos seria utilizando para o transporte de canábis e outro veículo para seguir na frente do primeiro e verificar a eventual presença de forças policiais para, na afirmativa, poder dar indicação ao veículo tinha a missão de – vulgo – batedor.”- ponto 2 – e que na execução de tal acordo, no dia e hora indicados nos Autos, o recorrente e os co-Arguidos fizeram entrar em território nacional “um fardo, envolvo em plástico e com 300 placas de canábis, com o pelo global de 29,339 quilogramas” que lhes foi apreendido – ponto 19 -.

Tais factos, quer pelo planeamento, organização e utilização de meios logísticos que pressupõem, e que, aliás, se encontram descritos na matéria provada, quer pela quantidade de estupefaciente em causa, independentemente da sua menor danosidade social, não são de todo idóneos a sustentar um qualquer juízo de diminuição da ilicitude do facto, globalmente apreciada, e, por maioria de razão uma acentuada diminuição de tal ilicitude.

Nessa medida, não podem de nenhuma forma ser integrados na previsão do artigo 25º do DL nº 15/93 de 22 de janeiro.

Assim, não pode a conduta do recorrente, e dos co-Arguidos deixar de ser integrada na previsão legal do artigo 21º do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro.

Nesta conformidade, se conclui pela improcedência do alegado

d)

Finalmente, todos os recorrentes entendem que as penas que lhes foram aplicadas devem ser diminuídas no seu “quantum” por as considerarem “manifestamente desproporcional e desadequada” ou “excessiva”, pugnando não apenas pela sua redução, mas também pela sua substituição por uma pena não detentiva de suspensão da execução da pena.

Alegando, em conformidade, que o Tribunal “a quo” não tomou em consideração todas as circunstâncias relativas à sua vida pessoal e familiar e também a confissão dos factos – recorrente AA -, “a concreta conduta levada a cabo pelo Arguido, a sua colaboração para a descoberta da verdade, o seu sincero arrependimento” – recorrente BB – e a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social e familiar – recorrente CC.

Retomando o Acórdão recorrido verifica-se que os recorrentes foram condenados, respetivamente, nas penas de 6 anos de prisão, 5 anos e 6 meses de prisão e 6 anos e 6 meses de prisão pela co-autoria material d eum crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º nº1 do Dl. nº 15/93 de 22 de janeiro.

É sabido que, de acordo com o estipulado no artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena a aplicar a um/a Arguid/a deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra si.

Na definição do conteúdo de cada um destes três parâmetros legais – culpa do agente, exigências de prevenção e ponderação das circunstâncias gerias atenuantes ou agravantes - é curial ter em atenção, que, no tocante à culpa é imperioso observar o disposto no artigo 40º nº 2 do Código Penal, que impõe ser necessário que a sua medida não exceda a da pena.

A culpa constitui, como ensina Figueiredo Dias ([5]), “um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa: de uma ou outra forma, é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado. Uma tal ultrapassagem mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucionais, inadmissível.”

Já no tocante às exigências de prevenção, o mesmo Mestre indica que ([6]): “Através do requisito que sejam levadas em conta as exigências de prevenção dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”

Discorrendo sobre este conceito, ensina que ([7]): “«Prevenção» tem no contexto quer aqui releva – só pode ter – o preciso sentido quando se discute o sentido e as finalidades de aplicação de uma pena, quando se discute, numa palavra, a questão das finalidades das penas. Dito por outras palavras «prevenção» significa, por um lado prevenção geral, e, por outro lado, prevenção especial, com a conotação específica que estes termos assumem na discussão sobre as finalidades da punição.”

Finalidades da punição essas que, de acordo com o disposto no artigo 40º nº 1 do Código Penal, são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

A Jurisprudência entende, desde há largos anos e de um modo consensual, que o bem jurídico primordialmente protegido pela incriminação de uma conduta de tráfico de estupefacientes é a saúde pública.

Na verdade, a sua disrupção pela produção, comercialização e consumo de substâncias psicotrópicas que, afetando o sistema nervoso central, impedem que um ser humano se determine em liberdade assim obstaculizando o livre desenvolvimento da sua personalidade atenta diretamente contra a dignidade da pessoa humana, valor no qual se funda a República Portuguesa, como estatuído no artigo 1º da Lei Fundamental.

Finalmente, e em função do disposto no nº 2 do já referido artigo 71º do Código Penal, há que ter em atenção todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime depõem a favor ou contra o agente.

De entre estas relevam o grau da ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, o grau de intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais e situação económica do agente, as suas condutas anteriores e posteriores aos factos em apreço, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita.

Aplicando estas posições doutrinais a Jurisprudência tem vindo a entender que: “o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Para avaliar da medida da pena há que indagar, no caso concreto, factores que se prendam com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.

Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau de ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.

Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

No que tange ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta ilícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.” ([8]).

Da análise do Acórdão recorrido constata-se que, ao determinar a medida concreta da pena aplicada a cada um dos recorrentes, o Tribunal “a quo” teve em atenção o seguinte: “- As necessidades de prevenção especial, impõem a necessidade de resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza por parte dos arguidos, revelando-se de intensidade elevada relativamente ao arguido CC, já condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, não tendo manifestado qualquer interiorização do desvalor da conduta, sendo moderadas relativamente aos coarguidos, considerada a ausência de antecedentes criminais, não descurando, contudo, serem todos consumidores de haxixe na data dos factos;

- No que respeita à ilicitude, é considerada elevada, atenta a quantidade de droga detida no transporte e carregada fora do território nacional, assumindo uma gravidade relevante, atentas as consequências nefastas relacionadas com a proliferação do “mercado” do tráfico (internacional) de droga, que gera comportamentos aditivos e danosidade social, desenvolvendo economia paralela e ilícita;

- O modo de execução revela astucia dos arguidos, actuando de forma cautelosa, não circulando todos no mesmo veículo, estando preparados para comunicar entre si, caso se apercebessem da presença de órgãos de polícia criminal no percurso;

- o dolo, é directo, tendo os arguidos representado a ilicitude das respectivas condutas, bem sabendo não estarem autorizados, por qualquer meio, a deter e transportar haxixe;

- os arguidos AA e BB, colaboraram no apuramento dos factos, optando, contudo, por não os esclarecer na sua totalidade, designadamente no que concerne à participação de CC, sendo certo que o papel de AA assumiu maior relevância no transporte, comparado com BB, tendo sido a si que a “proposta” foi dirigida;

- Os arguidos estão familiarmente inseridos, tendo o Arguido AA ocupação profissional certa, o mesmo não sucedendo com relação aos coarguidos;

Tendo em consideração todos estes parâmetros, o Tribunal “a quo” entendeu dever aplicar aos recorrentes as penas de prisão acima indicadas.

Entendimento este, que se subscreve inteiramente pois que aquelas penas se mostram justa, correta e adequadamente fixadas, tendo em atenção todos os factos dados como assentes e todas as circunstâncias atinentes à personalidade de cada um dos recorrentes, neles vertida.

Acresce que estas acautelam, ainda, as necessidades de prevenção geral que são prementes e atuais, bem como as necessidades de prevenção especial que, “in casu”, se mostram especialmente relevantes.

Deste modo se considera que aquelas necessidades de prevenção exigem uma reação penal enérgica e eficaz face ao bem jurídico protegido.

Pelo que se conclui pela improcedência do alegado quanto à invocada violação do disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal, e consequentemente pela redução do quantum de cada uma das penas aplicadas.

Nesta conformidade, face ao disposto no artigo 50º do C.Penal, se conclui, ainda, pela impossibilidade de aplicação de uma pena de substituição das penas de prisão efetiva fixadas.


Deste modo, se conclui pela improcedência do alegado pelos recorrentes.


VI

Termos em que se acorda em, negando provimento aos recursos, confirmar integralmente o Acórdão recorrido.   

Custas pelos recorrentes, fixando-se em 4Ucs a taxa de justiça.


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Dec-Lei nº 20/2020 de 1 de maio, consigno que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Ex.mo Adjunto, Juiz Conselheiro Sénio Reis Alves.

Feito em Lisboa, neste Supremo Tribunal de Justiça, aos 29 de setembro de 2021

Maria Teresa Féria de Almeida (relatora)

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[1] in “Instituições de Direito e Processo Penal, Coimbra Ed., 1ª ed. Port., pag.300)
[2] Ac. de 06-06-2002, proc. n º 1874 / 02-5ª Secção, Rel.Cons.Simas Santos
[3] Proc. nº 7/10.OPEBJA.S1 – Rel. Cons. A. Monteiro – www.dgsi.pt
[4] Proc. nº 143/19.PEPDL.S1 – Rel. Cons. N. Gonçalves – www.dgsi.pt
[5] “As Consequências Jurídicas do Crime” – Coimbra, 2005 - pag.229
[6] Ibidem, pag. 215
[7] Ibidem pag. 216
[8] Ac. STJ 30.11.2016 – Proc. nº444/15.3JAPRT.G1S1 – Rel. Pires da Graça