Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
505/07.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: SIMULAÇÃO
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
ABUSO DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO
NEGÓCIO CONSIGO MESMO
REPRESENTAÇÃO
FORMA DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PROVA TESTEMUNHAL
NULIDADE DO CONTRATO
OPONIBILIDADE
PROCURAÇÃO
NEGÓCIO REAL
VALIDADE
LEGITIMIDADE PASSIVA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PROVOCADA
LITISCONSÓRCIO
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Barbosa de Magalhães, Legitimidade das Partes, Gazeta Relação Lisboa, 32º, 1919, 274 e 275.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 198, 285 e 286.
- Maria Helena Baía, A Representação sem Poder, Revista Jurídica, nºs 9 e 10, 1987, 17 a 19 e 50.
- Mário Brito, “Código Civil” Anotado, 1º, 329.
- Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, O Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, 48; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, 182 e ss.
- Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1966/67, 272; Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 548, 550; Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 473 a 475, e nota (618), 477.
- Pedro Pais Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, 2012, 73, 111.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I, 4,ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 211, 212, 240, 241, 249, 250, 343 e 344.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil”, I, 3,ª edição, revista e actualizada, 1999, 73 e 74.
- Rui de Alarcão, “Breve Motivação do Anteprojecto sobre o Negócio Jurídico na Parte Relativa ao Erro, Dolo, Coacção, Representação, Condição e Objecto Negocial”, BMJ nº 138, 103 a 106.
- Santoro-Passarelli, Teoria Geral de Direito Civil, 1967, 225, 244 e 245.
- Vaz Serra, “Contrato Consigo Mesmo”, RLJ, Ano 91.º, 228 a 231; Provas (Direito Probatório Material), BMJ n.º112, 208 e ss.; RLJ, Ano 103.º, 361 e ss.; Anotação ao Acórdão do S.T.J., de 10-4-1980, RLJ, Ano 114.º, 310.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240º, 241.º, 258.º, 261.º, N.º 1, 262.º, N.ºS 1 E 2, 265.º, N.º3, 268.º, N.º1, 269.º, 289.º, N.º 1, 291.º, N.º 1, 364.º, 875.º, 940.º, N.º1.
CÓDIGO DO NOTARIADO: - ARTIGO 80.º .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 7-5-1975, BMJ Nº 248, 459.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3-3-1998, BMJ N.º 475, 610.
-DE 25-2-2003, CJ (STJ), ANO XI (2003), T1, 109; STJ, DE 30-1-97, P.º N.º 96B751/96, 2.ª SECÇÃO; DE 14-1-97, P.º N.º 605/96, 1ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT .
-DE 17-12-2009, Pº Nº 365/06, TBALSB.C1.S1, WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A questão nova não é suscetível de vir a obter um novo enquadramento jurídico, em sede de recurso, mas antes uma primeira e definitiva abordagem, pelo que, a menos que se reconduza a uma hipótese de conhecimento oficioso, está vedado, até com base no princípio da estabilidade da instância, ao Tribunal Superior a sua apreciação, que não pode conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi, por falta de atempada invocação.

II - No incidente da intervenção principal provocada, o chamamento ao processo é desencadeado por alguma das partes iniciais com interesse em alargar o âmbito da eficácia subjetiva da decisão aos chamados, terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária.

III - O incidente da intervenção principal provocada ou da pluralidade subjetiva subsidiária superveniente tem aplicação, quer ocorra preterição do litisconsórcio necessário, quer nos casos de litisconsórcio voluntário, ou seja, em que a relação material controvertida respeite a várias pessoas, destinado a chamar a juízo algum litisconsorte do réu que não haja sido demandado, inicialmente, quer para chamar a intervir um terceiro contra quem o autor pretenda dirigir o pedido, no quadro da pluralidade subjetiva subsidiária, o que deve ser possível, tanto nas situações de litisconsórcio, como de coligação.

IV - A mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, pelo que só em caso de procedência da acção passa a existir fundamento material para sustentar, a posteriori, quer a legitimidade processual, como a legitimidade material e, assim, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva.

V - Os simuladores, contra quem a ação foi proposta pelo autor, terceiro de boa fé, gozam de legitimidade passiva, ou melhor, é-lhes oponível a simulação.

VI - A regra geral, constante do art. 364.º, n.º 1, do CC, de que os documentos autênticos são exigidos como formalidades ad substantiam, sob pena da nulidade do negócio que as não observar, salvo se constar de documento com força probatória superior, só têm aplicação às declarações negociais ou outros elementos que devam constar do teor do documento.

VII - As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não constituem um elemento essencial que deva constar de declaração negocial e do documento que a formaliza, sendo de aceitar qualquer espécie de prova para se averiguar se tais circunstâncias existiam à data do contrato, foram o seu fundamento e sofreram uma alteração anormal.

VIII - A convenção sobre a antecipação do pagamento da totalidade do preço relativamente à data da celebração da escritura, não se encontrando abrangida pela eficácia probatória do documento, não está excluída da prova testemunhal, nomeadamente, por terceiros contra as partes.

IX - Os atos praticados pelo representante vinculam o representado se couberem dentro do seu poder de representação, ou seja, da sua legitimidade representativa, que se traduz na suscetibilidade de integração do ato nos limites dos poderes que competem ao representante, cuja vinculação depende da existência do poder de representação.

X - Há abuso dos poderes de representação quando o representante, atuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza, conscientemente, esses poderes, em sentido, substancialmente, contrário ao seu fim ou às indicações do representado, sendo ineficaz o negócio em relação a este, porque celebrado, em nome de outrem, se não for por ele ratificado, desde que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso.

XI - A formulação específica do abuso de representação verifica-se, no caso especial do denominado negócio consigo mesmo, em que o negócio é celebrado por uma só pessoa que intervém, simultaneamente, a título pessoal e como representante de outrem ou como representante, ao mesmo tempo, de mais de uma pessoa, em que o conflito de interesses é manifesto, porquanto o representante conclui o negócio consigo mesmo ou, relativamente a si próprio, agindo, ao mesmo tempo, pelo representado e, pessoalmente, por si ou por outro representado.

XII - Não figurando uma determinada entidade no texto da procuração, não sendo, assim, sujeito da relação de representação, deve ser considerada um terceiro, directamente, interessado, sendo, então, a representação exercida, tipicamente, no interesse desse terceiro interessado, que se deve procurar, não na relação de representação, propriamente dita, mas antes no conjunto formado pela procuração e pela relação subjacente, que é constituída pelo contrato-promessa e não pelo contrato de mandato.

XIII - Não tendo os réus com o acordo estabelecido entre si querido celebrar qualquer contrato, face à divergência verificada entre a vontade declarada e a vontade real, mas tendo, através da encenação negocial criada, o intuito de enganar o autor, realizaram um negócio, absolutamente, simulado, que é nulo, com efeito retroativo, e que, apenas, é inoponível a terceiros de boa fé que tenham adquirido, a título oneroso.

XIV - O negócio dissimulado só será válido se as partes fizerem constar as declarações que integram o seu núcleo essencial de uma contradeclaração, escrito de reserva ou de ressalva, com os requisitos formais exigidos para esse negócio.

XV - Não existindo essa contradeclaração, sem embargo de o tipo de formalismo exigido para o negócio dissimulado ter sido observado, constando do documento o negócio aparente e não o ato oculto, o negócio simulado é nulo por simulação, e o negócio dissimulado é nulo, por vício de forma, pois que a exigência de escritura pública não visa apenas dar a conhecer com certeza plena a transmissão de bens, mas também a causa da transmissão.

XVI - O negócio real, mas dissimulado, só é válido se nele tiverem sido observados os requisitos de substância e de forma que, para tanto, seriam necessários se o mesmo tivesse sido concluído em meio aberto, não sendo suficiente a observância da respetiva forma.

XVII - A natureza sinalagmática do contrato de compra e venda e a relação pessoal de fidúcia do representado no representante, na particular situação do autocontrato, determina que o representante não pode ser o único intérprete dos interesses em conflito, sem que da sua actuação possam vir a resultar prejuízos para o representado, requerendo-se uma empenhada e eficaz defesa dos interesses prosseguidos, de modo a estabelecer o necessário equilíbrio entre ambos.
Decisão Texto Integral:



ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:



 “AA, SA”, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, CC, “DD, Ld.ª”, “EE, SA”, “FF, Ld.ª”, GG, HH, “II, Ldª” e “JJ, SA”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, sejam declarados ineficazes e nulos os seguintes negócios [a]: compra e venda do prédio, identificado no artigo 3º da petição inicial, titulada pela escritura pública de 21 de Abril de 2006, celebrada no Cartório Notarial de Lisboa, Lic. KK, de transmissão do prédio de LL e mulher, MM, para “NN, Lda.” (i); compra e venda do mesmo prédio, titulada pela escritura pública de 25 de Julho de 2006, celebrada no Cartório Notarial ..., Notária OO, de transmissão do prédio de “NN” para “PP, Ldª” (ii); hipoteca constituída, a favor de “JJ, SA”, celebrada por escritura, outorgada no mesmo cartório e na mesma data da anterior (iii), seja ordenado o cancelamento de todos os registos posteriores ao registo de aquisição do mesmo prédio, a favor de LL e MM, designadamente, os registos de negócios mencionados na alínea a) e quaisquer outros posteriores, à exceção do registo de arresto sobre o prédio, a favor da autora [b], sejam todos os réus condenados, solidariamente, a pagarem à autora todas as despesas e custos, incluindo honorários de advogados e solicitadores, em que já incorreram e tiverem de incorrer, em resultado dos factos lesivos do seu direito à aquisição do referido prédio, e bem assim dos prejuízos resultantes da perda desse direito, até à efectiva declaração, transitada em julgado, da ineficácia e nulidade dos negócios mencionados, custos e prejuízos, a liquidar em execução de sentença [c].
Subsidiariamente, para o caso de não virem a proceder os pedidos enunciados nas alíneas a) e b), deverão os réus ser, solidariamente, condenados a pagar à autora uma indemnização, por todos os prejuízos por ela sofridos, em consequência dos factos ilícitos supra descritos, no valor de €4.830.063, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação e até ao seu efectivo e integral pagamento, e ainda uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, por todos os custos e despesas em que a autora tiver incorrido, até à data do efectivo pagamento da indemnização, em resultado dos mesmos factos [d].
Para alcançar a finalidade pretendida com a acção, a autora alegou ter sucedido a “QQ, Ld.ª”, que havia celebrado, em 12 de Dezembro de 2001, um contrato-promessa de compra e venda, como promitente-compradora, tendo intervindo como promitentes-vendedores LL e mulher, MM, pelo preço de 220.000.000$00, dos quais 66.000.000$00 seriam pagos com a assinatura do referido contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, e o remanescente, no acto da escritura.
O sinal foi pago, tendo as partes antecipado o pagamento do remanescente, em 27 de Maio de 2002, quantia a que fizeram acrescer uma compensação pela prorrogação do prazo estipulado, data em que os promitentes vendedores passaram uma procuração irrevogável, a favor de todos os gerentes da promitente-compradora.
Porém, o réu BB, gerente da promitente-compradora, a ré CC, sua mulher, e os réus GG e HH, gizaram um plano para se apropriarem do prédio prometido vender, utilizando, para o efeito, instrumentalmente, as sociedades rés, vindo a ser celebrada escritura pública do prédio objecto do contrato prometido, a 21 de Abril de 2006, a favor da ré “DD, Ld.ª”, que nada pagou do preço, acabando esta por registar o imóvel, a seu favor, e, pouco tempo depois, a favor da ré “PP, Ld.ª”, tendo sido registada uma hipoteca, a favor do réu “JJ, SA”, sendo certo, também, que todos estes negócios foram acordados entre os réus com o propósito de se apoderarem, fraudulentamente, sem o dispêndio de qualquer dinheiro, do prédio prometido vender à autora, e cujo preço se encontrava, integralmente, pago por esta.
Na contestação, os réus defendem-se, por impugnação, e, em sede, alegadamente, excetiva, o réu “JJ, SA” invoca a inutilidade superveniente da lide, por se encontrar amortizado o financiamento que concedeu à ré “FF”, tendo ocorrido o distrate da hipoteca, a sua ilegitimidade e a ilegitimidade da autora e, relativamente ao articulado dos chamados, a coligação ilegal de pedidos.
A ré “EE, Ldª”, deduziu a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da autora, a ilegitimidade dos réus e a sua própria ilegitimidade.
A ré “II, Ldª”, excecionou a ilegitimidade da autora e a sua própria ilegitimidade.
Os réus CC e “DD, Ldª”, invocam a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da autora, a ilegitimidade dos réus, a irresponsabilidade da ré Isabel e a falta de verificação dos requisitos de ineficácia dos negócios celebrados pela ré “DD”.
Os réus “PP, Ldª”, GG e HH arguiram a falta de representação da autora, a falta de interesse em agir, a incompetência material do tribunal e a ineptidão da petição inicial, requerendo ainda a condenação da autora como litigante de má-fé.
O réu BB deduziu a ilegitimidade da autora, a sua ilegitimidade e a novação subjectiva.
Na réplica, a autora concluiu como na petição inicial.
A autora deduziu pedido de intervenção principal provocada de LL e MM, tendo este chamamento sido admitido, por decisão objecto de recursos, com subida a final, sendo certo que, apenas, a ré “DD Lda.” manteve interesse no seu conhecimento, e os chamados apresentaram o respetivo articulado.
Realizou-se audiência preliminar, decidindo-se indeferir a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, e, no despacho saneador, julgaram-se improcedentes a excepção de incompetência material do tribunal, as nulidades referentes à ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e de incompatibilidade entre os pedidos, todas as excepções de ilegitimidade, activa e passiva, a excepção da falta de interesse em agir, a coligação ilegal de pedidos, sendo que as restantes excepções invocadas pelos réus, ou seja, a novação subjectiva, a falta de verificação dos requisitos da ineficácia do negócio e a irresponsabilidade da ré Isabel, por se prenderem com a apreciação do mérito da acção e carecerem de ulterior produção de prova, foram relegadas para conhecimento, a final, organizando-se a pertinente base instrutória.
Foram interpostos recursos do despacho saneador que conheceu as excepções e do despacho que indeferiu a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, admitidos com subida com o primeiro recurso que houvesse de subir, imediatamente, sendo certo que destes recursos, apenas, os réus BB e “DD, Lda.”, mantiveram interesse no seu conhecimento.
No decurso da instância, veio a falecer o chamado LL e, posteriormente, a chamada MM, em consequência do que foram habilitados RR e SS.
Foi arguida a nulidade da prova pericial e apresentada reclamação contra o relatório pericial, tendo destes despachos sido interpostos recursos, mas, apenas, foi admitido o recurso que conheceu a nulidade e não admitido o recurso do despacho que indeferiu a reclamação contra o relatório pericial, mantendo o réu BB interesse neste agravo.
Foi apresentado articulado superveniente, que veio a ser indeferido.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por, parcialmente, provada e, em consequência, “Declaro(u) nula a compra e venda do prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do registo predial da Lagoa sob o nº …, da freguesia de ... e inscrito na matriz predial sob o artigo 16º, folha da carta AC da mencionada freguesia, titulada por escritura pública realizada em 21 de Abril de 2006, no Cartório Notarial de Lisboa, Lic. KK, de transmissão do prédio de LL e mulher MM para DD, …, Ldª;
Declaro(u) nula a compra e venda do prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do registo predial da Lagoa sob o nº …, da freguesia de ... e inscrito na matriz predial sob o artigo 16º, folha da carta AC da mencionada freguesia, titulada por escritura pública outorgada em 25 de Julho de 2006, no Cartório Notarial de ..., notária OO, de transmissão do prédio de DD, …, Ldª para PP, Ldª;
Determino(u) o cancelamento de todos os registos posteriores ao registo de aquisição do mesmo prédio a favor de LL e mulher MM, à excepção do registo de arresto feito a favor da A., nada se determinando relativamente à hipoteca considerando que já se mostra extinta e cancelado o seu registo;
Absolv(eu) todos os réus do pedido indemnizatório formulado e julgo(u) não verificada a litigância de má-fé”.
Desta sentença, os réus BB e “DD – …, Lda”, interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação “negado provimento aos agravos, mantendo os despachos agravados e julgado improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida”.
Do acórdão da Relação de Lisboa, os réus BB e “DD – …, Lda”, interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:
1ª – A Intervenção principal provocada de LL e MM não é admissível por não estar em causa qualquer situação de litisconsórcio voluntário;
2ª - A Autora não identifica qualquer relação material controvertida em que sejam simultaneamente sujeitos as partes primitivas da acção e os Chamados;
3ª - A legitimidade processual nem sempre é sempre aferida pelos termos da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor;
4ª - O Julgador apenas se pode socorrer desse critério na falta de indicação da lei em contrário;
5ª - Relativamente à ineficácia do negócio por abuso de representação a lei define quem tem legitimidade para demandar - o Representado;
6ª - Não sendo a Autora representante ou representada não tem legitimidade activa;
7ª - E tal legitimidade é insuprível, porquanto não decorre da falta de intervenção no processo de outros sujeitos que, por lei, devessem ser partes;
8ª - O que se trata é de estar em juízo uma pessoa que não tem o direito de exercer o direito que pretende exercer, devendo estar na lide, do lado activo, outra pessoa;
9ª - Assim, mesmo com a intervenção dos chamados, a Autora sempre seria parte ilegítima;
10ª - Tanto mais que os Chamados não declararam que faziam seus os articulados da Autora;
11ª - E, tendo apresentado articulado próprio, não deduziram pedido idêntico ao da Autora, antes pugnaram pela manutenção dos negócios;
12ª - Os Réus são partes ilegítimas no que diz respeito ao pedido de declaração de nulidade por simulação;
13ª - A acção deveria ter sido proposta contra os vendedores LL e MM, independentemente de estes terem sido, na escritura de compra e venda, representados pelo Réu BB;
14ª - Na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto as Instâncias não respeitaram disposições expressas de lei que exigem certa espécie de prova para a existência do facto;
15ª - Tratando-se de um negócio formal, a procuração não poderia ser interpretada com um sentido que não encontra no respectivo texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso;
16ª - As razões determinantes da forma do negócio opõem-se a que se considere relevante a vontade real das partes em detrimento do texto do documento;
17ª - A vontade real das partes nunca pode prevalecer sobre a interpretação literal, quando estão em causa formalidades "ad substantiam";
18ª - O Facto 64 consagra uma interpretação sem o mínimo de correspondência no texto da procuração;
19ª - Devendo, por isso, ser eliminado.
20ª - O mesmo sucede com o Facto 68, o qual deverá, assim, ser suprimido;
21ª - Não é lícito interpretar a procuração como destinando-se, muito menos exclusivamente, a garantir que a futura transmissão do prédio só pudesse ser feita para a sociedade QQ ou para entidade por esta indicada por tal contrariar expressamente o texto da procuração;
22ª - Só o representado tem legitimidade para arguir a ineficácia da compra e venda por abuso de representação, carecendo assim a Autora de legitimidade substantiva;
23ª - A Autora não é representada na procuração dos autos, sendo-o LL e MM, em cuja esfera jurídica se produziram os efeitos do negócio objecto de representação;
24ª - Ainda que a procuração dos autos fosse passada no interesse da Autora, esta continuaria a não ter legitimidade substantiva para a propositura da presente acção;
25ª - Tal ilegitimidade é insusceptível de ser sanada pela intervenção dos Chamados;
26ª - Tanto mais que estes não deduziram qualquer pedido de declaração de ineficácia ou anulação dos negócios dos autos nem aderiram aos articulados da Autora;
27ª - Eliminando-se os Factos 64 e 68, a matéria de facto dada por assente é manifestamente insuficiente para se concluir pela verificação de abuso de representação;
28ª - O contrato-promessa de compra e venda dos autos não é o contrato subjacente à procuração nem dele constam quaisquer ordens ou instruções a observar pelos representantes;
29ª - Desse mesmo contrato-promessa não se pode extrair que a procuração tinha por finalidade garantir que a escritura de compra e venda do prédio dos autos fosse feita para a QQ ou para entidade por esta indicada, quando ela entendesse;
30ª - O contrato subjacente à procuração é o contrato de mandato celebrado pelas partes em data posterior ao contrato-promessa, coincidente com a da procuração;
31ª - Nesse contrato de mandato os representantes foram autorizados a vender o prédio dos autos a quem quisessem e nos termos e condições que entendessem;
32ª - Resulta, pois, da matéria de facto (nomeadamente do Facto n° 10), que a QQ autorizou os representantes - incluindo o Réu BB - a vender o prédio dos autos a quem ele muito bem entendesse e quando entendesse;
33ª - Consequentemente, o negócio no qual interveio como representante não foi celebrado contra as instruções e o interesse da QQ;
34ª - A Autora não provou que a Ré DD e/ou a Ré Isabel soubessem que o Réu BB, ao vender o prédio, actuava com abuso de representação;
35ª - Não se verifica o primeiro dos pressupostos legalmente
exigidos para que se conclua pela simulação - divergência
entre a vontade real e a vontade declarada;

36ª - A falta do pagamento do preço não preenche tal pressuposto nem conduz, por si só, à invalidade do negócio por simulação;
37ª - Considerando-se nulo o negócio dos autos por simulação, sempre seria válido o negócio dissimulado - a doação;
38ª - E isto independentemente de a procuração usada pelo Réu BB não lhe conferir poderes para doar;
39ª - Pois que tal equivaleria à celebração de um negócio sem poderes de representação, cuja ineficácia só poderia ser arguida pelos representados e não pela Autora;
40ª - Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido violou, designadamente, as normas dos artigos 236°, 238°, 239°, 262º, 268° e 269° do C. Civil; 26°, n.° 3 (actual 30°, n.° 3), 27° (actual 32°), 320°, al. a) (actual 316°) do Cód. Processo Civil; e 42° e 116°, n.°s 1 e 2 do C. Notariado.
Nas suas contra-alegações, a autora conclui no sentido de que inexiste qualquer fundamento para a alteração do douto acórdão recorrido, que deve ser confirmado.
                                                       *
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da admissibilidade da intervenção principal provocada.
II – A questão da ilegitimidade da autora e dos réus.
III – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
IV – A questão do abuso de representação.
    I. DA ADMISSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
I. 1. Alegam os réus recorrentes, BB e “DD – …, Lda”, que não é admissível a intervenção principal provocada de LL e MM, por não estar em causa qualquer situação de litisconsórcio voluntário, sendo certo que a autora não identifica qualquer relação material controvertida em que sejam sujeitos, simultaneamente, as partes primitivas da acção e os chamados.
Porém, a propósito deste chamamento deduzido pela autora, a, então, única agravante, a ré “DD – …, Lda”, nas conclusões das alegações da apelação, invocou, tão-só, que “3ª - Seja como for, os Chamados não têm um interesse igual ao da Autora; 4ª - Bem pelo contrário, os Chamados têm um interesse antagónico ou oposto ao da Autora; 5ª - Com efeito, os Chamados estão, na relação controvertida definida pela Autora, no pólo oposto em que se encontra esta; 6ª - Na verdade, a Autora ocupa a posição de promitente compradora e os Chamados a de promitentes vendedores; 7ª - Assim, a intervenção principal provocada dos chamados como associados da Autora não é admissível;”.
Quer isto dizer que, enquanto na apelação, a ré “DD – …, Lda”, aduz como fundamento da inadmissibilidade da intervenção principal provocada dos chamados LL e MM a existência de um antagonismo de interesses, nesta revista, aponta como fundamento da respetiva inadmissibilidade a inexistência da situação de litisconsórcio voluntário.
Assim sendo, trata-se de uma «questão nova», nunca, anteriormente, colocada pelos réus, nos presentes autos, quer na contestação, quer nas alegações da apelação, aparecendo, pela primeira vez, suscitada, neste recurso de revista.
Como assim, a questão agora levantada não foi objecto de pronúncia pelo acórdão recorrido, nem pela sentença final, tratando-se, portanto, de uma questão, inteiramente, nova, que não seria susceptível de vir a obter um novo enquadramento jurídico, nesta sede de recurso de revista, mas antes uma primeira e definitiva abordagem, o que se mostra inviável, nas presentes circunstâncias concretas.
De facto, podendo as decisões judiciais ser impugnadas, por meio de recurso, como decorre do estipulado pelo artigo 627º, nº 1, do CPC, tem sido entendido, uniformemente, que a natureza do recurso visa modificar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido invocadas, perante o Tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso, em que é, obviamente, desnecessária a alegação das partes, e que o Tribunal de recurso deve conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida, o que agora não acontece.
Assim sendo, tratando-se de uma «questão nova» suscitada na revista, está, por conseguinte, até com base no princípio da estabilidade da instância, vedado a este Supremo Tribunal de Justiça a sua apreciação, mesmo, oficiosamente, em conformidade com o disposto pelo artigo 264º e seguintes, do CPC, que não pode conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi, por falta de atempada invocação.
I. 2. De todo o modo, sempre se dirá, embora, sucintamente, que o artigo 325º, nº 1, do CPC/1961, vigente à data da dedução do incidente da instância em análise, definindo o âmbito da intervenção principal provocada, estabelecia que “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.
No incidente da intervenção principal provocada, o chamamento ao processo é desencadeado por alguma das partes iniciais com interesse em alargar o âmbito da eficácia subjectiva da decisão aos chamados, terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária.
O campo de aplicação do incidente da intervenção principal provocada resultou ampliado com a Reforma do Processo Civil de 2005/06, desde logo, por força da eliminação, pelo menos, em termos, autonomamente, tipificados, dos anteriores incidentes de nomeação à acção, chamamento à autoria e chamamento à demanda.
E, assim, o incidente da intervenção principal provocada ou da pluralidade subjectiva subsidiária superveniente tem aplicação, quer ocorra preterição do litisconsórcio necessário, como acontece na situação normativa do artigo 325º, nº 1, do CPC anterior [actual artigo 316º, nº 1, do CPC/2013], quer nos casos de litisconsórcio voluntário, ou seja, em que a relação material controvertida respeite a várias pessoas, destinado a chamar a juízo algum litisconsorte do réu que não haja sido demandado, inicialmente, como acontece na situação normativa do artigo 325º, nº 1, do CPC anterior [actual artigo 316º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013] ou para chamar a intervir um terceiro contra quem o autor pretenda dirigir o pedido, no quadro da pluralidade subjectiva subsidiária, como acontece na situação normativa do artigo 325º, nº 2, do CPC anterior [actual artigo 316º, nº 2, 2ª parte, do CPC/2013], o que deve ser possível, tanto nas situações de litisconsórcio, como nas de coligação, porque ambas cabem na previsão normativa do artigo 31º-B, do CPC anterior [actual artigo 39º, do CPC/2013][2].
Deste modo, independentemente da natureza de «questão nova» em causa, atento o pedido formulado na acção, era admissível o chamamento, a título de intervenção principal provocada, dos referenciados LL e MM, promitentes vendedores do prédio.

           II. DA ILEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA E DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS QUANTO AO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE POR SIMULAÇÃO
II. 1. Alegam os réus recorrentes que a autora carece de legitimidade activa, por não ser representante ou representada, não podendo exercer o direito de que se arroga, de natureza insuprível, mesmo com a intervenção dos chamados, que não declararam que faziam seus os articulados da autora, e, tendo apresentado articulado próprio, não deduziram pedido idêntico ao desta, antes pugnaram pela manutenção dos negócios, porquanto a aludida ausência de legitimidade não decorre da falta de intervenção no processo de outros sujeitos que, por lei, devessem ser partes, antes se impondo que estivesse na lide, do lado activo, outra pessoa, isto é, relativamente à ineficácia do negócio, por abuso de representação, quem tem legitimidade para demandar é o representado.
Nos termos do disposto pelo artigo 30º, nº 1, do CPC, ”o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar”, interesse este que se exprime, continua o seu nº 2, “pela utilidade derivada da procedência da acção”, acrescentando o respetivo nº 3 que, “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Para o estabelecimento de um princípio da legitimidade das partes partiu-se, desde logo, com início no DL nº 224/82, de 8 de Junho, prosseguido pela Reforma de 1995/96, de uma formulação do artigo 26º, nº 3, do CPC, então, em vigor, que tem subjacente a titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, com vista à fixação de um critério normal de determinação da legitimidade das partes, limitada, porém, ao âmbito da definição da legitimidade singular, direta e pessoal, de modo a que, por exclusão, já não depende das meras invocações do autor, veiculadas no articulado inicial, mas antes da efetiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo, a legitimação extraordinária ou anómala, atribuída a quem não é titular da relação jurídica controvertida, objectivada na exigência de litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indireta[3].
Com efeito, a filosofia em que assenta esta nova redefinição do paradigma do estabelecimento do critério da legitimidade das partes, na esteira da posição doutrinária de Barbosa de Magalhães[4], na querela que o opôs a Alberto dos Reis, tem por base a consideração de que a questão da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se interliga, fortemente, com a apreciação do mérito da causa, ao passo que os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural [litisconsórcio], quer a legitimação indirecta [representação ou substituição processual] aparecem, geralmente, destacados do objecto do processo, enquanto questões prévias, condicionando a possibilidade da prolação de decisão sobre o mérito da causa.
É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade[5].
Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva.
Descendo ao caso concreto, a autora configurou a sua pretensão, afirmando que foi outorgada uma procuração, no interesse de terceiro, pelo que, sendo ela o terceiro no interesse do qual foi emitida a procuração, tal lhe confere interesse em demandar os réus.
Não obstante caber ao representado a invocação da ineficácia resultante da situação do abuso de representação, como decorre do preceituado pelos artigos 268º e 269º, do Código Civil (CC), tal não constitui a exceção ”na falta de indicação da lei em contrário”, contida no artigo 30º, nº 3, 1ª parte, do CPC [anteriormente, mas com idêntica redação, no artigo 26º, nº 3, 1ª parte], que permita sustentar, diversamente, do exposto, a questão da legitimidade processual ativa, neutralizando o princípio da identificação, em matéria de determinação da legitimidade processual, dos sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, como titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade.
E, tendo os chamados, como promitentes vendedores, outorgado procuração irrevogável, a favor de quatro sócios-gerentes da sociedade “QQ”, um dos quais o réu-recorrente BB, que atuavam em representação desta, como contrapartida do pagamento da totalidade do preço antes da celebração da escritura de compra e venda do contrato prometido, com a intenção deste em garantir que a futura transmissão do prédio só pudesse ser feita para ela própria ou para quem a mesma indicasse, sendo certo que, não obstante, o referido réu BB veio a outorgar a escritura, em 21 de Abril de 2006, declarando vender o prédio à ré-recorrente “DD – …, Lda”, mas sem que esta tivesse pago o preço constante da escritura, em vez de o fazer, em favor da sociedade “QQ” ou para quem ela indicasse, está-se em presença de uma procuração outorgada no interesse de terceiro, ou seja, a sociedade “QQ”, antecessora legal da autora, que a incorporou por fusão, mas cuja finalidade foi desvirtuada, exactamente, por um dos seus sócios-gerentes que, em nome dela, não declarou vender o prédio à mesma ou a alguém, sob sua indicação, mas a outem.
Deste modo, a autora goza de legitimidade processual ativa para os termos da acção, pelo que se torna apodítica a desnecessidade da análise da alegada insupribilidade da respetiva ilegitimidade ativa, face à referida inocuidade da intervenção dos chamados.
II. 2. Alegam, igualmente, os recorrentes que são partes ilegítimas, no que diz respeito ao pedido de declaração de nulidade, por simulação, pois que a acção deveria ter sido proposta contra os vendedores LL e MM, independentemente de estes terem sido, na escritura de compra e venda, representados pelo réu BB.
Preceitua o artigo 243º, nº 1, do CC, a respeito da inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé, que “a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé”, consistindo a boa fé, em conformidade com o seu nº 2, “…na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos”.
Continua a ser excepcional a regra do direito nacional de que a simulação é inoponível a quaisquer terceiros de boa fé, quer derivem os seus direitos de um ato oneroso, quer de um ato gratuito.
E terceiros, para efeitos de invocação da simulação, são os titulares de uma relação jurídica ou, praticamente, afetada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros, depois da morte do «de cujus»[6].
Deste modo, os simuladores, contra quem a acção foi proposta pela autora, terceiro de boa-fé, gozam de legitimidade passiva, ou melhor, é-lhes oponível a simulação.
II. 3. Estipula ainda o artigo 261º, nº 1, do CC, que “é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”, acrescentando, porém, o artigo 265º, nº 3, do mesmo diploma legal, que “… , se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”.
Quando a procuração tiver sido conferida, também, no interesse do procurador [procuração «in rem suam»], exige-se o acordo do interessado para a sua revogação, com ressalva da ocorrência de justa causa, como acontece com a hipótese da dação «pro solvendo», acompanhada da outorga de uma procuração, a fim de que o credor proceda à venda dos bens e satisfaça com o seu produto o crédito que detém sobre o respectivo preço, a que se reporta o artigo 840º, nº 1, do CC.
Ainda que se não possa conhecer, mesmo, oficiosamente, da nulidade de um contrato, por simulação, numa acção em que não intervêm as partes que o celebraram, não tendo a acção sido instaurada contra os chamados, enquanto vendedores, até porque estes já não tinham qualquer interesse direto em contradizer, atento o disposto pelo artigo 30º, nº 1, do CPC, inexiste fundamento legal para defender a ilegitimidade passiva dos réus, pois que o negócio consigo mesmo é celebrado por uma só pessoa, que intervém, simultaneamente, a titulo pessoal e como representante de outrem, ou como representante, ao mesmo tempo, de mais de uma pessoa[7], isto é, o representado, ou seja, os chamados que, aliás, intervieram na causa, por força do incidente da instância da intervenção principal provocada, ao lado da autora.
Inexiste, pois, a invocada exceção da ilegitimidade passiva dos réus.
III. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
III. 1. Alegam, igualmente, os recorrentes que devem ser eliminados os factos 64 e 68, certamente, querendo significar que os mesmos devem ser considerados “não provados”, porquanto consagram uma interpretação sem o mínimo de correspondência no texto da procuração, por não ser lícito interpretá-la como destinando-se, muito menos, exclusivamente, a garantir que a futura transmissão do prédio só pudesse ser feita para a sociedade “QQ” ou para entidade por esta indicada, por tal contrariar, expressamente, o texto da procuração, uma vez que na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto as instâncias não respeitaram disposições expressas de lei que exigem certa espécie de prova para a existência do facto, já que, tratando-se de um negócio formal, a procuração não poderia ser interpretada com um sentido que não encontra no respectivo texto um mínimo de correspondência, ainda que, imperfeitamente, expresso, e as razões determinantes da forma do negócio opõem-se a que se considere relevante a vontade real das partes, em detrimento da interpretação literal, quando estão em causa formalidades "ad substantiam".
Ao facto 64, a que respeita o ponto 7º da base instrutória, respondeu-se que “Essa procuração [procuração irrevogável a favor de quem a QQ, Lda. indicasse, como contrapartida do pagamento da totalidade do preço antes da celebração da escritura pública de compra e venda (63./6º)] tinha como finalidade garantir à QQ, Lda. que a escritura pública seria outorgada quando ela o entendesse e sem necessidade de intervenção dos vendedores”, enquanto que ao facto 68, a que respeita o ponto 13º da base instrutória, respondeu-se que “Quando a procuração referida em H) foi minutada e entregue pela QQ, Lda. conforme referido em I) a intenção dessa sociedade foi garantir que a futura transmissão do prédio só pudesse ser feita para ela própria ou para quem ela indicasse”.
O Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto em apreço, manteve as aludidas respostas aos factos 64 (7º) e 68 (13º), dadas pelo tribunal de 1ª instância, considerando, nomeadamente, a folhas 3098 e 3099, que “… , a apreensão e o acolhimento dos factos, não se confina aos restritos termos de cada quesito, antes resultando de toda uma globalidade da prova produzida e ponderada, ou seja, para o apuramento daqueles há que analisar o conteúdo dos documentos pertinentes, mas também há que os conjugar com as demais provas, quer testemunhais, quer também constantes doutros documentos, com vista a apurar qual a real vontade das partes e a sua correspondência nos textos elaborados, tendo em conta o consagrado nos artigos 236º a 239º do Código Civil”, o que agora se enfatiza do exaustivo desenvolvimento argumentativo, ao longo de quatro folhas.
Assim, o tribunal «a quo», ao reanalisar a aludida matéria de facto e ao formar a convição em que se traduziram as aludidas duas respostas de “provado”, moveu-se, no âmbito do princípio da livre apreciação de prova, sem se achar vinculado a qualquer prova legal que lhe impusesse um outro tipo de respostas diversas.
III. 2. A exigência legal de documento escrito autêntico, como forma da declaração negocial, como sucede com a procuração, não consente que seja substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior, de acordo com o estipulado pelo artigo 364º, nº 1, do CC.
Trata-se da concretização da regra geral de que os documentos autênticos são exigidos como formalidades «ad substantiam», sob pena da nulidade do negócio que as não observar, salvo se constar de documento com força probatória superior, atento, igualmente, o disposto pelos artigos 262º, nº 2 e 410, nº 2, do CC.
Porém, as regras estabelecidas no artigo 364º, do CC, só têm aplicação quanto às declarações negociais ou outros elementos que devam constar do teor do documento, porquanto “as circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar não constituem um seu elemento essencial ou circunstancial que deva constar de declaração negocial e do documento que a formaliza, razão pela qual se não viola o supramencionado normativo legal ao aceitar-se qualquer espécie de prova para se averiguar se tais circunstâncias existiam à data do contrato, foram o seu fundamento e sofreram uma alteração anormal”[8].
Muito e mbora, a matéria probatória relevante que afasta o princípio da livre apreciação seja constituída, nomeadamente, pelos documentos autênticos, em conformidade com o estipulado pelo artigo 371º, nº 1, no âmbito da forma legal, destacam-se, igualmente, as cláusulas ou estipulações verbais acessórias, ou adicionais que, quando posteriores ao documento, são válidas, a menos que a razão da exigência da forma as abranja, atento o disposto pelo artigo 221º, nºs 1 e 2, o que não acontece, no caso em apreço, em que se convencionou a antecipação do pagamento da totalidade do preço, relativamente à data da celebração da escritura, e só na parte abrangida pela eficácia probatória dos documentos é vedada a prova testemunhal, nomeadamente, por terceiros contra as partes, com base no disposto pelo artigo 394º, nºs 1 e 3, todos do CC[9].
Na verdade, tem-se afirmado, de modo repetido, que o Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nºs 1, 2 e 3 e 674º, nº 3, do CPC.
Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respetiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º, do CPC.
Assim sendo e, em síntese, compete às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, destinada a averiguar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes[10].
Por outro lado, tendo a Relação reapreciado, no acórdão recorrido, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância, não cabe do mesmo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do preceituado pelo artigo 662º, nºs 1 e 2, c) e 4, do CPC.
Efetivamente, o acórdão recorrido decidiu a causa, dando como provados ou como não demonstrados certos factos e, para reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, a Relação procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise do teor dos documentos existentes nos autos, examinando as provas e motivando a decisão, adquirindo os elementos de convicção probatória, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do CPC, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal.
E, assim, este Supremo Tribunal de Justiça aceita que se devem considerar demonstrados os seguintes factos que o Tribunal da Relação entendeu declarar provados, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC, mas que reproduz:
1 - Encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o nº 8570/98.08.25, a sociedade “QQ-…, Lda.”, que tem como objecto a participação e gestão de toda a espécie de investimentos mobiliários e imobiliários, nomeadamente, a consultadoria imobiliária, participação e gestão de empreendimentos turísticos e imobiliários, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, podendo ainda arrendar e administrar (A);
2. Mostra-se inscrito, na matrícula referida em A), mediante a Ap. 27/2000.09.28, o acto de nomeação de gerentes, para o triénio 2000/2002, por deliberação de 2000.09.13, de TT e de UU (B);
3. Mostra-se inscrito, na matrícula referida em A), mediante a Ap. 34/03.05.07, o acto de nomeação de gerentes, para o triénio 2003/2005, de BB e TT, estes designados pela sócia “II, Lda.” e de VV e UU, estes designados pela sócia “AA, S.A.” (C);

4. No dia 13 de Setembro de 2000, entre “II, Lda.”, na qualidade de promitente-vendedora e “QQ, Lda.”, na qualidade de promitente-compradora, foi celebrado o acordo intitulado de Contrato Promessa de Compra e Venda, constante de fls. 545 a 549, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos e do qual consta, designadamente, que:

(…) Cláusula Primeira: Pelo presente contrato, a promitente vendedora promete vender à promitente compradora, que lhe promete comprar, para revenda ou construção, os imóveis anteriormente identificados no considerando D) dos quais a promitente vendedora é proprietária e legítima possuidora;

Cláusula Segunda: O preço global de compra e venda dos referidos imóveis é de Esc.: 700.000.000$00 (setecentos milhões de escudos);

Cláusula Terceira: O preço referido na cláusula anterior será pago do seguinte modo: a) A quantia de Esc.: 430.000.000$00, com a assinatura do presente contrato promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, que a promitente vendedora declara ter recebido e da qual dá quitação; b) A quantia de Esc.: 270.000.000$00, a pagar de acordo com um calendário que será elaborado em separado e acordado entre as partes (…) (D);

5. Por documento particular, intitulado de Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 12 de Dezembro de 2001, LL e MM, representados por RR, declararam prometer vender a VV e XX que, na qualidade de gerentes e em representação da sociedade “QQ-…, Lda.”, declararam prometer comprar, o prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o nº …, da Freguesia de ..., e inscrito na matriz predial, sob o art. 16º, folha da carta AC, da mencionada Freguesia, nos termos que constam do documento junto de fls. 35 a 41 dos autos de providência cautelar, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos (E);

6. Consta da Cláusula Terceira do escrito referido em 5) que o prédio rústico é prometido vender e comprar, pelo preço de Esc.: 220.000.000$00 (duzentos e vinte milhões de escudos), o qual será pago, pelo seguinte modo:

a) Com a assinatura do presente Contrato Promessa, a representada dos Segundos Contraentes entregou aos representados dos Primeiros Contraentes, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de Esc.: 66.000.000$00 (sessenta e seis milhões de escudos), importância esta que o Primeiro Contraente na qualidade em que intervém, declara terem os seus representados recebido e da qual dá total e plena quitação;

b) A restante quantia para perfazer o total do preço acordado de Esc.: 154.000.000$00 (cento e cinquenta e quatro milhões de escudos) será paga no acto da outorga da escritura pública de compra e venda (F);

7. Consta da Cláusula Quarta do escrito referido em 5) que a escritura de compra e venda será celebrada no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data do presente Contrato Promessa de Compra e Venda, a qual será marcada pela representada dos Segundos Contraentes, que se obriga a comunicar aos representados do Primeiro Contraente, com a antecedência de 8 (oito) dias, a hora, dia e Cartório Notarial onde a mesma será outorgada (G);

8. Por procuração, outorgada no dia 27 de Maio de 2002, no Cartório Notarial de Vila do Bispo, os vendedores LL e MM, declararam que (.) pelo presente instrumento, constituem seus bastantes procuradores VV (…), BB (…), UU (…), TT (…), a quem conferem os necessários poderes para, com dispensa de prestação de contas, cada um de per si, em nome e representação dos mandantes, prometerem vender e venderem, a quem quiserem e pelo preço e demais condições que muito bem entenderem, prometerem permutar e permutarem, pelos bens e demais condições que muito bem entenderem, o prédio rústico, sito em ..., com a área de vinte e um mil setecentos e setenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número onze mil cento e oitenta e dois, da Freguesia de ..., e inscrito na matriz, sob o artigo dezasseis, folha AC da mencionada Freguesia (…). Dão-lhes também poderes para assinarem contratos promessa de compra e venda, outorgarem escrituras de compra e venda, assinarem contrato promessa de permuta, outorgarem escrituras de permuta, com as cláusulas, preços, valores, bens e demais condições que muito bem entenderem aceitar, receberem sinais, preços, os bens ou valores permutados, darem e receberem quitações tornas e valores compensatórios; Mais lhes conferem poderes para hipotecarem o prédio atrás identificado, ou os prédios que se vierem a constituir a partir do mesmo, pela sua urbanização ou loteamento e consequentes desanexações, à segurança de dívidas e obrigações contraídas por quem quer que seja, nomeadamente, às dívidas e obrigações resultantes de contratos de mútuo, importâncias mutuadas, financiamentos de qualquer espécie, bem como de todas as obrigações derivadas de tais actos. Conferem-lhes ainda poderes para junto da Conservatória do Registo Predial, nomeadamente de Lagoa, em relação ao prédio atrás identificado, ou em relação aos que se vierem a constituir a partir deste prédio, requererem e autorizarem quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, nomeadamente, de aquisição e de hipoteca, averbamentos, cancelamentos e alterações à descrição (…); Os mandatários podem servir-se desta procuração para a prática de negócio consigo mesmo, nos termos do número um, do artigo duzentos e sessenta e um do Código Civil e, por conseguinte, podem, nomeadamente, intervir em actos em que sejam interessados. Os poderes constantes desta procuração, nos termos em que se acham expressos, são conferidos no interesse dos mandatários, pelo que é irrevogável, com toda a plenitude legal, nos termos do número três, do artigo duzentos e sessenta e cinco do Código Civil e os poderes nela conferidos não caducam por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco do Código Civil (…) (H);

9. A procuração, referida em 8), corresponde a uma minuta que foi elaborada e entregue pela “QQ, Lda.” aos autores chamados (I).

10. Por escrito, datado de 27 de Maio de 2002, constante de fls. 372 a 378, e cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos, LL, MM, UU, TT, VV e BB, estes dois últimos outorgando por si e em representação da sociedade “QQ-…, Lda.”, declararam que (…) entre as partes é estabelecido o presente acordo que visa regular o conjunto de obrigações assumidas pelos segundos outorgantes para com os primeiros, no âmbito do mandato irrevogável por estes conferido, em procuração, e que constam das cláusulas e condições dos artigos seguintes (…):

Primeiro: Os primeiros outorgantes conferiram hoje no Cartório Notarial de Vila do Bispo, aos segundos outorgantes, Dr. VV, BB, Dr. UU e Dr. TT, mandato irrevogável, em procuração a favor destes (…);

Os mandatários ficaram autorizados a servir-se da procuração para a prática de negócio consigo mesmo (…) e, por conseguinte, poderem, nomeadamente, intervir em actos em que sejam interessados;

Os poderes constantes da procuração, nos termos que se acham expressos, foram conferidos no interesse dos mandatários, pelo que é irrevogável, com toda a plenitude legal (…);

Segundo: Os segundos outorgantes, pessoas singulares, comprometem-se para com os primeiros outorgantes, no exercício do mandato que por estes lhes é conferido na procuração que se referiu no artigo anterior, a celebrar a escritura de venda do prédio acima identificado após a aprovação do deferimento do pedido de licenciamento ou autorização para a operação do seu loteamento, ou de urbanização de empreendimento turístico do mesmo, transaccionando-o como urbano, no prazo de 120 dias, a contar da data daquela aprovação, que os segundos outorgantes se comprometem a promover, por sua conta e exclusivo risco, elaborando os necessários projectos e documentação para o efeito, no que usarão da diligência de um bom pai de família e comunicando a celebração do acto aos primeiros outorgantes, nos oito dias imediatos à sua realização, comprometendo-se estes a assinar os requerimentos e demais documentação que se mostre necessária àquele fim, a apresentar na Câmara Municipal de Lagoa (…) (J)

11. O acordo, referido em 10), corresponde a uma minuta que foi elaborada e entregue, pela “QQ, Lda.” aos autores chamados (L);

12. No dia 29 de Maio de 2003, entre a “AA, S.A.”, “II, Lda.”, “QQ, Lda.”, “ZZ, S.A.”, VV e AAA, foi celebrado o Acordo Parassocial constante de fls. 350 a 363, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos, e do qual consta, designadamente, que (…):

I – (…) tendo as partes manifestado ainda interesse em simplificar e tornar célere os trâmites e procedimentos da fusão, a Primeira Outorgante adquirirá, previamente à fusão, a quota detida actualmente pela Segunda Outorgante (II) na Terceira Outorgante (QQ), representativa de 50% do capital social desta última, com o valor nominal de 1.072.500 euros, de modo a que, ficando a Primeira Outorgante titular das duas quotas representativas da totalidade do actual capital social da Terceira Outorgante, a fusão por incorporação possa observar e realizar-se em conformidade com os termos do disposto no art. 116º do Código das Sociedades Comerciais (…);

Um - O presente acordo tem por objecto regulamentar os termos e condições essenciais e subjacentes à relação de associação empresarial existente entre as Outorgantes e que se consolidará com a fusão por incorporação da Terceira Outorgante (QQ) na Primeira Outorgante (AA), incluindo os termos a observar e inerentes ao processo de fusão, bem como regular a relação de associação sob a forma societária que resultará dessa fusão;

Dois - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o presente acordo visa regulamentar ainda alguns aspectos relativos ao funcionamento da Sociedade resultante da fusão por incorporação da Terceira Outorgante na Primeira Outorgante e os direitos e obrigações dos accionistas (…);

Cláusula Nona: Pelo presente acordo e sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, as partes autorizam desde já a Segunda Outorgante a transmitir a favor do Senhor BB, actual sócio-gerente da Segunda Outorgante, todas as acções que esta sociedade passará a deter após a fusão por incorporação da Terceira Outorgante na Primeira Outorgante (…) (M);

13. Encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o nº …, a sociedade “AA-…, S.A.” que tem como objecto a construção e promoção de empreendimentos imobiliários, compra e venda de prédios para revenda, operações sobre imóveis, sua administração e exploração e a prestação de serviços conexos com tais actividades (N);

14. Por escritura pública, datada de 29 de Dezembro de 2004, a “AA-…, S.A.” incorporou, por fusão, a sociedade “QQ-…, Lda.” (O);

15. Numa carta, datada de 20 de Abril de 2006, dirigida à autora, o réu BB declarou que (…) vem pela presente renunciar ao cargo de administrador na referida sociedade.

Nos termos do disposto no art. 404º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, a minha renúncia tornar-se-á efectiva em 31 de Maio de 2006, ou em data anterior se, entretanto, for designado ou eleito substituto, pelo que dou por findas as minhas funções nessa data (…) (P);

16. O réu BB apôs a sua assinatura, na carta referida em 15), no dia 26 de Maio de 2006 (Q);

17. Mostra-se inscrito, na matrícula referida em 13), mediante a Ap. 45/2006.07.12, o acto de cessação de funções dos membros do conselho de administração, BB e TT, por renúncia, datada de 20 de Abril de 2006 (R);

18. Por escritura pública, datada de 21 de Abril de 2006, intitulada de Compra e Venda, BB, outorgando como procurador de LL e de MM, declarou vender à “DD, Lda.”, representada por CC, na qualidade de gerente, o prédio descrito em 5) e declarou já ter recebido o preço da venda de Euros: 3.500.000,00, nos termos que constam do documento junto de fls. 58 a 62 dos autos de providência cautelar, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos (S);

19. Mediante a Ap. 29/21.04.06, foi inscrito, na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, o acto de aquisição do prédio descrito em E), a favor da “DD, Lda.” (T)

20. No dia 25 de Maio de 2006, entre a “II, Lda.”, BB, TT, “ZZ, S.A.”, VV e AAA foi celebrado o denominado Acordo Global, constante de fls. 936 a 946 dos autos de providência cautelar, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos, e do qual consta, designadamente, que (…) considerando que:

a) É de mútuo interesse de todos os outorgantes, em particular dos actuais accionistas da AA, fazer cessar todas as relações existentes entre as partes no presente Acordo;

b) Que para além da posição accionista da II na AA existem outras relações económicas estabelecidas a que importa pôr cobro;

c) Que no passado dia 20 de Abril de 2006 os Senhores BB e TT apresentaram a sua renúncia ao cargo de membros do Conselho de Administração da AA (…);

É entre as partes ajustado um Acordo Global que se rege pelas seguintes cláusulas:

1. Objecto do Acordo:

1. Pelo presente acordo as partes fazem cessar todas as relações económicas que entre si mantinham, designadamente:

a) A detenção de participações sociais da AA por parte da II;

b) O Acordo Parassocial celebrado entre a II e os demais accionistas da AA;

c) O crédito detido pelos Senhores VV e AAA sobre a sociedade II;

d) Os créditos registados na contabilidade da AA sobre a II; (…);

4. Do Acordo Parassocial:

O Acordo Parassocial relativo à AA celebrado em 29 de Maio de 2003 é expressamente revogado no que respeita à II e aos Senhores BB e TT;

5. Da alteração da denominação social da AA:

1. A II e os Senhores BB e TT obrigam-se, por efeito do presente acordo, a alterar, no prazo máximo de seis meses, a contar da presente data, a denominação social da sociedade AA-…, S.A. (…); (…);

3. A II e os Senhores BB e TT obrigam-se, por efeito do presente Acordo, a não constituir, por si ou por terceiro, sociedade ou ente jurídico com denominação ou identificação, nem a promover o registo, por si ou por terceiro, de qualquer logótipo, marca, sinais distintivos do comércio ou designação comercial, confundível com a das sociedades AA e/ou de outras pertencentes ao grupo económico no qual a mesma se encontra inserida (…) (U);

21. Por escrito datado de 25 de Maio de 2006, a “II-…, Lda.”, representada pelo seu gerente BB, declarou vender a VV e AAA, as participações que detém na “AA-…, S.A.”, nos termos que constam do documento junto de fls. 297 a 301 dos autos de providência cautelar, cujo dizeres dou por, integralmente, reproduzidos (V);

22. No dia 13 de Julho de 2006, a “DD” requereu, na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, com urgência, o registo provisório da aquisição do prédio descrito em E), a favor da “PP, Lda.”, alegando (…) terem a venda acordada pelo preço de Euros: 3.525.000,00 (X);

23. No dia 13 de Julho de 2006, a “PP” requereu, na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, o registo provisório da hipoteca sobre o prédio descrito em E), a favor de “JJ, S.A.”, (…) para garantia de todas e quaisquer responsabilidades por ela assumidas ou a assumir, perante o JJ, decorrentes de todas e quaisquer operações bancárias, legalmente, permitidas, designadamente, mútuos (…), até ao limite de Euros: 3.525.000,00, concedidos e/ou a conceder pelo referido banco (Z);

24. Por escritura pública, datada de 25 de Julho de 2006, intitulada de Compra e Venda, “DD, Lda.”, representada por CC, divorciada, declarou vender à “PP, Lda.”, representada por GG, na qualidade de gerente, o prédio descrito em E) e declarou já ter recebido o preço da venda de Euros: 3.525.000,00, nos termos que constam do documento junto de fls. 79 a 83 dos autos de providência cautelar cujo teor dou por, integralmente, reproduzido (AA);

25. No dia 25 de Julho de 2006, foi outorgada escritura pública de hipoteca voluntária sobre o prédio descrito em E), a favor de “JJ, S.A.”, (…) para garantia do bom e pontual pagamento de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade representada do segundo outorgante “PP, Lda.”, perante o “JJ, S.A.”, provenientes de todas e quaisquer operações bancárias, legalmente, permitidas, designadamente, de contratos de mútuo (…), até ao limite global de três milhões quinhentos e vinte e cinco mil euros e respectivos acessórios, concedidos à referida sociedade (…), nos termos que constam do documento junto de fls. 84 a 93 dos autos de providência cautelar, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos (BB);

26. Mediante a Ap. 16/2006/07/13, foi inscrito, na Conservatória do Registo Predial …, o acto de aquisição provisória do prédio descrito em E), a favor da “PP, Lda.” (CC);

27. Mediante a Ap. 17/2006/07/13, foi inscrito, na Conservatória do Registo Predial de …, o acto de constituição de hipoteca voluntária provisória sobre o prédio descrito em E), a favor de “JJ, S.A.” (DD);

28. Encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o nº …, a sociedade “DD – …, Lda.”, que tem como objecto o exercício da actividade de construção, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, e a administração de propriedades próprias e alheias (EE);

29. São sócios da sociedade “DD – …, Lda.”, a sociedade “AA-…, S.A.” e CC (FF);

30. CC foi designada sócia gerente da sociedade “DD – …, Lda.” (GG);

31. A sociedade “AA-…, S.A.”, foi constituída por escritura pública, outorgada no dia 22 de Dezembro de 2005, por CC, BBB, TT, CCC e DDD (HH);

32. O réu BB interveio na escritura pública, referida em 31), para prestar o necessário consentimento à sua mulher, para a plena validade da transmissão do direito de propriedade de que ambos são titulares nos imóveis acima identificados (II);

33. O capital social da sociedade “AA-…, S.A.” foi realizado, na sua quase totalidade, em espécie, pela transferência para a sociedade de um apartamento e dois lugares de estacionamento, pertencentes a CC e BB (JJ);

34. BBB é filho de CC e BB (LL);

35. CC foi nomeada presidente do conselho de administração da sociedade “AA-…, S.A.” (MM);

36. BBB foi nomeado vice-presidente do conselho de administração da sociedade “AA-…, S.A.” (NN);

37. BB e CC celebraram casamento entre si, no dia ... de Abril de 1979 (OO);

38. No dia 27 de Abril de 2006, CC e BB requereram o seu divórcio por mútuo consentimento, na 1ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa (PP);

39. No dia 4 de Maio de 2006, foi decretado o divórcio de CC e BB (QQ);

40. Por escritura pública outorgada, no dia 23 de Maio de 2006, intitulada de partilha, CC e BB declararam proceder à partilha do património comum do dissolvido casal que formaram e que adjudicam a CC as participações da “II, S.A.”, “DD, Lda.” e “EE, Lda.” e a BB as participações da autora, nos termos que constam do documento, junto de fls. 449 a 458, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos (RR);

41. Actualmente, CC e BB retomaram a sua vida em comum, comportando-se como marido e mulher (SS);

42. A sociedade “PP, Lda.” foi constituída, no ano de 2002, com o capital social de Euros: 5.000,00 e com os sócios EEE, FFF, GGG e GG (TT);

43. Por escritura pública, datada de 8 de Junho de 2006, intitulada de Cessão de Quotas, Unificação, Aumento de capital e Alteração de Pacto, saíram da sociedade “PP, Lda.” os sócios EEE, FFF e GGG, por cessão das suas quotas a GG e HH, nos termos que constam do documento junto de fls. 126 a 131 dos autos de providência cautelar, cujos dizeres dou por, integralmente, reproduzidos (UU);

44. Na escritura pública, referida em UU), fixou-se a sede da sociedade “PP, Lda.”, na Rua …, nº …, piso um, na Freguesia do …, Concelho de … (VV);

45. Encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o nº …, a sociedade “II…, Lda.”, cujo objecto consiste na actividade de construção, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim e administração de propriedades próprias e alheias (XX);

46. Até Maio de 2006, BB e CC eram os únicos sócios e gerentes da sociedade “II-…, Lda.” (ZZ);

47. Aquando da fusão da autora e da sociedade “QQ, Lda.”, referida em O), a sociedade “II” passou a ser titular de 300.000 acções próprias da autora, com o valor unitário de Euros: 5,00 cada (AAA);

48. No dia 31 de Julho de 2006, foi debitado na conta nº …, de que a sociedade “PP, Lda.” é titular no “JJ, S.A.”, o montante de Euros: 3.525.000,00, com data valor de 7-25 (BBB);

49. Em 6 de Dezembro de 2006, o “JJ, S.A.” informou nos autos apensos de providência cautelar, que o empréstimo garantido com a hipoteca, mencionada em DD), foi, totalmente, amortizado (CCC);

50. Por documento escrito, datado de 13 de Março de 2007, o “JJ, S.A.” declarou autorizar o cancelamento total das inscrições hipotecárias C, a que correspondem as apresentações nºs … e …, que incidem sobre o prédio descrito, na Conservatória do Registo Predial de … (Algarve), sob o número …, Freguesia de ..., em virtude de já não interessarem aquelas inscrições hipotecárias, quanto ao referido prédio (…) (DDD);

51. O acto de cancelamento da hipoteca, referida em DD), foi registado, na Conservatória do Registo Predial …, mediante a Ap. 2007/03/15(EEE);

52. GG e HH são presidente e vogal da sociedade “HH, S.A.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, com o nº …, com o capital social de Euros: 1.000.000,00 (FFF);

53. GG é titular de uma quota de Euros: 62.349,97, no capital social de Euros: 249.398,96 da sociedade “III Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Predial …, com o nº … (GGG);

54. GG e HH são titulares de uma quota, no valor de Euros: 19.951,92, cada, no capital social de Euros: 99.759,60 da sociedade “JJJ, …, Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial …, com o nº … (HHH);

55. GG é titular de uma participação de Euros: 1.000,00, no capital social de Euros: 5.000,00 da sociedade “KKK, Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial …, com o nº … (III);

56. GG é titular de uma quota, no valor de Euros: 200.000,00, no capital social da sociedade “LLL, Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial …, com o nº … (JJJ);

57. GG tem uma participação social de Euros: 93.524,61, no capital social de Euros: 249.398,95 da sociedade “MMM, Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial …, com o nº … (LLL);

58. HH é titular de uma participação social de Euros: 250.000,00, no capital social de Euros: 500.000,00 da sociedade “NNN, Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial …, com o nº … (MMM);

59. Antes da incorporação da “QQ, Lda.” na autora, o preço de Esc. 220.000.000$00, convencionado no acordo referido em E), estava inscrito na contabilidade da primeira, sob a rubrica “adiantamentos a fornecedores” (1º).

60. Após a incorporação da “QQ, Lda.” na autora, o preço referido na resposta anterior passou a estar referenciado na contabilidade da segunda, também, sob a rubrica “adiantamentos a fornecedores” (2º).

61. Na escritura pública, referida na alínea O), VV e o réu BB, intervindo ambos na qualidade de administradores da autora e gerentes da “QQ, Lda.”, declararam, além do mais, o seguinte: “Que a administração e gerência das suas representadas elaboraram em conjunto um projecto de fusão mediante a transferência global do património da segunda «QQ – …, Limitada», para a Primeira «AA – …, S.A», e incorporação da Segunda na Primeira. (…) Que, tendo sido dado cumprimento a todas as disposições legais relativas à fusão, pela presente escritura, nas qualidades em que outorgam, declaram fundida na sociedade «AA – …, S.A» a sociedade «QQ – …, Limitada» mediante a transferência global para aquela de todo o património desta. (…) Que, em consequência da fusão, dão por extinta a sociedade incorporada. (…) ” (3º).

62. Posteriormente à celebração do acordo referido em E), LL e MM, de um lado, e a “QQ, Lda.”, de outro, acordaram que a parte do preço, mencionada em b) de F), seria paga antes da outorga da escritura pública (5º).

63. Acordaram, também, que seria emitida uma procuração irrevogável, a favor de quem a “QQ, Lda.” indicasse, como contrapartida do pagamento da totalidade do preço antes da celebração da escritura pública de compra e venda (6º).

64. Essa procuração tinha como finalidade garantir à “QQ, Lda.” que a escritura pública seria outorgada quando ela o entendesse e sem necessidade de intervenção dos vendedores (7º).

65. No momento da assinatura do acordo referido em E), a sociedade “QQ, Lda.” pagou a quantia de Esc.: 66.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, através do cheque nº …, do B… (8º);

66. No dia 27 de Maio de 2002, a sociedade “QQ, Lda.” pagou a LL, a quantia de Euros: 774.462,31, através do cheque nº …, do B… (9º);

67. O cheque, referido em 66), foi entregue pela sociedade “QQ, Lda.” para pagamento da parte do preço, referido em b) de F), acrescido de uma compensação pela prorrogação, por mais 60 dias, do prazo estipulado nos termos da alínea (10º).

68. Quando a procuração, referida em H), foi minutada e entregue pela “QQ, Lda.”, conforme referido em I), a intenção dessa sociedade foi garantir que a futura transmissão do prédio só pudesse ser feita para ela própria ou para quem ela indicasse (13º).

69. O facto, referido em 68), era do conhecimento do réu BB (14º).

70. Na determinação do preço da venda das participações, referida em V), foi considerado como pertencendo à autora o prédio descrito em E) (15º);

71. A sociedade “DD” não pagou ao réu BB o preço de Esc.: 3.500.000,00, declarado na escritura pública referida em S) (16º);

72. A sociedade “FF” não pagou à sociedade “DD” o preço de Esc.: 3.525.000,00, declarado na escritura pública, referida em AA) (17º);

73. Na Rua …, nº …, piso um, na Freguesia do …, Concelho de …, não existe qualquer referência ou placa indicativa da existência da sociedade “FF”, o mesmo sucedendo com as demais sociedades que têm instalações nessa morada e em cujo capital o réu GG participa (19º);

74. A empresa “FF” é uma empresa desconhecida no mercado imobiliário (20º);

75. E, na data da outorga da escritura referida em AA), não tinha capacidade financeira para adquirir o prédio descrito em E) (21º);

76. Os réus BB, CC e GG participaram nos negócios, referidos em S) e AA), com o objectivo de inviabilizarem a possibilidade de a autora vir a adquirir o prédio descrito em E) (22º);

77. A ré “JJ, S.A.” sabia que o financiamento garantido pela hipoteca, referida em DD), não iria ser utilizado no pagamento do preço do prédio à ré “DD” (25º);

78. A “JJ, S.A.” creditou na conta nº …, de que a sociedade “FF-…, Lda.” é titular, o montante de Euros: 3.525.000,00 (28º);

79. Foi o réu BB que apresentou a possibilidade de compra do prédio descrito em E) à sociedade “QQ, Lda.” (31º);

80. Os réus GG e HH desenvolvem projectos imobiliários e, se necessário, para cada um deles, constituem uma sociedade (33º);

81. GG exerce actividade na área do imobiliário, há cerca de 30 anos (36º);

82. A sociedade “HHH” permanece em actividade, há cerca de 30 anos, e construiu centenas de fracções autónomas, nos Concelhos de …, … e Sesimbra (38º);

83. A sociedade “JJJ, Lda.” construiu uma urbanização, no … (40º);

84. A sociedade “LLL, Lda.” construiu várias centenas de fogos em prédios (42º);

85. A sociedade “MMM, Lda.” construiu, em …, … e … (43º);

86. A sociedade “NNN, Lda.” efectuou a construção de edifícios (44º);

87. Quando foi estabelecida a parceria entre, por um lado, o réu BB e a ré “II, Lda.” e, por outro lado, a autora, a participação da ré “II, Lda.” consistiu em bens imóveis, no valor de Esc. 700.000.000$00, com a explicação que a parceria a que se refere a resposta é a parceria empresarial de construção e venda de empreendimentos de urbanização, na zona do Algarve, para a qual foram adquiridas as quotas representativas do capital social da sociedade “QQ, Lda.” (46º);

88. Enquanto durou a parceria, referida em 46), os accionistas da autora foram retirando verbas para se pagarem da quantia de Esc.: 215.000.000$00, com que tinham entrado, inicialmente (49º).

                     IV. DO ABUSO DE REPRESENTAÇÃO

IV. 1. Alegam, por fim, os recorrentes que “eliminando-se os Factos 64 e 68, a matéria de facto dada por assente é manifestamente insuficiente para se concluir pela verificação de abuso de representação”.

Como acabou de ser decidido em III., não se consideraram como «não provados» os factos 64 (7º) e 68 (13º), pelo que, face à estrutura da argumentação retórica das alegações dos recorrentes, dever-se-ia, sem mais, terminar a análise desta última questão, confirmando o acórdão recorrido.

Efetuando uma resenha do essencial da factualidade que ficou demonstrada, no que interessa à questão do abuso de representação, em consonância com o pedido deduzido pela autora de declaração de ineficácia e nulidade de dois contratos de compra e venda do prédio identificado, por simulação, importa atentar que, tendo a sociedade “QQ-…, Lda.”, como gerentes, para o triénio 2003/2005, o réu BB e TT, designados pela ré e sócia “II, Lda.”, VV e OOO, designados pela autora e sócia “AA, S.A.”, no dia 13 de Setembro de 2000, aquela ré “II, Lda.”, na qualidade de promitente-vendedora, celebrou um contrato promessa de compra e venda com a “QQ, Lda.”, na qualidade de promitente-compradora, nos termos do qual prometeu vender a esta, que lhe prometeu comprar, o imóvel descrito.

Posteriormente, por documento particular, intitulado contrato promessa de compra e venda, datado de 12 de Dezembro de 2001, os chamados LL e MM declararam prometer vender a VV e ao réu-recorrente BB, na qualidade de gerentes e, em representação da sociedade “QQ-…, Lda.”, o prédio rústico identificado, pelo preço de 220.000.000$00, que seria pago com a quantia de 66.000.000$00, que esta entregou aqueles, que a receberam e deram quitação, a título de sinal e princípio de pagamento, com a assinatura do presente contrato promessa, enquanto que a restante quantia de 154.000.000$00, seria paga, no acto da outorga da escritura pública de compra e venda, a celebrar, no prazo de 90 dias.
Após a celebração do referido acordo, datado de 12 de Dezembro de 2001, os chamados LL e MM, por um lado, e a “QQ, Lda.”, por outro, acordaram que a parte do preço remanescente de 154000000$00 seria paga antes da outorga da escritura pública, emitindo-se uma procuração irrevogável, a favor de quem esta indicasse, como contrapartida do pagamento da totalidade do preço antes da celebração da escritura pública de compra e venda, tendo essa procuração como finalidade garantir à “QQ, Lda.” que a escritura seria outorgada quando ela entendesse e sem necessidade de intervenção dos vendedores.
No dia 27 de Maio de 2002, a “QQ, Lda.” pagou ao chamado LL a quantia de €774.462,31, através do cheque nº …, do B…, relativa ao remanescente da parte do preço por satisfazer, acrescida de uma compensação pela prorrogação, por mais 60 dias, do prazo estipulado.
E, por documento outorgado, no dia 27 de Maio de 2002, os vendedores declararam que constituíam procuradores VV, o réu BB, estes dois outorgando, por si e em representação da sociedade “QQ-…, Lda.”, OOO e TT, a quem conferiram poderes para, cada um de per si, em nome e representação dos mandantes, prometerem vender e venderem, a quem quisessem e pelo preço e demais condições que muito bem entendessem, o prédio identificado, podendo os mandatários servir-se da procuração para a prática de negócio consigo mesmo, sendo os poderes constantes desta procuração conferidos no interesse dos mandatários.
IV. 2. A representação consiste, segundo a terminologia adotada pelo artigo 258º, CC, na pratica de um negócio jurídico, em nome de outrem, para que, na esfera jurídica deste, que nele não teve intervenção, mas pretendendo-se que tudo se passe, sob este ponto de vista, como se ele próprio tivesse agido, se produzam os respectivos efeitos[11], tratando-se de uma substituição na actividade jurídica, em nome de outrem[12], orientando-se o representante, como condição «sine qua non» da validade ou eficácia do mesmo, dentro dos limites dos poderes que lhe competem, desde que, em alternativa, o representado não realize, supervenientemente, a sua ratificação[13].
São requisitos imprescindíveis da existência da representação, tendentes à produção dos seus efeitos típicos, em conformidade com o disposto pelo artigo 258º, do CC, que o representante, declarando, em menor ou maior escala, uma vontade própria, conclua o negócio, em nome do representado, ou seja, a «contemplatio domini», para que a ligação ao dono do negócio seja reconhecível, e que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante, mas que não vale em relação a ele, que não é parte negocial, mas ao representado[14].
Assim sendo, os actos praticados pelo réu BB, na qualidade de representante, vinculam a autora, enquanto representada, se couberem dentro do seu poder de representação, ou seja, da sua legitimidade representativa.
E este poder de representação ou legitimidade representativa, enquanto pressuposto da eficácia da representação, traduz-se na suscetibilidade de integração do ato nos limites dos poderes que competem ao representante, cuja vinculação depende da existência do poder de representação.
A representação voluntária ou convencional, que aqui interessa considerar, resulta da procuração, negócio jurídico unilateral que se traduz num acto instrumental, pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, o qual, em relação a negócios jurídicos para os quais se exige a forma escrita, como acontece com a compra e venda de imóveis, impõe que a procuração assuma a forma escrita, em conformidade com o estipulado pelos artigos 262º, nºs 1 e 2 e 875º, do CC, e 80º, do Código do Notariado.
Ora, os actos praticados por um representante com falta total de poderes representativos ou com excedência dos poderes que lhe foram atribuídos [representante sem poderes ou «falsus procurator»] são ineficazes, em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio, desde que por ela não sejam ratificados, nos termos do disposto pelo artigo 268º, nº 1, do CC.

Por outro lado, há abuso dos poderes de representação, quando o representante, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, uma vez que este instituto pressupõe a existência de representação, ao contrário do que sucede na representação sem poderes, utiliza, conscientemente, esses poderes, em sentido, substancialmente, contrário ao seu fim ou às indicações do representado[15].

Com efeito, o negócio que uma pessoa, com abuso dos poderes de representação, celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, desde que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso, atento o estipulado pelos artigos 269º e 268º, nº 1, ambos do CC.

Nesta situação genérica do abuso dos poderes representativos, o representante exerce, formalmente, o poder que lhe pertence, mas para realizar, não já o interesse do representado, mas sim um outro interesse, próprio ou alheio, contrastante com aquele, verificando-se um conflito de interesses, com sacrifício do interesse do representado pelo representante a outro interesse, sendo a representação utilizada para atingir um fim diverso daquele para que foi conferida.

IV. 3. A isto acresce que o abuso de representação se apresenta ainda, para além da aludida formulação genérica do abuso dos poderes representativos, propriamente dito, numa formulação específica, que se verifica, no caso especial do denominado negócio consigo mesmo, em que o negócio é celebrado por uma só pessoa que intervém, simultaneamente, a título pessoal e como representante de outrem ou como representante, ao mesmo tempo, de mais de uma pessoa.

Neste caso, o conflito de interesses é manifesto, porquanto o representante conclui o negócio consigo mesmo ou, relativamente a si próprio, agindo, ao mesmo tempo, pelo representado e, pessoalmente, por si ou por outro representado[16].

Efetivamente, o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, é anulável, a não ser que o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração, ou que o negócio exclua, pela sua própria natureza, a possibilidade de um conflito de interesses, em conformidade com o preceituado pelo artigo 261º, nº 1, do CC.

A primeira parte do normativo legal, acabado de transcrever, consagra a figura do negócio consigo mesmo, «stricto sensu», ou do auto-contrato, ou seja, quando “o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração”, de modo a não poder duvidar-se que o representado previu e quis consentir nele, porquanto, assim, deixa de existir o perigo de o representante poder prejudicar o representado.

A isto acresce que as procurações que permitem ao procurador fazer negócios consigo mesmo são, livremente, revogáveis pelo representado, por simples vontade deste, excepto se, simultaneamente, das mesmas constar que são passadas, no interesse do próprio procurador (procuração «in rem suam» ou procurações, impropriamente, designadas por irrevogáveis), hipótese em que, só, então, ficam sujeitas ao regime previsto no artigo 265º, nº 3, do CC, ou seja, “não podem ser revogadas sem acordo do interessado salvo ocorrendo justa causa”.

Com efeito, mesmo no caso em que a procuração é conferida, também, no interesse do próprio procurador, a mesma pode ser revogada, com acordo de ambos ou ocorrendo justa causa.

E a revogação da procuração, como específica causa extintiva dos poderes representativos que contém, deve ser levada ao conhecimento de terceiros, por meios idóneos.

IV. 4. Efetuando uma síntese, ainda mais apertada, da factualidade relevante que importa considerar, ficou provado que, tendo a ré “II, Ldª”, sócia da “QQ, Lda.”, prometido vender a esta o imóvel identificado, os chamados LL e MM, por documento particular, datado de 12 de Dezembro de 2001, prometeram vender o mesmo ao réu BB, gerente da “QQ, Lda.”, designado pela ré “II, Ldª”, e a VV, na qualidade de gerente e em representação da “QQ, Lda.”, designado pela autora, acordando, posteriormente, que a respetiva parte remanescente do preço de 154000000$00, seria paga antes da outorga da escritura pública, emitindo-se uma procuração irrevogável, a favor de quem a “QQ, Lda.” indicasse, como contrapartida do pagamento da totalidade do preço antes da celebração da escritura pública de compra e venda, tendo essa procuração como finalidade garantir à “QQ, Lda.” que a escritura pública seria outorgada quando ela o entendesse e sem necessidade de intervenção dos vendedores, de modo a que a futura transmissão do prédio só pudesse ser feita para ela própria ou para quem ela indicasse, como era do conhecimento do réu BB.

Assim, por documento outorgada, no dia 27 de Maio de 2002, os vendedores declararam que constituíam procuradores VV, o réu BB, estes dois outorgando, por si e em representação da sociedade “QQ-…, Lda.”, OOO e TT, a quem conferiram poderes para, cada um de per si, em nome e representação dos mandantes, prometerem vender e venderem, a quem quisessem e pelo preço e demais condições que muito bem entendessem, o prédio identificado, podendo os mandatários servir-se da procuração para a prática de negócio consigo mesmo, sendo que os poderes constantes desta procuração eram conferidos no interesse dos mandatários.

Ora, tendo a sociedade “QQ, Lda.” pago aos chamados a quantia de €774.462,31, no dia 27 de Maio de 2002, pelo remanescente da parte do preço por satisfazer, acrescida de uma compensação pela prorrogação, por mais 60 dias, do prazo estipulado, através de escritura pública, datada de 21 de Abril de 2006, o réu BB, já após o acto de cessação de funções como membro do conselho de administração da sociedade autora, por renúncia, outorgando como procurador dos chamados, promitentes vendedores, declarou vender à ré “DD, Lda.”, representada pela ré CC, na qualidade de gerente, o prédio identificado e declarou, contrariamente à verdade do acontecido, já ter recebido o preço da venda de €3.500.000,00, e, por escritura pública, datada de 25 de Julho de 2006, a ré “DD, Lda.”, representada pela ré CC, declarou vender à ré “FF-…, Lda.”, representada pelo réu GG, na qualidade de gerente, o prédio ajuizado, declarando, também, em oposição à realidade do que se verificou, já ter recebido o preço da venda de €3.525.000,00.

Por escritura pública, datada de 29 de Dezembro de 2004, a autora “AA-…, S.A.” incorporou, por fusão, a sociedade “QQ-…, Lda.”, tendo aquela, previamente, à fusão, adquirido a quota detida, actualmente, pela ré “II” naquela sociedade incorporada.

Deste modo, tendo a sociedade “QQ-…, Lda.” pago a totalidade do preço alusivo à venda do imóvel realizada pelos chamados, não adquiriu a inerente titularidade do mesmo, vendo inviabilizada essa possibilidade, em virtude do conluio dos declarantes e declaratários nas escrituras de compra e venda do prédio, desde logo, entre o réu BB, já após o acto de cessação de funções como membro do conselho de administração da autora, por renúncia, e a ré “DD, Lda.”, e, depois, entre esta e a ré “FF-…, Lda.”, que criaram a aparência de duas compras e vendas quando a sua intenção foi, tão-só, a de impedirem a aquisição do domínio pela autora, já privada do valor do peço, embolsado pelos vendedores, com o fim de enganarem a autora, à custa do seu património e em proveito exclusivo dos réus que, assim, com o logro criado, fizeram sua a propriedade do imóvel.

É que a sociedade “QQ-…, Lda.”, apesar de não figurar no texto da procuração, de não ser sujeito da relação de representação, deve ser considerada um terceiro, directamente, interessado, sendo, assim, a representação exercida, tipicamente, no interesse desse terceiro interessado, que se deve procurar, não na relação de representação, propriamente dita, mas antes no conjunto formado pela procuração e pela relação subjacente[17], que é constituída pelo contrato promessa e não pelo contrato de mandato.

Com efeito, “se por exemplo do contrato promessa de compra e venda resultar que o promitente vendedor deverá outorgar uma procuração ao promitente-comprador para que possa celebrar o contrato definitivo sem necessidade de intervenção física daquele, estar-se-á perante um contrato promessa de compra e venda atípico, que é já apto para operar como relação subjacente”[18].

Não tendo os réus com o acordo estabelecido entre si querido celebrar qualquer contrato, face à divergência verificada entre a vontade declarada e a vontade real, mas tendo, através da encenação negocial criada, o intuito de enganar a autora, realizaram um negócio, absolutamente, simulado, que é nulo, com efeito retroativo, e que, apenas, é inoponível a terceiros de boa-fé que tenham adquirido, a título oneroso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 240º, nºs 1 e 2, 289º, nº 1 e 291º, nº 1, todos do CC, o que não é, porém, a situação dos réus.

IV. 5. Dizem ainda os recorrentes, a este respeito, que, considerando-se nulo o negócio, por simulação, sempre seria válido o negócio dissimulado, isto é, a doação, independentemente de a procuração usada pelo réu BB não lhe conferir poderes para doar, pois que tal equivaleria à celebração de um negócio, sem poderes de representação, cuja ineficácia só poderia ser arguida pelos representados e não pela autora.

Estipula o artigo 241º, nº 1, do CC, que “quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”, acrescentando o seu nº 2, que “se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”.

Por seu turno, o artigo 940º, nº 1, do CC, define a doação como “…o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.

Porém, na hipótese em presença, a procuração analisada, elaborada, aliás, em termos, extremamente, minuciosos, não confere quaisquer poderes para realizar doações, nem as vendas efectuadas revestiram a natureza de atos de liberalidade, nem afectaram os patrimónios dos intervenientes, tendo sido antes levadas a efeito, a expensas exclusivas do património da autora, como muito bem salienta o acórdão recorrido.

De todo o modo, o negócio latente ou dissimulado só será válido se as partes fizerem constar as declarações que integram o seu núcleo essencial de uma contradeclaração, escrito de reserva ou de ressalva, com os requisitos formais exigidos para esse negócio, pois que se não existir essa contradeclaração, sendo certo, todavia, que o tipo de formalismo exigido para o negócio dissimulado foi observado, embora do documento conste o negócio aparente e não o ato oculto, o negócio simulado é nulo, por simulação, e o negócio dissimulado é nulo, por vício de forma[19].

É que a exigência de escritura pública que cobriria, igualmente, o virtual negócio jurídico da doação e validaria, assim, o negócio dissimulado, em conformidade com o preceituado pelo artigo 241º, nº 2, do CC, “não visa apenas dar a conhecer com certeza plena a transmissão de bens, mas também a causa da transmissão (venda, doação, etc.)”, sob pena de “a solução contrária permitir provar uma doação de imóveis sem atender às exigências de certeza que a lei considerou necessárias, possibilitando inclusivamente que, onde houve uma simulação absoluta (venda fantástica), o pseudo-comprador venha alegar e provar uma doação dissimulada na realidade inexistente”[20].

De facto, não é suficiente que, no ato simulado, se tenha usado a forma exigida para o dissimulado, porquanto o negócio real, mas dissimulado, deve ser tratado em conformidade com as normas que valem para a sua celebração aberta, sendo, então, válido se nele tiverem sido observados os requisitos de substância e de forma que, para tanto, seriam necessários se o mesmo tivesse sido concluído em meio aberto, não sendo suficiente a observância da respectiva forma e, no caso, apenas estão presentes as declarações contrapostas de venda e de compra, embora coincidentes na mesma pessoa, e não qualquer disposição gratuita, por espírito de liberalidade.

IV. 6. Alegam, por fim, os recorrentes que a “QQ” autorizou os representantes, incluindo o réu BB, a vender o prédio a quem ele muito bem entendesse e quando entendesse, pelo que o negócio no qual este interveio como representante não foi celebrado contra as instruções e o interesse daquela.

Apesar de no texto da procuração se prever a concessão de poderes aos representantes para prometerem vender e venderem, a quem quisessem e pelo preço e demais condições que muito bem entendessem, o prédio identificado, era suposto que o réu BB, na altura, gerente da “QQ”, que já havia pago aos promitentes vendedores a totalidade do respectivo preço, declarasse vender aquela e não à ré “DD, Lda.”, representada pela ré CC, na qualidade de gerente, que nada havia pago, o mencionado prédio, considerando a natureza sinalagmática do contrato de compra e venda e ainda que o representante não pode ser o único intérprete dos interesses em conflito, sem que da sua actuação possam vir a resultar prejuízos para o representado[21], só, assim, garantindo a lealdade de comportamento que o representante deve assumir, para poder, de boa fé, gerir a conflitualidade dos interesses em presença, de forma a estabelecer o necessário equilíbrio entre ambos.

Ora, confundindo-se, na hipótese em apreço, a situação de representante e de contraparte, que, naturalmente, conhecia do abuso dos seus poderes de representação, não se verifica a excepção da eficácia do negócio, em relação ao representado, como aconteceria se a outra parte não conhecesse nem devesse conhecer do abuso[22].

A relação pessoal de fidúcia do representado no representante, implicada na outorga de poderes representativos, na particular situação do autocontrato, requer uma empenhada e eficaz defesa dos interesses prosseguidos, devendo aquele agir com imparcialidade, probidade e moralidade, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado, que confiou na sua honesta actuação[23].

Improcedem, portanto, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista dos réus recorrentes.

CONCLUSÕES:

I - A questão nova não é susceptível de vir a obter um novo enquadramento jurídico, em sede de recurso, mas antes uma primeira e definitiva abordagem, pelo que, a menos que se reconduza a uma hipótese de conhecimento oficioso, está vedado, até com base no princípio da estabilidade da instância, ao Tribunal Superior a sua apreciação, que não pode conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi, por falta de atempada invocação.

II - No incidente da intervenção principal provocada, o chamamento ao processo é desencadeado por alguma das partes iniciais com interesse em alargar o âmbito da eficácia subjectiva da decisão aos chamados, terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária.

III – O incidente da intervenção principal provocada ou da pluralidade subjectiva subsidiária superveniente tem aplicação, quer ocorra preterição do litisconsórcio necessário, quer nos casos de litisconsórcio voluntário, ou seja, em que a relação material controvertida respeite a várias pessoas, destinado a chamar a juízo algum litisconsorte do réu que não haja sido demandado, inicialmente, quer para chamar a intervir um terceiro contra quem o autor pretenda dirigir o pedido, no quadro da pluralidade subjectiva subsidiária, o que deve ser possível, tanto nas situações de litisconsórcio, como de coligação.

IV - A mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objecto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, pelo que só em caso de procedência da acção passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, como a legitimidade material e, assim, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva.

V - Os simuladores, contra quem a acção foi proposta pelo autor, terceiro de boa-fé, gozam de legitimidade passiva, ou melhor, é-lhes oponível a simulação.

VI - A regra geral constante do artigo 364º, nº 1, do CC, de que os documentos autênticos são exigidos como formalidades «ad substantiam», sob pena da nulidade do negócio que as não observar, salvo se constar de documento com força probatória superior, só têm aplicação às declarações negociais ou outros elementos que devam constar do teor do documento.

VII – As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não constituem um elemento essencial que deva constar de declaração negocial e do documento que a formaliza, sendo de aceitar qualquer espécie de prova para se averiguar se tais circunstâncias existiam à data do contrato, foram o seu fundamento e sofreram uma alteração anormal.

VIII - A convenção sobre a antecipação do pagamento da totalidade do preço relativamente à data da celebração da escritura, não se encontrando abrangida pela eficácia probatória do documento, não está excluída da prova testemunhal, nomeadamente, por terceiros contra as partes.

IX - Os actos praticados pelo representante vinculam o representado se couberem dentro do seu poder de representação, ou seja, da sua legitimidade representativa, que se traduz na susceptibilidade de integração do acto nos limites dos poderes que competem ao representante, cuja vinculação depende da existência do poder de representação.  

XI - Há abuso dos poderes de representação quando o representante, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza, conscientemente, esses poderes, em sentido, substancialmente, contrário ao seu fim ou às indicações do representado, sendo ineficaz o negócio em relação este, porque celebrado, em nome de outrem, se não for por ele ratificado, desde que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso.

XII - A formulação específica do abuso de representação verifica-se, no caso especial do denominado negócio consigo mesmo, em que o negócio é celebrado por uma só pessoa que intervém, simultaneamente, a título pessoal e como representante de outrem ou como representante, ao mesmo tempo, de mais de uma pessoa, em que o conflito de interesses é manifesto, porquanto o representante conclui o negócio consigo mesmo ou, relativamente a si próprio, agindo, ao mesmo tempo, pelo representado e, pessoalmente, por si ou por outro representado.

XIII – Não figurando uma determinada entidade no texto da procuração, não sendo, assim, sujeito da relação de representação, deve ser considerada um terceiro, directamente, interessado, sendo, então, a representação exercida, tipicamente, no interesse desse terceiro interessado, que se deve procurar, não na relação de representação, propriamente dita, mas antes no conjunto formado pela procuração e pela relação subjacente, que é constituída pelo contrato promessa e não pelo contrato de mandato.

XIV – Não tendo os réus com o acordo estabelecido entre si querido celebrar qualquer contrato, face à divergência verificada entre a vontade declarada e a vontade real, mas tendo, através da encenação negocial criada, o intuito de enganar o autor, realizaram um negócio, absolutamente, simulado, que é nulo, com efeito retroativo, e que, apenas, é inoponível a terceiros de boa-fé que tenham adquirido, a título oneroso.

XV - O negócio dissimulado só será válido se as partes fizerem constar as declarações que integram o seu núcleo essencial de uma contradeclaração, escrito de reserva ou de ressalva, com os requisitos formais exigidos para esse negócio.

XVI - Não existindo essa contradeclaração, sem embargo de o tipo de formalismo exigido para o negócio dissimulado ter sido observado, constando do documento o negócio aparente e não o ato oculto, o negócio simulado é nulo, por simulação, e o negócio dissimulado é nulo, por vício de forma, pois que a exigência de escritura pública não visa apenas dar a conhecer com certeza plena a transmissão de bens, mas também a causa da transmissão.

XVII - O negócio real, mas dissimulado, só é válido se nele tiverem sido observados os requisitos de substância e de forma que, para tanto, seriam necessários se o mesmo tivesse sido concluído em meio aberto, não sendo suficiente a observância da respectiva forma.

XVIII - A natureza sinalagmática do contrato de compra e venda e a relação pessoal de fidúcia do representado no representante, na particular situação do autocontrato, determina que o representante não pode ser o único intérprete dos interesses em conflito, sem que da sua actuação possam vir a resultar prejuízos para o representado, requerendo-se uma empenhada e eficaz defesa dos interesses prosseguidos, de modo a estabelecer o necessário equilíbrio entre ambos.

DECISÃO[24]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista dos réus recorrentes, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

                                                           *

Custas da revista, a cargo dos réus recorrentes.

                                                  *

Notifique.

Lisboa, 2 de Junho de 2015

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa


_______________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório de Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, 182 e ss.
[3] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, I, 3ª edição, revista e actualizada, 1999, 73 e 74.
[4] Barbosa de Magalhães, Legitimidade das Partes, Gazeta Relação Lisboa, 32º, 1919, 274 e 275.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, O Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, 48.
[6] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 477; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 198.
[7] STJ, de 3-3-1998, BMJ nº 475, 610.
[8] RLx, de 7-5-1975, BMJ nº 248, 459.                                                                                                                                        
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, 211, 212, 343 e 344; Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ nº112, 208 e ss.
[10] STJ, de 25-2-2003, CJ (STJ), Ano XI (2003), T1, 109; STJ, de 30-1-97, Pº nº 96B751/96, 2ª secção;
STJ, de 14-1-97, Pº nº 605/96, 1ª secção, www.dgsi.pt
[11] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 285 e 286.
[12] Santoro-Passarelli, Teoria Geral de Direito Civil, 1967, 225.
[13] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 285 e 286; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 240 e 241; Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1966/67, 272.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 240; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 548.
[15] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 249 e 250; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 550; Mário Brito, Código Civil Anotado, 1º, 329; Rui de Alarcão, Breve Motivação do Anteprojecto sobre o Negócio Jurídico na Parte Relativa ao Erro, Dolo, Coacção, Representação, Condição e Objecto Negocial, BMJ nº 138, 103 a 106.
[16] Santoro-Passarelli, Teoria Geral de Direito Civil, 1967, 244 e 245.
[17] Pero Pais Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, 2012, 111.
[18] Pero Pais Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, 2012, 73.
[19] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 473 a 475; Vaz Serra, RLJ, Ano 103º, 361 e ss.; STJ, de 10-4-1980, RLJ, Ano 114º, 310, com anotação de Vaz Serra.
[20] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 475 e nota (618).
[21] Vaz Serra, Contrato Consigo Mesmo, RLJ, Ano 91, 228 a 231.
[22] Maria Helena Baía, A Representação sem Poder, Revista Jurídica, nºs 9 e 10, 1987, 17 a 19 e 50.
[23] STJ, de 17-12-2009, Pº nº 365/06, TBALSB.C1.S1, www.dgsi.pt
[24] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.