Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3045/12.4TBVLG-B.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Data do Acordão: 09/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS.
Doutrina:
- Ana Prata, Morais de Carvalho e Rui Simões, “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas2 Anotado, 2013, 386/391.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas” Anotado, 2ª edição, 130.
- Mariana França Gouveia, Verificação do Passivo, Revista Themis, Edição Especial, 2005, Novo Direito da Insolvência, 156.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.ºS 1 E 2, 130.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18 DE SETEMBRO DE 2007; E DE 25 DE NOVEMBRO DE 2008, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I A ausência de impugnação da lista definitiva de créditos não implica sem mais a produção de uma sentença homologatória «cega» por um eventual efeito cominatório pleno.

II O artigo 130º, nº3 do CIRE conjugado com os princípios processuais gerais que conferem ao juiz poderes de gestão e de direcção do processo, permite e impõem que este afira da bondade formal e substancial dos créditos constantes da lista apresentada pelo Administrador de Insolvência.

III O conceito de «erro manifesto» a que alude o mencionado normativo não se reduz apenas à categoria do mero erro formal, podendo abranger razões ligadas à substância dos créditos em apreço o que poderá ser objecto de censura por parte do Tribunal mesmo que os aludidos créditos não tenham sido objecto de qualquer impugnação.

(APB)

.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUTIÇA

I Nos autos de insolvência de J P e I F, foi fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos na sentença que a declarou, findo o qual a Administradora da Insolvência procedeu à junção aos autos da lista definitiva dos créditos reconhecidos, nos termos do disposto no artigo 129º do CIRE.

Tal lista de credores foi inicialmente alvo de impugnação que veio a ser deferida e na sua sequência rectificada.

Foi reconhecido, nessa lista definitiva, o crédito reclamado por R e B, ora Recorrentes, no valor de 122.205,63, como crédito comum, resultante de duas fianças prestada por estes em contratos em que eram obrigados principais os Insolventes a favor do Banco X, SA, como crédito sob condição nos termos do artigo 50º nº 1 do CIRE.

O crédito do Banco X, SA, no valor de 263.999,55€ que englobava empréstimos concedidos aos insolventes e garantidos, em parte, pelas referidas fianças, foi também reconhecido nessa lista apresentada pela AI.

Em 17 de Fevereiro de 2014 foi proferida sentença do seguinte teor:

Nos termos do nº 3, do art. 130º, do CIRE, «se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista».

No caso em apreço, por não ter sido impugnada, homologo a lista de credores reconhecidos”.

Seguiu-se a graduação de créditos, tendo o crédito condicional, dos Reclamantes/Recorrentes, sido graduado como crédito comum e o crédito do Banco X, SA, no valor de parcial de 246.154,69€ foi graduado como crédito garantido por hipoteca sobre o bem imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº …. e no restante, como crédito comum, tendo os Insolventes, inconformados com esta decisão, recorrido de Apelação

O segundo grau, veio a julgar a Apelação procedente e considerou não verificado o crédito sobre a insolvência dos Reclamantes/Recorridos, R e B, no montante de 122.205,63€ que havia sido reconhecido na lista do Administrador de Insolvência e homologada pela sentença recorrida.

Inconformados com este Aresto vêm agora os Reclamantes fiadores interpor recurso de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Pelos aqui recorridos foi apresentado recurso de apelação à sentença de verificação e graduação de créditos proferida pela primeira instância do processo e das alegações e conclusões apresentadas por aqueles apenas resulta que pretendiam ver extinto o direito de crédito dos aqui reclamante pela via do pagamento.

- Os aqui recorridos nunca puseram em causa a legitimidade dos aqui recorrentes para reclamar ou não o seu crédito.

- Estabelece o artigo 637°, n°. 2 do Código de Processo Civil que “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.”.

- E o artigo 639°, nº. 1 do mesmo diploma estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”

- Apesar de ter considerado que os insolventes-apelantes invocaram uma “amálgama de questões novas”, o Tribunal a quo não solicitou àqueles que viessem completar as suas alegações e conclusões tal como define o artigo 639°, n", 3 do CPC

- Não se compreende como aquela instância se distanciou da impugnação efectuada pelos aqui recorridos, para se pronunciar sobre matéria que por aqueles nunca foi posta em

causa.

- Entendem por isso os aqui recorrentes que andou mal o Tribunal da Relação do Porto, e tendo-se pronunciado sobre uma questão de que não podia conhecer, é tal acórdão nulo nos termos do disposto no artigo 615°, nº. 1, alínea d) do CPC por remissão do artigo 666°, n°. 1 do mesmo diploma.

- O Acórdão de que se recorre omitiu a pronúncia quanto a uma questão essencial e que foi levantada pelos aqui recorrentes - a falta de impugnação da lista de créditos reconhecida pela Administradora Judicial e notificada às partes.

- Nos autos de insolvência em crise, foi junta uma lista provisória de credores que foi alvo de impugnação.

- Em 21/11/2013 a Administradora de Insolvência juntou aos autos nova lista de credores, a qual foi notificada às partes em 27/11/2013, e que nunca foi alvo de impugnação por parte dos aqui recorridos.

- Ora, não tendo os aqui recorridos impugnado a referida lista, não podem por via de recurso de apelação da sentença de verificação e graduação de créditos, obter o resultado pretendido e pelo qual não pugnaram com os mecanismos legais ao seu dispor, nomeadamente a impugnação da lista de créditos apresentada em 21/11/2013 e que lhes foi comunicada em 27 /11/2013.

- Mesmo tendo sido alertado para tal facto o Tribunal da Relação do Porto não se pronunciou por uma questão que, entendemos, e prévia ao conhecimento do recurso.

- Andou mal o Tribunal da Relação do Porto ao não se pronunciar sobre a questão da falta de impugnação da lista definitiva de créditos junta aos autos e comunicada aos aqui recorridos que pretendem por via de recurso, obter um resultado não obtido em momento anterior por não terem impugnado a referida lista, é tal acórdão nulo nos termos do disposto no artigo 615°, n°. 1, alínea d) do CPC por remissão do artigo 666°, nº. 1 do mesmo diploma.

Não foram apresentadas contra alegações.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito do presente recurso as de saber: i) se o Acórdão recorrido é nulo por se ter pronunciado sobre questão sobre a qual se não podia pronunciar; ii) se o mesmo Acórdão é nulo por ter omitido a pronuncia sobre uma questão suscitada pelos aqui Recorrentes.  

Com interesse para a economia da decisão proferenda, encontram-se assentes os seguintes factos:

- Os aqui Recorrentes R e B, reclamaram o valor de 122.205,63, como crédito comum, resultante de duas fianças prestada por estes em contratos em que eram obrigados principais os Insolventes a favor do Banco X, SA, como crédito sob condição nos termos do artigo 50º nº 1 do CIRE.

- Tal crédito veio a ser reconhecido pela AI.

- O crédito do Banco X, SA, no valor de 263.999,55€ que englobava empréstimos concedidos aos insolventes e garantidos, em parte, pelas referidas fianças, foi também reconhecido nessa lista apresentada pela AI.

- Porque os créditos reclamados não foram objecto de impugnação em 17 de Fevereiro de 2014 foi proferida sentença homologatória nos termos do nº 3, do artigo 130º, do CIRE, com a graduação de créditos, tendo o crédito condicional, dos Reclamantes/Recorrentes, sido graduado como crédito comum e o crédito do Banco X, SA, no valor de parcial de 246.154,69€ foi graduado como crédito garantido por hipoteca sobre o bem imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº… e no restante, como crédito comum.

Vejamos então as duas questões solvendas – as arguidas nulidades de excesso e omissão de pronuncia -  que se interligam e por isso irão ser vistas em conjunto.

Dispõe o artigo 130º do CIRE, no seu nº 3 o seguinte: «Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste da lista.».

A impugnação efectuada em sede de argumentário conclusivo contra a decisão de segundo grau, baseia-se, por um lado, na circunstância de aí se ter conhecido da «inexistência» do crédito dos Reclamantes/Recorridos quando tal crédito, porque não impugnado em sede própria, teria de ser tido como reconhecido.

O Acórdão impugnado sustentou a sua decisão nos seguintes argumentos:

«(…) Nas conclusões de recurso, os insolventes-apelantes invocam uma amálgama de questões novas, como sejam a liquidação da dívida dos insolventes ao Banco (…), SA, a extinção do crédito verificado a este credor e a extinção das fianças prestadas pelos ora recorridos e a sub-rogação legal dos ora recorridos no crédito do aludido Banco.

Ora, o tribunal a quo não conheceu, nem poderia conhecer na sentença recorrida dessas questões, dado que não foram suscitadas pelos ora apelantes em sede de impugnação da lista de créditos reconhecidos pelo AI.

Apenas uma questão deve ser conhecida em sede deste recurso da sentença de verificação de créditos proferida pelo tribunal a quo e que é a verificação do crédito reclamado por R(…) e B(…), nos termos em que o foi pela sentença recorrida.

Em suma e independentemente da sua bondade, as questões colocadas pelos apelantes, são questões de direito e que apenas foram agora colocadas em alegações de recurso e sobre as quais o tribunal a quo nunca se pronunciou, nem devia pronunciar, porque não são de conhecimento ex officio do tribunal e daí que também não possam ser por nós apreciadas em sede de recurso.

Resulta do disposto no artº 676º, nº 1 e 690º CPC e é doutrina e jurisprudência pacífica e constantemente reiterada, que os recursos no nosso sistema judicial são meios de reexame de decisões erradas ou injustas, e não oportunidade para provocar decisão sobre questões novas que não hajam previamente sido submetidas à consideração do tribunal de hierarquia inferior – Ac. do STJ de 02.5.85 (BMJ ,347 ,p.363), de 9-03-93, in BMJ, 425, p.438 e de 26.11.1980, BMJ 301, p. 384, entre outros, citados por Amâncio Ferreira – Manual dos Recursos em Processo Civil, págs. 155, 7ª edição e Cons. Rodrigues Bastos, Recursos, 1980, p. 91.

Assim, a questão em litígio acima anunciada consiste em saber se os fiadores ora recorridos podiam reclamar o seu crédito e o mesmo ser verificado nestes autos.

Ora, dispõe o artº 128º CIRE, aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18.3 que:

1-     Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência…reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham…

2-     O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado no seu domicílio profissional ou para aí remetido por via postal registada…

3-     A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.

Dispõe o artº 129º, nº 1, CIRE que, “nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como aqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”.

O nº 3 deste normativo prescreve que “a lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento”. 

Apresentada a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, pode qualquer interessado, nos dez dias seguintes, impugnar a referida lista, por requerimento dirigido ao juiz competente, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, nos termos do artº 130º, nº 1 CIRE.

Por sua vez, o nº 3 deste normativo prescreve que “se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que consta dessa lista”.

Ora como supra se evidenciou a sentença proferida em 17.2.2014, aplicando a norma do artº 130º, nº 3, CIRE, atribuindo efeito cominatório à falta de impugnações da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, homologou aquela lista.

É contra essa homologação no que diz respeito ao crédito de

R(…) e B, no valor de 122,205,63€, crédito esse reconhecido pelo AI sob condição nos termos do artº 50º, nº 1 CIRE, que reagem os insolventes por via deste recurso.

Ora, cremos que a sentença recorrida não se deveria limitar a homologar sem mais a referida lista, antes deveria rejeitar o crédito reclamado e reconhecido pelo AI pelos recorridos, por ocorrer erro manifesto- vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Iuris, , 2008, p.456 vº e Ac TRP, de 21.01.2013 (Manuel Domingos Fernandes).

Com efeito, resulta dos autos que o crédito dos recorridos foi reclamado e reconhecido pelo AI como crédito resultante da sua qualidade de fiadores dos insolventes em contratos de crédito, celebrados em 21.1.2003, em que são devedores originários ou principais os insolventes e credor o Banco (…), SA., pelo que foi reconhecido pelo AI como condicional, nos termos do artº 50º, nº 1 CIRE. Mas o crédito originário foi também reconhecido ao credor originário pelo AI e na sentença recorrida.

Nesta situação, prescreve o artº 95º, nº 2 CIRE que “O direito contra o devedor insolvente decorrente de eventual pagamento futuro da dívida por um condevedor solidário ou por um garante só pode ser exercido no processo de insolvência, como crédito sob condição suspensiva, se o próprio credor da referida dívida a não reclamar”.

Há que distinguir duas situações. Se antes de declarada a insolvência, o fiador cumpriu a obrigação, fica sub-rogado no direito do credor, nos termos do artº 644º Código Civil (sub-rogação legal nos termos do artº 592º, nº 1, CC) pelo que terá de reclamar o crédito. Sendo declarada a insolvência do devedor e não tendo o fiador efectuado qualquer pagamento, este poderá reclamar no processo o seu direito contra o devedor insolvente, decorrente de um eventual pagamento futuro da dívida, como crédito sob condição suspensiva. Sucede, porém, que tal só ocorrerá se o próprio credor não o reclamar. Se este o tiver feito, os co-obrigados ou garantes ficam privados do exercício de tal faculdade.

Deve entender-se que a condição suspensiva é a de o pagamento pelo devedor solidário ou garante vir a realizar-se. Entende-se, pois, a solução do legislador, uma vez que “o crédito a que se refere o pagamento não foi reclamado no processo de insolvência, não havendo, por isso, duplicação na situação passiva da massa.” Se algum co-obrigado ou garante vier a pagar, demonstrando essa situação, assume a posição do credor originário na parte que se vier a apurar (artigo 47º n.º 3 CIRE).

Esta é a opinião dos autores e na obra citada “se o titular do crédito sobre o insolvente o reclamar no processo, já os outros co-obrigados e garantes ficam privados de exercer a faculdade de reclamação por crédito futuro mesmo condicional. Se então vierem a pagar, o que se passa é que, demonstrada a situação no processo, assumem a posição do credor originário na parte que couber (Cfr. Artº 47º, nº 3, CIRE)”.(…)».

Insurgem-se os Recorrentes contra o Acórdão impugnado uma vez que na sua tese o mesmo se pronunciou sobre questão que não se podia pronunciar, sendo por isso nulo de harmonia com o disposto no artigo 615°, nº1, alínea d) do NCPC por remissão do artigo 666°, n°1 do mesmo diploma.

O excesso de pronúncia, apanágio do vicio que vem imputado ao Aresto, consiste, no dizer dos Recorrentes, na circunstância de o segundo grau ter conhecido de matéria que nunca foi posta em causa pelos Insolventes no âmbito dos autos de reclamação, maxime, a legitimidade dos Recorrentes para reclamarem o seu crédito.

Todavia, os Insolventes, aqui Recorridos, puseram em causa a sentença homologatória, por entenderem que a mesma considerou erroneamente o crédito dos Recorrentes, o qual estaria extinto e foi deste erro, e não de quaisquer outras questões, também suscitadas, que a segunda instância curou, como poderia curar, o que acaba por ser reconhecido por aqueles nas suas conclusões.

Se não.

Ao contrário do que sustentam os Recorrentes, a ausência de impugnação da lista definitiva de créditos não implica sem mais a produção de uma sentença homologatória «cega» por um eventual efeito cominatório pleno.

Tal asserção embora não resulte inequivocamente do preceituado no artigo 130º, nº3 do CIRE, é-nos dada pelos elementos doutrinários e jurisprudenciais coadjuvantes, no que tange à interpretação do mencionado preceito, levando-nos a uma leitura ampla do mesmo, permitindo e impondo ao Juiz que afira da bondade formal e substancial dos créditos constantes da lista apresentada pelo AI, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, 2ª edição, 130; Ana Prata, Morais de Carvalho e Rui Simões, Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, 2013, 386/391; Ac STJ de 18 de Setembro de 2007 (Relator Fonseca Ramos; e de 25 de Novembro de 2008 (Relator Silva Salazar), in www.dgsi.pt.

Aliás, se assim não fosse, estaria, quiça, vedada às partes uma qualquer interposição de recurso de tal sentença homologatória, a qual só poderia ser objecto de uma eventual correcção se se verificasse um mero erro formal, reduzindo-se a esta categoria o conceito de erro manifesto o que não se compagina com os princípios basilares que subjazem ao direito insolvencial.

Porquanto.

Constituindo o processo de Insolvência um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nº1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente, não se compreenderia ou mal compreenderia, que o legislador coarctasse uma maior amplitude interpretativa à sobredita expressão e ao mesmo tempo sonegasse ao Juiz os seus poderes de direcção do processo, podendo daí advir prejuízos para os credores e/ou para a massa insolvente, «(…) No lugar paralelo da sentença de homologação da confissão, desistência ou transacção (artigo 300º CPC), o juiz examina o objecto e a qualidade das pessoas para apurar da validade do negócio. E a sentença que profere é uma sentença de mérito, produzindo caso julgado material. Não deve pois interpretar-se a norma do artigo 130º, nº3 como uma imposição ao juiz, até porque ele é o autor da sentença. Deve antes entender-se a regra como uma possibilidade de simplificação processual à sua disposição.(…)», apud Mariana França Gouveia, Verificação do Passivo, Revista Themis, Edição Especial, 2005, Novo Direito da Insolvência, 156.  

 

Assim e contrariamente ao aventado pelos Reclamante/Recorrentes, e nesta nossa senda interpretativa daquele conceito indeterminado, não houve qualquer pronuncia indevida, como não existiu qualquer omissão de pronuncia, posto que o segundo grau para analisar a questão do erro e dos poderes do Tribunal na sua apreciação teve de necessariamente abordar a ausência de efeito cominatório por via da falta de impugnação da lista de credores, naquela precisa situação de erro, o que efectivamente foi efectuado, como decorre da análise jurídica efectuada e supra transcrita.

Improcedem, pois, as conclusões recursivas.

E, uma vez que os Recorrentes apenas apontaram vícios de forma ao Acórdão, nada há a censurar no que tange ao fundo, porque nada nos foi pedido a respeito.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 30 de Setembro de 2014

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Nuno Cameira)