Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99/17.0JBLSB-H.L1-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: RECUSA
JUÍZ DESEMBARGADOR
IMPARCIALIDADE
DISTRIBUIÇÃO
IRREGULARIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA / RECUSA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I - Não pode ser deduzido pedido de recusa de juiz, sem se imputar ao magistrado judicial em concreto quaisquer factos ou condutas que integrem o quadro típico de suspeição dos números 1 e 2 do artigo 43.º do Código de Processo Penal. 

II – Tem tal pedido de recusa de ser indeferido, por falta absoluta e manifesta de fundamental legal para tal, quando se radica na mera circunstância de ter cabido aleatoriamente ao juiz visado um dado processo por força de uma distribuição processual que, na perspetiva dos requerentes, foi irregular e nula.

Decisão Texto Integral:

Incidente de Recusa

Processo n.º 99-17.0JBLSB-H.L1-A.S1

5.ª Secção Criminal      

ACORDAM NA 5.ª SECÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

 

1. AA e BB vieram apresentar, no Tribunal da Relação de Lisboa e no dia 20/4/2023, requerimento, subscrito pelo seu ilustre mandatário judicial e dirigido a este Supremo Tribunal de Justiça, de recusa contra o Juiz Desembargador em funções no Tribunal da Relação de Lisboa, Dr.  CC, com os seguintes fundamentos (transcrição):

 «AA e BB, arguidos presos numa jaula fria e húmida no EP ..., vêm ao abrigo do Princípio do Juiz Natural, do "due process oflaw" dos art.ºs 43.° e segs do CPP, 6.º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 202.º e 205.º da Lei Fundamental, suscitar a RECUSA do Venerando JUIZ DESEMBARGADOR SENHOR DOUTOR CC em funções no Tribunal da Relação de Lisboa, com os seguintes fundamentos:

1 - O Venerando Juiz Desembargador foi nomeado com manifesta violação do PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL consagrado nos artigos 6.º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 204.º e 213.° do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos Tribunais Superiores, aqui aplicável por força do artigo 4.° do CPP de harmonia com o processo penal;

2 - Na verdade, os arguidos AA e BB estão retidos numa cela fria e húmida do MOTEL PRISIONAL ..., mal alimentados, em retiro físico e espiritual, ISOLADOS DO MUNDO EXTERIOR, do advogado signatário inclusive, há mais de um ano,  e não foram convidados a assistirem ao sorteio eletrónico neste Alto Tribunal;

3 - Os recusantes AA e BB têm transporte gratuito e bem seguro pela DGRSP que, embora seja incómodo face à composição da "ramona" ou "táxi de ferro", em cerca de DEZ MINUTOS, com direito a alta velocidade, devidamente seguros com algemas de aço inoxidável de excelente qualidade emprestadas pelo Estado Português, bem escoltados e guardados pelos Senhores Guardas prisionais, face à malandragem que pulula em Portugal, os colocariam na magnífica Rua ... a fim de assistirem à diligência da distribuição/sorteio eletrónico,

4 - Efetivamente, com um simples E-mail ou telefonema por parte da Veneranda Relação lisboeta a comunicar ao EP ... que tinham sido rececionados os Autos de Recusa logo os arguidos sinalizariam nas suas agendas pessoais, muito preenchidas por divagações filosóficas e existenciais, que no dia X à hora Y deveriam aprumar-se com uma fatiota solene para assistir ao sorteio nesta Veneranda Relação de Lisboa;

5 - O advogado signatário trabalha e reside em ...; pese embora o motor de um velho Chevrolet de 2007 estar em reparação devido a avaria no turbo, poderia deslocar-se à Veneranda DOMUS IUSTITIAE em transporte UBER....quiçá num velho comboio da linha da ...;

6 - Todavia, nem os arguidos que são o ALVO da JUSTIÇA PORTUGUESA e muito interessados em todos os trâmites processuais, foram notificados ou convidados a assistirem ao sorteio, tão pouco o advogado signatário foi avisado de tal diligência que é essencial num ESTADO DE DIREITO;

7- Assim constata-se que o Venerando Juiz Desembargador agora recusado:

- Foi nomeado para apreciar a recusa, provavelmente sem sorteio (?); até   hoje, 20-4-2023, não se   conhece algo da nomeação de Sua Excelência para apreciar a Recusa do Senhor Juiz Presidente do Juiz ... CC. ...

- O defensor apenas visualizou nas exíguas letras do CITIUS que o caso lhe foi "atribuído" sem que se saiba como e por que meios; trata-se de facto consumado sem conhecimento público, do POVO e já agora dos arguidos que embora não sejam Portugueses são convidados de honra devidamente instalados no motel .......

- Os Senhores Juízes julgam em nome do bom POVO (art.º 202.º CRP), para o POVO PORTUGUÊS e MUNDIAL ao qual os arguidos pertencem, até morrerem no cárcere...

- Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público;

- Não contou com a assistência de Advogado nomeado ad hoc;

- Não contou com a presença do advogado do Arguido;

8 - Não ocorreu notificação da ACTA desconhecendo-se se foi efetuada;

9 - As ilegalidades supra suscitadas violam o direito do Arguido ao Juiz Legal - direito, garantia e princípio constitucional fundamental do art.º 32.º, n.º 9 da Constituição;

10 - Urge assim que seja realizado SORTEIO ELETRONICO na presença dos arguidos e do advogado signatário porquanto ocorreu NULIDADE INSANÁVEL no modus faciendi da distribuição;

11 - O artigo 213.º, n.º 3 do CPC dispõe o seguinte:

"É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 204.° à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades:

 a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;

b)         Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo. "

7. Os números 4 a 6 do artigo 204.º dispõem que:

4. A distribuição obedece às seguintes regras :

a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata";

b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;

c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.

12 - Ocorre nulidade insanável e sério motivo de recusa pois os arguidos recusantes desconhecem como foi respeitado o PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL e cumprido o DUE PROCESS OF LAW...

13 - Tudo isto gera DESCONFIANÇA NO SISTEMA DE NOMEAÇÃO DO SENHOR JUIZ DESEMBARGADOR RECUSADO: desconhece-se, repete-se, como ocorreu a nomeação; certo é que o processo foi atribuído a Sua Excelência na ausência dos arguidos recusantes   e do advogado signatário;

14 – O artigo 213.º, n.º 2, acrescenta relativamente à distribuição nos tribunais de 1.ª instância e a exigência ou determinação legal da "assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados de um advogado designado por esta ordem profissional, (...),"o poder de os mandatários das partes estarem presentes, se assim o entenderem.

15 - Pressupondo e exigindo, assim, necessariamente, a notificação ao mandatário do dia e hora designado para o concreto ato judicial de distribuição em causa.

16 - O advogado signatário não foi notificado para essa distribuição, a que queria e tinha o direito de ter estado presente, por força do art.º 213.º- 2 do CPC e por se tratar de ato processual que diretamente diz respeito aos seus constituintes AA e BB e tinha o direito de ter sido notificado qua tale…

17 - Do ato judicial de distribuição deste processo de Recusa não foi elaborada Ata, nem outro auto algum (ou foram?) nem os arguidos notificados; nesse ato não se sabe se esteve presente o Ministério Público, desconhecendo-se se foi ou não notificado, nem os Recusantes...

18 - Mostram-se violadas as regras antes citadas e transcritas dos artigos 213.º, n.ºs 2 e 3 e 204.° a 206.º do CPC - aqui aplicáveis por força do disposto e nos termos do artigo 4.º do CPP, de harmonia e com respeito pelos princípios gerais do processo penal.

19 - Uma vez que estão em causa regras definidoras da competência do tribunal, a sua violação conduz aqui à nulidade absoluta deste processo de Recusa desde a sua distribuição no Tribunal da Relação, face à alínea e) do artigo 119.º do CPP.

20 - Os Recusantes suscitam a inconstitucionalidade dos artigos 3.° e 4.° da Lei n.º 55/2021 e 137.° n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo na interpretação normativa em que tal entendimento se traduz, no sentido de que as alterações determinadas pela referida Lei aos artigos 204.° e 213.° do Cód. Proc. Civil não teriam entrado em vigor, por violação do Princípio da Separação e Interdependência de Poderes, por violação da organização constitucional da República Portuguesa como Estado de Direito Democrático baseado Soberania Popular e por violação dos arts. 2.°, 108.º, 110.°, 111.°, n.º l, 112.°, n.º 5, 161.°, c) e o), 165.º -1- b) e p), 199.°- c) e 202.° e 203.° da Constituição; nestes termos

21 - Por ausência do mandatário dos Recusantes, por falta de notificação para o ato; por ausência do Ministério Público; por inexistência ou omissão de documentação do ato através da formalização legalmente exigida; por tal inexistência ou omissão impedir a confirmação de como, quando (e mesmo se) esse ato efetivamente e concretamente se realizou; e por este processo ter sido pura e simplesmente atribuído ao Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador nestes Autos de Recusa sem distribuição, sem precedência do sorteio eletrónico e aleatório legalmente exigido pela alínea a) do artigo 213,° n.º 3 do CPC e em violação do dever previsto na respetiva alínea b), mostra-se a distribuição daquele Processo e todos os atos nele praticados desde então viciados de nulidade insanável, por violação das regras de competência do tribunal, sob o artigo 119.° alínea e) do CPP.

22 - No entender dos Recusantes, tudo consubstancia, ainda, motivo de recusa do Senhor Juiz recusado e do próprio tribunal Coletivo por eles constituído, nos termos dos artigos 43.° e segs. do Cód. Proc. Penal, uma vez que a violação de lei e a consequente ausência de sorteio eletrónico e aleatório dos Excelentíssimos Senhores Juizes Adjuntos consubstancia “motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade...”

23 - A distribuição eletrónica e aleatória realizada nos exatos e rigorosos termos previstos na Lei é o ato processual jurisdicional que necessariamente determina, fundamenta e justifica a competência do Tribunal e do Juiz ou Juízes titulares das funções jurisdicionais sobre cada Processo; e é, por isso, o primeiro e incontornável pressuposto do Princípio, Garantia e Direito Fundamental ao Juiz Legal, consagrado no artigo 32.°, n.º 9 da Constituição, e do respeito pela Independência dos Tribunais consagrado no seu artigo 2.°.

24 - E é por isso, também, a primeira e incontornável garantia de imparcialidade dos Senhores Juízes no concreto exercício dessas funções jurisdicionais -porque em processo criminal só a estrita e rigorosa observância das normas e dos termos legais previstos para essa operação de escolha dos Senhores Juízes respeita ambos esses Princípios e Garantias e Direitos Fundamentais, normas e termos legais que no processo em causa foram, pura e simplesmente, desaplicados ignorados, desprezados.

25 - No modo de ver dos Recusantes a suspeita de parcialidade de um membro de Tribunal Coletivo não pode deixar de estender-se a todos os restantes membros; justifica-se que a suspeita relativamente a um membro do Tribunal Coletivo se estenda aos restantes membros.

26 - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Acórdão de 9-5-2000 decidiu no "case Sander contra o Reino Unido", citado por Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 4.ª Edição atualizada, 2011, p. 133, que "tratando-se de um tribunal coletivo ou do júri, basta a parcialidade de um dos seus membros para inquinar toda a atividade do tribunal." - ACÓRDÃO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM: Proc.º 34129/96 de 9 maio 2020 - CASE OF SANDER versus THE UNITED KINGDOM:

1. The Court has accepted that, although discharging the jury may not always be the only means to achieve a fair trial, there are certain circumstances where this is required by Article 6 § 1 of the Convention (see the Gregory judgment cited above, p. 310, § 48). In the present case the judge was faced with a serious allegation that the applicant risked being condemned because of his ethnic origin. Moreover, one of the jurors indirectly admitted to making racist comments. Given the importance attached by all Contracting States to the need to combat racism (see paragraph 23 above), the Court considers that the judge should have reacted in a more robust manner than merely seeking vague assurances that the jurors could set aside their prejudices and try the case solely on the evidence. By failing to do so, the judge did not provide sufficient guarantees to exclude any objectively justified or legitimate doubts as to the impartiality of the court. It follows that the court that condemned the applicant was not impartial from an objective point of view.

2.  There has, therefore, been a violation of Article 6 § 1 of the Convention.

Publicado em: https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22fulltext%22:[%22sander

27 - A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM é direito positivo português sob o artigo 8.º da Lei Fundamental e deve ser acolhida em todos os atos processuais;

28 - PORTUGAL NÂO PODE ESTAR DENTRO DA EUROPA se não cumpre Convenções e Tratados Internacionais !!!! estando dentro da Europa deve acolher na sua mater decidendi os seja os Órgãos de Soberania TRIBUNAIS o que a CEDH impõe aos  Estados membros da União Europeia:

29 - Acresce que a ausência de notificação de atos processuais como por ex., do acórdão dos Tribunais Superiores pessoalmente ao arguido já levou a COUR de Estrasburgo a condenar Portugal no affaire MEGGI CALA contra PORTUGAL - Requete 24086/11 do TRIBUNAL EUROPEU d' DIREITOS do HOMEM, notificado à Procuradoria Geral da República e de conhecimento oficioso:

30 - Mutatis mutandis impõe-se a notificação de um ato solene como a distribuição-sorteio eletrónico na presença dos visados pela deusa THEMIS, ou seja os arguidos AA  e  BB e o signatário; face ao supra exposto:

Os arguidos AA e BB recusam a atribuição dos Autos de Recusa ao Venerando Senhor Doutor Juiz Desembargador CC declarando-se a irregularidade e a nulidade dos atos praticados à revelia do Princípio do Juiz Natural, do sorteio eletrónico, da imparcialidade, e da   ausência de  notificação aos arguidos   e defesa.

Deve ser efetuado sorteio eletrónico na presença dos arguidos e do advogado signatário assim se cumprindo o Estado de Direito e os Mandamentos da Deusa THÉMIS!!!...»

2. Respondeu, no dia 20/4/2023, o Exmo. Magistrado Judicial recusado nos seguintes termos:

2.1. «Tomei conhecimento do requerimento que deu entrada no dia de hoje, com a referência Citius ...68 (requerimento em que vem deduzido incidente de recusa do signatário).

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Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça

Suscitado pela defesa o presente incidente de recusa, cumpre ao signatário, nos termos do artigo 45.º, nº 3, do Código do Processo Penal, pronunciar-se.

O processo 99/17.0JBLSB-H.L1 em que são requerentes AA e BB, com a espécie de Recusa (visando o Mmo. Juiz de Direito Dr. DD, Juiz titular do Juízo Central Criminal ... - Juiz ...), deu entrada neste Tribunal da Relação de Lisboa em 18/04/2023, tendo sido distribuído no dia de ontem, 19/04/2023, e, por sorteio, foi atribuído ao signatário (como relator).

Este despacho constitui o primeiro ato praticado pelo signatário nos autos, sendo que anteriormente nenhum contacto teve com os arguidos, inexistindo qualquer intervenção processual anterior a eles relativa, nestes ou noutros autos.

Compulsados os argumentos invocados pelos requerentes, não se reconhece nos mesmos qualquer fundamento que permita concluir procedência da recusa e, maxime, pela existência de algum risco do signatário pautar a sua conduta processual e as suas decisões por critérios que se afastem da exigida imparcialidade.

Consequentemente, entende-se não existirem razões que permitam deferir o incidente de recusa.

Contudo, V. Ex.ªs, reapreciando, farão a devida Justiça.

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Constitua apenso com o requerimento de recusa, print do portal CITIUS (...) referente à distribuição efetuada e, bem assim certidão de todo o processado que foi remetido pela 1ª instância.

Junte igualmente certidão deste despacho.

Logo que constituído o apenso, suba o mesmo ao Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de novo despacho.

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Para os efeitos tidos por convenientes, comunique ao Processo 99/17.0JBLSB a dedução do presente incidente, com cópia do requerimento inicial e deste despacho.»

3. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os requerentes AA e BB vêm suscitar o presente incidente de recusa do ilustre Juiz Desembargador CC, ao abrigo do regime constante dos artigos 43.º a 46.º do Código de Processo Penal, que, para o efeito, estatui o seguinte:

   

Artigo 43.º

Recusas e escusas

1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º. [1]

3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.

4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.ºs 1 e 2.

5 - Os atos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

Artigo 44.º

Prazos

O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.

Artigo 45.º

Processo e decisão

1 - O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante:

a) O tribunal imediatamente superior;

b) A secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, tratando-se de juiz a ele pertencente, decidindo aquela sem a participação do visado.

2 - Depois de apresentados o requerimento ou o pedido previstos no número anterior, o juiz visado pratica apenas os atos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência.

3 - O juiz visado pronuncia-se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, juntando logo os elementos comprovativos.

4 - O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.

5 - O tribunal dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa.

6 - A decisão prevista no número anterior é irrecorrível.

7 - Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.

Artigo 46.º

Termos posteriores

O juiz impedido, recusado ou escusado remete logo o processo ao juiz que, de harmonia com as leis de organização judiciária, deva substituí-lo.

 

Sendo este o regime substantivo e adjetivo que é aplicável a este incidente processual que, convirá desde já realçar, não se reconduz a um recurso ou reclamação de qualquer uma decisão judicial ou ato processual praticado nos autos penais de que este pedido de recusa é dependência, impõe-se então averiguar se, por um lado, o mesmo foi deduzido por quem tem legitimidade para o fazer e em prazo, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 43.º e do artigo 44.º do CPP,  e, por outro lado, se se radica em alguns dos fundamentos que legalmente se acham previstos no regime legal acima reproduzido.         

Ora, de acordo com os elementos fornecidos pelos autos, os aqui Requerentes AA e BB e arguidos em processo-crime, à ordem dos quais se acham presos preventivamente, vieram deduzir, no dia 18/4/2023, pedido de recusa do Juiz de Direito Dr. DD, Juiz titular do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., pedido esse que deu origem a um primeiro incidente de recusa que, por força do disposto no  artigo 45.º, número 1, alínea a) do Código de Processo Penal, subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa [TRL], onde deu entrada no dia 18/4/2023 e aí foi distribuído, por sorteio, no dia 19/4/2023, como processo de recusa, ao Juiz Desembargador CC, da ... Secção Criminal desse mesmo tribunal da 2.ª instância, conforme resulta da consulta do sítio do TRL e do quadro ou tabela relativa à distribuição processual ocorrida no dia 19 de abril de 2023.

Na sequência da afetação desse primeiro incidente de recusa formulado pelos arguidos AA e BB e do conhecimento por parte do seu ilustre mandatário da sua distribuição, no Tribunal da Relação de Lisboa, ao referido Juiz-Desembargador CC, vieram aqueles mesmos arguidos e ali Requerentes deduzirem, no dia 20 de abril de 2023, este segundo incidente de recusa para este Supremo Tribunal de Justiça por referência ao relator nomeado para tramitar aquele primeiro incidente de recusa naquele tribunal da 2.ª instância, na sequência da mencionada distribuição processual, feita por sorteio.  

Ora, sendo esse o cenário adjetivo que ressalta destes autos, não podem existir dúvidas de que os dois arguidos, segundo o número 3 do artigo 43.º, possuem legitimidade ativa para apresentar este pedido de recusa de juiz  e de que tal incidente de recusa que aqui se está a julgar foi apresentado em prazo, segundo as regras definidas pelo artigo 44.º do Código de Processo Penal.

Ultrapassada esta duas primeiras questões e tendo o Juiz-Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciado prévia e cautelarmente, conforme é determinado pelo número 3 do artigo 45.º do CPP, acerca da pretensão de recusa deduzida pelos Requerentes, resta-nos cruzar os fundamentos invocados por estes últimos com o regime legal antes transcrito, na parte aplicável, de maneira a se apurar se os motivos alegados cabem dentro das situações elencadas no artigo 43.º do mesmo diploma legal.

O incidente de recusa de juiz, previsto no artigo 43.° do Código de Processo Penal, exige que a intervenção do julgador possa correr o risco de ser considerada suspeita, pressupondo, para o efeito, a existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, podendo tal acontecer quando a referida intervenção do juiz tenha ocorrido noutro processo-crime que não aquele em que o incidente de escusa é deduzido ou quando nestes últimos autos tal intervenção tenha tido lugar fora dos cenários previstos no acima transcrito artigo 40.º do CPP.

Compulsando a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça quanto aos termos em que o incidente de recusa de magistrado judicial, em qualquer das instâncias ou no Supremo Tribunal de Justiça, é suscetível de ser requerido, deparamo-nos com o seguintes Arestos, que ordenámos cronologicamente por data de publicação:   

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2006, Processo n.º 06P1937, Relator: SIMAS SANTOS, publicado em ECLI:PT:STJ:2006:06P1937.DE, com o seguinte Sumário

1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal, segundo o qual intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas, surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art.º 32.°, n.º 9).

2 – No entanto, podendo ocorrer, em concreto, efeitos perversos desse princípio, foi acautelada a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°) quer como pressuposto subjetivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objetivo na sua perceção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas, através de mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

3 - Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:

- A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;

- Por se verificar motivo, sério e grave;

- Adequado a gerar desconfiança, um estado de forte verosimilhança sobre a sua imparcialidade, ou seja o propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro.

4 - Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.

5 - O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objetiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstração na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos atos processuais do juiz.

6 – Não é de conceder a recusa de juiz que mantem com a advogado do demandante civil uma forte controvérsia, por não se ter demonstrado a relação entre essa controvérsia e os factos em julgamento, e o reflexo dessa situação na imparcialidade do juiz quanto à parte representada por aquela advogada.

7 – Esta solução não é violadora do disposto no art.º 208.º da Constituição e 62.º, n.º 2 do EOA.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/2019, Processo n.º 3795/13.8TDLSB.L1-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relatora: HELENA MONIZ, publicado em ECLI:PT:STJ:2019:3795.13.8TDLSB.L1.A.S1.A8, com o seguinte Sumário:

I - Nos termos do art.º 43.º, n.º 3, do CPP, o Ministério Público pode pedir ao tribunal imediatamente superior (cf. art.º 45.º, n.º 1, al. a), do CPP) que não admita determinado juiz a intervir num certo processo “quando ocorrer o risco de [a sua intervenção] ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (art.º 43.º, n.º 1).

II - A recusa de um juiz deverá ter por fundamento a existência de um motivo sério e grave que gere desconfiança sobre a sua imparcialidade para a decisão daquele concreto caso.

III - No caso, verifica-se que no pedido formulado não é indicada qualquer razão concreta que permita analisar da imparcialidade ou parcialidade para o juiz decidir aquele caso concreto. São apresentadas razões de caráter geral e abstrato pretendendo demonstrar que, existem motivos sérios e graves que impedem que o Senhor Juiz Desembargador possa decidir qualquer processo.

IV - Não cabe no âmbito de um pedido de recusa analisar se o juiz tem (ou não) condições objetivas e/ou subjetivas para desempenhar as suas funções. O pedido de recusa tem que ser fundado em razões relacionadas com o caso que está em discussão, sem que se possa generalizadamente concluir que o juiz está (ou não) em condições de exercer a sua função. Isso seria objeto de um processo disciplinar ou poderia constituir pena acessória a aplicar após uma condenação.

V - Do requerimento apresentado não foi alegado qualquer fundamento que permita estabelecer esta ligação entre o juiz e o caso concreto de modo a que se possa (ou não) concluir pela sua parcialidade (dada uma especial ligação com o caso a decidir), nem se identifica o objeto do processo, ou se refere os sujeitos processuais envolvidos.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/06/2020, Processo n.º 24/19.4TRLSB, 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL), Relator: NUNO GONÇALVES, publicado em ECLI:PT:STJ:2020:24.19.4TRLSB.79, com o seguinte Sumário parcial:

I - O art.º 32.º, n.º 9, da CRP consagra o princípio do juiz natural, do qual decorre que o juiz que vai julgar um processo determinado rege-se por critérios legais objetivamente predeterminados, estando arredada a possibilidade de escolha do juiz pelos sujeitos processuais.

II - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos/TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; que a imparcialidade objetiva releva essencialmente de considerações formais e que o elevado grau de generalização e de abstração na formulação do conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, mediante análise, em concreto, das funções e dos atos processuais do juiz alegadamente impedido.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2020, Processo n.º 9560/14.8TDPRT-C.G1-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: FRANCISCO CAETANO, publicado em ECLI:PT:STJ:2020:9560.14.8TDPRT.C.G1.A..9F, com o seguinte Sumário:

I. Não há motivo para que a remessa à Relação do pedido de recusa não siga a regra geral da distribuição, nenhuma lacuna legislativa havendo que deva ser integrada com recurso a analogia da norma invocada pelos requerentes do n.º 4 do art.º 426.º do CPP;

II. Qualquer sentimento de desconfiança de imparcialidade de juiz enquanto fundamento de recusa não se confunde com subjetivismos de quem a requeira, devendo a respetiva valoração partir de motivos concretos, sérios e graves na perspetiva de um juízo formulado por um cidadão de formação média;

III. A situação invocada, de um juiz desembargador a que, após distribuição, caiba apreciar um incidente de recusa de juiz de 1.ª instância e que não seja o mesmo que no âmbito de um mesmo processo já conheceu de um outro incidente de recusa relativamente a um outro juiz, não constitui nem de perto, nem de longe, motivo sério e grave suscetível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e, por isso, claramente não constitui fundamento de recusa. [[2]]

Ora, chegados aqui e face à interpretação e aplicação que a citada jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça faz do regime constante dos artigos 43.º e seguintes do CPP, que dizer acerca dos motivos invocados pelos Requerentes deste [segundo] incidente de recusa para a rejeição do Juiz-Desembargador a quem, foi distribuído, no Tribunal da Relação de Lisboa, o primeiro incidente de recusa do juiz do tribunal da 1.ª instância?

Afigura-se-nos manifesto que tais razões não cabem, por um lado, no objeto legalmente delineado para um incidente desta natureza: recusa de um juiz por perigo de suspeição relativamente à independência e distanciamento pessoal e/ou profissional face a uns autos-crime em concreto e/ou aos sujeitos processuais que nele intervêm e/ou ao crime ou crimes que neles irão ser julgados.

Os fundamentos em questão giram, essencialmente, em torno da forma irregular e inválida como, na perspetiva dos dois arguidos, a distribuição por sorteio desse primeiro incidente de recusa foi efetuada e afetou  o mesmo ao Juiz-Desembargador CC, o que implica que essa distribuição seja adjetiva e absolutamente nula.

Ora, salvo melhor opinião, tais vícios procedimentais relativos a essa distribuição processual verificada no Tribunal da Relação de Lisboa e as suas consequências jurídicas [invalidade daquele ato] não podem nem devem ser trazidas a terreiro num incidente de recusa como o presente, dado o mesmo não se destinar, em absoluto, a analisar e a julgar tais questões, que, em nosso entender, têm antes de ser alvo dos adequados e próprios meios de reação como a reclamação ou a arguição de nulidades no âmbito do próprio processo afetado, caso não haja lugar à correção oficiosa dos vícios que afetam a referida distribuição [cf., a este respeito, os artigos 4.º do CPP, 203.º e seguintes do CPC de 2013 e artigos 16.º a 18.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto [[3]] que procede à «Regulamentação da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais», na parte aplicável].

Os Requerentes não se quedam, no entanto, por aí, sustentando também que essa distribuição juridicamente inquinada implica, em tese e em abstrato, uma imediata e automática quebra de imparcialidade e isenção do juiz nomeado [ainda que aquela tenha sido efetuada de forma aleatória, ou seja, sem qualquer participação ou influência do magistrado judicial em questão].

Se bem compreendemos a fundamentação do requerimento dos arguidos e Requerentes, o risco de suspeição de haver motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz a quem foi distribuído um dado processo nasce, em si e por si só, da mera irregularidade formal ou material de tal distribuição, ainda que o magistrado judicial  a quem coube o processo – no nosso caso, o primeiro incidente de recusa -, nunca tenha tido qualquer envolvimento, quer em tal ato  de distribuição aleatória, quer com a ação principal ou um dos seus apensos, quer com os seus respetivos objetos ou com os arguidos e/ou os outros sujeitos processuais, seja aí, seja noutros autos de natureza criminal [como é o caso da situação concreta vivida nos autos e que está aqui em julgamento]. 

Ora, salvo o devido respeito por tal posição defendida pelos aqui Requerentes, a mesma tem de ser qualificada de abusiva, não somente por não ter qualquer sustentação factual e legal como ainda por não colher minimamente a argumentação jurídica desenvolvida pelos Requerentes, para tal efeito, no seu pedido de recusa.

Como é possível, sem se imputar ao magistrado judicial em concreto quaisquer factos ou condutas que integrem o quadro típico de suspeição dos números 1 e 2 do artigo 43.º do Código de Processo Penal, pedir a recusa do juiz pela mera circunstância de lhe ter cabido um processo por força de uma distribuição processual por sorteio, ainda que alegadamente irregular ou nula, o qual porventura nem se conhece e com quem nunca se teve qualquer contacto pessoal e/ou profissional [quer naquele ou naqueles processos em concreto, quer em quaisquer outros]?

A resposta a tal questão é inequivocamente negativa, por força , designadamente, da presunção de imparcialidade do julgador que não sai minimamente questionada ou beliscada com essa simples distribuição formal e ainda que alegadamente viciada. 

Sendo assim, por falta absoluta e manifesta de fundamental legal para tal, indefere-se, sem mais, o pedido de recusa do Juiz Desembargador CC, do Tribunal da Relação de Lisboa.      

III - DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente, por manifestamente infundado, o pedido de recusa formulado por AA e BB.

Custas pelos requerentes, com a fixação de 5 UC de taxa de justiça.

****

Vão ainda condenados os requerentes na quantia de 6 UC, nos termos do número 7 do artigo 45.º do Código de Processo Penal.

 

Deposite e notifique, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no número 6 do artigo 45.º do Código de Processo Penal [irrecorribilidade do presente acórdão].

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 27 de abril de 2023

José Eduardo Sapateiro (Relator)

Helena Moniz (Adjunta)

António Gama (Adjunto)

______________________________________________

[1] Tal disposição legal possui a seguinte redação:

Artigo 40.º

Impedimento por participação em processo

1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º;

b) Presidido a debate instrutório;

c) Participado em julgamento anterior;

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior;

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.

2 - Nenhum juiz pode intervir em instrução relativa a processo em que tiver participado nos termos previstos nas alíneas a) ou e) do número anterior.
3 - Nenhum juiz pode intervir em processo que tenha tido origem em certidão por si mandada extrair noutro processo pelos crimes previstos nos artigos 359.º ou 360.º do Código Penal.

[2] Cf., também, com interesse, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/02/2018, Proc.º n.º 166/18.3YRLSB, relatora: Anabela Simões, publicado em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5385&codarea=57, com o seguinte Sumário, elaborado por Ana Paula Vitorino:  

«O incidente de recusa de juiz (no qual não cabem discordâncias jurídicas quanto a decisões de juízes, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios) visa assegurar as regras de independência e imparcialidade, que são inerentes ao direito de acesso aos Tribunais, constituindo uma dimensão importante do princípio das garantias de defesa e mesmo do princípio do juiz natural.

Pretende-se assegurar a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados, pois que os Tribunais administram a Justiça em “nome do povo”.

A imparcialidade deve ser apreciada de acordo com um teste subjetivo e um teste objetivo, visando o primeiro apurar se o juiz deu mostra de interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa, e o segundo determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade.

Ao aplicar o teste subjetivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objetivos evidentes devem afastar essa presunção.»
[[3]] Diploma legal esse objeto da Declaração de Retificação n.º 44/2013, de 25 de outubro e das alterações introduzidas pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de maio  com  início de vigência em 29 de maio de 2017 [e que foi objeto, por seu turno, da  Declaração de Retificação n.º 16/2017, de 6 de junho] Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro e Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, com início de vigência em 11 de maio de 2023 [Informação: DATAJURIS].