Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P456
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: TRAFICANTE-CONSUMIDOR
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: SJ200502170004565
Data do Acordão: 02/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : 1 - Se o Tribunal Colectivo, condena o arguido como autor do crime de tráfico de menor gravidade, por deter 11 embalagens contendo heroína misturada com diazepam (Tabela IV) e fenorbital (Tabela IV), tudo com o peso líquido de 1,297 grs e dá como provado que essa substância se destinava ao seu consumo e, em parte, a ser vendida, propondo-se, assim, a alimentar o seu vício e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida., sendo que o arguido consumia 1 a 1,5 embalagens por dia, impunha se apurar se a satisfação do seu consumo era ou não a finalidade exclusiva da sua conduta e qual era o seu consumo diário, por relação às embalagens apreendidas, tomando em consideração a Portaria 94/96, de 26-03.
2 - Não o tendo feito, verifica-se insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, dada a necessidade de equacionar a aplicabilidade do tipo legal de traficante-consumidor, vício que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer oficiosamente e que determina o reenvio parcial para novo julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.1.
O Tribunal Colectivo do Funchal, por acórdão de 4.11.04, julgou a acusação parcialmente procedente por provada e decidiu:
Absolver o arguido JAF da prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artigo 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A;
Condenar o arguido JAF como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artigo 25º al. a) do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
Condenar o mesmo arguido como autor material de um crime de detenção de arma proibida p.p.pelo artigo 275º nº 3 do CP com referência ao artigo 3º nº 2 do DL nº 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, condenar o mesmo arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão;
Suspender a execução da pena aplicada pelo prazo de quatro anos na condição do arguido deixar de consumir substâncias estupefacientes, continuar com o tratamento no Centro de Santiago até ter alta do mesmo e sujeitar-se a análises periódicas a fim de ficar apurado se deixou de consumir aqueles produtos.
1.2.
Inconformado, recorreu o arguido para a Relação, tendo o recurso sendo enviado para este Tribunal, por despacho judicial.
Concluiu, então o recorrente:
1º- Do acórdão foi dado como provado que arguido era consumidor de produtos de estupefaciente à cerca de sete anos.

2º- Provou-se ainda que a quantidade de produto estupefaciente apreendido ao arguido com o peso liquido de 1,297 gramas estava misturada com diazepam e fenorbital.

3º- A substância estupefaciente apreendida ao arguido, e segundo o acórdão destinava-se em parte, ao seu consumo, e, em parte a ser vendida a quem o solicitasse, propondo-se assim a alimentar o seu vicio e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida.

4º- Estes factos assentes no acórdão do qual se recorre são elucidativos que nos encontramos perante uma situação de tráfico-consumo.

4º- Na verdade sendo o arguido consumidor de heroína procurou com a mesma quantidade de produto estupefaciente satisfazer o seu vício e misturando-o com outras substâncias obter produto para venda afim de obter proventos económicos com a única finalidade de satisfazer o seu consumo.

5º- Este modo de actuar é sobejamente usado pelos traficantes consumidores.

6º- Ao ora recorrente foi apreendida a quantidade de 1,297 gramas de heroína misturada com diazepam e fenorbital.

7º- Se tivermos em atenção que um dos critérios utilizados para estipular que o consumo individual diário de heroína se encontra entre as 0,5 a 1 grama, é fácil de concluir que a quantidade de produto estupefaciente apreendido ao arguido não excedia a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias.

8 - Assim, parece-nos que o arguido deveria ter sido condenado pela prática do crime previsto no artigo 26 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso condenando-se o arguido pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 26 do Decreto lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, aplicando ao arguido uma pena de prisão não superior a seis meses suspensa na sua execução.
1.3.
Respondeu o Ministério Público que concluiu:
1 - Este recurso não pode ser objecto de sindicância em face desta 1ª questão prévia aqui assinalada, o que impede o TR Lisboa de poder apreciá-la.

2 - E em face da sua incorrecta interposição para o TR. Lisboa quando o mesmo devia ter sido interposto directamente para o STJ., a decisão da 1ª instância ora impugnada deve ser remetida pelo TR Lisboa para o STJ., nos termos do art. 33.º, n.º 1, 427.º, 1.' parte, e 432.º, al. d), 434.º todos do C. Processo Penal.

3 - Mesmo que assim se não entenda, então afigura-se-nos que quanto ao mérito do recurso o arguido cometeu efectivamente o crime de tráfico de menor gravidade, p. no art. 25.º, al. do DL. n.º 15/93, de 22 de Janeiro tal qual foi julgado e bem condenado na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, com a condição do mesmo continuar o tratamento à sua toxicodependência no Centro de S. Tiago (a qual foi justa, adequada e proporcional) e não o crime de traficante-consumidor p. nos art. 26.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, como pretende o ora recorrente;

4 - O produto estupefaciente apreendido ao recorrente destinava-se ao seu consumo e à venda a terceiros consumidores, visando o mesmo com tal actividade o lucro ilícito, afastando o requisito da exclusividade previsto no art. 26.º, n.º 1 do DL. n.º 15/93, de 22/01;

5 - Por outro lado, a quantidade de heroína apreendida ao recorrente ultrapassa o fixado para o consumo médio diário, nos termos do art. 26.º, n.º 3 do DL. n.º 15/93, de 22/01 conjugado com a Portaria n.º 94/96, de 26/03 (art. 9.º e mapa anexo), o que também afasta a aplicação da citada norma incriminadora;

6 - O Colectivo de Juízes interpretou e aplicou correctamente a lei substantiva não existindo nada a apontar sobre o acórdão ora posto em crise;

7 - O mesmo se diga relativamente ao quantum da pena aplicada ao arguido.
2.1.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público apôs o seu visto.
2.2.
E conhecendo.
2.3.
Vejamos, porém antes, a matéria de facto assente pela instância e não impugnada pelo recorrente.
Factos provados:
1º- No dia 7 de Julho de 2002, pelas 15h45m, no interior da viatura de marca "Opel", com a matrícula DD, na ocasião estacionada junto ao comando da PSP da Madeira, sito nesta comarca, o arguido JAF, sem qualquer razão justificativa, detinha uma embalagem metálica com um mecanismo de pulverização, contendo no seu interior, um gás, que submetido a exame laboratorial revelou ser "«2- clorobenzalmalononotrilo" ou "gás CS", substância esta que quando ingerida ou aplicada a um ser vivo prejudica ou destrói as funções vitais dada a sua natureza tóxica.

2º- A referida embalagem foi encontrada pelo arguido numa fazenda.

3º- No dia 24 de Outubro de 2002, pelas 20h15m, nas proximidades do adro da Igreja Paroquial do Estreito de Câmara de Lobos, área desta comarca, o arguido JAF detinha 740 € em notas do Banco Central Europeu e onze embalagens em plástico contendo uma substância em pó acastanhado cujo exame laboratorial revelou ser heroína (Tabela I-A), misturada com diazepam (Tabela IV) e fenorbital (Tabela IV), tudo com o peso líquido de 1,297 grs.

4º- O referido produto foi adquirido pelo arguido JAF, pelo preço de 35.000$00 a um indivíduo de nome ....

5º- No dia 17 de Março de 2003, na residência do arguido JAF, sita ao Caminho Velho da Marinheira, Entrada nº 2, Porta nº 6, Estreito de Câmara de Lobos, área desta comarca, na sequência de uma busca efectuada pela PSP e ordenada judicialmente, foram apreendidos os seguintes objectos: Uma pequena porção de plástico com resíduos de uma substância em pó; a quantia de 1435 euros em notas do BCE; um fio de metal amarelo; Uma pistola de alarme com respectivo carregador e 5 munições; Uma matraca; um telemóvel da marca "Nokia" e um telemóvel da marca "Siemens"; Uma carteira pertencente a JUVF com o BI, cartão de contribuinte, livrete do centro regional de saúde e fotocópia de utente; quatro canivetes; três recortes em plástico de forma circular, um rolo de plástico incolor destinado a fazer doses individuais; e um papel com o nº de telefone 969545580.

6º- A substância estupefaciente apreendida ao arguido destinava-se, em parte, ao seu consumo e, em parte, a ser vendida a quem o solicitasse, propondo-se, assim, a alimentar o seu vício e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida.

7º- O arguido sabia que a detenção e venda de heroína cujas características e natureza bem sabia fazer parte dos produtos estupefacientes era proibida por lei.

8º- O arguido conhecia as características do gás existente na embalagem que lhe foi apreendida, sabendo ser proibida a sua detenção.

9º- O arguido agiu de modo livre deliberado e consciente sabendo punidas por lei as suas condutas.

10º- Da quantia de 1435€ em notas do BCE, apreendida ao arguido, 648,44€ são pertença dos seus pais;

11º- O fio de metal amarelo, apreendido ao arguido é pertença da mãe do mesmo;

12º- O telemóvel de marca "Nokia" e o telemóvel de marca "Siemens", pertencem aos irmãos do arguido;

13º- A carteira pertencente a JUVS com o BI, cartão de contribuinte, livrete do centro regional de saúde e fotocópia de utente, e que se encontrava na posse do arguido foi-lhe entregue pelo dito JUVS a fim de lhe marcar uma consulta no Centro de Santiago;

14º- Dos quatro canivetes aprendidos apenas um pertence ao arguido;

15º- A quantia apreendida de 1435 € foi encontrada num dos quartos de dormir da casa do arguido, dentro de um volume de roupa.

16º- Entre Outubro de 2002 e a data em que foi realizada a busca à casa do arguido (17 de Março de 2003) esta era frequentada por indivíduos toxicodependentes, o que deixou de se verificar a partir desta última data.

17º- Nesse mesmo período, o arguido passava a maior parte dos dias em casa, trabalhando esporadicamente.

18º- O arguido recebeu da sua entidade patronal, GF - Empresa de Construção Civil de Câmara de Lobos, a quantia de 932,27€, referente ao mês de Outubro de 2002.
19º- O arguido durante sete anos consumiu drogas, especialmente heroína, consumindo 1 a 1,5 dose diária, ao preço de 25 € a dose.

20º- Segundo declarou a Psicóloga do Centro de Santiago, Drª SMG, o arguido encontra-se em tratamento naquele Centro, desde Março de 2003, " comparecendo regularmente ao grupo terapêutico, cumprindo positivamente o seu projecto"

21º- A Empresa GF-Construtora do Estreito de Câmara de Lobos, declarou, a 11 de Outubro de 2004, que o arguido é funcionário do quadro daquela empresa, tendo a categoria de carpinteiro de 1ª e que aufere o salário ilíquido de € 602,47.

22º- Por decisão datada de 15.1.1995 foi o arguido condenado pela prática de crime de introdução em casa alheia e profanação, praticado em 24.02.1992, em pena de multa que lhe foi perdoada.

23º- Por sentença de 7.12.99 foi o mesmo arguido condenado pelo crime de resistência e coacção a funcionário, praticado em 16.06.95, em pena de multa.

24º- O arguido é solteiro, vive com os pais, pessoas idosas, e dois irmãos.

25º- Tem a 3ª classe como habilitações literárias.
Factos não provados.
Não se provou, porém, que:
─ A substância apreendida ao arguido se destinasse apenas a ser vendida;
─ No dia 24 de Outubro, pelas 20h15m, no Caminho Velho da Marinheira, n║ 2. Porta 6, Estreito de Câmara de Lobos, área desta comarca, o arguido preparava-se para vender a CANO e AFC, respectivamente quantidades não apuradas de heroína e que tais transacções não se chegaram a realizar mercê da intervenção da PSP;
─ Já antes o arguido, por várias vezes, pelo menos desde finais de 2002 já havia vendido a CANO quantidades não determinadas de heroína;
─ Pelo menos, desde meados de 2002 até inícios do ano de 2003, o arguido, por várias vezes, vendeu a JENA um número não apurado de doses de heroína, pelo preço de 25€ cada dose;
─ No dia 10 de Março de 2003, pelas 8h50m, o arguido, nas proximidades da sua residência, vendeu a JPNO, uma dose de heroína, pelo preço de 25 € e que, pelo menos, desde Janeiro de 2003 que lhe havia vendido quantidades não determinadas de heroína;
─ No dia 15 de Março de 2003, em hora não apurada, o arguido, nas proximidades da sua residência, vendeu a PSGF e MAFN duas doses de heroína pelo preço de 50€ e que, pelo menos, por duas vezes, o arguido vendeu ao PSGF quantidades não determinadas de droga;
─ No dia 17 de Março de 2003, pelas 10h25m, no Caminho Velho da Marinheira, Entrada n║ 2, Porta 6, Estreito de Câmara de Lobos, área desta Comarca, o arguido preparava-se para vender a CANO, quantidade não apurada de heroína e que tal transacção não se chegou a realizar mercê da intervenção da PSP;
─ O arguido, várias vezes, havia vendido ao dito CANO quantidades não apuradas de heroína;
─ O arguido, pelo menos, por duas vezes, nesta comarca, em data não apurada, mas situada nos finais de 2002 inícios de 2003, vendeu heroína a RRA e RJFN;
─ No primeiro trimestre de 2003, o arguido, nas proximidades da sua residência vendeu a FGH, por duas vezes, uma dose de heroína pelo preço unitário de 25 €;
─ Em Fevereiro de 2003, o arguido, nas proximidades da sua residência, vendeu a JLAF, por três ou quatro vezes, uma dose de heroína pelo preço unitário de 25€;
─ No dia 28 de Fevereiro de 2003, o arguido, nas proximidades da sua residência, vendeu a MPF uma dose de heroína pelo preço de 25€;
─ As quantias monetárias apreendidas ao arguido, fossem produto da venda de substâncias estupefacientes.
2.4.
Como se viu, suscita o recorrente a questão da qualificação jurídica da sua conduta, pretendendo que deve ser condenado como autor de um crime do art. 26.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, traficante consumidor.

Pretende que sendo consumidor de produtos de estupefaciente à cerca de 7 anos (conclusão 1.ª), sendo-lhe estupefaciente com o peso liquido de 1,297 grs misturada com diazepam e fenorbital (conclusão 2.ª), destinado em parte, ao seu consumo, e, em parte a ser vendida, propondo-se assim a alimentar o seu vício e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida (conclusão 3.ª)

O que traduzia uma situação de tráfico-consumo, pois procurou com a mesma quantidade de estupefaciente satisfazer o seu vício e misturando-o com outras substâncias e obter produto para venda afim de obter proventos económicos com a única finalidade de satisfazer o seu consumo (conclusão 4.ª). O consumo individual diário de heroína encontra-se entre as 0,5 a 1 gr pelo que o produto estupefaciente apreendido não excedia o necessário para o consumo médio individual durante 5 dias (conclusão 7.ª)

Está provado, além do mais, que no dia 24.11.02, pelas 20h15m o arguido JAF detinha 11 embalagens contendo heroína, misturada com diazepam e fenorbital, tudo com o peso líquido de 1,297 grs que o arguido destinava, em parte, ao seu consumo e, em parte, a ser vendida a quem o solicitasse, propondo-se, assim, a alimentar o seu vício e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida.; o arguido durante 7 anos consumiu drogas, especialmente heroína, consumindo 1 a 1,5 dose diária, ao preço de 25 € a dose (sublinhado agora).

Impõe-se reconhecer que a expressão «propondo-se, assim, a alimentar o seu vício e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida» não é muito precisa, permitindo mais do que uma leitura. O segmento "alimentar o seu vício" aponta para a finalidade de obter produto estupefaciente para só para o seu consumo, mas o segundo segmento "e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida" é susceptível de criar dificuldades, pois que a vantagem económica parece surgir como algo que acresce ao "alimentar o vício", sendo qualquer coisa de distinto e logo não abrangida pelo fim de alimentar o vício.

É certo que, face à matéria de facto assente, o Tribunal a quo, ponderou, quando abordou a questão da qualificação jurídica da conduta do arguido, que «sendo o arguido toxicodependente e trabalhando esporadicamente, estas vendas surgem como um meio para alimentar o seu próprio vício», o que aponta para o carácter exclusivo desse fim, mas nem então de forma precisa. É que dúvidas não se colocam face à matéria de facto provada que tinha o arguido, com a venda de estupefacientes, o objectivo de suportar o seu vício, importando esclarecer, em sede de qualificação jurídica da sua conduta à luz do disposto no art. 26.º do DL n.º 15/93, se esse era ou não um objectivo exclusivo. Ora nesse ponto específico, nem na parte de subsunção dos factos ao direito, é precisa a decisão recorrida.

E vê-se que o Ministério Público faz na sua resposta à motivação uma leitura oposta à do arguido, ambas consentidas pelo texto da decisão recorrida que, por outro lado, não afasta insofismavelmente nenhuma delas.

Ora, o falado art. 26.º dispõe que "1. Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até 3 anos ou multa, se se tratar de plantas (...). 3. Não é aplicável o disposto no n.º 1 quando o agente tiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de 5 dias".

Daí que importe precisar o elemento respeitante à exclusividade ou não da finalidade do agente.
Por outro lado, importa ter igualmente em atenção que a heroína estava misturada com diazepam e fenorbital, tudo com o peso líquido de 1,297 grs (sublinhado agora) o que, aliás, foi atendido para efeito da qualificação jurídica na conduta do arguido, quando se escreve "considerando esta circunstância e a quantidade e qualidade da heroína apreendida, a qual tinha misturada outros produtos, podemos concluir que estamos perante um crime de tráfico em que a ilicitude se mostra consideravelmente diminuída."

Ora, está provado que "o arguido durante sete anos consumiu drogas, especialmente heroína, consumindo 1 a 1,5 dose diária, ao preço de 25 € a dose", mas não está esclarecido qual era essa dose, se correspondente ou não a uma das 11 embalagens que lhe foram detectadas, o que faria com que, a ser assim, se devesse considerar que aquelas doses dariam para um consumo de 7 dias (com um resto de ½ dose)., o que não ultrapassaria a necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, entrando-se em linha de conta com o disposto no art. 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29-11 («Por coerência do sistema (n.º 2 do art. 7.º do CC), deve entender-se que o n.º 3 do art. 26.º do DL 15/93, passou a referir-se ao período de 10 dias, só a partir daí sendo configurável uma situação de tráfico normal, pelo que se verifica uma derrogação parcial do mencionado n.º 3 v. art. 41.º da Lei n.º 30/2000, de 29-11» - Ac. do STJ de 20.3.02, Acs STJ X, 1, 243), o que permitiria, em tese, a eventual integração da conduta do arguido na previsão do art. 26.º do DL 15/93.

Finalmente, não se procedeu a uma análise qualitativa do princípio activo do produto apreendido que pudesse contribuir para dilucidar esta questão tendo presentes os limites máximos para cada dose individual estabelecidos na Portaria 94/96, de 26-03.

Verifica-se, pois, insuficiência da matéria de facto provada para a decisão [art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP], de que pode este Supremo Tribunal de Justiça conhecer oficiosamente (Ac. nº 7/95 19.10.95, DR IS-A de 28.12.95 e BMJ 450-72), o que impõe o reenvio para novo julgamento restrito às duas questões enunciadas: finalidade da venda projectada pelo arguido e para quantos de dias de consumo do arguido davam as doses que lhe foram apreendidas.
3.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em reenviar parcialmente o processo para novo julgamento, nos termos dos art.ºs 426.º e 426.º-A do CPP.
Sem custas.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2005.
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Costa Mortágua