Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
192/08.0TABGC-B.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
SENTENÇA CRIMINAL
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
ORDEM DOS ADVOGADOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO / NEGAÇÃO DA REVISÃO.
Doutrina:
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3º vol., p. 363.
- J.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, pp. 256-257.
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 17ª ed., p. 1062.
- Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do CPP, 4ª ed., p. 1207,
- Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Almedina, p. 1509.

Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 447.º N.º 1 ALÍNEA C), 449.º, N.º 1, ALÍNEA C) E 456.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA: - ARTIGO 29º N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 3-4-1990, PROCESSO. Nº 41800;
- DE 10-11-2004, PROCESSO Nº 3249/04;
- DE 17-4-2008, PROCESSO Nº 4840/07;
- DE 23-11-2010, PROCESSO Nº 1359/10.7GBBCL-A.S1;
- DE 7-9-2011, PROCESSO Nº 286/06.7PAPTM-C.E1.S1;
- DE 26-4-2012, PROCESSO Nº 614/09.3TDLSB-A.S1;
- DE 27-6-2012, PROCESSO Nº 847/09.2PEAMD-A.S1;
- DE 17-10-2012, PROCESSO Nº 2132/10.8TAMAI-C.S1;
- DE 22-1-2013, PROCESSO Nº 78/12.4GAOHP-A.S1;
- DE 20-11-2014, PROCESSO Nº 113/06.3GCMMN-A.S1;
- DE 3-12-2015, PROCESSO Nº 66/12.0PAAMD-A.S1.
Sumário : I - A al. c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP admite a revisão de sentença quando os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição entre eles resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
II - As decisões proferidas pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados em sede de exercício do poder disciplinar não são sentenças, mas sim atos administrativos.
III - Só as sentenças, isto é, as decisões finais proferidas por tribunais, podem ser invocadas como fundamento de revisão da sentença condenatória, nos termos da citada al. c).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




    I. Relatório


       AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por sentença de 6.11.2009 do Tribunal Judicial da extinta comarca de …, por um crime de injúria com publicidade agravado, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1, 183º, nº 1, a), e 184º, todos do Código Penal (CP), na pena de 150 dias de multa, à taxa de 15,00 € por dia; e ainda por um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts.180º, nº 1, e 184º do CP, na pena de 100 dias de multa à mesma taxa diária; em cúmulo, foi condenado em 190 dias de multa, com a mesma taxa diária.

     Inconformados, recorreram da sentença para o Tribunal da Relação ... o arguido, o Ministério Público e a assistente BB.

     Por acórdão de 29.9.2010, a Relação negou provimento ao recurso do arguido, e concedeu provimento ao recurso do Ministério Público e provimento parcial ao recurso da assistente, decidindo condenar o arguido, como autor material de três crimes de injúria com publicidade agravado, p. e p. pelos arts. 180°, n° 1, 183°, n° 1, a), e 184° do CP, na pena de 140 dias de prisão por cada um dos crimes, substituída, por igual tempo de multa à taxa diária de 25,00 €, e como autor material de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 180°, n° 1, e 184° do CP, na pena de 100 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa à mesma taxa diária, e, em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 350 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa à mesma taxa diária.

            Este acórdão transitou em julgado em 14.2.2011.

      Desta condenação interpôs o arguido recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art. 449º, nº 1, c) e d), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos:


A) Conforme doc. nº 1, os factos participados ao MP e ao Conselho de Deontologia … da Ordem dos Advogados e constantes dos autos, e que aqui se dão por reproduzidos, são os mesmos.

B) Os factos participados ao MP e dos quais deduziu acusação cf. fls. 86 e ss e que se dá por integralmente reproduzida foram dados como provados pelo Tribunal da 1ª Instância, cf. fls. 921 e ss e pelo Tribunal da Relação ..., cf. fls. 1787 e ss docs aqui dados por reproduzidos;

C) O Tribunal de Primeira Instância considerou os ilícitos criminais factos que deu como provados e condenou o aqui recorrente em multa e indemnização à assistente, cf. fls. 921 e ss;

D) O Tribunal da Relação ... deu provimento aos recursos da aqui recorrida e do MP no sentido de serem considerados provados factos constantes da acusação e agravou a sanção penal para 350 dias de prisão, substituídos por igual número de dias de multa bem assim a indemnização à assistente;

E) Conforme doc. nº 2 dado por reproduzido, os factos participados ao Conselho de Deontologia … da Ordem dos Advogados, com excepção da imputada “parcialidade e negligência grosseira”, não foram considerados desconformes às normas deontológicas consagradas no Estatuto da Ordem dos Advogados;

F) O Conselho Superior da Ordem dos Advogados também não considerou que os factos participados constituíssem qualquer falta disciplinar e revogou a decisão do Conselho de Deontologia … da Ordem dos Advogados, cf. docº nº 3 dado por reproduzido.

G) A parcialidade, negligência grosseira e iniquidade do despacho que se imputou à assistente no Processo 290/06.5T… e ora recorrida tiveram a confirmação judicial no Processo 583/07.4T… e são incompatíveis com as condenações sofridas pelo aqui recorrente, cf. doc. nº 8 dado por reproduzido;

H) De facto, onde a ora recorrida, conforme consta dos autos e requerimento “sub judice”, viu um crime de difamação agravado por calúnia (mais grave do que constava da acusação particular) no novo inquérito e Proc. 583/07.5T… o Tribunal de Instrução não pronunciou a arguida CC cf. doc. nº 8;

I) A acusação ordenada deduzir por no processo donde era oriunda ter “comprovação judicial” vinda pela pena até do mesmo Magistrado do MP que deduziu a acusação nos presentes autos e interpôs os recursos para o Tribunal Superior, cf. doc. nº 6 dado por reproduzido, não lograram obter o resultado pretendido e que era a condenação da arguida CC;

J) E a tramitação foi de tal maneira anómala que, em recurso da assistente naqueles autos, levou o Venerando Tribunal da Relação ... a referir-se “aos evidenciados laivos kafkianos que claramente caracterizam os presentes autos”, confirmando o despacho de não pronúncia, cf. doc. nº 7 dado por reproduzido, nomeadamente, pags. 16 e 25 do próprio documento;

K) Como se pode ver dos autos e doc. nº 9 dado por reproduzido a recorrida agiu por interesse extraprocessual e motivada pela contenda que tinha com o Conselho Superior de Magistratura onde na sua comarca de ingresso obteve a classificação de “suficiente”, tudo isto como só mais recentemente se veio a saber, cf. doc. nº 9 dado por reproduzido.

L) Utilizando no recurso para o STJ linguagem bem mais “robusta” como se deixou profusamente transcrito nos itens XXXIX e XXXIL dizeres que aqui consideramos transcritos, sem que o mínimo aponte lhe tivesse sido feito como se pode comprovar no doc. nº 9, resultando incompreensível que a ora recorrida participe de linguagem que considera difamatórios para a sua pessoa quando a própria e seu mandatário utilizam linguagem bem mais truculenta em peças processuais recursais para o CSM e STJ.

M) Como consta do doc. nº 9, a aqui recorrida teve centenas de faltas ao serviço e iniciou o ano de ingresso na Comarca de … com 30 faltas ao serviço, o que denota falta de robustez física e psicológica;

N) Como se vê das participações, a ora recorrida imputou ao ora recorrente a violação de seu brio profissional e objectivamente procurou sensibilizar os magistrados que intervieram no processo nas suas diversas qualidades, inclusivé, os que serviram como testemunhas;

O) De facto, no requerimento que despoletou a situação e que parcialmente se encontra transcrito nas participações anunciava-se expor superiormente os factos requerendo a gravação da audiência para o fazer fundadamente, cf. doc. junto com a participação in fine;

P) Foram os antecedentes profissionais e o contencioso com o CSM que determinaram a assistente numa deriva persecutória recorrendo a apoios corporativos, sendo o mais evidente o do Procurador da República no círculo, que tinha gabinete contíguo e que veio deduzir a acusação e interpor o recurso já que não conseguiu o desiderato de o MP apresentar a queixa, como se encontra profusamente demonstrado nos autos, a quem a recorrida promoveu que os autos fossem ao MP.

Q) Os factos dados como provados na 1ª e 2ª instâncias e a qualificação jurídico-penal que tiveram são incompatíveis com as decisões dos órgãos jurisdicionais da Ordem dos Advogados que não censuraram o ora recorrente e não encontraram matéria passível de procedimento disciplinar não lhe tendo sido apontada qualquer violação dos deveres deontológicos consagrados no Estatuto da Ordem dos Advogados e das “leges artes”, cf. docs 2 e 3 dados por reproduzidos;

R) Os factos dados como provados nas duas instâncias são ainda incompatíveis com os factos dados como provados no Proc. 583/07.4T… e que corroboraram as imputações que foram feitas à aqui recorrida, cf. docs 7 e 8;

S) Também os novos factos constantes da sua situação profissional e a factualidade do Processo 8/14.9Y… (cf. docº nº 9), que correu termos no Conselho Superior da Magistratura e no Supremo Tribunal de Justiça, em que a aqui recorrida é recorrente, põem a nu as suas fragilidades profissionais e motivações extraprocessuais, que certa e objectivamente terão presidido à actividade processual dos autos;

T) Mostra-se violado o art.º 208.º da Constituição da República Portuguesa que tem por epígrafe o Patrocínio forense e concede imunidade aos Advogados no exercício das suas funções profissionais e tem a seguinte redacção: a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

U) Mostra-se violado o artº 114.º nº 3 al. b) e que impõe o seguinte: 3 - A imunidade necessária ao desempenho eficaz do mandato forense é assegurada aos advogados pelo reconhecimento legal e garantia de efectivação, designadamente: b) Do direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto da profissão (destacado nosso);

V) Como violado se mostra o artº 13º nº 1, al. b) da LOFTJ aprovado pela Lei 62/2013, 26 de Agosto, e que consagra o livre direito ao patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto da profissão (destacado nosso).

W) Mostram-se ainda violados os art.s 6º e 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.


Respondeu o Ministério Público, dizendo[1]:


I. Do Objecto do Recurso

Por sentença de 06-11-2009, foi o arguido condenado, além do mais, na pena única de 190 dias de multa à taxa diária de € 15, num total de € 2850.

Não se conformando com tal decisão, o Ministério Público, a assistente e o arguido interpuseram o competente recurso para o Venerando Tribunal da Relação ..., tendo os recursos do Ministério Público e da assistente obtido provimento.

Assim, por acórdão de 29-09-2010 foi o arguido condenado, além do mais, na pena única de 350 dias de prisão substituída por 350 dias de multa à taxa diária de € 25, num total de € 8750.

Tal decisão transitou em julgado em 14-02-2011.

Por despacho de 07-10-2013 foi tal pena declarada extinta, pelo cumprimento.

Atenta a natureza dos factos imputados ao recorrente e contexto profissional em que foram praticados, comunicou-se o teor dos mesmos à Ordem dos Advogados, para procedimento disciplinar.

Em 07-05-2019, veio o arguido interpor recurso extraordinário de revisão por, no seu entender [e pelo que é possível depreender das conclusões de fls. 21 a 22 do presente apenso], terem sido proferidas uma decisão da Ordem dos Advogados e uma decisão no processo n.º 583/07.5T…, alegadamente, incompatíveis com a decisão que levou à sua condenação nos presentes autos, (conclusões A), B)), e, ainda, por terem surgido factos novos.



II – Da resposta

Considerando que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, as questões a apreciar prendem-se com as alegadas:

i) existência de decisões contraditórias entre si (Conclusões A a R); e

ii) a existência de novos factos relacionados com a situação profissional da assistente (Conclusão S).

Tais circunstâncias, segundo o recorrente, abalam a sentença e acórdão proferidos nos autos, não podendo manter-se a sua condenação, impondo-se, pois e segundo o mesmo, a revogação da sentença e acórdão proferidos. Vejamos.

Prevê o art. 449.º, n.º 1 do CPP que

“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem grave dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Como se sabe, o recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal. É, assim, como bem se referiu no colendo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-10-2011, “o meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça”, podendo basear-se em novos factos e/ou meios de prova que “por si só ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devem suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Feito este pequeno enquadramento, cumpre desde já referir que, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que ao recorrente não assiste razão, pelo que deve ser rejeitado o seu pedido de revisão, por falta de fundamento legal e/ou fáctico.

Assim, em relação ao ponto i) supra referido – existência de decisões contraditórias, cumpre consignar que do recurso apresentado – rectius, das suas conclusões -, não resulta a contrariedade relevante que permita e/ou justifique o pedido de revisão.

A inconciliabilidade de decisões, como ensinam SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, “traduz-se numa incompatibilidade, numa impossibilidade de combinar ou harmonizar, factos dados como provados na condenação com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, sendo que há-de entender-se como sentença “não só as sentenças nacionais, como as sentenças vinculativas do Estado Português, proferidas por uma instância internacional”.

Ora, o recorrente não demonstra que factos são esses, limitando-se a referir que no processo n.º 583/07.5T… obtiveram confirmação e são incompatíveis entre si (Conclusão G), não se vislumbrando o alcance (e relevância) do alegado nas conclusões I), J), K) L) a P) para efeitos do pedido de revisão.

Uma breve leitura dos factos dados como provados nos autos principais e no processo supra referido demonstram a falta de identidade (e relação) de objecto do processo e, consequentemente, da possibilidade atribuir provimento à pretensão do recorrente. É que, salvo o devido respeito, nem se vislumbra como se podem correlacionar tais factos e, menos ainda, retirar daí fundamento para rever a sentença e acórdão proferidos nos autos (o mesmo se dizendo em relação ao que é alegado na conclusão K), por exemplo).

Por outro lado, também em relação à decisão da Ordem dos Advogados no âmbito do processo disciplinar movido ao recorrente, [não] é possível obter fundamento para tal revisão e, por um motivo deveras simples: tal decisão não é uma sentença nos termos e para os efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. c)/g) do CPP. Ademais, seria também de não olvidar que os mesmos factos podem dar lugar as diferentes responsabilidades, como sendo, a responsabilidade criminal e a responsabilidade disciplinar, as quais não se confundem, excluem ou aniquilam. Donde, não é pelo facto de um órgão da Ordem dos Advogados não ter considerado violados determinados deveres deontológicos que não pode haver responsabilidade criminal pelos mesmos. Assim, forçoso será de concluir que também as conclusões E) e F) não poderá ser concedida autorização para a almejada revisão de sentença.

Invoca, ainda, o recorrente ii) a existência de novos factos relacionados com a situação profissional da assistente (Conclusão K) e S), para justificar a revisão da sentença, nomeadamente, por a mesma ter sido notada em sede inspectiva com a classificação de suficiente e por, alegadamente, estar em contenda com o Conselho Superior da Magistratura.

Novamente nos socorrendo dos ensinamentos da obra já citada, que por sua vez cita CAVALEIRO DE FERREIRA, há que ter presente que “factos são só os factos probandos, isto é «os factos constitutivos do próprio crime, os seus elementos essenciais» mas também «os factos dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime.” Assim, “há novos factos quando se puder afirmar que tais factos não foram apreciados na sentença a rever, embora não fossem ignorados pelo agente aquando do julgamento em que sofreu condenação”, sendo que “a novidade dos factos (…) avalia-se quanto ao processo, ao seu julgador e não relativamente ao arguido.”

Ora, também aqui se nos afigura que esses alegados novos factos não têm a virtualidade de impor/autorizar a revisão da sentença.

Acresce que, não basta a novidade dos factos; a mesma, tal como legalmente previsto, tem de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Assim, e neste ponto, não nos parece que pelo facto de a assistente ter tido determinada notação inspectiva e tenha recorrido aos meios legais previstos para pugnar por uma notação, na sua perspectiva, mais justa e adequada que seja suficiente para pôr em crise a sentença e acórdãos proferidos, questionando o zelo e brio profissionais, que, de resto, os elementos documentais juntos pelo próprio recorrente também não contrariam com a amplitude por si pretendida. Mais; nem tal contende com o sentimento necessariamente subjectivo de a mesma, pela conduta do arguido, se ter sentido ofendida e agastada na sua honra, consideração social, bom nome, sentimento de respeito e brio profissional (facto provado n.º 13 da sentença), já que as expressões usadas pelo ora recorrente foram consideradas objectivamente aptas a causar tal resultado e a violar o bem jurídico protegido pelos crimes pelos quais foi condenado.

Além disso, e como se aventou supra e a lei prevê, não resulta da suposta novidade a relevância pretendida pelo recorrente, nem a mesma permite suscitar graves dúvidas acerca da justiça da condenação, pelo que também este ponto não deverá dar azo a qualquer revisão da sentença/acórdão proferidos.

Em suma, na sequência de tudo quanto se deixa mencionado deve negar-se a revisão da sentença condenatória requerida e também considerar-se manifestamente infundado o seu pedido de revisão nos termos e para os efeitos do disposto no art. 456.º do CPP.

IV – Conclusões

1. O arguido foi condenado nos autos principais na pena única de 350 dias de prisão substituída por 350 dias de multa à taxa diária de € 25, num total de € 8750, mostrando-se a mesma cumprida e extinta.

2. Não obstante, entende o recorrente e foram proferidas decisões incompatíveis com os factos provados que determinaram a sua condenação, e, bem assim que surgiram factos novos que justificam a revisão da sentença/acórdão proferidos.

3. Analisados os argumentos apresentados pelo recorrente, entendemos que dos mesmos não se extraem os necessários fundamentos para que possa ser autorizado o seu pedido de revisão.

4. Não resulta da sentença proferida no processo n.º 583/07.5T… – nem o recorrente os evidencia – quaisquer factos contraditórios e incompatíveis com a decisão da sua condenação, não existindo identidade de objecto processual nem correlação entre os factos provados em cada uma das sentenças.

5. A decisão da Ordem dos Advogados não é e nem tem relevância ou natureza de sentença nos termos previstos e requeridos pelo art. 449.º, n.º 1, als. c)/g) do CPP.

6. A notação inspectiva da assistente e o facto de ter recorrido aos meios legais ao seu dispor para pugnar por outra classificação não é, na nossa perspectiva, um facto novo que legitime a almejada revisão da sentença pois, além do mais

7. dos mesmos não resultam graves dúvidas acerca da justiça da condenação sofrida pelo recorrente.

8. Não estão preenchidos os pressupostos do art. 449.º, n.º 1, als. c) e d) do CPP.

9. O recurso extraordinário existe para reagir a erros crassos e intoleráveis que não ocorreram nos autos, sendo manifestamente infundado, in casu, o pedido de revisão.

10. Consequentemente, deve o mesmo ser negado, nos termos e com os efeitos previstos no art. 456.º do CPP.


O sr. Juiz titular do processo prestou a seguinte informação, ao abrigo do art. 454º do CPP:


Foi apresentado, pelo Arguido, recurso de revisão de decisão condenatória proferida no âmbito do processo n.º 192/08.0…-B, que correu termos neste Tribunal, decisão que já se mostra transitada em julgado.

Por Acórdão proferido nos autos principais, o Tribunal da Relação de ... condenou o Arguido AA, em cúmulo jurídico, numa pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 25,00, num total de € 8750,00, bem como no pagamento à Assistente da quantia de € 5.000,00, pela prática de um crime de difamação agravado e outro de injúria agravado.

O presente recurso foi admitido por despacho de 13-06-2018.

Tal decisão transitou em julgado em 14-02-2011.

A Digna Magistrado do Ministério Público apresentou resposta, que se mostra junta a fls. 322 a 330 dos autos.

O recurso interposto pelo Arguido tem três fundamentos: existência de decisões contraditórias entre si, a existência de novos factos relacionados com a situação profissional da Assistente e a violação de normativos legais de cariz constitucional e de direito internacional.

Apreciando.

O artigo 449.º, n.º 1, alíneas c) e d) preceitua que “a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (...) c) os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação ”;

Relativamente ao fundamento da contradição entre os factos da presente condenação e os dados como provados noutra sentença, desde logo se diga que o Recorrente não os explicita no seu recurso.

De qualquer modo, analisando os factos dados como provados nos autos principais e no processo n.º 583/07.5T…, não se vislumbra qualquer contradição e até (como salienta a resposta do Ministério Público) inexiste identidade de objeto do processo.

O mesmo se diga em relação à decisão da Ordem dos Advogados no âmbito de um processo disciplinar.

Tal não constitui sentença para estes efeitos.

No que concerne à fundamentação da revisão pela aplicação da alínea d) do mesmo preceito, o Arguido limita-se a pugnar pela existência de novos factos relacionados com a situação profissional da Assistente.

Para serem motivo de revisão, os factos novos, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devem suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Não se consegue vislumbrar que tal suceda nos presentes autos.

Por último, o Arguido afirma que foram violados normativos legais de cariz constitucional e de direito internacional.

Tais normativos deviam ter sido invocados (e conhecidos) nos autos principais.

Não consta do elenco do artigo 449.º n.º 1 do Código de Processo Penal qualquer fundamento que sustente a pretensão do Arguido.

Deste modo, não se vislumbra qualquer motivo que fundamente o recurso apresentado nos termos da alínea c) e d) do n.º 1 do art.º 449.º (ou até de qualquer outra alínea).

Pelo exposto, concordando com a posição expressa pelo Ministério Público, entende-se que o recurso interposto não é provido de mérito.


Neste Supremo Tribunal de Justiça, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer, nos termos do art. 455º, nº 1, do CPP[2]:


I. Decisão recorrida e fundamentos e pedido do recurso.

1. Vem o arguido Dr. AA, advogado, com os sinais dos autos - doravante, Recorrente - interpor recurso extraordinário de revisão de sentença do douto acórdão de 22.9.2010 do Tribunal da Relação ..., transitado em julgado - doravante, Acórdão Recorrido -, proferido no PCS n.º 192/08.0T… do ex-Tribunal Judicial da Comarca de … que, na procedência de recursos interpostos pelo Ministério Público e pela assistente/ofendida Dra. BB, juíza ..., agravou os termos da sua condenação proferida em 6.11.2009 em 1ª instância, condenando-o, entre o mais, pela seguinte forma:

- Como autor material de três crimes de injúria com publicidade, agravado, p. e p. pelos art.ºs 181º n.º 1, 183º n.º 1 al.ª a) e 184º do CP, na pena de 140 dias de prisão por cada crime, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de € 25,00, num total de € 3 500,00 por cada crime;

- Como autor material de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos art.ºs 181º n.º 1 e 184º do CP, na pena de 100 dias de prisão substituída, ao abrigo do art.º 44° do CP, por igual tempo de multa à taxa diária de € 25,00, num total de € 2 500,00;

- Em cúmulo jurídico, na pena única de 350 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de € 25,00, num total de € 8 750,00.

Convoca os seguintes fundamentos de revisão: A inconciliabilidade, nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª c) do CPP, dos factos que no Acórdão Recorrido fundaram a condenação com os dados como provados em três outros actos decisórios, a saber, na Decisão Instrutória de Não Pronúncia proferida em Acórdão do Tribunal da Relação ... de 29.6.2011 no Proc. de Instrução n.º 583/07.5T… do ex-Tribunal Judicial da Comarca de …; no Acórdão do Conselho Deontológico do … da Ordem dos Advogados proferido a 26.5.2014 no Proc. Disciplinar n.º 5…6/2008-P/D; e no Acórdão do Conselho Geral da mesma Ordem proferido em 13.10.2018 no Proc. n.º 2…7/2014-CS/R - Conclusões A. a J., Q. e R. da motivação;

A descoberta - al.ª d) do mesmo preceito -, de novos factos respeitantes à situação profissional da Dra. BB, apurados no Recurso Contencioso n.º 8/14.9Y… deste STJ, que «põem a nu as suas fragilidades profissionais e motivações extraprocessuais, que certa e objectivamente terão presidido à actividade processual dos autos» - Conclusões L. a P. e S. da motivação.

A violação dos dispositivos dos art.s 208º da CRP, 114º n.º 3 al.ª b) da LOFTJ, 13º n.º 2 al.ª b) da LOSJ e 6º e 10º da CEDH - Conclusões T a W.

Pede, na procedência do recurso, a revogação da sentença de 1ª instância e do acórdão da 2 ª instância.

Instrui o recurso com certidões várias, entre elas as do Acórdão Recorrido e da sentença 1ª instância, das decisões que diz em oposição com ele e do Acórdão do STJ proferido no Proc. n.º 8/14.9Y… .

II. Tramitação do recurso em 1ª instância (art.s 451° a 454° do CPP).

2. Recebido o recurso no Juízo Local Criminal de …, respondeu-lhe a Exma. Procuradora Adjunta, opiando pela sua improcedência.

Não foi produzida outra prova para além da documental arrolada pelo Recorrente.

Na informação prevista no art.º 454º do CPP a Exma. Juíza pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso.

III. Crítica do recurso.

A. Recurso de revisão: considerações gerais

3. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nas situações em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça».

O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal. Mas fim do processo é, também e antes do mais, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, admitindo-se - di-lo a Constituição da República Portuguesa, art.º 29º n.º 6 - a revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».

Espaço de realização, assim, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão penal está regulado nos art.s 449º a 466º do CPP, enunciando, logo, o n.º 1 do primeiro dos preceitos os - todos os - fundamentos da revisão.

Um deles - al.ª c) -, o da inconciliabilidade dos «factos que» tiverem servido «de fundamento à condenação […] com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação»; outro - al.ª d) -, o da descoberta de «factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

Sendo um expediente excepcional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito», o recurso de revisão não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário, só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"» o podendo legitimar.

E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa».

4. «O fundamento de revisão de sentenças previsto na al. c) do n.° 1 do art.° 449.° do CPP contém dois pressupostos, de verificação cumulativa: por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e, por outro lado, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação».

A oposição só releva se se verificar entre sentenças, que «somente das decisões resultantes de audiência de discussão e julgamento, há fixação definitiva de factos, pelos quais, se formula em definitivo, um juízo de existência ou inexistência de ilicitude e de culpabilidade, de condenação ou de absolvição», não valendo, designadamente, para o efeito uma decisão instrutória, «uma vez que inserida na fase de instrução assenta em elementos indiciários, ou de mera probabilidade».

Podendo servir como contraponto da criminal «qualquer outra sentença, seja ela absolutória ou condenatória, proferida em processo criminal ou noutro» e antes ou depois dela, ponto é que «[a] inconciliabilidade de decisões que pode fundar a revisão tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e os factos dados como provados em outra decisão […], o que significa que é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda», só existindo «verdadeira contradição para o efeito que aqui interessa, entre factos provados em decisões diferentes, que se não conciliem e respeitem à mesma pessoa condenada, e que contendam com a responsabilidade criminal desta».

E tendo, ainda, tal inconciliabilidade que se traduzir «em contradição, em conjunções de factos que se chocam, seja por contradição física ou natural, seja por desconformidade da ordem da razão lógica entre relações factuais, de tal modo relevantes para gerar incerteza sobre os fundamentos da condenação»; que se verificar entre factos provados, apenas, e não, v. g., entre provados e não provados; e que respeitar «à imputação do crime, aos seus elementos constitutivos ou à escolha e medida das sanções principais e acessórias».

Na sua acepção mais restrita, «[a] expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão».

Concede, contudo, alguma jurisprudência que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos àquele tempo pelo requerente da revisão, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal».

E embora a norma fale apenas em meios de prova, «vale também, por interpretação extensiva, para a produção de novos meios de obtenção de prova».

Condição necessária da revisão, a existência de factos inconciliáveis noutra sentença ou a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, todavia, suficiente, havendo uns e outros de lançarem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» - al.s d) e c) citadas, parte final.

E dúvidas efectivamente graves ou sérias, que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada».

Havendo, ainda, o facto e, ou, meio de prova novos de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado».

E sendo que é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena a revisão não poder ser autorizada», até porque o «recurso de revisão não se destina a ir à procura de fundamentos de revisão, ou a investigar a possibilidade abstracta, não suportada por qualquer dado concreto, da existência de qualquer um deles».

B. Fundamentos do recurso.

a. A inconciliabilidade de decisões: art.° 449° n.° 1 al. c) do CPP.

5. Presentes as considerações que precedem e revista a motivação do recurso e os documentos produzidos na perspectiva do fundamento previsto no art.° 449° n.° 1 al. c) do CPP, tem-se então que, para o Recorrente, os factos em que o Acórdão Recorrido fundou a sua condenação são inconciliáveis com os dados como provados no Acórdão do TRP de 29.6.2011 proferido no Proc. de Instrução n.º 583/07.5T… e nos acórdãos dos órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados de 26.5.2014 - Proc. n.º 5…6/2008-P/D e de 13.10.2018 - Proc. n.º 2…7/2014-CS/R.

Mesmo sem entrar na substância da questão - isto é, antes de se saber quais os factos provados em cada um dos lugares; qual a relação entre eles, de compatibilidade ou de exclusão; e quais as repercussões da, eventual, incompatibilidade sobre a justiça da condenação -, antes de tudo isso, dizia-se, logo se impõe afirmar que o recurso, com este fundamento, está manifestamente condenado ao insucesso por falhar o pressuposto, incontornável, de que inconciliabilidade se verifique entre sentenças apenas, como já se referiu em 5, supra.

Ora, pensa-se que nem o próprio Recorrente contestará que os actos decisórios de que se valeu não são sentenças: os acórdãos dos órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados são actos administrativos no sentido que lhes davam, ao tempo, os art.s 120º e 2º n.s 1 e 2 al.ª b) do CPA/1991 e lhes dão, hoje, os art.s 148º e 2º n.s 1 e 4 al.ª d) do CPA/2015; a decisão de não pronúncia, essa, pese proferida sob a forma de acórdão, é um despacho no sentido do art.º 97º n.º 1 al.ª b) do CPP, é um acto que, apesar de ter posto termo ao processo, não conheceu a final do seu objecto.

O que, repete-se, logo obsta irremediavelmente à procedência do recurso com este fundamento.

6. Mas que assim não fosse, não se vê - e, em boa verdade, o Recorrente também não os identifica, como lhe cumpria, até porque, tratando-se de um recurso extraordinário, se lhe exigia particular rigor e precisão na alegação - que factos provados do despacho de não pronúncia ou dos actos disciplinares podem estar em contradição com os que no Acórdão Recorrido determinaram a condenação.

Com efeito:

Admitindo, assim, a mero benefício de raciocínio, que uma decisão judicial possa ser confrontada com actos administrativos, a verdade é que o que se vê no provado do Acórdão Recorrido e dos acórdãos da OA são, precisamente, os mesmos factos nucleares - é dizer, a emissão pelo Recorrente, na qualidade de mandatário judicial da sua mãe CC e no contexto do seu exercício forense, dos comentários, uns de viva voz, outros escritos, dirigidos à assistente Juíza Dra. BB a propósito da actuação funcional dela no PCS n.º 290/06.5T… e no Proc. de Instrução n.º 983/06.3T…, ambos do ex-Tribunal Judicial da Comarca de … -, apenas os apartando as circunstâncias, de direito, de, no primeiro, tais factos terem sido encarados no seu significado criminal - e aí se tendo entendido que corporizavam, objectiva e subjectivamente, a comissão dos crimes de injúria por que houve condenação -, e, nos dois outros, de terem sido avaliados na perspectiva da deontologia dos advogados - onde, pese comprovados na sua materialidade, se entendeu que, por falência do nexo subjectivo, numa parte, por actuação da causa de exclusão da ilicitude do art.º 95º n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, na outra, não relevavam da infracção disciplinar por violação dos deveres de integridade (art.º 83º do EOA), (geral) de urbanidade (art.º 90º do EOA) e de correcção (art.º 105º n.º 1 do EOA), por que o Recorrente ali vinha acusado, por isso que se decretando o arquivamento do procedimento.

O que só pode significar, repete-se, que os factos mobilizados nos procedimentos judicial e administrativo não só são os mesmos como receberam a mesma resposta probatória, por isso que não se conseguindo descortinar inconciliabilidade que releve para os fins do art.º 447º n.º 1 al.ª c) do CPP.

E as coisas não ficam mais fáceis - bem pelo contrário! - se se tomar como parâmetro da antítese a decisão de não pronúncia no Proc. Instrução n.º 583/07.5T… .

Na verdade:

- Com origem em certidão do PCS n.º 290/06.5T… por via da alteração substancial de factos ali reconhecida em 7.5.2007 nos termos do art. 359º n.º 1 do CPP, teve a instrução em causa por objecto a acusação particular deduzida pela assistente DD contra a CC, (também) mãe dela, aí (de novo) patrocinada pelo Recorrente, imputando-lhe a comissão de crime de difamação agravada p. e p. pelos art.s 180º n.º 1 e 183º n.º 1 al.ª d) do CP;

- Crime esse consistente, segundo o libelo, em, na data e local indicados e na presença de conhecidos de ambas, a CC ter dito que a sua filha DD tinha requisitado 10 cheques numa instituição bancária em seu nome e que tinha falsificado a sua assinatura em quatro deles, o que fez com a intenção de atingir a DD na sua honra e consideração e sabendo da falsidade da imputação;

- Na decisão instrutória de 1ª instância apenas se assentou indiciariamente em que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação particular, a arguida tinha mantido uma conversa com uma pessoa aí identificada;

- Tudo o mais da peça acusatória foi dado com não suficientemente indiciado e decidiu-se pela não pronúncia da CC pelo crime de difamação com calúnia;

- E o mesmo aconteceu no Tribunal da Relação ..., no Acórdão de 29.6.2011 que o Recorrente ora convoca, que, em recurso movido pela assistente DD, confirmou nos seus precisos termos a decisão instrutória de 1ª instância.

Ora, vista assim nos seus traços gerais, em que é que esta decisão contradiz, no plano dos factos assentes - ou em quaisquer outros! -, a proferida no Acórdão Recorrido?

Salvo o muito devido respeito, em rigorosamente nada: apesar da existência de um envolvido comum - o Recorrente, arguido, num, e mandatário da arguida, no outro - e, até, da verificação de uma certa interdependência dos procedimentos - o Acórdão Recorrido conheceu, entre o mais, de factos praticados pelo Recorrente no PCS n.º 290/06.5T… que, de seu lado, deu origem ao Proc. de Instrução n.º 583/07.5T… -, a realidade é que os factos respectivos não apresentam entre si qualquer conexão de identidade ou de exclusão, isso pois que enquanto no Acórdão Recorrido se conheceu da conduta funcional do Recorrente na veste de advogado nos PCS n.º 290/06.5T… e no Proc. de Instrução n.º 983/06.3T… - e, nessa medida, deram-se como provados os actos de injúria que praticou e que ofenderam a Assistente Dra. BB -, já na decisão instrutória conheceu-se da conduta da CC na perspectiva do crime de difamação na pessoa da DD de que ali estava acusada - e nessa medida, deu-se como provado o, único, facto da existência de uma conversa entre aquela e uma terceira pessoa, de conteúdo não apurado, de resto, absolutamente improdutivo do ponto de vista da indiciação criminosa aí em jogo.

Factos que - bem se verá -, não obstante os laços de parentesco entre o Recorrente e aquelas duas intervenientes, não apresentam, repete-se, qualquer relação entre si, muito menos em termos de uma qualquer inconciliabilidade de factos provados num lugar e no outro. Factos que, de qualquer modo, sempre teriam que respeitar - mas muito claramente não respeitam - «à mesma pessoa condenada» e que «contend[er]» - mas muito claramente, também, não contendem - «com a responsabilidade criminal desta».

O que tudo vale por dizer - e com isto se termina nesta parte - que também por referência à Decisão Instrutória proferida no Proc. n.º 583/07.5T… se não vê fundamento (de autorização) de revisão nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª c) do CPP.

b. A superveniência de novos factos ou meios de prova: art.° 449° n.° 1 al. d) do CPP.

7. Mais breve será a pronúncia sobre os dois outros fundamentos de revisão invocados, a começar por este da descoberta de novos factos e meios de prova que põem em causa a justiça da condenação que o Recorrente identifica no Acórdão do STJ de 14.10.2015 proferido no Rec. Contencioso n.º 8/14.9Y… .

Transcreveu-se acima o que vem entendendo a jurisprudência deste STJ sobre o que sejam factos novos para efeitos de revisão de sentença, e concede-se que, pelo menos os relatados no Acórdão em causa posteriores a 6.11.2009 - data da prolação da sentença em 1ª instância nos presentes autos (principais) -, sejam novos para os fins do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP, por necessariamente não conhecidos nem pelo tribunal nem pelo Recorrente à data da condenação.

Ignora-se, porém, quais sejam os factos constantes do aresto que o Recorrente tem em mente, sendo que, à semelhança do que se assinalou em 6. supra, lhe cumpria arrolá-los com precisão e rigor, não bastando dizer genericamente, como diz, que a situação profissional espelhada no mencionado acórdão «põem a nu [...] fragilidades profissionais e motivações extraprocessuais» da Dra. BB «que certa e objectivamente terão presidido à actividade processual dos autos».

Logo por aí devendo este fundamento do recurso improceder, até porque, como também já referido, é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena a revisão não poder ser autorizada» e porque o «recurso de revisão não se destina a ir à procura de fundamentos de revisão, ou a investigar a possibilidade abstracta, não suportada por qualquer dado concreto, da existência de qualquer um deles».

8. Mas mesmo que outro seja o entendimento deste Colendo Supremo Tribunal, nem assim se pode acompanhar a pretensão do Recorrente.

Com efeito:

O Acórdão do STJ em causa foi o acto final de um procedimento inspectivo ao serviço da Senhora Juíza Dra. BB entre 1.9.2006 a 31.8.2012 no, então, … Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de … . O que, a priori, o credencia como elemento potencialmente válido para os fins pretendido pelo Recorrente, uma vez que os factos que mais próxima ou mais remotamente se relacionaram com a sua condenação no Acórdão Recorrido ocorreram, precisamente, naquele … Juízo e dentro do período inspeccionado, mais concretamente, entre Setembro de 2006 e finais de 2008, no seu mor.

Acontece porém que, percorrido o elenco dos factos do Acórdão, nele não se descortina qualquer alusão ao PCS n.º 290/06.5T… e à Instrução n.º 98/06.3T… ou, sequer, à Instrução n.º 583/07.5T…, que, como repetidamente visto, são os procedimentos mais próximos do que se discute neste recurso extraordinário. O que, logo, dificulta, se não impossibilita, a identificação de factos novos com eles relacionados, directamente, pelo menos.

De outro lado, quanto às capacidades humanas para o exercício da função - onde, se bem se alcança o raciocínio do Recorrente, residiriam, afinal, as razões novas que evidenciariam a justeza do seus comentários e a injustiça da sua condenação - o douto Acórdão deu com adquirido que «[a] Exma. Sra. Juíza Dra. BB tem qualidades humanas para o exercício da judicatura - idoneidade cívica, independência, isenção, dignidade de conduta, bom relacionamento genérico com os operadores judiciários, serenidade e reserva no exercício da função, sentido de justiça e a necessária percepção da envolvente sócio-cultural». Circunstâncias que representam sinal de sentido precisamente contrário ao que poderia sustentar a tese do Recorrente.

E sendo ainda que o que, fundamentalmente, ali ditou a atribuição à Senhora Magistrada da classificação notativa de suficiente - positiva, sublinhe-se - foi a «deficiente adaptação ao serviço, com uma reduzida capacidade ao nível da organização e gestão processual, a implicar consequências negativas em termos de produtividade e tempestividade». Circunstâncias que, no mínimo, são indiferentes àquela tese.

E vale tudo assim por dizer que não será no Acórdão notativo sempre referido que se encontrarão factos novos que ponham em dúvida - de mais a mais, grave - a justiça da condenação recorrida.

Por isso que não se colhendo, igualmente, apoio para o fundamento de revisão do art.º 449 n.º 1 al.ª d) do CPP.

c. A violação dos dispositivos dos art.s 208° da CRP, 114° n.° 3 al. b) da LOFTJ, 13° n.° 1 al. b) da LOSJ e 6º e 10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

9. Esgrime, por último, o Recorrente com a violação das normas dos art.s 208° da CRP, 114° n.° 3 al. b) da LOFTJ, 13° n.° 2 al. b) da LOSJ e 10° da CEDH em prol da autorização da revisão.

Sem razão, de novo, salvo o devido respeito.

Com efeito:

Disse-se acima que o art.º 449º n.º 1 CPP indica nas suas sete alíneas os fundamentos do recurso de revisão, todos eles.

No elenco taxativo de preceito, não se encontra o fundamento violação de lei, mesmo que constitucional ou, até, supraconstitucional. O mais próximo disso é a existência de uma declaração do Tribunal Constitucional de «inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação». O que manifestamente não vem invocado no recurso.

A violação de lei poderá, assim e apenas, ser fundamento de recurso ordinário ou, tratando-se de lei constitucional ou equiparada, de recurso, em determinadas condições, para o Tribunal Constitucional.

Disse-se acima que o recurso de revisão não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa».

Ora, é precisamente um recurso dessa natureza o que, salvo o devido respeito, o Recorrente intenta neste segmento da sua impugnação, querendo continuar a discutir no recurso extraordinário questões que já suscitou na contramotivação aos recursos (ordinários) do Ministério Público e da Assistente - vejam-se, entre outras, as conclusões A), B) e E) dessa peça - e em que decaiu no Acórdão Recorrido.

Não representando, assim, a actual impugnação mais do que uma apelação disfarçada, mais do que um (pretenso) recurso de revisão sem apoio em qualquer um dos fundamentos dos art.º 449º n.º 1 do CPP.

Por isso que irremediavelmente votado ao insucesso.

O que, por fim, aqui se sustenta.

IV. PARECER

10. Termos em que, com atenção a todo o exposto e por considerar que o presente recurso extraordinário de revisão não encontra fundamento no art.º 449º n.º 1 als. c) e d) do CPP, nem em qualquer uma das restantes cinco alíneas do preceito, pronuncia-se o Ministério Público por que, na sua improcedência, seja negada a autorização da revisão do Acórdão do Tribunal da Relação ... impugnado, nos termos deduzidos ou em quaisquer outros.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II. Fundamentação


1. O recurso extraordinário de revisão


O recurso extraordinário de revisão, p. e p. pelo art. 449º do CPP, tem assento constitucional no art. 29º, nº 6, da Constituição, que concede o direito à revisão da sentença aos “cidadãos injustamente condenados”.

Este recurso constitui, pois, uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2º da Constituição).

Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado.[3]

A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica.

Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias.

O recurso de revisão constitui pois um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar.

O art. 449º do CPP permite a revisão de decisões transitadas nos casos indicados no seu nº 1, lista que se deve considerar taxativa pelas razões indicadas. Dispõe o preceito:


1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

(…)


O recurso não se restringe a sentenças condenatórias, como sugere o texto constitucional. Efetivamente, nos casos previstos nas als. a) e b), o recurso de revisão pode incidir tanto sobre sentenças condenatórias como absolutórias, estando portanto subjacente ao recurso um claro interesse de ordem pública, com vista à salvaguarda da genuinidade da administração da justiça, e consequentemente da confiança da comunidade na justiça, que prevalece sobre o interesse do condenado, no caso de absolvição; nos restantes casos, o fundamento da revisão é pro reo, pois destina-se a salvaguardar a justiça da condenação, só podendo portanto incidir sobre sentenças condenatórias.


2. O requisito da al. c) do nº 1 do art. 449º do CPP


Dois são os pressupostos cumulativos do requisito previsto nesta alínea:

- que os factos que fundamentaram a condenação sejam inconciliáveis com os considerados provados noutra sentença;

- e que dessa oposição resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Os factos de uma e outra das sentenças têm pois de ser rigorosamente incompatíveis, uma incompatibilidade fáctica ou lógica claramente discernível e incontestável.

Só se verificará essa incompatibilidade se a oposição se referir a factos provados nas duas sentenças, e não a uma contradição entre factos provados e não provados. Verdadeiramente, neste último caso, não existe sequer contradição, porque um facto não provado não afirma o facto oposto, ou seja, a negação de um facto nada afirma, pelo que não pode contrariar uma afirmação.

Por outro lado, só a oposição entre sentenças, ou seja, decisões dos juízes que conhecem a final do objeto do processo (art. 97º, nº 1, a), do CPP), está prevista no preceito. Não servem portanto de fundamento de revisão a oposição entre a sentença condenatória e uma decisão de outro tipo a nível judicial, como o despacho de não pronúncia, ou o despacho de arquivamento do Ministério Público, ou decisões tomadas por entidades administrativas.

A sentença invocada como estando em contradição com a revidenda pode ser produzida no âmbito criminal, como em qualquer outra jurisdição.

E pode ser condenatória ou absolutória, como pode ser anterior como posterior à condenação que é impugnada no recurso de revisão. O que importa é que esteja transitada em julgado.

Mas a inconciliabilidade dos factos não basta. Importa ainda, como vimos, que a oposição dos factos induza graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A oposição terá portanto de referir-se aos elementos constitutivos do crime, e não a elementos incidentais, e colocar o julgador perante uma dúvida insanável sobre a verificação de qualquer deles.

Só assim será possível a revisão.


      3. Novos factos ou meios de prova: al. d)


       Esta alínea admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

      Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado.[4]

Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.

      Expressamente afasta a lei a possibilidade de este recurso ter como único fim a “correção” da pena concreta (nº 3 do art. 449º do CPP).

E igualmente vedado está que o recurso tenha como finalidade exclusiva “corrigir” a qualificação jurídica dos factos, ainda que ela se afigure a posteriori “injusta” ou “errada”.

      Para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas.

       Há que precisar o alcance da novidade dos factos ou meios de prova.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, no domínio do Código de Processo Penal de 1929 e ainda nos primeiros anos do atual, entendia que “factos novos” eram aqueles que não foram apreciados no processo que conduziu à condenação, mesmo que não fossem desconhecidos do arguido no momento do julgamento.[5]

Mas esse entendimento foi progressivamente revisto desde há vários anos e hoje a posição consolidada, se não mesmo uniforme, é no sentido de que os factos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o próprio arguido recorrente.[6]

       É esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excecional do recurso de revisão. Na verdade, essa excecionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.

Poderá aceitar-se, no entanto, o conhecimento anterior dos factos pelo recorrente nas situações em que ele não pudesse ter atempadamente (até à audiência de julgamento) apresentado os factos que invoca no recurso de revisão. Mas esse impedimento terá de ser absoluto e inultrapassável e terá de ser justificado em termos razoáveis e aceitáveis em sede de recurso[7]. Doutra forma, a excecionalidade do recurso de revisão e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica, caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.

           

       4. Os factos


       Os factos dados como provados em 1ª instância foram os seguintes:


1. O arguido é advogado e foi constituído defensor por sua mãe CC, que é arguida no processo n.º 290/06.5T…, a correr termos pelo … Juízo do Tribunal Judicial de … .

2. Foi também constituído mandatário pela mesma Isilda sua mãe, para a representar como assistente no processo n.º 985/06.3T…, que igualmente corre termos pelo … Juízo do Tribunal Judicial de … .

3. Naquele Tribunal e Juízo, exerce funções de Juíza de Direito a participante, Sr.a Dr.a BB, a quem coube intervir naqueles dois processos, presidindo aos actos processuais ali havidos e proferindo decisões judiciais.

4. Em 26/02/2008, no debate instrutório que teve lugar no processo n.º 985/06.3T…, presidido pela Mm.a Juíza BB, o arguido, agindo em nome próprio mas arrogando-se agir em nome e em representação da aí assistente e simultaneamente sua mãe CC, mas sem o prévio conhecimento ou acordo desta, quando lhe foi concedida a palavra para a síntese final, dirigindo-se à Mm.a Juíza, disse-lhe, de viva voz, V.ª Ex.ª não percebe nada de nada... eu acho até que não devemos ter frequentado as mesmas faculdades, não devemos ler os mesmos livros e não temos os mesmos valores.

5. Em 13/03/2008, deu entrada, no Tribunal Judicial de …, um requerimento, dirigido ao processo n.º 290/06.5T…, elaborado e assinado pelo arguido, ainda que em nome da dita CC, sua mãe e arguida naqueles autos, mas sem o prévio conhecimento ou o acordo desta, no qual, este, dirigindo-se à Mm.a Juíza, afirmou, para além do mais, o seguinte: para que conste e para quem estes autos vir, saber que o despacho que remeteu os autos para inquérito por pretenso crime mais grave do que aquele de que a arguida vinha acusada, é uma iniquidade, atestada pelo douto e extenso aresto do Venerando Tribunal da Relação ... (. . .) e que julgou os factos em dissídio com a assistente sua filha, que correram termos no Tribunal Judicial de Valongo (...). Será que o Tribunal de … está tão cego que não vê o «claramente visto», como dizia o Poeta? E mais cego que o cego, como diz o adágio popular, é aquele que não quer ver. Que acontecimentos estranhos se estarão a passar para que o Tribunal de … não aprecie e julgue os factos dos seus processos, com a imparcialidade, a clareza e a justeza que se impõe, vendo-se obrigar a participar superiormente os factos, por tão anómalas decisões. QUE «JUSTIÇA» VEM A SER ESTA??? Que VALORES ÉTICO-JURÍDICOS constituem o referencial dos Magistrados do Tribunal de … e que têm apreciado e julgado os processos da aqui arguida??? Magistrados que não efectuaram as diligências requeridas, que não ouviram a arguida em sede de julgamento quando tencionava falar e as suas testemunhas foram desconsideradas pelo tribunal, que ignorou os documentos e falta deles, revelando o processo ostensiva e grosseira parcialidade.

6. Requerimento cujo conteúdo a Mm.a Juíza participante teve conhecimento funcional em 26/03/2008, por ter sido nessa data que o processo lhe foi concluso.

7. Em 18/03/2008, deu entrada, no Tribunal Judicial de …, um requerimento, dirigido ao processo n.º 985/06.3T…, elaborado e assinado pelo arguido, ainda que em nome da assistente mas sem o prévio conhecimento ou o acordo desta, no qual este, dirigindo-se à Mm.a Juíza, para além do mais, escreveu que já durante o debate instrutório (...) o tribunal denunciava ou deixava antever a decisão de não pronúncia.

8. Requerimento cujo conteúdo a Mm.a Juíza participante teve conhecimento funcional em 25/03/2008, por ter sido nessa data que o processo lhe foi concluso.

9. O arguido endereçou à M.ma Juíza participante uma missiva por si elaborada e assinada, não datada, mas recebida pela própria em 10/04/2008, na qual escreveu e afirmou, para além do mais, que, vem a presente, nos termos do art: 91.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, para lhe comunicar que pretendo subscrever procedimento disciplinar junto do Conselho Superior da Magistratura por V. Excia, em meu entendimento, ter violado gravemente os seus deveres enquanto magistrada judicial e no exercício dos mesmos e isto nos Proc. 290/06.5T… e 985/06.3T…, em que é arguida e assistente, respectivamente, CC, que patrocino. Do meu ponto de vista, V. Excia violou de uma forma muito grave os seus deveres nas altas funções em que está investida, conforme se denunciou naquele processo (...). O requerimento das cassetes áudio naquele processo pretendeu ser e é um grito de indignação pelo que considero o iníquo despacho e pretendeu ainda reparar a mancha que nos referidos autos pende sobre o bom nome de uma anciã portuguesa honesta e honrada, que como muito sabe é quem me deu o ser e que muito bem conheço. (...). Sente-se indignada e é um direito seu, que partilho, porque este modus operandi e julgandi nos Tribunais, tem que se denunciar a outras instâncias, para a ele se pôr cobro. (...) Além da referida denúncia, irá ser apresentada queixa dos magistrados que intervieram no processo junto do CSM (…). As razões serão expostas na participação em questão. Mais comunico que irei também apresentar queixa por no processo (...) ter indeferido o pedido da gravação do debate instrutório (...). O demais alegarei na participação. Participarei da resposta/comentário que me deu em sede de alegações (...). As razões serão expostas na participação em questão.

10. Com as afirmações referidas em 4 e 5, agiu o arguido com o propósito concretizado de ofender a honra, a consideração social e denegrir a honorabilidade, bom nome e brio profissional da Ex.a participante, Sr.a Dr.a BB, no exercício das suas funções de Mm.a Juíza ... em exercício de funções no … Juízo do Tribunal da comarca de … e por causa delas.

11. Relativamente às afirmações referidas em 5 e 7, agiu o arguido ciente de que, por constarem de requerimento escrito dirigido a processo penal, estava a facilitar a sua divulgação.

12. Relativamente às expressões referidas em 4 e 5, agiu o arguido com vontade livre e consciente, sabendo bem que a sua conduta era penalmente punida.

13. A assistente sentiu-se ofendida e agastada na sua honra, consideração social, bom-nome, sentimento de respeito e brio profissional.

14. Em 26/02/2008, no debate instrutório ocorrido no processo n. ° 985/06.3T…, a assistente proferiu decisão que indeferiu a junção de documentos e a realização de perícia médico-legal que tinham sido requeridas pelo arguido, com fundamento na sua inocuidade relativamente ao desiderato visado por aqueles autos.

15. Em 10/03/2008, no processo nº 985/06.3T…, foi proferida decisão de não pronúncia.

16. Em 22/06/2006, no processo n.º 290/06.5T…, foi proferido despacho que indeferiu as diligências probatórias requeridas no requerimento de abertura da instrução pela ali arguida CC, por serem irrelevantes e dilatórias para o objecto do processo.

17. Em 21-02-2007, no processo n.º 290/06.5T…, a assistente proferiu despacho que indeferiu diligências probatórias requeridas na contestação pela ali arguida CC.

18. Em 07/05/2007, na audiência de julgamento ocorrida no processo n.º 290/06.ST…, a assistente, com fundamento na ocorrência de uma alteração substancial dos factos e na oposição das partes quanto à continuação do julgamento, proferiu decisão de absolvição da instância da arguida CC, determinando a extinção do procedimento criminal e a extracção de certidão de todo o processado e respectiva remessa ao Ministério Público para investigação dos novos factos.

19. Em 26/03/2008, no processo n.º 290/06.5T…, a assistente proferiu despacho que indeferiu, por falta de fundamento legal, a obtenção de cópia da gravação da audiência de julgamento requerida pelo arguido, em representação de CC.

(…)


Foram julgados não provados os seguintes factos:


a. Agiu o arguido ciente de que ao proferir as referidas palavras aquando da síntese final do debate instrutório do proc. 985/06.3T… o fez de modo a facilitar a sua divulgação.

b. Com as afirmações referidas em 7 e 9 agiu o arguido com o propósito concretizado de ofender a honra, a consideração social e denegrir a honorabilidade, bom nome e brio profissional da Ex.a participante, Sr.a Dr.a BB, no exercício das suas funções de Mm.a Juíza de direito em exercício de funções no … Juízo do Tribunal da comarca de … e por causa delas.

c. Relativamente às afirmações referidas em 7. e 9., agiu o arguido com vontade livre e consciente, sabendo bem que aquelas suas condutas eram penalmente punidas.


A Relação alterou a matéria de facto, dando como provados os factos que tinham sido considerados não provados em 1ª instância.

Analisemos de seguida os fundamentos do recurso.


5. A alegada inconciliabilidade de decisões


5.1. Segundo o recorrente, os factos dados como provados nas duas instâncias são “incompatíveis” com as decisões proferidas no âmbito da Ordem dos Advogados, que não encontraram nos factos matéria para procedimento disciplinar contra ele.

Com efeito, o recorrente juntou aos autos cópia de uma decisão do Conselho de Deontologia ... da Ordem dos Advogados, de 26.5.2014, a qual, apreciando os factos pelos quais o recorrente foi condenado nestes autos, considerou serem relevantes, do ponto de vista disciplinar, somente os indicados no nº 5, aplicando ao recorrente a sanção de advertência.

O ora recorrente interpôs recurso dessa decisão para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que, por deliberação de 13.10.2018, revogou aquela decisão, por considerar que nenhum ilícito disciplinar tinha sido cometido.

Que relevância podem ter estas decisões para a revisão da condenação criminal?

A resposta é inequívoca: nenhuma.

Na verdade, tais decisões não são sentenças, tais como foram definidas atrás, pois não foram proferidas por tribunais, mas sim por uma entidade administrativa. Na verdade, a Ordem dos Advogados é uma pessoa coletiva de direito público (art. 1º, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados), que tem poderes delegados pelo Estado para a regulação do exercício e disciplina da atividade profissional. Foi no âmbito desse poder disciplinar que as decisões citadas foram proferidas. Elas constituem, pois, atos administrativos.

Sendo assim fica liminarmente afastada qualquer relevância dessas decisões para a apreciação deste recurso de revisão.

Anote-se ainda que não há sequer qualquer incompatibilidade entre os factos considerados nas decisões administrativas e na sentença revidenda, que são os mesmos. A divergência que se regista é meramente de direito, pois enquanto as primeiras consideraram que a conduta do ora recorrente não era passível, total ou parcialmente, de censura a nível disciplinar, a sentença considerou-a punível criminalmente.

Ora, recorde-se, o fundamento da al. c) do nº 1 do art. 449º do CPP é a inconciliabilidade entre factos provados, não entre juízos de direito.


5.2. Invoca ainda o recorrente a incompatibilidade entre os factos destes autos e os dados como provados no proc. nº 583/07.4T… .

Mas essa alegação é completamente descabida. Desde logo, nesse processo não foi proferida qualquer sentença, mas sim um despacho de não pronúncia, por insuficiência de indícios. Por outro lado, não há qualquer conexão entre os factos. Na verdade, nos presentes autos, em que foi interposto o recurso de revisão, apreciou-se a conduta do recorrente, enquanto mandatário da arguida Isilda dos Santos Aragão, nos procs. nºs 290/06.5T… e 985/06.3T…; já naquele outro processo conheceu-se da imputação de um crime de difamação feita pela assistente DD contra a arguida CC.

Não existe, pois, identidade de objeto processual nem sequer qualquer conexão entre os factos desses processos, muito menos incompatibilidade entre eles.

Improcede, pois, a revisão ao abrigo da al. c) do nº 1 do art. 400º do CPP.


6. Os “factos novos”


Invoca o recorrente como “factos novos” a factualidade constante do acórdão de 14.10.2015, do Supremo Tribunal de Justiça (Secção de Contencioso), proferido no proc. nº 8/14.9Y…, que poria “a nu” as “fragilidades profissionais e as motivações extraprocessuais” que teriam presidido à atividade processual da aqui assistente.

Não especifica, porém, o recorrente quais os factos que revelariam essas “fragilidades” e sobretudo as ditas “motivações extraprocessuais”.

Mas apreciemos, contextualizando:

O Conselho Superior da Magistratura, por deliberação de 14.1.2014, classificou o serviço prestado pela aqui assistente, enquanto juíza de direito do extinto … Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, entre 1.9.2006 e 31.8.2012, como “suficiente”.

Dessa deliberação recorreu a magistrada para o Supremo Tribunal de Justiça (Secção de Contencioso). Pelo citado acórdão de 14.10.2015, foi o recurso julgado totalmente improcedente.

Do texto da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, para a qual o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça remete quanto à matéria de facto, não consta qualquer referência aos processos titulados e movimentados pela aqui assistente que têm conexão com os factos dos presentes autos, concretamente os procs. nºs 290/06.5T…, 985/06.3T… e 583/07.4T… .

Como nenhuma referência se deteta a quaisquer “fragilidades profissionais” da aqui assistente que possam reportar-se aos factos pelos quais o recorrente foi condenado.

Pelo contrário, a deliberação do Conselho Superior da Magistratura refere mesmo que “se trata de uma magistrada isenta, equidistante e independente” (fls. 209 v.); e que “tem qualidades humanas para o exercício da judicatura – idoneidade cívica, independência, isenção, dignidade de conduta, bom relacionamento genérico com os operadores judiciários, serenidade e reserva no exercício da função, sentido de justiça e a necessária perceção do envolvimento sóciocultural” (fls. 210).

Mais diz: “A sra. Juíza é intelectualmente bem dotada, com boa preparação técnica (…)” (fls. 220).

A anotação desfavorável, e certamente determinante da classificação de “suficiente” (que, não sendo negativa, é conotada negativamente), é a “produtividade globalmente negativa” (fls. 219); “no período sob inspeção a sra. Juíza apresentou uma deficiente adaptação ao serviço, com uma reduzida capacidade ao nível da organização e gestão processual, a implicar consequências negativas em termos de produtividade e tempestividade.” (fls. 219 v.).

Em suma, as “fragilidades” apontadas são somente referentes à (fraca) produtividade do serviço, mas não já quanto à preparação técnica, à independência e à isenção, e a outras características de personalidade, cujas qualidades que são realçadas.

Sendo assim, não havendo quaisquer “factos novos” que ponham em dúvida a justiça da condenação, falece de todo o fundamento da al. d) do nº 1 do art. 449º do CPP.


7. Violação de normas


Por último, alega o recorrente que a sentença recorrida viola o art. 208º da Constituição, referente ao patrocínio forense, o art. 13º da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, relativo à “imunidade do mandato conferido a advogados”, e os arts. 6º e 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (processo equitativo e liberdade de expressão).

Acontece, porém, que nenhuma dessas alegadas “violações” constitui fundamento do recurso de revisão.

Vejamos.

As violações da lei apenas podem servir de fundamento a recurso ordinário. A alegação de inconstitucionalidade pode ser suscitada em recurso ordinário ou, em certas circunstâncias, admitir recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta.

Só é fundamento de recurso de revisão a aplicação na sentença condenatória de norma de conteúdo menos favorável ao arguido declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional (al. f) do nº 1 do art. 449º do CPP), o que não é manifestamente o caso.

Por outro lado, o recurso de infração das normas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos tem também um procedimento específico, regulado na própria Convenção, e processado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Só é motivo de revisão a inconciliabilidade da condenação com sentença vinculativa do Estado Português proferida em instituição internacional (al. g) do nº 1 do citado art. 449º do CPP), o que também não é o caso destes autos.

Em suma, nenhum fundamento existe para a revisão.

O presente recurso, tal como está estruturado, constitui afinal uma impugnação do acórdão da Relação do Porto de 29.9.2010, pretendendo, no fundo, o recorrente contornar a irrecorribilidade desse acórdão por meio do recurso de revisão, o que não pode obviamente ser admitido.


III. Decisão


Com base no exposto, nega-se a revisão.

Vai o recorrente condenado em 2 UC.


Lisboa, 30 de outubro de 2019


Maia Costa (Relator)

Pires da Graça

_________

[1] Eliminaram-se as notas de rodapé.
[2] Eliminaram-se as notas de rodapé.
[3] Sobre esta matéria, ver J.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, pp. 256-257.
[4] A redação do nº 4 do art. 673º do CPP de 1929 era mais expressiva, ao estabelecer: “Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.
[5] Nesse sentido podem ver-se, exemplificativamente, os acórdãos de 3.4.1990, proc. nº 41800, e de 10.11.2004, proc. nº 3249/04.
Era também essa a posição assumida por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 17ª ed., p. 1062. Germano Marques da Silva segue o mesmo entendimento, defendendo inclusivamente que a revisão pode visar a diferente qualificação jurídica dos factos, o que se afigura manifestamente contra legem (Curso de Processo Penal, 3º vol., p. 363).
[6] Ver nomeadamente os acórdãos deste Supremo Tribunal de 17.4.2008, proc. nº 4840/07, de 23.11.2010, proc. nº 1359/10.7GBBCL-A.S1, de 7.9.2011, proc. nº 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, de 26.4.2012, proc. nº 614/09.3TDLSB-A.S1, de 27.6.2012, proc. nº 847/09.2PEAMD-A.S1, de 17.10.2012, proc. nº 2132/10.8TAMAI-C.S1, de 22.1.2013, proc. nº 78/12.4GAOHP-A.S1, de 20.11.2014, proc. nº 113/06.3GCMMN-A.S1, de 3.12.2015, proc. nº 66/12.0PAAMD-A.S1.
No mesmo sentido se pronunciam Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do CPP, 4ª ed., p. 1207, e Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Almedina, p. 1509.
[7] Pereira Madeira, ob. cit., p. 1509. É esse também o entendimento maioritário da jurisprudência citada.