Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4852/08.8YYLSB-A.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
ACÇÃO DECLARATIVA
AÇÃO DECLARATIVA
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / COMPENSAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª Ed., p. 197; Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7.ª Ed. (Julho de 2001), p. 204, in RLJ 121.º/148.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 5.ª Ed., pp. 201, 202.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. II, 4.ª Ed., pp. 88/89.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 847.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 814º, Nº1, AL. G) E 816º (NA REDACÇÃO ANTERIOR À INTRODUZIDA PELO D.L.N.º 226/2008, DE 20-11).
D.L. N.º 226/2008, DE 20-11: - ARTIGOS 22.º, N.º1, 23.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14.03.13, DE 18.01.07, DE 22.06.06, DE 14.12.06, DE 29.03.07, DE 28.06.07, DE 01.07.14, DE 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 E 12.09.13 (ACESSÍVEIS, EM WWW.DGSI.PT).
Sumário :
I - Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação.

II - Pressuposta a não aceitação da existência do crédito compensante pelo credor principal, a admissibilidade da compensação visada pelo titular do crédito compensante encontra-se condicionada, no processo executivo, ao prévio reconhecimento judicial da existência deste último crédito.

III - Entendimento contrário ao acolhido em II pode, mesmo, consubstanciar concessão de privilégio ao executado (e inerente violação do princípio da igualdade das partes), estimulando-o ao uso de meros expedientes dilatórios, em cotejo com o exequente a quem é exigido o “salvo-conduto” dum título executivo corporizador e meio de prova da existência, titularidade e objecto da obrigação para poder ingressar nas portas da acção executiva, na sugestiva imagem usada pelo Prof. Antunes Varela (RLJ - 121º/148).
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2[1]

                  (Rel. 215)

                                Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA, Lda”, executada nos autos de execução principais em que figura como exequente, “Condomínio denominado «BB»”, sito na Av. …, …, em Lisboa, deduziu oposição à execução, o que, em suma, fundamentou na impugnação de todos os cálculos constantes do requerimento executivo, na alegação de que as actas apresentadas não constituem título executivo, uma vez que não fixam a quota-parte correspondente a cada fracção e na invocação da sua qualidade de credora do exequente em montante superior à quantia exequenda, devendo ser operada a respectiva compensação. Tudo justificando, a seu ver, o formulado pedido de, na procedência da oposição, ser extinta a execução.

      O exequente contestou, alegando, em síntese, que as actas consubstanciam títulos executivos, nos termos legais, porquanto as contribuições devidas por cada condómino são aferidas de acordo com a permilagem de cada fracção, em conformidade com o preceituado no art. 1424º do CC. Simultaneamente, sustentou não ser por si devida à executada-opoente qualquer quantia, sendo descabida a pretensão de operância de qualquer compensação com a quantia exequenda, tanto mais que nunca ocorreu qualquer correspondente aprovação por parte do condomínio.

      No respectivo despacho saneador-sentença, proferido em 12.08.13, foi a oposição à execução julgada improcedente.

      Porém, a Relação de Lisboa, por acórdão de 27.02.14, na procedência da apelação da opoente, revogou a decisão recorrida, com a inerente extinção da execução, tendo, por outro lado, por, assim, prejudicado o conhecimento da questão da compensação invocada pela opoente.

      Na procedência da correspondente revista interposta pelo exequente, foi, por acórdão de 14.10.14 (Fls 384 a 398), deste mesmo Colectivo, revogado “o acórdão recorrido, devendo, no entanto, os autos baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa a fim de, aí, ser conhecida a questão da compensação suscitada pela executada”.

       A Relação de Lisboa, por acórdão de 15.01.15 (Fls. 411 a 423), julgou improcedente a apelação interposta pela opoente-executada, também no segmento relativo à compensação, questão que, como já referido, havia sido considerada prejudicada pelo sentido da decisão proferida no seu sobredito acórdão de 27.02.14.

      Daí a presente revista, agora interposta pela opoente-executada, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                        /

1ª - Nos autos em apreço, o título executivo em concreto, acta do condomínio, não dava origem a nenhuma restrição aos meios de defesa admissíveis em sede de oposição, nos termos do artigo 814° do CPC. (versão anterior à Lei n.º 41/2013, de 26.06);

2ª - O acórdão em crise sustenta que é condição da compensação, que o compensante invoque um crédito reconhecido judicialmente e que não seja posto em causa pela parte contrária, conferindo uma interpretação à alínea a) do artigo 847° do CC que desvirtua o escopo do instituto da compensação;

3ª - Na interpretação conferida pela Relação ao artigo 847°, 1, alínea a) do CC, verificou-se a violação das regras de interpretação consagradas no artigo 9°, nºs 1 a 3 do CC;

4ª - Nos termos desses preceitos, impõe-se ao intérprete, a presunção de que o legislador se exprimiu correctamente e a recriação do pensamento do legislador;

5ª - Neste último ponto, temos abundantes explanações dos intervenientes na elaboração do Código Civil de 1966, como é o caso do Prof. Antunes Varela, na obra acima citado, onde se defende que a expressão «crédito exigível judicialmente» opõe-se, à obrigação natural, fundada no mero dever moral (artº. 402°, do CC), ou ao crédito não vencido, ou sujeito a termo, ou condição, ainda não verificados;

6ª - Por outro lado, presume-se que o legislador criou uma lei sistemática, contendo o artigo 817°, do CC, a definição do que é um crédito exigível judicialmente, ou seja, é a obrigação não voluntariamente cumprida de que se pode exigir o respectivo cumprimento condenando-se o devedor a cumpri-la e executar o património do devedor, nos termos do CC, ou da lei processual;

7ª - Em suma, tal como vem no artigo 817°, do CC e consta da anotação no CC anotado por Pires de Lima e Antunes Varela, créditos judicialmente exigíveis são aqueles que não sendo voluntariamente cumpridos conferem ao credor o direito de propor uma acção declarativa ou de execução;

8ª - A interpretação do artigo 847°, 1, al. a), no sentido de que, crédito judicialmente exigível é um crédito previamente reconhecido judicialmente, ou por acordo com a contraparte, viola, o artigo 817°, do CC por falta de perspectiva sistemática na interpretação;

9ª - Tal sentido vai contra o pensamento do legislador e a letra da lei, como supra se expôs;

10ª - Igualmente, quando no artigo 847°, 1, al. a), do CC, se afirma, «( ... ) não proceder contra ele [crédito] excepção, peremptória ou dilatória, de direito material», não significa que a mera contestação ao crédito compensante pela contraparte afaste por si só a compensação;

11ª - A expressão «proceder» exige a prévia decisão judicial acerca de saber se foi formulada alguma excepção de direito material, bem como, se a mesma tem fundamento;

12ª - Tal preceito, como se defendeu supra, não exige o acordo da contra parte para que a compensação possa operar;

13ª - No caso em apreço, o acórdão da Relação, limita-se a recusar a compensação, por a parte contrária ter contestado essa excepção, o que igualmente viola o artigo 9°, nºs. 1 a 3, do CC, por não ter em conta o texto da lei, o pensamento do legislador conforme citação supra do Prof. Antunes Varela;

14ª - É certo que a Relação não podia julgar em primeira instância da bondade ou não da contestação, pelo que deveria ter remetido tal questão para a primeira instância.

       Nestes termos se fará justiça!

       Os autos não contêm contra-alegações.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                       *

2 - A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                       /

                                                       /

1 – O exequente instaurou a execução principal apresentando a acta nº9 da Assembleia de Condóminos do prédio sito na Avenida …, denominado por “CC”, em Lisboa, de 24.01.07 (lapso, 21.01.07), em que esteve presente a opoente, constante de fls. 14 a 22 dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais:

"Acta n° 9

(...) 3°: Apreciação e votação do orçamento para 2007 (...) Colocado à votação o orçamento apresentado, foi o mesmo aprovado com os votos de abstenção da “DD”, “AA” e as fracções .., …., … e …, com os seguintes valores (...)

Total do orçamento 93 041,59";

2 – Apresentou também o exequente a acta nº 11 da Assembleia de Condóminos do “CC”, em Lisboa, de 21.11.07, em que esteve presente a opoente, constante de fls. 23 a 34 dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais, a aprovação de um orçamento suplementar de € 50 000,00 para solucionar o problema de tesouraria, a repartir de acordo com as permilagens;

3 – A opoente é condómina de várias fracções no Estacionamento "BB";

4 – A fls. 106 a 119 dos autos consta a acta nº 14 da Assembleia de Condóminos do prédio denominado “CC”, em Lisboa, de 24.03.09, em que esteve presente a opoente, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais, a ratificação dos valores debitados a título de quotizações dos anos de 2006, 2007 e 2008, conforme deliberação, respectivamente, das assembleias de 04.04.06, 24.01.07 e 03.03.08 e dos valores debitados a título de comparticipação/rateio no orçamento extraordinário aprovado em deliberação da assembleia de 21.11.07, com os valores:

- Quotização dos anos 2006, 2007 e 2008

Fracção com 3,25%, € 25,50

Fracção com 6%, € 46,52

Fracção com 12,25%, € 94,98

- Comparticipação no orçamento extraordinário:

Fracção com 3,25%, € 162,50

Fracção com 6,00%, € 300,00

Fracção com 12,25%, € 612,50;

5 – A opoente foi administradora do condomínio exequente, desde 1999 até 10.10.05 (acordo das partes e documento – acta da Assembleia – de fls. 83 a 85);

6 – A fls. 37 a 52, consta o documento denominado "Relatório de Gestão do Condomínio … CC, Av. …  nº …, …, … e …, em Lisboa, do exercício de 2004", datado de 02.01.05 e subscrito pela Administração do Condomínio, para submissão à Assembleia Geral das contas de 2004, para apreciação e votação, cujo teor se dá por reproduzido e em que consta, além do mais, no "Balanço do Condomínio …", como "Dívidas a Terceiros – Curto Prazo", à opoente, o valor de € 189 832,26;

7 – Por deliberação por maioria dos condóminos na Assembleia Geral Extraordinária de 10.10.05, foi decidido rejeitar a discussão das contas relativas aos anos de 1999 a 2005, pelo facto de as mesmas já terem sido recusadas aquando da sua apresentação ao condomínio em Assembleia de 23.09.05 (doc. de fis. 83 a 85 dos autos - acta);

8 – Por deliberação por maioria dos condóminos, na Assembleia Geral de 26.06.06, foi decidido rejeitar as contas referentes ao exercício de 1999 a 10.10.05 (doc. de fis. 83 a 85 dos autos – acta n° 7);

9 – A opoente intentou contra o exequente execução para pagamento de quantia certa, em 10.07.06, com o valor de € 53 269,00, fundando-se em duas letras de câmbio, execução que foi julgada extinta por sentença transitada em julgado proferida nos autos de oposição à execução, julgando-a procedente (certidão de fis. 170 a 213 dos autos).

                                                       *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, uma só questão demanda, no âmbito da presente revista, apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso: saber se a executada, como meio de defesa, pode opor a compensação do crédito exequendo com um seu crédito sobre o exequente, o qual, em Outubro de 2005, quando cessou as funções de administradora do exequente condomínio, se cifrava em € 176 151,57.

       Apreciando:  

                                                       *

4 - I - Nos termos conjugados dos arts. 814º, nº1, al. g) e 816º, ambos do CPC na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 226/2008, de 20.11 (Cfr. arts. 22º, nº1 e 23º deste DL), a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode basear-se em qualquer facto extintivo da obrigação exequenda, nos termos que poderiam ser invocados no processo de declaração.

       Sucede que a lei admite, nos arts. 847º e segs. do CC, como uma forma de extinção das obrigações, a compensação, segundo a qual, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma delas da prestação devida pela outra parte.

      Na terminologia do Prof. Antunes Varela[2], a compensação traduz o “meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor”. A mesma assegura duas importantes vantagens, na lição do Prof. Menezes Leitão[3]: a primeira é a de que se produz a extinção das obrigações dispensando a realização efectiva da prestação devida, funcionando assim a compensação como forma de facilitação dos pagamentos; a segunda é a de que a compensação permite ao seu declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio crédito por insolvência do seu devedor, funcionando assim a compensação como garantia dos créditos.

     Nos termos do disposto no citado art. 847º, para se poder operar a compensação é necessário que ocorram os seguintes pressupostos:

     1 - Existência de créditos recíprocos;

    2 - Fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género; e (o que, como se deixou dito, mais releva, no caso dos autos)

     3 - Exigibilidade do crédito que se pretende compensar.

                                                     /

II - Na presente revista, apenas temos de abordar e cingir-nos à configuração e enquadramento legal deste último pressuposto, mostrando-se, pois, ocioso e dispensável proceder a uma exaustiva abordagem e caracterização do instituto jurídico da compensação, para além do que já ficou referenciado.

      Ora bem, em recente acórdão deste Supremo (Ac. de 14.03.13, relatado pelo Ex. mo Cons. Granja da Fonseca e em que a, ora, 1ª Adjunta interveio como 2ª Adjunta), exarou-se que constitui orientação jurisprudencial do STJ que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação” (Assim, Ac. de 18.01.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Rocha).

       Tendo-se, igualmente, já decidido que:

     “(N)a fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (…) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa” (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Cons. Bettencourt de Faria);

       “A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo);

      “Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que, “estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (…) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Vasconcelos); e

      “Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847º do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814º, 816º e 817º, nº1, al. b) do CPC” (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa).

 Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no recentíssimo acórdão de 01.07.14, deste Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que “não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo” (negrito de nossa autoria).

                                                      /

III - A recorrente invoca, em apoio da sua pretensão, a lição dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[4], nos termos da qual o art. 817º do CC “confere ao credor, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, duas acções - a de cumprimento e a de execução - das quais a segunda pode depender da primeira, isto é, da condenação do devedor à realização da prestação”.

      Crê-se, no entanto, que a transcrita lição, por expendida em tese geral, não pode pôr em crise a posição que, no âmbito do processo executivo, vem sendo perfilhada por este Supremo, atenta a respectiva natureza e especificidade, em confronto com a fase declarativa do processo, podendo, mesmo, traduzir-se em concessão de privilégio ao executado (e inerente violação do princípio da igualdade das partes), estimulando-o ao uso de meros expedientes dilatórios, em cotejo com o exequente a quem é exigido o “salvo-conduto” dum título executivo corporizador e meio de prova da existência, titularidade e objecto da obrigação para poder ingressar nas portas da acção executiva, na sugestiva imagem usada pelo Prof. Antunes Varela (Cfr. RLJ 121º/148).

      Aliás, em publicação mais recente (2001), o Prof. Antunes Varela proclama, textualmente, que “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga contra este”[5].

      Encontrando-se em total sintonia o Prof. Menezes Leitão, quando, a propósito, sustenta que “Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”[6].

      Não se legitimando, pois, quaisquer dúvidas de que, para estes dois insignes civilistas e pressuposta a não aceitação da existência do crédito compensante pelo credor principal, a admissibilidade da compensação visada pelo titular do crédito compensante encontra-se condicionada, no processo executivo, ao prévio reconhecimento judicial da existência deste último crédito.

                                                    /

IV - Ora, como resulta da factualidade provada, a existência do invocado crédito compensante:

--- É controvertida, pois não se mostra aceite pelo exequente;

--- Tem como único apoio o facto de constar do relatório de gestão do condomínio exequente relativo ao ano de 2004, da autoria da opoente, sendo que, “por deliberação por maioria dos condóminos, na assembleia geral extraordinária de 10.10.05, foi decidido rejeitar a discussão das contas relativas aos anos de 1999 a 2005, pelo facto de as mesmas já terem sido recusadas aquando da sua apresentação ao condomínio em assembleia de 23.09.05” e que, “por deliberação por maioria dos condóminos, na assembleia geral de 26.06.06, foi decidido rejeitar as contas referentes ao exercício de 1999 a 10.10.05”.

      Assim, considerando quanto ficou expendido, tem de assentar-se em que, como foi entendido no acórdão recorrido, o invocado crédito compensante não preenche o requisito de ser judicialmente exigível, não podendo, pois, ser admitida a compensação visada pela opoente, por inverificação de tal requisito, cumulativamente imposto pelo art. 847º do CC para a admissibilidade de tal forma de extinção da obrigação.

      Improcedendo, assim, as conclusões formuladas pela recorrente.

                                                         *

4 - Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista, com a inerente improcedência integral da deduzida oposição à execução.

      Custas, aqui e nas instâncias, pela recorrente, sem prejuízo do decidido a fls. 397 quanto às respeitantes à desistência parcial do pedido exequendo.

                                                       /

                                          Lx    02   / 06   /    2015 /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

_____________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (18/15)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida  
[2]  In “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª Ed., pags. 197.
[3]  In “Direito das Obrigações”, Vol. II, 5ª Ed., pags. 201.
[4]  In “CC Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., pags. 88/89.
[5]  In “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, Reimpressão da 7ª Ed. (Julho de 2001), pags. 204.
[6]  In “Ob. citada”, pags. 202.