Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
42/04.7TAOFR.C1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 74, 15.04.2014, P. 2440-2447
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :  
«Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria nº 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal».
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:


1.  AA, condenado no processo nº 42/04.7TAOFR do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, inconformado com o decidido no acórdão de 27-06-2012 do Tribunal da Relação de Coimbra, dele interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. O referido acórdão, lavrado na sequência duma reclamação de decisão sumária do relator, veio a julgar nulo, por contrário a lei expressa, o acto de apresentação pelo recorrente, através de correio electrónico, da sua intenção recursória e respectiva motivação. Para tanto considerou, em função da dimensão normativa resultante da conjugação dos artigos 103º nº 1 do Código de Processo Penal e 150º nos 1 e 2 do Código de Processo Civil , este último subsidiariamente aplicável ao processo penal por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal, e do artigo 138º-A do Código de Processo Civil, nas versões introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto e art. 1º al. a) e 2º da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, que a apresentação a juízo pelos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal ou contra-ordenacional e nos tribunais superiores, de actos processuais escritos, apenas poderá ser feita por um dos três seguintes modos: entrega na secretaria judicial; remessa pelo correio, sob registo; envio através de telecópia.

Alegou o recorrente que, em sentido oposto, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo nº 496/07.0TAFUN, a que se pode aceder no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, decidira que por força do estatuído no artigo 11º nº 2 do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, as alterações introduzidas ‘por aquele diploma, designadamente a constante do artigo 150º do Código de Processo Civil dependia da entrada em vigor da que veio a ser a Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, que apenas se aplica aos processos cíveis enunciados no artigo 2º. Em consonância, o artigo 27º da citada Portaria nº 114/2008 apenas revogou a Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, na parte respeitante às acções previstas no artigo 2º, donde resulta que a Portaria nº 642/2004 se mantém em vigor no âmbito do processo penal, tal como se mantém em vigor, relativamente a todos os processos não abrangidos pela Portaria nº 114/2008, a anterior redacção do artigo 150º do Código de Processo Civil, que admitia o uso do correio electrónico.
Em conferência, perante a oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação, julgou-se o recurso admissível, tendo sido ordenado o respectivo prosseguimento.


2. Em cumprimento do disposto no artigo 442º nº 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público apresentou alegações, tendo extraído as seguintes conclusões:

I - A apresentação a juízo, pelas partes, de peças processuais através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, foi implementada pelo artigo 150.° do CPC, na redacção conferida pelo DL 324/2003, de 27.12, aplicável ao processo penal, por força do artigo 4.° do CPP;

                      II - O DL 303/2007, de 24.08, eliminou do artigo 150.° do CPC aquela forma de envio e, como forma preferencial de apresentação de actos processuais pelas partes, veio prever a transmissão electrónica de dados, bastante mais inovadora;

                      III - O artigo 11.° do DL 303/2007, de 27/12, fez depender a produção de efeitos dos artigos 150.° e 138.º·A do CPC, na redacção conferida por este diploma, da entrada em vigor de Portaria do Ministro da Justiça, materializada, posteriormente, pela Portaria n° 114/2008, de 6.2;

                      IV - Porém, a Portaria n° 114/2008, de 6.2, regulou exclusivamente processos judiciais no domínio das acções declarativas e executivas cíveis (artigo 2.°);

                      V - Não tendo, até ao momento, sido publicada qualquer portaria destinada a regular a tramitação electrónica de dados em processo penal, impõe-se a conclusão que se mantém a não produção de efeitos do DL 303/2007, de 27.12. (artigos 150.° e 138.°-A);

                      VI - No âmbito do processo penal continua, pois, a ser aplicável o artigo 150.° n° 1 alínea d), e n° 2, na versão do DL 324/2003, de 27.12, e a Portaria n° 642/2004, de 16.06, a qual foi expressamente revogada, nos termos do seu artigo 27°, apenas quanto às acções enumeradas no seu artigo 2°;

                      VII - A clara e efectiva aposta do legislador nas novas tecnologias e o esforço que tem vindo a ser feito no sentido de dotar os tribunais com meios informáticos capazes de desmaterializar os processos é incompatível com o entendimento de que, com o DL 303/2007, de 27.12, não é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, num claro retrocesso nesta matéria.

                      Assim, e em suma,

                      VIII - na tramitação em processo penal, nos termos do artigo 150.°, n° 1, alínea d), e n.º 2, na redacção do DL 324/2003, de 27.12, e da Portaria 642/2004, de 16.06, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada.

                 Propõe o Ministério Público que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação de Coimbra, de 27 de Junho de 2012 (recorrido) e da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2010 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos:

                 «Na tramitação em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, nos termos do artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, na redacção do DL 324/2003, de 27.12, e da Portaria 642/2004, de 16.06, que se mantém em vigor».

            Também o recorrente apresentou as suas alegações, tendo nelas formulado as conclusões seguintes:

                A) Na vigência da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, a apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, nos termos da citada alínea d), n.º 1, do art. 150.° do C.P.C., aplicava-se ao processo civil e, por força do artigo 4.° do Código de Processo Penal, ainda ao processo penal;

                B) O art. 150.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, veio a ser objecto de nova alteração através do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passando a ter a seguinte redacção: «1. Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138-A. valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.»;

                C) A produção de efeitos da nova redacção do art. 150.° do C.P.C. ficou dependente da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do artigo 138-A do mesmo código (art.11.º, n.º 2 do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto);

                D) Com a publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, veio a entrar em vigor o art.150.º do C.P.C., na redacção do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto;

                E) Esta Portaria n.º 114/2008 estabeleceu no art. 4.º, n.º 1 que «A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados é efectuada através do sistema electrónico CITIUS, no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt de acordo com os procedimentos e instruções daí constantes.»;

                F) A Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro consigna hoje no art. 2.º, que ela se aplica à tramitação electrónica: a) Das acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo e dos pedidos de indemnização ou dos processos  de  execução  de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal; b) Das acções executivas cíveis e de todos os incidentes que corram por apenso à execução, tendo em consideração que só deve haver lugar à autuação do processo executivo, com a impressão dos documentos considerados essenciais nos termos do art. 23.º após a recepção, pelo tribunal, de um requerimento ou informação que suscite a intervenção do juiz; c) Dos processos da competência dos tribunais ou juízos de execução das penas.»;

                G) O art.27.º da Portaria n.º 114/2008, estabeleceu que ''No que diz respeito às acções previstas no artigo 2.º” é revogada: «a) A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho».

                H) O legislador, ao restringir às acções previstas no art. 2.º o âmbito de aplicação da Portaria n.º 114/2008 e respectivo art. 150.º do C.P.C., na redacção dada pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto e, por outro lado, ao só revogar a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, relativamente "às acções previstas no art. 2.º”, deixou incólume a aplicação da Portaria n.º 642/2004, às acções penais e, assim, a possibilidade no âmbito do processo penal de "apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico" (art. 1º).

                I) Estando em vigor, para o processo penal, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, e sendo o correio electrónico uma forma de remessa a juízo de peças processuais, era legalmente permitido ao ora recorrente remeter aos presentes autos, por correio electrónico, as suas alegações de Recurso;

                J) Daqui resulta que, no âmbito do processo penal, a Portaria nº 642/2004, de 16/6 se mantém em vigor, tal como se mantém em vigor (relativamente a todos os processos não abrangidos pela Portaria nº 114/2008) a anterior redacção do art° 150° do CPC, que admitia o uso do correio electrónico;

                K) O artigo 4° do CPP determina que nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal".

                L) Desta formulação decorre desde logo e inequivocamente que as normas do processo civil são apenas aplicáveis desde que sejam harmonizáveis com as normas de processo penal e que, portanto, a aplicação das normas do processo civil nunca pode constituir uma aplicação estrita ou restritiva do que nestas normas se dispõe.

                M) O elemento sistemático de interpretação postula claramente neste caso, que a interpretação conjugada dos arts 150°, nº 1, 138-A e arts 1°, 2° e 27° da Portaria 114/2008, permitem a conclusão de que o envio de peças por via electrónica pelos mandatários aos tribunais nos processos de natureza criminal, deve obedecer aos requisitos previstos na portaria nº  642/2004.

                N) Importa ainda referir que a esta conclusão não se opõe sequer o elemento literal do artigo 150°, nº 1 do CPC já que da simples formulação desta norma se retira que a transmissão electrónica de dados compreende o correio electrónico, doutro modo, ficaria sem qualquer sentido a referência á data da expedição;

                O) Só se expede algo que se pretende seja recebido e esta é claramente a definição de correio.

                P) Também o elemento teleológico de interpretação não permite outra conclusão que não seja a da clara ilegalidade do entendimento vertido no Acórdão ora sindicado, toda a disciplina da entrega de peças nas secretarias judiciais tem sido objecto de uma evolução histórica cujo objectivo é o de acompanhar as evoluções tecnológicas facilitando a comunicação entre os cidadãos que buscam justiça e os tribunais que a administram;

                Q) Ou seja, nesta matéria do envio de peças o legislador tem seguido um caminho de evolução contínua, visando sempre facilitar o envio, desmaterializar os processos, simplificar os procedimentos evitando a repetição de actos inúteis, a acumulação de peças e documentos geradores mesmo de confusão no processo;

                R) Donde, qualquer interpretação que implique retrocesso nas formas de envio, burocratização dessa forma de envio, utilização necessária e forçosa de papel, duplicação de actos de envio violará o elemento teleológico de interpretação das normas de "direito postal".

                S) A interpretação do tribunal a quo de que em processo penal as únicas formas admissíveis de envio de peças são as previstas pelo artigo 150°, nº 2 do CPC, isto é, entrega directa na secretaria, telecópia ou correio registado, representa uma clara violação do elemento teleológico das normas relativas ao envio de peças por representarem um retrocesso ao tempo em que nem sequer existiam computadores, violando a linha contínua de evolução, introduzindo uma dificuldade acrescida na entrega, em contraposição ao objectivo de facilitar a comunicação, implica necessariamente a utilização de papel contrariando o objectivo da desmaterialização e induz confusão acrescida e repetição de actos que sempre se pretendeu ver evitada;

                T) No Acórdão fundamento conclui-se, em conformidade com o que também entende modestamente o recorrente, que o correio electrónico constitui ainda hoje um meio legalmente previsto para a remessa a juízo de peças processuais no âmbito do processo penal, não tendo o DL n.º 303/2007, de 24/8 revogado tal meio;

                U) É assim notória a divergência de entendimento e fundamentação entre o Acórdão fundamento e o Acórdão proferido nos presentes autos a fls._ dado que se no primeiro se entende que o correio electrónico constitui ainda hoje um meio legalmente previsto para a remessa a juízo no âmbito do processo penal, não tendo o DL n.º 303/2007, de 24/8 revogado tal meio, já no último Acórdão, que foi proferido nos presentes autos, entende-se precisamente o contrário, designadamente que o correio electrónico deixou de constituir um meio legalmente previsto para a remessa a juízo de peças processuais no âmbito do processo penal dado que tal terá sido tacitamente revogado pelo DL n.º 303/2007, de 24/8;

                V) Os dois acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma legislação, ou seja, artigo 150º do CPC na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, não obstante, decidiram divergentemente a questão de saber se é actualmente admissível, ou não, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico;

                W) Pelos fundamentos acima já alegados, entende, modestamente, o recorrente que não poderão VExas. deixar de ficar jurisprudência no sentido de julgar que o correio electrónico constitui um meio legalmente previsto e admissível para a remessa de peças processuais a juízo no âmbito do processo penal não tendo o DL n.º 303/2007, de 24/8 revogado tal meio.

             

            Após vistos, foi realizado o julgamento em conferência pelo Pleno das Secções Criminais nos termos do artigo 443.º do Código de Processo Penal, cumprindo decidir.

        3. O recorrente funda o presente recurso na oposição entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 27-06-2012, acórdão recorrido, e o acórdão da Relação de Lisboa datado de 11-11-2010, que indica como acórdão-fundamento, ambos proferidos no domínio da mesma legislação – artigo 150º do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei nº  303/2007, de 24 de Agosto e artigo 1º alínea a) e 2º da Portaria  nº 114/2008, de 6 de Fevereiro.
É manifesta a legitimidade do recorrente e bem assim o seu interesse em agir. O recurso foi interposto com observância do prazo legal, existindo oposição de julgados.
            Com efeito, decidiu-se no acórdão recorrido não ser admissível, no âmbito do processo criminal e do processo contra-ordenacional, o envio a juízo do requerimento e motivação do recurso através da utilização do correio electrónico, resultando tal proibição do disposto nos artigos 150º nºs 1 e 2 e 138º-A do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, e dos artigos 1º alínea a) e 2º da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro.             Já no acórdão fundamento, entendeu-se que a remessa a juízo de actos por utilização do correio electrónico era admitida pela alínea d) do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, sendo essa a forma de apresentação em juízo regulada pela Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho. A eliminação do correio electrónico de entre as formas de apresentação dos actos escritos decorrente da alteração de redacção do artigo 150º do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, não é aplicável em processo penal, visto que, nos termos do artigo 11º nº 2 deste último diploma, a produção de efeitos de tal alteração ficou dependente da entrada em vigor da Portaria prevista no artigo 138º-A do Código de Processo Civil, que veio a ser a Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, que não é aplicável a processos penais.    Reconhece-se, assim, a existência de oposição entre as duas decisões.

4. Não contém o Código de Processo Penal norma que discipline o modo como os actos processuais escritos, praticados pelos sujeitos processuais, podem ser remetidos a juízo e que determine a data em que se tem o acto por praticado, consoante a forma de envio. Perante essa lacuna e face à existência de divergências jurisprudenciais, veio o Supremo Tribunal de Justiça através do Assento nº 2/2000, publicado no Diário da República, I Série, de 7-02-20000, a fixar jurisprudência pela forma seguinte: O nº1 do artigo 150º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4º do Código de Processo Penal.
A questão objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência há-de assim ser resolvida por aplicação da mencionada norma do Código de Processo Civil.
O primeiro passo no sentido da desburocratização dos serviços judiciais através do uso das novas tecnologias foi dado pelo Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro. Nesse diploma avulso, introduziu-se a possibilidade do uso da telecópia para transmissão de mensagens entre os serviços judiciais e entre estes e os serviços públicos e facultou-se “às partes e aos intervenientes em processos judiciais de qualquer natureza o uso de telecópia para a prática de actos judiciais, evitando os custos e demoras resultantes de deslocações às secretarias judicias”, conforme se fez constar do preâmbulo do diploma. O uso de telecópia em processo penal era possível sempre que se harmonizasse com os princípios do processo penal e compatível com o segredo de justiça.
            Até então a entrega das peças processuais na secretaria judicial era a única forma prevista no Código de Processo Civil para a prática de actos processuais escritos, exigindo-se dos interessados que subscrevessem requerimentos e não fossem conhecidos no tribunal a exibição do bilhete de identidade ou o reconhecimento da assinatura por notário.
            Foi, no entanto, na reforma do processo civil de 1995 que passou a fazer parte do Código de Processo Civil uma norma respeitante ao modo de remessa a juízo de peças processuais, tendo para tanto sido profundamente alterada a norma do artigo 150º, que passou a ter a seguinte redacção:

1 - Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.

2 - Nos casos previstos na lei, podem as partes entregar nas secretarias dos tribunais de comarca que funcionem como extensão dos respectivos tribunais de círculo quaisquer peças ou documentos referentes a processos que nestes pendam.

3 - Podem ainda as partes praticar actos processuais através de telecópia, nos termos previstos no respectivo diploma regulamentar.

4 - Quando os elementos a que alude o n.º 1 sejam entregues nas secretarias judiciais, será exigida prova da identidade dos apresentantes não conhecidos em tribunal e, a solicitação destes, passado recibo de entrega.

            Embora destinado a proceder a pontuais aperfeiçoamentos de certos regimes e formulações acolhidos no Decreto-Lei nº 329-A/95, o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, visou também a alteração de algumas das soluções consagradas pela  lei nova. Assim, e conforme consta do respectivo preâmbulo, “reconhecendo a relevância que crescentemente deve ser atribuída às modernas tecnologias, prevê-se de forma expressa a prática de actos processuais através de meios telemáticos, bem como o acesso ao processo, pelos mandatários judiciais, através de consulta de ficheiros informáticos existentes nas secretarias.”
            Todavia, só com a reforma operada pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, que teve por finalidade principal simplificar procedimentos com vista a evitar a morosidade processual, o legislador autorizou o uso do correio electrónico como forma de as partes enviarem actos processuais escritos. “Relativamente à prática dos actos processuais pelas partes – diz-se no preâmbulo do diploma – , prevê-se a apresentação dos articulados e alegações ou contra-alegações escritas em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação contra adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos que não estejam digitalizados. As partes poderão ainda praticar os referidos actos através de telecópia ou por correio electrónico, valendo como data da prática do mesmo a da sua expedição, que será possível mesmo fora do horário de funcionamento dos tribunais, prevendo-se no entanto a obrigatoriedade de envio, no prazo de cinco dias, do suporte digital ou da cópia de segurança, respectivamente, acompanhados dos documentos que não tenham sido enviados. Em face da necessidade de adaptação dos profissionais do foro e da integral informatização dos tribunais, prevê-se em disposição transitória que a apresentação dos articulados e alegações ou contra-alegações escritas em suporte digital só é obrigatória a partir do dia 1 de Janeiro de 2003, sendo facultativa desde a data da entrada em vigor do diploma, quer para tais peças processuais, quer para quaisquer outros actos processuais que devam ser praticados por escrito, deixando de existir a necessidade de junção dos duplicados e cópias legais no caso de as peças processuais serem apresentadas em suporte digital.”
            Nesta conformidade, a redacção do artigo 150º passou a ser a seguinte:
                1 - Os articulados, as alegações e as contra-alegações de recurso escritas devem ser apresentados em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação contra adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos juntos pelas partes que não estejam digitalizados; quaisquer outros actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem igualmente ser apresentados em suporte digital.
                2 - Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser

a) Entregues na secretaria judicial, sendo exigida a prova da identidade dos apresentantes não conhecidos em tribunal e, a solicitação destes, passado recibo de entrega;
b) Remetidos pelo correio, sob registo, valendo neste último caso como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;
c)  Enviados através de telecópia ou por correio electrónico, sendo neste último caso necessária a aposição da assinatura digital do seu signatário, valendo como data da prática do acto processual a da sua expedição.
                3 - Quando as partes praticarem os actos processuais através de telecópia ou correio electrónico, remeterão ao tribunal no prazo de cinco dias, respectivamente, o suporte digital ou a cópia de segurança, acompanhados dos documentos que não tenham sido enviados.
                4 - Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício de apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
                5 - Sem prejuízo das disposições legais relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nas disposições relativas a custas judiciais.

            O desenvolvimento das novas tecnologias determinou nova alteração do artigo 150º do Código de Processo Civil, tendo para tanto sido utilizado o diploma que procedeu à revisão das custas judiciais e aprovou o Regulamento das Custas Processuais. Como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, “simultaneamente, e à margem da revisão do Código das Custas Judiciais, clarifica-se o regime do envio e do suporte das peças processuais, previsto no artigo 150.º do Código de Processo Civil, cuja aplicação e utilidade práticas têm vindo a suscitar inúmeras dúvidas, designadamente no que respeita à utilização do suporte digital e do correio electrónico, instituindo-se um normativo susceptível de acarretar vantagens e benefícios para todos os operadores judiciários. Assim, numa clara e efectiva aposta nas novas tecnologias, fomenta-se, mediante a consagração de uma redução da taxa de justiça devida e sem que sejam criados quaisquer factores de exclusão, a utilização do correio electrónico. Ao mesmo tempo, confere-se ao suporte digital uma relevância prática adequada à utilidade que o mesmo efectivamente comporta, eliminando-se factores geradores de desperdício de meios materiais e humanos.”
            O artigo 150º do Código de Processo Civil passou então a ter a seguinte redacção:

                 1 - Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição;
d) Envio através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada;
e) Envio através de outro meio de transmissão electrónica de dados.
2 – Os termos a que deve obedecer o envio através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do número anterior são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
                3 - A parte que proceda à apresentação de acto processual através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 remete a tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.
                4 - Tratando-se da apresentação de petição inicial, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da respectiva distribuição.
                5 - (Revogado.)
                6 - (Revogado.)

            Para dar execução ao disposto no nº 2 do artigo 150º do Código de Processo Civil, foi publicada a Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, que além da regulamentação dos termos em que, assegurando a máxima segurança, o novo processo de transmissão de dados pode ser utilizado, fixou o âmbito de aplicação da Portaria, excluindo apenas do envio por correio electrónico o requerimento executivo. Daí que, em qualquer das jurisdições, tivesse passado a ser possível a remessa a juízo de peças processuais usando o correio electrónico.


            A publicação pelo Decreto-Lei nº 303/2007 da reforma do processo civil em matéria de recursos foi aproveitada pelo legislador para dar mais um passo no sentido da prática de actos processuais através de meios electrónicos, tendo alterado, de novo, os artigos 150º e 138º-A do Código de Processo Civil. Tal intenção constava explicitamente do preâmbulo do diploma, onde se diz: “Estabelece ainda o Programa do XVII Governo Constitucional, enquanto objectivo fundamental, a inovação tecnológica da justiça, para a qual é essencial a adopção decisiva dos novos meios tecnológicos. No âmbito da promoção desta «utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de justiça, como forma de assegurar serviços mais rápidos e eficazes», define-se como objectivo «a progressiva desmaterialização dos processos judiciais» e o desenvolvimento «do portal da justiça na Internet, permitindo-se o acesso ao processo judicial digital». Assim, as alterações acolhidas nesta matéria visam permitir a prática de actos processuais através de meios electrónicos, dispensando-se a sua reprodução em papel e promovendo a celeridade e eficácia dos processos.”

            O artigo 150º, então aprovado, passou a ser o seguinte:
                1 - Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.
                2 - Os actos processuais referidos no número anterior também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;
b)  Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição.
3 - A parte que pratique o acto processual nos termos do n.º 1 deve apresentar por transmissão electrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respectivos originais.
4 - A apresentação por transmissão electrónica de dados dos documentos previstos no número anterior não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não o permitir, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A.
5 - (Revogado.)
6 - (Revogado.)
7 - Os documentos apresentados nos termos previstos no n.º 3 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.
8 - O disposto no n.º 3 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão electrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei de processo.
9 - As peças processuais e os documentos apresentados pelas partes em suporte de papel são digitalizados pela secretaria judicial, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A.

            Ao artigo 138-A foi dada a seguinte redacção:       
                1 - A tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
                2 - A tramitação electrónica dos processos garante a respectiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade.

           
            De harmonia com o disposto no artigo 11º nº 2 do Decreto-Lei nº 303/2007, as   alterações de um conjunto de normas em que se incluem os artigos 138º-A e 150º só produzem efeito após a entrada em vigor da portaria referida no artigo 138º-A, que veio a ser a Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro,
            Se o objectivo do projecto “«Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça» visou, entre outros aspectos, facilitar o acesso à justiça e simplificar os processos de trabalho nos tribunais através da utilização intensiva das novas tecnologias”, tal como se afirma no preâmbulo da Portaria,  logo ali se reconheceu que o mesmo não é concretizável num único momento, que se trata “de um processo evolutivo e de um conjunto concertado de acções diversas, realizadas ao longo do tempo, que envolve esforços de construção e disponibilização de novas aplicações informáticas, de novos instrumentos de trabalho, de formação inicial e permanente a diversas categorias de profissionais do sector da justiça, de renovação de equipamentos e da aprovação de instrumentos normativos.”
            Para execução deste objectivo, a aplicação da tramitação electrónica foi limitada, de acordo com o disposto no artigo 2º da Portaria, às “acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal” [alínea a)] e às “acções executivas cíveis, com excepção da apresentação do requerimento executivo, que se efectua nos termos previstos no Código de Processo Civil” [alínea b)].
            Por força do disposto no artigo 27º desta Portaria, foi revogada a Portaria nº 642/2004, de 16 Junho, relativamente às acções indicadas no artigo 2º, mas com efeitos a partir de 30 de Junho de 2008, conforme dispõe o artigo 30º nº 1.

            5.  Referida a evolução legislativa até à data das decisões em oposição, [1] vejamos quais os argumentos usados em cada uma delas.
            Por acórdão de 27-06-2012, a Relação de Coimbra decidiu: A confirmação da afrontada decisão-sumária, em razão da ajuizada invalidade jurídica da comunicação a juízo por meio de correio­ electrónico - eliminado do ordenamento jurídico nacional, como modalidade de apresentação a juízo de actos processuais escritos das partes/sujeitos no âmbito do processo cível e criminal, pelo art.º 1.º do D.L. n.º 303/2007, de 24/08 - da intenção e motivação recursória da questionada sentença (de 1.8 instância) documentada a fls. 3245/3307, cujo trânsito-em-julgado assim se reafirma.

Por decisão sumária do relator, que assim se confirmou, havia sido julgado:

1 - No estádio actual do ordenamento jurídico nacional […] em função da dimensão normativa resultante da conjugação dos arts. 103.°, n.º 1, do C. P. Penal, e 150.°, ns. 1 e 2 (est'último subsidiariamente aplicável ao processo criminal, por força da estatuição do art.º 4.° do CPP), e 138.º-A, do C. P. Civil, (nas versões - últimas - decorrentes do DL n.º 303/2007, de 24/08) e 1.°, al. a)), e 2.°, da Portaria n.º 114/2008, de 06/02, (regulamentadora do citado art.o 138.o-A, do C. P. Civil, quer na redacção original, quer na que sucessivamente lhe foi introduzida pelas Portarias ns. 457/2008, de 20/06; 1538/2008, de 30/12; 195-A/2010, de 08/04; e 471/2010, de 08/07) a apresentação a juízo de actos processuais escritos, pelos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal e/ou contra-ordenacional e nos tribunais superiores, apenas poderá, licitamente, ser feita por um dos 3 (três) seguintes modos:

                a) Entrega na secretaria judicial, (valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega);

                b) Remessa pelo correio, sob registo, (valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal);

                c) Envio através de telecópia - nos estritos limites regulamentados e disciplinados pelo regime legal-especial aprovado pelo D.L. n.º 28/92, de 27/02 -, (valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição).

2 - Consequentemente, em razão de tão categóricos ditames legais, mormente da dimensão normativa decorrente do cruzamento e correlacionamento do preceituado no n.º 1 do art.º 150.º e no art.º 138.º-A, do C. P. Civil, com o firmado na actual versão dos arts. 1.º, al. a), e 2.°, da Portaria n.º 114/2008, de 06/02, claríssima e inequivocamente excludente - a contrario sensu - da tramitação por meios electrónicos dos actos processuais escritos a realizar no âmbito do processo criminal/contra-ordenacional (ressalvando-se apenas, desde 12 de Abril de 2010 - por efeito da estatuição do art.º 7.° da Portaria n.º 195­A/2010, de 08/04 -, os que devam ser praticados nos tribunais de execução de penas), o acto de apresentação, por tal meio - correio-electrónico -, pelo id.º recorrente, da sua intenção recursória e respectiva motivação, porque contrário a lei expressa, haver-se-á que considerar inexoravelmente nulo, e, como tal, juridicamente inválido, por força dos comandos normativos ínsitos nos arts. 294.°/295.° e 286.°, do Código Civil (de aplicação geral - em qualquer jurisdição).

            Por sua vez, no acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 18-11-2010 (Proc. 496/07.0TAFUN-A.L1), afirmou-se:
            Como é sabido, não existe norma específica a regular a remessa a juízo de peças processuais no processo penal.

O Título IV, do Livro II, do CPP, formado por 7 artigos (111 ° a 117°), cuida apenas da comunicação dos actos e da convocação para eles.

Preceitua o art° 4°, do CPP, que "nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal".

Decorre do citado preceito que serão as normas previstas no CPC as aplicadas, e in casu, a prevista no seu art° 150°.

O art° 150° do CPC, na redacção dada pelo DL n° 324/2003, de 27 de Dezembro, admitia, na alínea d), do n° 1, a prática dos actos por correio electrónico.

A forma de apresentação em juízo dos actos processuais enviados por correio electrónico era regulada pela Portaria n° 642/2004, de 16 de Junho.

A redacção do art° 150°, do CPC veio a ser alterada pelo DL n° 303/2007, de 24 de Agosto, tendo este eliminado de entre as formas de prática dos actos processuais o correio electrónico (porque regulou uma forma de comunicação electrónica mais avançada!).

Porém, nos termos do seu art° 11°, n° 2, a produção de efeitos das alterações introduzidas por este diploma, nomeadamente da alteração do art° 150°, do CPC, dependia da entrada em vigor da Portaria prevista no n° 1, do art° 138° - A.

Esta Portaria veio a ser a n° 114/2008, de 6 de Fevereiro, que apenas se aplica aos processos cíveis enunciados no seu art° 2° (actualmente, e por via da alteração introduzida pela Portaria n° 195-N20l0, de 8 de Abril, aplica-se também aos processos da competência dos tribunais ou juízos de execução das penas).

Em consonância com isso, o art° 27° dessa Portaria apenas revogou a Portaria n° 642/2004, de 16 de Junho, «no que diz respeito às acções previstas no art.º 2º». Do que resulta que no que respeita, nomeadamente, aos processos penais a Portaria n° 642/2004 ainda se mantém em vigor.

Como se mantém em vigor, relativamente a esses mesmos processos (todos os não abrangidos pela Portaria de 2008), a anterior redacção do art° 150°, do CPC, que admitia o uso do correio electrónico.

Donde se conclui, contrariamente ao sustentado no despacho recorrido, que a remessa a juízo, por correio electrónico, dos requerimentos de abertura de instrução, é um meio legalmente previsto para o efeito.

            6.  O projecto de desburocratização dos serviços judiciais, cuja concretização de início se limitou à previsão de mais fácil entrega pelas partes das peças processuais escritas, foi avançando, com o correr dos tempos, com vista à progressiva desmaterialização dos processos judiciais, que venha a permitir eliminar e simplificar actos, de modo a tornar mais fácil o acesso à justiça e a aumentar a respectiva celeridade.
            No desenvolvimento desse projecto, o legislador aditou às formas de entrega de actos processuais escritos (apresentação na secretaria, envio por correio, remessa por telecópia) outros modos de o fazer, agora mediante o recurso às novas tecnologias. O envio através do correio electrónico foi uma dessas formas, tendo sido implementada pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, e passando o artigo 150º do Código de Processo Civil a exigir ao utilizador a aposição da sua assinatura digital.
            Todavia, a partir da versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, a utilização das novas tecnologias ficou dependente da publicação de portarias regulamentadoras a publicar pelo Ministro da Justiça, sendo nestes diplomas que foi definido o respectivo âmbito de aplicação.
            No que se refere ao correio electrónico, a Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, apenas dele excluiu o requerimento de execução. Permitiu, assim, que o envio a juízo, por este meio, de peças processuais escritas continuasse a ser aplicável às várias jurisdições.
            Na reforma de 2007, o correio electrónico deixou, porém, de fazer parte do elenco do artigo 150º do Código de Processo Civil, tendo sido adoptada como meio preferencial a transmissão electrónica de dados, agora integrada no sistema informático CITIUS, conforme se estabeleceu na Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro.
            A razão da eliminação da referência ao correio electrónico no artigo 150º resultou, porém, não da verificação de uma qualquer circunstância que desaconselhasse a sua utilização, mas da desnecessidade do seu uso face a uma transmissão electrónica de dados integrada num sistema mais completo e abrangente. Foi, todavia, intenção expressa do legislador rodear a implementação do novo método das maiores cautelas e, por isso, a aplicação da regulamentação por esta Portaria ficou limitada, nos termos do respectivo artigo 2º, às acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas e às execuções cíveis. De fora da utilização da nova tecnologia ficou a apresentação do pedido de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal e a apresentação do requerimento executivo, conforme expressamente ali se determinou.[2]
            Esta restrição no âmbito de aplicação da Portaria nº 114/2008 determinou, de harmonia com o disposto no respectivo artigo 27º, a revogação parcial da Portaria nº 642/2004, limitada à parte respeitante às acções previstas no mencionado artigo 2º.  Portaria que, no entanto, se mantém em vigor para todos os demais processos, independentemente da jurisdição. Doutro modo, ter-se-ia assistido a um retrocesso no processo de desburocratização no âmbito da jurisdição penal.
            Pelo que se expôs, deve entender-se que, para o processo penal, continua em vigor a Portaria nº 642/2004, sendo, por conseguinte, válida a apresentação pelos sujeitos processuais de peças processuais escritas, através de qualquer das formas permitidas no artigo 150º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, aplicável nos termos do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal.

O acórdão recorrido, enquanto confirmativo da decisão sumária, considera, contudo, que, “Por lógica decorrência de tal quadro normativo, representa-se-nos, neste conspecto - e com o devido respeito - como manifesta/juridicamente despropositada a virtual convocação da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, posto que tal acto regulamentar (do governo) em que o reclamante aparentemente se estriba para sustentar a validade do seu referido procedimento, (vide fls. 3310), foi, obviamente, no que tange ao processo civil e, logo, também ao criminal e contra-ordenacional - que a respectiva disciplina têm por subsidiária, (cfr. arts. 4.° do CPP e 41.°, n.º 1, do RGCO, aprovado pelo D.L. n.º 433/82, de 27/10) -, tacitamente revogada pelo acto legislativo traduzido no D.L. n.º  303/2007, de 24/08 - fonte normativa hierarquicamente superior ao regulamento do governo, seu mero complemento, a ele (decreto-lei) necessariamente subordinado e vinculado, de que a portaria (a citada ou outra) constitui subcategoria, (c.fr. art.º 112.°, ns. 1, 6 e 7, da Constituição Nacional) -, que, sendo-lhe posterior, pela nova redacção dessarte introduzida (pelo respectivo art.º 1.º) aos arts. 150.° (mormente ns. 1 e 2) e 138.0-A (aditado pela Lei n.º 14/2006, de 26/04) do Código de Processo Civil, e pela consequente e integrada dimensão normativa daí decorrente, eliminou tal modo (correio-electrónico) de apresentação a juízo de actos processuais escritos, e, logo, por manifesta incompatibilidade, como é de palmar e incontornável apreensibilidade, a atinente disciplina por tal acto regulamentar postulada, (vide art.º 7.°, n.º 2, do Código Civil), que substituiu pela resultante e subsequentemente regulamentada pela Portaria n.º 114/2008, de 06/02, de cujo art.º 2.º (quer na versão original quer nas posteriores) claramente decorre ­como supra se esclarece - a respectiva inaplicabilidade ao procedimento criminal e contra-ordenacional.”  
            A afirmação acabada de referir, feita no acórdão recorrido, esquece, todavia, que o artigo 11º nº 2 do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, estabeleceu que a produção de efeitos da nova redacção dos artigos 138º-A e 150º, entre outros, ficou dependente da entrada em vigor da portaria prevista no nº 1 do artigo 138º-A do Código de Processo Civil. A Portaria nº 114/2008, no seu artigo 2º, limitou, como vimos, o respectivo âmbito de aplicação às acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, bem como às acções executivas cíveis, só sendo nesse segmento que foi revogada a Portaria nº 642/2004. Tendo tido este diploma, como finalidade primordial, “clarificar alguns dos aspectos técnicos a que deve obedecer o envio por correio electrónico”, a sua revogação parcial, no estrito âmbito do artigo 2º da Portaria nº 114/2008, só pode ter a leitura de que, em todo o restante campo de aplicação, nomeadamente quanto ao processo penal, se mantém em vigor. Na verdade, se fosse vontade do legislador afastar definitivamente o correio electrónico das formas de envio a juízo de peças processuais escritas, bastaria ter revogado globalmente a Portaria nº 642/2004.
            Foi no sentido da manutenção deste diploma e do artigo 150º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº  324/2003, de 27 de Dezembro que julgou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 20-12-2012 – Proc. 32/05.2TAPCV.C2.S2, relatado pelo Conselheiro Manuel Braz (CJ- Acs. STJ, XX, tomo III, pág. 223), assim como o fizeram a Relação de Coimbra, pelo acórdão de 19-01-2011 – Proc. 51/06.1GAMGL.C1, a Relação de Évora, por acórdãos de  05-03-2013 – Proc. 559/07.1TAABT.E1 e de 19-03-2013 – Proc. 317/11.9GCPTM-A.E1 e a Relação do Porto, por acórdão de 15-01-2014 – Proc. 441/07.2JAPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt
            No mesmo sentido da decisão recorrida, se pronunciou a Relação de Coimbra, nos acórdãos de 30-11-2011 – Proc. 135/03.8IDAVR.C1 e de 25-01-2012 – Proc. 123/09.0GTVIS.C1, todavia, todos com o mesmo relator.

             Termos em que acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em fixar jurisprudência nos seguintes termos:

                 «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria nº 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal».

         Em consequência ordena-se que, oportunamente, o processo seja remetido à Relação de Coimbra para que profira nova decisão em conformidade com a jurisprudência fixada - artigo 445.º do Código de Processo Penal.
            Não é devida taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, CPP).
            Cumpra-se o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do CPP.
             

           Lisboa, 6 de Março de 2014

Arménio Sottomayor (Relator)

Santos Cabral

Oliveira Mendes

Souto de Moura

Maia Costa

Pires da Graça

Raul Borges

Isabel Pais Martins

Manuel Braz

Isabel São Marcos

Pereira Madeira

Santos Carvalho

Rodrigues da Costa

Armindo Monteiro

Henriques Gaspar (Presidente).

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[1] Em 26-06-2013, foi publicada a Lei nº 41/2013,que aprovou o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 1 de Setembro seguinte, tendo sido revogada, por força do disposto no artigo 4º,  toda a legislação anterior sobre esta matéria. Por seu turno, a Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto revogou a Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro.
[2]  No que respeita ao respectivo âmbito de aplicação, a Portaria nº 411/2008 foi objecto de diversas alterações. Assim, no campo das acções executivas cíveis, com a publicação da Portaria nº 457/2008, de 20 de Junho, desapareceu a a excepção relativa à apresentação do requerimento executivo, e com  a Portaria 471/2010, de 8 de Julho, foi alargada a tramitação electrónica aos incidentes que corram por apenso à execução. Por força desta mesma Portaria, a tramitação electrónica não tem aplicação nos processos de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo. A Portaria nº 195-A/2010, de 8 de Abril, por seu turno, alargou a tramitação electrónica aos processos da competência dos tribunais ou juízos de execução de penas.