Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2789/16.6T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: CLÁUSULA PENAL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA DO DEVEDOR
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
PEDIDO GENÉRICO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
DANOS FUTUROS
PRESSUPOSTOS
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / FONTES DE DIREITO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR / FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / PETIÇÃO INICIAL / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das obrigações em geral, II, p. 137;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, p. 290.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, 483.º, 487.º, N.º 1, 566.º, N.º 3, 762.º, 798.º, 799.º, N.º 1, 804.º, 808.º E 810.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, 552.º, N.º 1, ALÍNEA E), 609.º, N.ºS 1 E 2 E 615.º, N.º 1, ALÍNEA E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-01-2005, PROCESSO N.º 04A4007;
- DE 19-05-2009, PROCESSO N.º 2684/04.1TBTVD.S1;
- DE 20-11-2012, PROCESSO N.º 176/06.3TBMTJ.L1.S2.
Sumário :

I - A cláusula penal compensatória consiste na estipulação antecipada pelos contraentes de uma quantia pecuniária (determinada ou determinável) para reparação do prejuízo causado a um deles pelo incumprimento definitivo e culposo da obrigação do outro.

II - Por assim ser, nos termos do art. 808.º do CC, o exercício do direito fundado nessa cláusula penal sempre dependeria da prévia interpelação admonitória para o cumprimento em prazo razoável ou da demonstração da perda do interesse do credor na prestação do devedor, apreciada objectivamente e daí que esse exercício não seja substancialmente cumulável com a pretensão ao cumprimento coercivo da obrigação principal, com reparação da simples mora.

III - Por outro lado, o accionamento da dita cláusula sempre seria logicamente incongruente com a formulação do pedido genérico de indemnização, a liquidar posteriormente, de danos patrimoniais e morais que, previsivelmente, possam vir a repercutir-se na esfera do demandante, uma vez que aquela supõe a estipulação antecipada da quantia pecuniária devida a esse título.

Decisão Texto Integral:                                                                                              

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
           

AA Lda intentou esta ação contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas dos juros de mora, que alegou corresponderem ao montante por liquidar do preço dos trabalhos que realizou no âmbito de um contrato de empreitada que celebrou com o R e a danos advindos do incumprimento deste: a) € 25.181,37 (preço da obra ainda não paga); b) € 14.000 (danos não patrimoniais); c) montante a liquidar (por danos patrimoniais e morais, que venha a sofrer, conforme cláusula penal outorgada).
O R contestou impugnando os fundamentos alegados pela A e peticionou desta, reconvencionalmente, a indemnização de € 10.000.
Foi proferida sentença, condenando o R a pagar à A a quantia de € 58.181,37 – nela incluída a indemnização de € 33.0000, em aplicação da cláusula penal –, acrescida de juros moratórios sobre as quantias de € 12.652,17 e de € 12.652,17, desde 27-03-2013 e 11-05-2016, respectivamente. 

A Relação de Guimarães, julgando procedente a apelação que o R interpôs da sentença quanto ao pedido formulado pela A sob a al. c), condenou o R a pagar a esta apenas a quantia de € 25.181,37 euros, acrescida de juros moratórios sobre as quantias de € 12.652,17 e de € 12.529,20, desde 27-03-2013 e 11-05-2016, respectivamente. 

A A interpôs recurso de revista desse acórdão, delimitando o seu objecto com extensas conclusões em que coloca a questão de saber se deve ser repristinada a sentença de 1ª instância porque:
1) Não obstante a A se ter equivocado na formulação que ofereceu ao seu pedido (al. c), deve ser superado o seu erro meramente formal, como fez a 1ª instância, porquanto o seu objectivo era o de, tão-somente, accionar a cláusula penal acordada.
 2) A mora do R ocasionou a perda de interesse por parte da A, objectivamente apreciável, pelo que deve considerar-se definitivamente incumprida a obrigação daquele e mantida a indemnização fixada em 1ª instância com fundamento na referida cláusula penal.
*
Importa apreciar a questão enunciada e decidir, para o que releva o antecedentemente relatado e os factos definitivamente fixados na decisão recorrida.
         
Entendeu a Relação que a 1ª instância, na parte em que fundamentou o sentenciado na cláusula penal convencionada no contrato de empreitada entre as partes celebrado, violou o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão, ditado nos comandos dos artigos 3º, 552º, nº 1, e), 609º, nº 1, e 615º, nº 1, e), do CPC, e a que subjazem razões de certeza e segurança jurídicas.
Realmente, a A, no seu articulado inicial, embora tenha aludido a essa convenção, não só não retirou dela qualquer consequência juridicamente inteligível, como estruturou a sua pretensão pedindo os montantes correspondentes ao preço dos trabalhos que realizou no âmbito daquele e que, segundo alegou, o demandado ainda não liquidara. Mas, a par e concomitantemente com essa exigência do cumprimento coercivo pelo R do contrato de empreitada que com ele celebrara, pediu que o R fosse condenado a «pagar de indemnização à A. em quantitativo a fixar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e morais, que esta venha a sofrer, conforme cláusula penal outorgada pelas partes» (al. c).
Como se sabe, a cláusula penal compensatória – como é a invocada pela recorrente – consiste numa estipulação negocial mediante a qual os contraentes estabelecem antecipadamente uma (determinada ou determinável) quantia pecuniária para reparação do prejuízo causado a uma das partes pelo incumprimento definitivo e culposo da obrigação da outra parte (arts. 810º e 798º e ss do CC).
Por assim ser, nos termos do art. 808º do CC, o exercício do direito fundado na cláusula penal em questão sempre dependeria da prévia interpelação admonitória para o cumprimento em prazo razoável ou da demonstração da perda do interesse da A na prestação do R, apreciada objectivamente. Porém, esse exercício não seria substancialmente cumulável com a pretensão da A ao cumprimento coercivo do contrato pelo R, ou seja, à prestação contratual alegadamente em falta – a contrapartida pelos trabalhos que realizou na execução do contrato de empreitada – e aos juros correspondentes à inerente mora ([1]). Com efeito, o putativo accionamento de tal cláusula pela A é inconciliável com os peticionados cumprimento da obrigação principal e reparação da simples mora neste (arts. 762º e 804º do CC) ([2]).
Donde, a argumentação agora aduzida no recurso de revista pela A tendente a que se considerasse definitivamente incumprida a obrigação do R é também inconsequente por colidir frontalmente com a sua pretensão ao cumprimento coercivo, aliás, reconhecida na sentença de 1ª instância e, nessa medida, corroborada pela 2ª instância, mas, precisamente por isso, não sustentável no incumprimento definitivo do contrato.
Por outro lado, o accionamento pela A da dita cláusula, tal como foi erradamente figurado em 1ª instância, também seria logicamente incongruente com a formulação do pedido genérico de indemnização, a liquidar posteriormente, de danos patrimoniais e morais que, eventualmente, pudessem vir a repercutir-se na esfera da demandante: a quantia pecuniária convencionalmente devida é antecipadamente estipulada, não sendo o seu montante susceptível de qualquer posterior liquidação, ainda que se possa vir a quedar num patamar inferior ao daquela por imperativos decorrentes da equidade.
Ademais, também nem sequer deveria ter sido ponderada a pretensão da relegação para posterior liquidação de tais danos patrimoniais e morais meramente eventuais. Na verdade uma tal pretensão só seria configurável se a demandante alegasse e demonstrasse todos os pressupostos da responsabilidade civil do R (arts. 483º e ss do CC) – exceptuando o da culpa, que se presumira, por aquela brotar do contrato (arts. 487º, nº 1, 799º, nº 1, do CC) – incluindo os factos patenteando cabalmente prejuízos concretos ou, ao menos, previsíveis, mas, de todo o modo, sempre instituindo de forma competente e sólida as balizas mínimas e máximas dos respectivos valores, i. é, os limites dentro dos quais se poderia vir a julgar equitativamente, nos termos dos arts. 4º e 566º nº 3 do CC ([3]) ou, ainda, fundamentar uma condenação ilíquida, ao abrigo do art. 609º, nº 2, do CPC ([4]). Ora, dissecando a PI, poderemos concluir que o que determinou a A a formular um pedido genérico não foi a simples impossibilidade de quantificação dos danos, mas a falta de todos os pressupostos do direito que pretenderia exercer nesse domínio, a começar pela previsibilidade dos próprios danos futuros. A referida (difusa) menção a tais danos (patrimoniais e morais) é, não apenas indeterminada quanto à quantificação dos respectivos valores, como não contém uma exposição de factos concretos (da vida real) susceptíveis de fornecer as “balizas” dos supostos danos a que a recorrente aludiu: do que consta factualmente em tal articulado não derivariam os concretos prejuízos a sofrer, previsivelmente, pela A, como sendo reparáveis à luz das disposições citadas, para além dos limites dentro dos quais os mesmos se poderiam situar, o que sempre vedaria, quer o recurso à equidade, quer a fundamentação de uma condenação ilíquida.
Foi, pois, inteiramente acertado o ajuizado pela Relação para afirmar, não só que a 1ª instância se pronunciou sobre objecto diverso do pedido formulado pela A, como que seria destituída de fundamento a suposta pretensão baseada na cláusula penal contratada.

Portanto, improcede o recurso.

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Síntese conclusiva:

1. A cláusula penal compensatória consiste na estipulação antecipada pelos contraentes de uma (determinada ou determinável) quantia pecuniária para reparação do prejuízo causado a um deles pelo incumprimento definitivo e culposo da obrigação do outro.

2. Por assim ser, nos termos do art. 808º do CC, o exercício do direito fundado nessa cláusula penal sempre dependeria da prévia interpelação admonitória para o cumprimento em prazo razoável ou da demonstração da perda do interesse do credor na prestação do devedor, apreciada objectivamente, e daí que esse exercício não seja substancialmente cumulável com a pretensão ao cumprimento coercivo da obrigação principal, com reparação da simples mora.

3. Por outro lado, o accionamento da dita cláusula sempre seria logicamente incongruente com a formulação do pedido genérico de indemnização, a liquidar posteriormente, de danos patrimoniais e morais que, previsivelmente, possam vir a repercutir-se na esfera do demandante, uma vez que aquela supõe a estipulação antecipada da quantia pecuniária devida a esse título.

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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e, por consequência, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.          

Lisboa, 6/11/2017

Alexandre Reis

Lima Gonçalves

Cabral Tavares

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[1] Neste sentido, A. Varela, “das obrigações em geral”, II, p. 137 e Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, II, p. 290.
[2] O que, bem vistas as coisas, a própria recorrente reconhecera nos articulados, tal como a Relação pertinentemente observou: «Nunca a Autora resolveu o contrato», «a Autora não resolveu o contrato, antes se tendo limitado a instar o Réu a proceder aos pagamentos em falta» (artigos 37 e 38 da réplica).
[3] Que preceitua que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
[4] Realmente, em abstracto, a condenação ilíquida tanto pode ter lugar no caso em que é, desde logo, formulado um pedido genérico [art. 556º, nº 1, b), do CPC] como naquele em que, não obstante a formulação dum pedido específico, não foi conseguida a prova da respectiva quantidade, como acontece quando se pretende exercer o direito a indemnização respeitante a danos cuja existência está demonstrada, mas não existem elementos para fixar o seu montante e a natureza dos danos não justifique ou não se verifiquem os pressupostos para o recurso a critérios de equidade (cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 11-01-2005, p. 04A4007, de 19-05-2009, p. 2684/04.1TBTVD.S1, de 20-11-2012, p 176/06.3TBMTJ.L1.S2).