Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
86/05.1TBRSD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: NOTIFICAÇÃO POSTAL
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
PRESUNÇÃO
PRESUNÇÕES LEGAIS
PRAZO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONTAGEM DE PRAZO
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário :

I - Para efeitos de determinação das datas da notificação electrónica, o legislador consagrou duas presunções: (i) a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e (ii) a expedição presume-se feita no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.
II - O prazo para apresentação de alegações de recurso inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão electrónica do despacho que o receba, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.
III - Tendo tal notificação ocorrido em data anterior àquela em que se presume efectuada, nenhum efeito se pode extrair de tal ocorrência, não podendo a contraparte invocar, para efeito de encurtamento do prazo, o recebimento ocorrido em data anterior, como decorre do disposto no n.º 6 do art. 254.º do CPC, segundo o qual as presunções da notificação postal ou electrónica só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
IV - Ou seja, a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo, pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.
Na acção declarativa de condenação, com processo ordinário, que a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA e de BB, representada por CC e DD, intentou contra EE e mulher FF e GG, os dois primeiros réus, inconformados com a decisão proferida na 1ª instância, apelaram para o Tribunal da Relação do Porto.
Apresentadas as alegações de recurso a 18/02/2010, a autora, contra – alegando, invocou a sua extemporaneidade, pedindo, por isso, que o recurso fosse julgado deserto.

Na sequência da questão da extemporaneidade das alegações do recurso interposto pelos primeiros réus, foi proferido pelo Sr. Juiz da 1ª Instância o despacho que consta de fls. 1148, a considerar tempestivas aquelas alegações.

Inconformada, agravou a autora para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 2/05/2011, julgou procedente o recurso interposto pela autora e, em consequência, julgou deserto por falta de alegações o recurso de apelação interposto pelos réus EE e esposa e, em consequência, extinta a instância relativamente a tal recurso de apelação.

Inconformados, recorreram agora os réus para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulam as seguintes conclusões:
1ª – Nos termos do n.º 5 do artigo 254º do Código de Processo Civil, a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição.
2ª – A data da expedição corresponde ao terceiro dia subsequente ao da elaboração, considerando-se feita no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele terceiro dia o não seja.
3ª – E face ao n.º 6 do mesmo artigo 254º do Código de Processo Civil, as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
4ª – Importa conjugar, pois, duas presunções para efeitos de determinação de datas de notificação, isto é, a presunção de que a notificação por transmissão electrónica se presume feita na data da expedição e a de que esta se presume feita no terceiro posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele terceiro dia seja não útil.
5ª – Sendo, pois, que a expedição na via electrónica beneficiará da mesma dilação correspondente à do registo na via postal.
6ª – Face à alegada presunção de notificação, que somente o signatário notificado poderia ilidir, a mesma considera-se feita em 21/12/2009, primeiro dia útil subsequente ao terceiro dia posterior ao da elaboração, visto que este terceiro dia coincidiu com um domingo.
7ª – Assim, o prazo para a apresentação das alegações somente começaria a correr em 22 de Dezembro de 2009, mas atenta a data do início das férias judiciais, o primeiro dia em que efectivamente começou a contar o prazo foi a 4 de Janeiro de 2010.
8ª – O prazo de que dispunham os recorrentes para apresentar as suas alegações era de 40 dias, visto que o recurso de apelação visava também a reapreciação da prova gravada.
9ª – Esse prazo de 40 dias, contados desde 4/01/2010, expirou em 12/02/2010.
10ª – Uma vez esgotado nessa data o prazo de apresentação das alegações, os recorrentes dispunham ainda dos três dias úteis subsequentes para o fazer, mediante o pagamento de multa, como determina o artigo 145º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
11ª – O terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo foi o dia 18/02/2010, pois que o dia 16/02/2010 coincidiu com a terça-feira de Carnaval.
12ª – Deste modo, tendo as alegações dado entrada por via electrónica em 18/02/2010 e tendo sido paga a correspondente multa, as mesmas ainda seriam admissíveis nos autos, não devendo, por isso, ter sido determinada a deserção do recurso.
13ª – O Tribunal “a quo” confundiu data da expedição da notificação com data da sua leitura e omitiu completamente a aplicação do que determina o n.º 6 do artigo 254º do Código de Processo Civil, que determina que as presunções de notificação estabelecidas nos números anteriores do mesmo artigo só podem ser ilididas pelo mandatário notificado e nunca por outrem que não este.
14ª – A douta decisão ora em crise violou, por errada aplicação e interpretação, além do mais, as disposições dos artigos 145º e 254º do Código de Processo Civil e 21º-A da Portaria n.º 114/2008.

A autora contra – alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
2.
Com interesse para a causa devem considerar-se provados os seguintes factos:
1º - O despacho que admitiu o recurso de apelação foi proferido em 14/12/2009.
2º - A sua notificação foi efectuada por via electrónica aos réus EE e esposa, através do documento cuja cópia consta de fls. 1159, emitido em 17/12/2009 e do qual consta a certificação do sistema informático CITIUS “elaborado em 17/12/2009”.
3º - Do histórico do processo constante do sistema informático CITIUS consta expressamente quanto à notificação daquele despacho que este foi lido em 18/12/2009.
4º - Os réus deram entrada das suas alegações de recurso em 18/02/2010.
3.
A questão que constitui o objecto do recurso consiste em saber se as alegações de recurso de apelação dos ora agravantes foram apresentadas fora do prazo, porquanto, no momento em que deram entrada em juízo, já estaria esgotado o respectivo prazo de apresentação, acrescido dos três dias suplementares previstos no n.º 5 do artigo 145º CPC.
4.
Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138º-A (artigo 150º, n.º 1 CPC[1][2]), o que significa que podem, também, ser apresentados a juízo por outras formas (artigo 150º, n.º 2[3])

Estabelece, por sua vez, o n.º 1 do artigo 253º que as notificações ás partes em processos pendentes são feitos na pessoa dos seus mandatários judiciais.

A forma por que se processa essa notificação depende da forma como os actos processuais das partes são praticados pelos respectivos mandatários.

Se os mandatários das partes praticarem os actos processuais por transmissão electrónica de dados, são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138º-A[4]. Se não praticarem os actos processuais por este meio, são notificados por uma das formas previstas no n.º 1 do artigo 253º, por exemplo, a notificação postal.

A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (artigo 254º, n.º 3).

A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição (artigo 254º, n.º 5[5]).

Assim, o artigo 254º[6] acolhia já as notificações electrónicas a efectuar aos mandatários judiciais, regendo para esse tipo de notificações a Portaria n.º 642/2004, de 16/06 mas a tramitação electrónica dos processos judiciais foi regulamentada pela Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, alterada pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro.

E através da Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro, que alterou a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, foi implementado o projecto CITIUS, visando, através da utilização de sistemas informáticos, criar condições para uma tramitação mais célere.

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 21º-A da citada Portaria 1538º-A, as notificações por transmissão electrónica de dados são realizadas através do sistema informático CITIUS, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no inerente endereço.

As notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados, na pessoa do seu mandatário, quando (i) o mandatário se tenha manifestado nesse sentido através do sistema informático CITIUS ou (ii) o mandatário tenha enviado, para o processo, qualquer peça processual ou documento através do sistema informático CITIUS (artigo 21º-A, n.º 4 da citada Portaria).

Quando as notificações sejam realizadas por transmissão electrónica de dados, não há lugar a notificações por qualquer outro meio (artigo 21º-A, n.º 2).

O sistema informático CITIUS assegura a data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil (artigo 21º-A, n.º 5).

Verifica-se, deste modo, que o legislador pretendeu, mutatis mutandis, uma igualação do sistema de notificação electrónica ao sistema de notificação postal, mantendo-se, consequentemente, a preocupação de não reduzir prazos aos advogados em relação à notificação postal.

Do mesmo modo, as presunções estabelecidas, tanto na notificação postal, quanto na notificação económica só podem ser ilididas pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis (artigo 254º, n.º 6).

São estes os preceitos legais a cuja luz deverá ser dirimida e resolvida a questão colocada.

De realçar que, para efeitos de determinação das datas das notificações electrónicas, o legislador consagrou duas presunções:

1ª – A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição (artigo 254º, n.º 5);

2ª – A expedição presume-se feita no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação[7], ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil (artigo 21º-A, n.º 5).

Assim, o prazo para apresentação de alegações de recurso inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão electrónica do despacho que o receba, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.

Tendo tal notificação ocorrido em data anterior àquela em que se presume efectuada, nenhum efeito se pode extrair de tal ocorrência, não podendo a contraparte invocar, para efeito de encurtamento do prazo, o recebimento ocorrido em data anterior, como decorre do disposto no n.º do artigo 254º, segundo o qual as presunções da notificação postal ou electrónica só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.

Se o dia da leitura marcasse a data da notificação, o artigo 254º do CPC e a Portaria n.º 1538/2008, ficariam completamente esvaziadas de conteúdo e frustrar-se-ia o objectivo do legislador que foi o de fazer beneficiar a notificação electrónica da mesma dilação correspondente à do registo na via postal, ambas com intuito de favorecer o trabalho dos mandatários judiciais das partes.

Dito de outro modo, a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo[8], pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal.

Consta do histórico electrónico dos autos que a notificação do despacho que admitiu o recurso foi emitido em 17/02/2009, data em que foi elaborado.

Deste modo, face à alegada presunção de notificação, que somente o signatário notificado poderia ilidir, a mesma considera-se feita em 21/12/2009, que corresponde ao primeiro dia útil subsequente ao terceiro dia posterior ao da elaboração, visto que este terceiro dia coincidiu com um domingo.

Assim, o prazo para a apresentação das alegações somente começaria a correr em 22 de Dezembro, mas atenta a data do início das férias judiciais, o primeiro dia em que efectivamente começou a contar o prazo foi o de 4/01/2010, atendendo ao disposto no artigo 12º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, conjugado com o artigo 144º, nº 1 Código de Processo Civil.

Tratando-se de um recurso de apelação, em que se visava também a reapreciação da matéria de facto (prova gravada), o prazo em causa era de 40 dias (vide artigo 698º, n.º 2 e 6 do CPC).

Esse prazo de 40 dias expirou em 12 de Fevereiro de 2010 mas, embora esgotado nessa data o prazo de apresentação das alegações, os recorrentes dispunham ainda de três dias úteis subsequentes para o fazer, mediante o pagamento de multa, como determina o n.º 5 do artigo 145º do CPC.

O terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo foi o dia 18/02/2010, porquanto o dia 16/02/2010 coincidiu com a terça – feira de Carnaval.

Deste modo, tendo as alegações dada entrada por via electrónica em 18/02/2010 e tendo sido paga a correspondente multa, as mesmas eram admissíveis nos autos, não devendo, por isso, ter sido determinada a deserção do recurso.

Concluindo:

1ª - Para efeitos de determinação das datas da notificação electrónica, o legislador consagrou duas presunções: (i) A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e (ii) a expedição presume-se feita no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.

2ª - O prazo para apresentação de alegações de recurso inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão electrónica do despacho que o receba, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.

3ª - Tendo tal notificação ocorrido em data anterior àquela em que se presume efectuada, nenhum efeito se pode extrair de tal ocorrência, não podendo a contraparte invocar, para efeito de encurtamento do prazo, o recebimento ocorrido em data anterior, como decorre do disposto no n.º do artigo 254º, segundo o qual as presunções da notificação postal ou electrónica só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.

4ª – Ou seja, a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo, pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal.

5.

Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo, consideram-se tempestivas as alegações do recurso de apelação apresentadas, revogando-se, consequentemente, o acórdão recorrido, devendo o aludido recurso ser objecto de apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto.

Custas pelos recorrida.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012

Granja da Fonseca

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

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[1] Doravante todos os artigos que respeitem ao CPC não serão acompanhados da menção deste diploma.
[2] Redacção do artigo 1º do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[3] Redacção do artigo 1º do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[4] Redacção do artigo 1º do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[5] Redacção do artigo 1º do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[6] Redacção do artigo 1º do DL n.º 324/2003, de 27 de Agosto.
[7] O sistema informático CITIUS assegura a certificação da data da elaboração da notificação.
[8] Vide Ac. STJ de 6/07/2011, Revista 364/99.S1. 2ª Secção.