Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3794/18.3T8SNT-A.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
REQUISITOS
FIADOR
NOTIFICAÇÃO
INTERPELAÇÃO
RENDA
AÇÃO EXECUTIVA
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 11/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I.  0 contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.

II. Tendo os embargantes sido fiadores dos arrendatários, figurando a fiança no contrato de arrendamento e não tendo aqueles sido notificados das rendas em atraso, nem da resolução do contrato pelo senhorio, ainda que este tenha notificado o arrendatário, não pode a execução avançar contra os embargantes, por falta de título.
Decisão Texto Integral:

P. 3794/18.3T8SNT-A.L1.S1


1.  0 contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
2. Tendo os embargantes sido fiadores dos arrendatários, figurando a fiança no contrato de arrendamento e não tendo aqueles sido notificados das rendas em atraso, nem da resolução do contrato pelo senhorio, ainda que este tenha notificado o arrendatário, não pode a execução avançar contra os embargantes, por falta de título.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada por AA e BB veio CC deduzir embargos de executado em que conclui:
a)  deve ser absolvido da execução por inexistência contra si de título executivo;
b)  deve ser absolvido do pagamento da dívida exequenda por falta de interpelação e de notificação judicial avulsa ao fiador/embargante, que constituiu título executivo nos termos do art. 782° do Código Civil;
c)  deve ser ordenada a suspensão da execução, ao abrigo do art. 783° n° 1 al c) do Código de Processo Civil.
Alegou, em síntese:
-    os exequentes apresentam como título executivo uma notificação judicial avulsa aos arrendatários/ Io e 2o executados;
-    o embargante outorgou na qualidade de fiador no contrato de arrendamento em causa,
-    mas não renunciou ao benefício de excussão prévia nos termos do art. 638° nem ao benefício do prazo nos termos do art. 782°, ambos do Código Civil;
-    a comunicação prevista no art. 14°-A do NRAU não foi realizada ao embargante, o que o impediu de pagar em substituição dos arrendatários, pois desconhecia o incumprimento destes;
-    não lhe é oponível, como fiador, uma execução em que não figura no título executivo;
-    as obrigações de pagamento dos arrendatários e do fiador são obrigações de prazo certo e não é extensível ao embargante a perda do benefício do prazo, face ao disposto no art. 782° do Código Civil, além de que o vencimento imediato previsto no art. 781° depende de interpelação;
-    pelo que a obrigação exequenda não exigível ao embargante;
-    por estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 733° n° 1 al. c)
deve ser suspensa a execução sem obrigação de prestação de caução.

2. Contestaram os exequentes, pugnando pela improcedência dos embargos e opondo-se à suspensão da execução.
Invocaram, em síntese:
-    a obrigação do embargante cobre as consequências da mora dos arrendatários;
-    seria uma aberração jurídica poder o locador instaurar execução contra o arrendatário e obrigá-lo a intentar acção declarativa contra o fiador;
-    o título executivo complexo formado nos termos do art. 14o-A do NRAU abrange o arrendatário e o fiador e é desnecessária a comunicação a este último.

3. Por despacho de 18/12/2018 foi determinada a suspensão da execução sem prestação de caução.

4. Foi proferido saneador sentença que julgou improcedentes os embargos de executado.

5. Inconformado, apelou o embargante e o Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento ao recurso decidindo (com um voto de vencido):
“Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se extinta a execução relativamente ao embargante. Custas pelos apelados.”

6. O voto vencido foi formulado nos seguintes termos:
“Em coerência com o entendimento que saiu vencedor no acórdão proferido por este Tribunal da Relação e Secção, datado de 07-11-2019 [P. n° 1866/ 17.0T8ALM-A.L1-6 in www.dgsi.pt], e que subscrevi na qualidade de 2o Adjunto, voto vencido.”

7. Do acórdão do TR veio interposto recurso de revista, admitido, e no qual figuram as seguintes conclusões (transcrição):
“1- O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente a apelação, revogou a sentença recorrida e julgada extinta a execução, relativamente ao embargante.
2- Do requerimento executivo e dos factos provados resulta que os exequentes intentaram acção executiva para obter o pagamento das rendas não pagas pelos executados arrendatários, indemnização e juros, reclamando a quantia exequenda também ao fiador.
3- Juntaram contrato de arrendamento a notificação dos locatários com a comunicação do valor em divida.
4- Mas não comunicaram previamente ao fiador, o montante em divida.
5- Razão pela qual na doutra sentença que se recorre entendeu-se que também a ele fiador tem que ser comunicado o montante em divida.
6- Consequentemente inexiste, título executivo contra o fiador.
7- A fiança é uma garantia especial que obriga pessoalmente um terceiro, que é fiador, perante o credor, assumindo aquele uma obrigação da mesma natureza de obrigação principal.
8- A fiança tem o conteúdo da obrigação principal cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
9- No caso sub judice, face ao que imperativamente dispõe o artigo 634 do Código Civil, a obrigação assumida pelo fiador tem o conteúdo da obrigação principal cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou da culpa do devedor, sem necessidade de interpelação por parte do senhorio, revelando-se assim destituída de suporte jurídico a argumentação expendida no douto acórdão.
10-Conclui-se, assim, pela desnecessidade de interpelação e, em consequência, pela revogação da douta sentença, devendo prosseguir a execução contra o fiador.
11-Foram violados o disposto no artº. 634 do Cod. Civil e 14-A do NRAU.
Pelo exposto, deve a revista ser concedida, revogando-se o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença de primeira instância, como é de inteira justiça.”


8. Foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação
9. De facto

Na sentença recorrida veio dado como provado:

1.  Nos termos da acção principal executiva da qual o presente processado constitui apenso de oposição por embargos de executado, os exequentes embargados verteram no formulário do conexo requerimento executivo a seguinte factualidade:
“1 - Por contrato de arrendamento celebrado entre os exequentes e o primeiro e segundo executados em 21 de Junho de 2001, de que se junta cópia, comprometeram-se a pagar a renda mensal de 359,13 €.
2-  Os executados deixaram de pagar as rendas desde Junho de 2009, que à data de 24 de Outubro de 2012 no valor atualizado mensal de 427,00 €, valor encontrado pela aplicação sucessiva dos vários coeficientes de aumentos legais, perfazendo o total das rendas em dívida àquela data a quantia de 15.842,00 €.
3-  Cumprindo o disposto nos artigos nomeadamente 1081, 1083 n°. 3, 1084, 1087 todos do Cod. Civil e, observando o disposto nos art°s. 9, 10 e 15 do NRAU, foram os executados notificados através de notificação judicial avulsa, conforme documentos juntos da declaração da resolução do contrato de arrendamento.
4-  Apesar de muitas promessas, o imóvel objeto do contrato de arrendamento não foi entregue aos exequentes até 30 de Dezembro de 2011.
5-  Expirando o prazo legal e perante o culposo procedimento, os exequentes instauraram, contra os executados uma execução para entrega de coisa certa, a qual corre os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Execução de Sintra - Juiz 2, com o número 25643/12.6T2SNT.
6-  Os executados não pagaram no tempo e lugar próprio as rendas vencidas desde Outubro de 2012 até à data 16.11.2017, data em que foi entregue aos exequentes a fração objeto do contrato à razão de 427,00 € / mês, o que perfaz a quantia de 41.889,00 €.
7-  No entanto em 07.10.2012 procederam à entrega da quantia de 1867,00 €, pelo que está em dívida a quantia de 40.022,00 €.
8-  Até à instauração da execução liquidam-se os juros devidos pelos executados em 7950,80 €, a que acrescerão os juros vincendos a liquidar oportunamente.
9-  O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo de comunicação aos arrendatários do montante em divida é título executivo nos termos do art°. 14 A do NRAU.
10-    0 terceiro executado, enquanto fiador dos primeiros executados está pessoalmente constituído na obrigação de pagamento da quantia exequenda perante os exequentes.”

2.  No acordo aludido em 1. e epigrafado “contrato de arrendamento renda condicionada”, entre o mais, clausulou-se que:

- AA e BB, exequentes ora embargados, deram de arrendamento a DD e EE, ora l.° e 2.° Executados, a Fracção Autónoma designada pela letra “..”, ...°, n.° .., sito na Av. ………. ………. - ………….

- o prazo de duração do arrendamento é de 5 anos, com início a 01-07- 2001 e termo a 30-06-2006, renovando-se, automaticamente, por períodos mínimos de três anos, caso não seja denunciado por qualquer das partes, dentro do prazo legalmente estabelecido.

- para garantia do pagamento das rendas, CC, executado ora embargante, assumiu a qualidade de fiador,

- no artigo 13.°: «O terceiro outorgante, fiador e principal pagador, assume solidariamente com os inquilinos e segundos outorgantes, a obrigação de fielmente cumprir todas as cláusulas deste contrato, declarando também que a fiança prestada, subsistirá mesmo quando haja alteração da renda agora fixada e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos, se eventualmente, os inquilinos se mantiverem no andar, e durante as quatro renovações seguintes»

3.  Desde Junho de 2009, que DD e EE deixaram de pagar as rendas mensais a que estavam adstritos, determinando o incumprimento.

4.  A comunicação prevista no artigo 14.°-A, do NRAU - notificação judicial avulsa - a qual suporta o título executivo contrato, não foi realizada ao executado embargante, na qualidade de fiador.

5.  O executado embargante somente teve conhecimento do incumprimento, do valor e natureza da dívida, após a citação prévia no âmbito da acção executiva principal.

10. De Direito

10.1. O  objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é a de saber se os exequentes dispõem de título executivo relativamente ao fiador.

10.2. O recorrente entende que sim, indicando em seu favor os seguintes argumentos:
i) “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais em mora ou culpa do devedor” (artigo 634.º do CC)
ii) o fiador garante a satisfação do crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor (artigo 627.º, n.º 1, do CC);
iii) não é exigível a notificação ao fiador das rendas em atraso para contra este se constituir título executivo.


10.3. Para fundamentar a decisão no sentido de não existir título executivo contra os fiadores, disse o TR:
“Como decorre do n° 2 do art. 1084° do CC (Código Civil), a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio fundada na falta de pagamento de rendas opera por comunicação ao arrendatário com invocação desse fundamento. Porém, a resolução fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora após tal comunicação no prazo fixado no n° 3, que era de três meses na versão desta norma introduzida pela Lei 6/2006 de 27/02, aplicável ao caso concreto.
O n° 1 do art. 1081° desse Código estatui:
«A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário.».
E o art. 1087° prevê:
«A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081°, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução, se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.».
E o art. 1045° preceitua:
«1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.».
Antes das alterações ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei 6/2006 de 27/02) introduzidas pela Lei 31/2012 dispunha o seu art. 15°, na parte que ora interessa:
«1 - Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n° 1 do artigo 1084° do Código Civil (...)
2- 0 contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.».
Na redacção da Lei 31/2012 de 14/08, dispõe esse artigo, na parte que ora interessa:
«1-0 procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
0 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:
(...)
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n° 2 do artigo 1084° do Código Civil, (...).
(...)
5 - Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos e despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada ação executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.
(...)
8 - As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas nos termos gerais.».
E o art. 14°-A do NRAU (introduzido pela Lei 31/2012 de 14/8, na redacção da Lei 13/2019 de 12/02) estabelece no n° 1:
«O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.».
No caso concreto, os senhorios/exequentes requereram a notificação judicial avulsa dos arrendatários - que foi realizada em 14/07/2011 - comunicando-lhes, além do mais:
- «0 referido contrato foi celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, renovável nos termos da lei, com início em 01 de Julho de 2001, cfr cláusula quarta do referido contrato, e renovável nos termos legais.» (3o),
- «Sucede que os requeridos deixaram de pagar as rendas referentes aos meses de Julho de 2008, no valor mensal de € 410,00 de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2008, Janeiro; Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, de 2009, no valor mensal de € 415,00, de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2011, no valor mensal de € 427,00, (...) ascendendo o débito ao momento na importância de € 14.784,00, sem a indemnização legal do art. 1041° do Código Civil, a que os senhorios têm direito.» (5°),
- «E também o não fizeram nos oito dias seguintes a contar da data do início da mora relativamente a cada uma, terá por força do disposto no art. 1041° do Código Civil, de acrescer a cada uma o valor de uma indemnização de 50%, que actualmente é de €7.392,00, cifrando-se o débito global de rendas e moras legais na importância de € 15.211,00, depois de deduzida a importância de € 6.965,0 de entregas parcelares que entretanto efectuaram.» (6o),
- «Já decorreram mais de três meses sobre a data em que os requeridos deixaram de pagar as respectivas rendas, tornando-se, consequentemente inexigível aos requerentes a manutenção do contrato de arrendamento, supra indicado, assistindo-lhes o direito à sua resolução atento o disposto no n° 3 do art. 1083° do Código Civil.» (7o),
- «Ora, tendo em conta o determinado no n° 7 do art. 9o da Lei 6/2006 de 27/02, vêm os requerentes utilizar esse mecanismo após terem já comunicado à contraparte com observância do disposto no art. 1084° do Código Civil, cfr fotocópias que se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos, e que se juntam como does 3,4, 5 e 6, digitalizados.» (8o),
- «Nessa conformidade, declaram os requerentes resolvido o contrato de arrendamento acima indicado e que se juntou como doc. n° 2.» (9o),
- «Resolução esta, que nos termos conjugados do n° 1 do art. 1084° do Código Civil e do n° 7 do art. 9o do Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei n° 6/2006 de 27 de Fevereiro, opera por comunicação á contraparte, mediante notificação avulsa, onde fundamentadamente se invoca a obrigação incumprida» (10°).
- «Termos em que requer a notificação judicial avulsa dos requeridos dando-lhes conhecimento de que os requerentes consideram resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 21 de Junho de 2001, (...) devendo o locado ser entregue no final do terceiro mês seguinte, tendo em conta os art. 1087° e 1081° do CC».
Portanto, o contrato de arrendamento foi validamente resolvido, o que nem é questionado pelo embargante.
Impõe-se então saber se o art. 14°-A n° 1 do NRAU deve ser interpretado como admitindo a formação de título executivo contra o fiador.
O n° 1 do art. 53° do CPC (Código de Processo Civil) preceitua:
«A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.».
E o art. 703° desse Código determina, na parte que ora interessa:
«1. À execução apenas podem servir de base:
(...)
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2. Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.».
O art. 9o do CC consagra os princípios que regem a interpretação da lei nestes termos:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve reconstituir a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2.  Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3.  Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».
No art. 14°-A do NRAU não está escrito quem é o exequente e quem é executado no título assim formado.
Nem tal é necessário.
Com efeito, trata-se de um título complexo, constituído pelo contrato de arrendamento e pela referida comunicação do senhorio ao arrendatário, decorrendo do contrato e da lei que este tem a obrigação de pagar as rendas àquele, seu credor.
Havendo fiador, fica também este obrigado a satisfazer o direito de crédito do senhorio nos termos estabelecidos no contrato e na lei, pois dispõe o art. 627° do CC:
«1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.».
E o art. 634°:
«A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.».
Além disso, «O fiador é desde logo pessoalmente obrigado e pode ser chamado a cumprir antes mesmo do devedor (cfr arts. 640° e 641o» (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, vol I, 4a ed., pág. 645).
 Conjugando o art. 14°-A do NRAU com as normas do direito substantivo que disciplinam o arrendamento e a fiança e com as normas processuais definidoras da legitimidade das partes, temos de concluir que a letra da lei contida nessas diversas disposições legais e a unidade do sistema jurídico impõem que o arrendatário tem a posição de devedor no referido título executivo e que também o mesmo poderá suceder quanto ao fiador. Conclusão diferente levaria a esta incongruência do sistema jurídico: obrigar o senhorio a instaurar acção declarativa contra quem pessoalmente também se obrigou a satisfazer o crédito, desvirtuando o objectivo de lhe possibilitar a rápida obtenção de título executivo.
Porém, como se decidiu no Ac do STJ de 26/11/2014 (P.1442712.4TCLRS-B.L1.S1- in www.dgsi.pt) e bem assim no Ac da RL de 13/11/2014 (P.O 7211/13.7YYLSB.L1-6 in www.dgsi.pt) em que as ora relatora e 2o adjunta foram, respectivamente Ia e 2a adjunta, para que se forme título executivo quanto ao fiador, a comunicação tem de ser feita também a este.
Isto porque decorrendo do art. 631° do CC que a fiança não pode ser contraída em condições mais gravosas, não pode o fiador ser tratado mais desfavoravelmente e ser surpreendido com uma acção executiva sem que também previamente tenha sido informado sobre a liquidação das quantias em dívida para, querendo, satisfazer o crédito do senhorio, evitando ser demandado numa execução.
E não se diga que a comunicação não é necessária porque a obrigação de pagamento da renda é de prazo certo, pois esse argumento também se aplica ao arrendatário, além de que não é exigível que o fiador vá averiguando mensalmente se o arrendatário tem cumprido.
Nem se argumente que a finalidade dessa comunicação é só dar mais uma oportunidade ao arrendatário de pagar para que a resolução do contrato fique sem efeito, pois destina-se também a munir o senhorio de título executivo para instaurar execução para pagamento de quantia certa.
Em suma, seguindo os mesmos princípios de interpretação da lei que nos levaram a concluir que é possível a formação de título executivo quanto ao fiador apesar de não mencionado no art. 14°-A do NRAU, também a ele tem de ser comunicado o montante em dívida.
Como não foi efectuada essa comunicação ao embargante, inexiste, neste momento, título executivo contra si, impondo-se a procedência da oposição.”


Na jurisprudência do STJ apenas se conseguiu identificar o seguinte aresto: Proc. n.º 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1, Acórdão de 26-11-2014, com o seguinte sumário:
I - O art. 15.º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o art. 46.º, n.º 1, al. d), do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.
II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o art. 15.º, n.º 2, do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título.
III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida.
IV - A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio, ao pagamento das rendas em dívida.
V - Não obstante o art. 15.º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência à comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita também aos fiadores.
VI - Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação referida em V.
VII - A força executiva referida em VI abrange as rendas indicadas na comunicação, como sendo rendas em dívida, e já não as rendas vincendas, as não mencionadas na comunicação, bem como as demais obrigações imputadas, como sejam a indemnização pela mora.

E na fundamentação:
“Dispõe o n.º 2 do artigo 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à da alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, aqui aplicável o seguinte:
“O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Por seu lado, o artigo 46º do CPC, à altura vigente e aqui aplicável, estabelecia no seu nº 1, que à execução podem servir de base, além de outros, os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético – alínea c) -, e, ainda, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – alínea d).
Assim o artigo 15º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o disposto no artigo 46º, n.º 1, alínea d), confere especificamente força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, para a sua cobrança judicial.
Como muito bem considerou o acórdão recorrido, merecendo a nossa anuência, “a comunicação ao arrendatário do montante em dívida, exigida no nº 2 do artigo 15º do NRAU, cuja única razão de ser será a de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato”, funciona, pois, como requisito complementar da exequibilidade daquele título que é agora de natureza complexa por integrar dois elementos: o contrato onde a obrigação exequenda foi constituída e a demonstração da realização de comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida”.
“Mas o dito preceito legal, limitando-se a acrescentar um requisito para a exequibilidade de documento assinado pelo devedor que demonstra a constituição da dívida exequenda, não indica o arrendatário - nem podia fazê-lo, sob pena de contrariar o regime substantivo vigente - como único sujeito passivo da obrigação ínsita no título complexo que cria, antes omitindo toda e qualquer referência à identidade do obrigado, e fazendo referência ao arrendatário apenas como destinatário da comunicação que exige em complemento do contrato de arrendamento”.
“Daí que, a nosso ver, não tenha fundamento, salvo o devido respeito por opinião contrária, a ideia segundo a qual o título executivo assim formado respeita apenas ao arrendatário, e não também ao seu fiador, por só ao primeiro se referir o preceito”.
Com efeito, como flui do artigo 627º, n.º 1 do Código Civil, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”. A situação do fiador é, assim, a de garante da obrigação com o seu património pessoal.
A fiança tem como características principais a acessoriedade e a subsidiariedade. A acessoriedade aparece referida no artigo 627º, n.º 2, que nos diz que «a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”. Esta característica significa que a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinado por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos.
Dito de outro modo, por força da regra da acessoriedade, “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artigo 634º). Daqui resulta que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor.
Por sua vez, a subsidiariedade reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do artigo 638º, impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor (artigo 828º do CPC aplicável).
O benefício da excussão visa evitar a execução judicial dos bens do fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança não se mostre insuficiente para assegurar o cumprimento da obrigação.
Ora, como ficou provado, no aludido contrato de arrendamento, os 2º e 3º executados intervieram como terceiros contraentes e declararam constituir-se fiadores da inquilina e, sem benefício de excussão prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria “pelo exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultam do contrato de arrendamento (…), durante o prazo deste e as suas eventuais renovações.”
Significa isto que o benefício de excussão prévia foi excluído, porque os fiadores a ele renunciaram, responsabilizando-se desse modo como principais pagadores.
Assim, “emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio, nos termos descritos no facto nº 3 – artigos 627º, nº 1, 634º e 640º, alínea a), todos do Código Civil”.
Apesar de o artigo 15º, n.º 2 da Lei 6/2006 se referir apenas à comunicação ao arrendatário, consideramos que, por identidade de razão, a comunicação também deverá ser feita aos fiadores.
Ora, no caso, aos aqui fiadores foi feita comunicação idêntica à que foi dirigida à arrendatária.
Deste modo, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário e aos fiadores do montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2 do artigo 15º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no dito contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.
Neste sentido se tem pronunciado, ao que cremos, maioritariamente, a nossa jurisprudência. [[1]]

De salientar que alguns dos arestos invocados na fundamentação, proferidos pelos Tribunais da Relação, tiveram como relatores desembargadores que entretanto são Conselheiros no STJ, o que nos leva a crer que, se chamados a analisar situações equivalentes, manteriam a posição firmada no arestos que relataram, ainda que em tempos já, em certo sentido, remotos.

No âmbito da jurisprudência dos Tribunais da Relação há vários arestos que adoptaram a posição indicada no acórdão do STJ de 2014, nomeadamente a que se indica a título meramente exemplificativo.

OrigemAcórdão da Relação de Coimbra
Data2019-06-04
SumárioI - O título executivo a que se reporta o art. 14º-A do NRAU tem natureza complexa, sendo integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao devedor (arrendatário ou fiador).

II - O título executivo do dito art. 14º-A do NRAU confere ao exequente suporte para a realização coativa do valor inerente às rendas - em dobro-, rectius, -indemnização- pela mora na restituição do locado, a que se refere o art. 1045º, nos 1 e 2 do C.Civil, a par das - rendas - singulares igualmente em dívida.

III- Não obstante, tem de constar da comunicação feita [ao arrendatário e a eventual fiador] que serão peticionados valores respeitantes a rendas vincendas e a indemnização, em ordem a que tais valores estejam abrangidos pelo título executivo, contendo este todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes devidos.

Na fundamentação da decisão lê-se:
De acordo com o novo artº. 14-A, do NRAU, o contrato de arrendamento urbano, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário. O título executivo, assim formado, é dotado de dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida (1). A exigência de comunicação ao arrendatário tem em vista “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida (2). Essa comunicação para resolver o contrato por mora superior a 2 meses, de acordo com o artº. 9, nº. 7, do NRAU, ex vi do artº. 1084, nº. 2, do CC, deve realizar-se através de notificação judicial avulsa, contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução ou ainda escrito assinado e remetido pelo senhorio por carta registada com aviso de recepção (3).
Quanto ao fiador: Uma vez que quer os arrendatários, quer a fiadora estão vinculados pelo contrato de arrendamento e visto que foi efectuada a comunicação à fiadora nos mesmos termos que a efectuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir essa fiadora do presente título executivo (4).
Por isso, a presente execução prosseguirá igualmente contra a fiadora. (…)”

A tal consideração não obsta o facto de a dúvida se manter, sobretudo ao nível da 2ª instância, onde continuam a ser proferidas decisões em sentido divergente. A divergência assume três modalidades:
a) Admitindo que existe título contra o fiador, se este foi notificado das rendas em atraso:
1. Ac. TRL 18/1/2018 (10087-16.9T8LRS-B.L1-6) com o seguinte sumário:
– Não revestindo por si, o contrato de arrendamento, enquanto mero documento particular, a qualidade de título executivo, esta qualidade foi-lhe atribuída expressamente pelo artº 703 nº1 d) do C.P.C., sendo este título de natureza complexa, composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e fiador) dos montantes em dívida.

– Do teor do artº 14-A do NRAU não se retira que o contrato de arrendamento acompanhado da respectiva comunicação não constitua título executivo contra o fiador, mas antes a intenção de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato”.
– A responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (artº 631, nº 1 do C.C.), molda-se pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado: não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (artº 798 do C.C.) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (artigo 810 do C.C.).
– Estando ambos vinculados pelo contrato de arrendamento e constando efectuada a comunicação ao fiador nos mesmos termos que a efectuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir o fiador deste título executivo.
– O artº 14-A do NRAU abrange quer as rendas vencidas quer as rendas vincendas e a indemnização devida pela mora na entrega do locado, contendo a comunicação remetida todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes devidos, sem que seja imprescindível uma prévia liquidação, a qual se resume a uma operação aritmética.

E na fundamentação:

"a) – Da interpretação do artº 14-A do NRAU, nomeadamente se o contrato de arrendamento acompanhado da carta de interpelação ao devedor constitui apenas título executivo contra o arrendatário ou também contra o fiador.
A decisão da presente apelação prende-se basicamente com a interpretação a conferir ao artigo 14º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com o aditamento resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (corresponde ao anterior artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal.)
Refere este artigo 14-A que: “
O contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.

A interpretação deste artigo não tem sido pacífica, inclinando-se a doutrina para a tese de que o fiador estaria excluído deste preceito legal, formando-se título executivo contra o próprio arrendatário (para além da citada na decisão recorrida, temos ainda as posições de Fernando Gravato de Morais, in “Falta de pagamento de renda no arrendamento urbano”, pags. 77 a 81; Cadernos de Direito Privado, nº 27, pags. 57 a 63, e in “A jurisprudência no triénio posterior à entrada em vigor do NRAU”, publicado na revista “Direito e Justiça – Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, pags. 512 a 513 e Rui Pinto, in “Manual de Execução de Despejo”, a páginas 1164 a 1165).

Também na jurisprudência se tem debatido esta questão com posições no sentido da exclusão do fiador, de que são exemplos os Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 2007 (relator José Eduardo Sapateiro); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Setembro de 2014 (relator Ezaguy Martins); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de Março de 2009 (relatora Ana Resende); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Abril de 2014 (relator Aristides de Almeida), proc. nº 869/13.9YYPRT.P1, todos publicados in www.dgsi.pt.
Em sentido oposto, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2014 (relator Granja da Fonseca),
Proc. nº 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1; decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2008 (relator Tomé Gomes); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Março de 2013 (relatora Anabela Dias da Silva); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 2009 (relator Cândido Lemos); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Março de 2009 (relatora Catarina Arêlo Manso), acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Maio de 2011 (relator Rui Moura); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2009 (relator Henrique Antunes); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Junho de 2010 (relatora Fátima Galante); acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Abril de 2009 (relatora Sílvia Pires); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Maio de 2010 (Rodrigues Pires); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Maio de 2009 (relator Guerra Banha); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Outubro de 2011 (relatora Cecília Agante), proc. nº 8436/09.5TBVNG-A.P1, acórdão de 07/07/2016, relatora Maria do Rosário Morgado, Proc. nº 13257/15.3T8LSB-A.L1-7, acórdão de 07/06/2016, relator Luís Espírito Santo, proc. nº 5356/12.0TBVFX-B.L1-7, acórdão da Relação de Lisboa de 10/11/16, relator Vaz Gomes, proc. nº 4633/08.9YYLSB-B.L1-2, todos publicados in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Março de 2013 (relator Bernardo Domingos), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVIII, Tomo II, pags. 251 a 254; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Março de 2012 (relator Ilídio Sacarrão Martins) – sumário – publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVII, Tomo II, página 301; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 2015 (relator Rui da Ponte Gomes); acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Maio de 2012 (relatora Maria da Purificação Carvalho), ambos publicitados in www.jusnet.pt.

Sendo questão controversa quer na doutrina, quer na jurisprudência, conforme acima referido, a nosso ver, do teor do artº 14-A do NRAU não se retira que o contrato de arrendamento acompanhado da respectiva comunicação não constitua título executivo também contra o fiador.

Não revestindo por si, o contrato de arrendamento, enquanto mero documento particular, a qualidade de título executivo, esta qualidade foi-lhe atribuída expressamente pelo artº 703 nº1 d) do C.P.C., sendo este um título de natureza complexa, composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e fiador) dos montantes em dívida.

Com efeito, existindo fiadores, estes também poderão ser demandados, desde que tenham sido notificados pelo senhorio do montante em dívida (neste sentido vide ainda Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A acção executiva Anotada e Comentada, págs. 147).

Não se pode extrair da menção efectuada neste preceito à exigência de comunicação ao arrendatário dos montantes em dívida, como uma exclusão da sua extensão ao fiador, mas antes a de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato” (Decisão singular desta Relação, proferida em 12.12.2008, Relator Manuel Tomé Soares Gomes, www.dgsi.pt).

Assim sendo, neste contrato/título constam como obrigados/executados os nele contraentes devedores, ambos responsáveis pelo pagamento das rendas devidas ao credor senhorio.

Nem na letra do preceito, nem nas razões para a criação deste título executivo, se vê qualquer motivo para afastar o fiador do seu âmbito, de acordo aliás com o disposto nos artºs 627, 631 e 634 do C.C. que consagra a responsabilidade do fiador de assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor.

Com efeito, os traços básicos do regime jurídico deste instituto exprimem-se sinteticamente por duas características: a acessoriedade e a subsidariedade.
O artigo 627º, nº 2, do C.C. estabelece esta acessoriedade ao declarar que “A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”. Essa acessoriedade projecta-se em várias disposições dos artigos seguintes. Assim, quanto à forma, o artigo 628 preceitua que a vontade de prestar fiança deve ser declarada pela forma exigida para a obrigação principal; quanto ao conteúdo, o artigo 631 estabelece que não pode exceder o da dívida principal, nem a fiança ser contraída em condições mais onerosas; quanto à validade, está dependente, por força do artigo 632º, da obrigação principal; quanto à extinção, o artigo 651 prescreve que se verifica pela extinção da obrigação principal.

Por outro lado, como acessória, a obrigação do fiador é uma obrigação distinta da do devedor, embora tenha o mesmo conteúdo.

A obrigação assumida pelo fiador revela-se não só acessória, mas ainda, normalmente, subsidiária da dívida principal. Com efeito, na medida em que a regra se afirme, o seu cumprimento só pode ser exigido quando o devedor não cumpra nem possa cumprir a obrigação a que se encontra adstrito.

A subsidiariedade da fiança concretiza-se no benefício da excussão que consiste no direito que pertence ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal.

Há, todavia, situações em que o fiador não goza do benefício da excussão prévia dos bens do devedor, conforme resulta à saciedade do disposto no artº 640 do C.C.
Nos termos da alínea a) deste preceito legal, o fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores quando houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial se tiver assumido a obrigação de principal pagador.

Consoante se aplique ou não o regime do benefício da excussão, assim se diz em doutrina, que a fiança é simples ou solidária.

Ora, a qualificação da fiança como solidária, demonstra que a expressão "solidariedade" não é, necessariamente, utilizada para designar o seu sentido corrente a pluralidade real de devedores.

É pela interpretação da vontade das partes, e pelos termos usados no contrato que é possível saber se se quis ou não constituir uma fiança e os termos da mesma (cfr. Vaz Serra, Fiança e figuras análogas, nº 1; Bol. nº 71).

No caso dos autos, infere-se do teor do termo de fiança inserto no contrato de arrendamento em apreço que o executado Paulo pretendeu constituir-se fiador do arrendatário, como aliás o comprova o próprio termo "fiador" utilizado no contrato. Significam os termos usados no aludido contrato que a presente garantia tem o conteúdo e o âmbito legal de uma fiança solidária, incluindo a assunção das obrigações do afiançado, nos precisos termos constantes desta clausula 8ª.

Dado ter sido outorgada a prestação de fiança, ainda que solidária, esta, como foi atrás explicitado, deve acompanhar a obrigação principal, cujo cumprimento garante, precisando ainda a lei que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor” (art. 634º). Daqui se conclui, portanto, que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (artº 631º, nº 1), se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado: não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (art. 798º) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (artigo 810º). Com efeito, quem garante certa obrigação como fiador, pretende, em regra, dar ao credor a segurança de que ele obterá o resultado do cumprimento dessa obrigação. Nestes termos, o fiador, se não estipulou o contrário, responde, não só pela prestação devida pelo devedor, mas também pelo equivalente pecuniário dela e pelos danos causados ao credor pelo não-cumprimento.
Constituída a fiança passam a existir duas obrigações, a do devedor (principal) e a do fiador, que é acessória da daquele – n.º 2 do art. 627º do Cód. Civil. Porém quando o fiador se obriga como fiador e principal pagador quer dizer que renuncia ao benefício da excussão e que a sua garantia acompanhará o arrendatário até ao fim do arrendamento (cfr. Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, 6ª ediç., Almedina, pág. 183). Consequentemente, arrendatário e fiador respondem solidariamente pela prestação inicial, bem como pelas consequências legais e contratuais do não cumprimento, incluindo a mora.

Estando ambos vinculados pelo contrato de arrendamento e constando efectuada a comunicação ao fiador nos mesmos termos que a efectuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir o fiador deste título executivo, não se podendo considerar que é este a parte mais desprotegida, sem verdadeiro conhecimento ou controlo do cumprimento do contrato (como defendido por Fernando Gravato de Morais, in “Falta de pagamento de renda no arrendamento urbano”, págs.. 77 a 81).

Aliás a exigência do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida não tem em vista demonstrar a constituição da dívida exequenda, pois ela decorre do próprio contrato, nem se destina a interpelar o devedor, já que se está perante uma obrigação pecuniária de montante determinado e prazo certo (renda – cfr. art. 805.º, n.º 2, al. a) do Cód. Civil), mas destina-se a obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir um grau de certeza quanto ao montante da dívida exequenda, face à vocação tendencialmente duradoura do contrato de arrendamento e ao carácter periódico das rendas.

Concluindo, não restringindo a norma do NRAU o título ao arrendatário, deve entender-se que também existe título contra o fiador que tenha intervindo no contrato, assim se poupando a necessidade de instauração de uma acção declarativa contra o fiador. (Ac. deste Tribunal da Relação de 27/10/16, proferido no Proc. nº 4960/10.5TCLRS.L1-6, relator Eduardo Petersen Silva; José Henrique Delgado de Carvalho, Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa, Quid Juris, pág. 263)."


b) Defendendo que há título executivo contra fiador sem necessidade de comunicação do montante em dívida:
1. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2016, proferido no processo 16777-13.0T2SNT-A.L1-6, com o seguinte sumário[2]:
O título executivo para acção de pagamento de rendas de um contrato de arrendamento, constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação da
quantia em dívida ao arrendatário, é também título executivo contra o fiador, sem que seja necessário comunicar-lhe previamente o montante em dívida como acontece com o arrendatário”.

2. Ac. TRL de 07-11-2019, proc. 1866/17.0T8ALM-A.L1-6, com o seguinte sumário:
O título executivo para acção executiva de pagamento de rendas de um contrato de arrendamento, constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação da quantia em dívida ao arrendatário, é também título executivo contra os fiadores, sem que seja necessário comunicar-lhes previamente o montante em dívida como acontece com o arrendatário.

Na fundamentação diz-se:
“Se é certo que existe jurisprudência que, apesar de a lei não o exigir expressamente, entende ser necessário que o exequente proceda à comunicação da dívida aos fiadores, nos mesmos termos em que tal comunicação é exigida em relação ao arrendatário (nesse sentido acs STJ 26/11/2014, P. 1442/12, RP 24/04/2014, p. 869/13, com voto de vencido e 21/05/2012, p. 7557/10 e ac RL 13/11/2014, p. 7211/13, em que a ora 1ª adjunta interveio também como adjunta, todos em www.dgsi.pt), esta jurisprudência está longe de ser unânime, como se afirma na sentença recorrida, existindo vasta jurisprudência em sentido contrário, ou seja, de que não é necessária a prévia notificação dos fiadores, entendimento que se perfilha (cfr ac. RL 17/03/2016, p. 16777/13, relatado pela ora relatora, com um voto de vencido e, no mesmo sentido, acs RL 14/03/2019, p. 4957/18, 27/10/2016, p. 4960/10, 10/11/2016, P. 4633/08, 22/10/2015, p. 4156/13 e decisão individual RL de 12/12/2008, p. 10790/2008 e acs RP 21/03/2013, p. 8676/09, 18/10/2011, p. 8436/09, 4/05/2010, p. 3913/08, 6/10/2009, p. 2789/09, 23/06/2009, p. 2378/07, 12/05/2009, p. 1358/07, todos em www.dgsi.pt).
Assim, nos termos do artigo 627º do CC, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, sendo esta obrigação dos fiadores uma obrigação com prazo certo, que dispensa interpelação, conforme disposto no artigo 805º nº2 a) do mesmo código, pelo que, estabelecendo ainda o artigo 634º que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”, não há qualquer relevância na comunicação prévia da dívida ao fiador, que já está obrigado pela mora do devedor principal, o arrendatário.
Já a prévia comunicação ao arrendatário, apesar de a sua obrigação ter igualmente prazo certo, justifica-se face à clarificação da liquidação do montante em dívida e, nos casos em que não haja ainda cessação do contrato, face às consequências que poderão vir a resultar do não pagamento da renda, mais gravosas para o arrendatário e às vantagens que este sempre terá se puser termo à mora.

Ora, não exigindo a lei expressamente a necessidade da comunicação prévia dos fiadores na formação do título executivo e presumindo-se, ao abrigo do artigo 9º nº3 do CC, que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, não se concebe que não tenha sido intenção do legislador a possibilidade de executar o fiador juntamente com o devedor principal, apesar de não considerar necessária a sua prévia notificação prévia, à semelhança do que sucede com este.
Conclui-se, portanto, que a exequente não precisava de fazer a comunicação prévia aos fiadores, sendo eficaz contra estes como título executivo o contrato de arrendamento e a comunicação feita ao executado arrendatário.”


c) Defendendo que nunca há título executivo contra o fiador:
1. Ac. do TRC de 20 MARÇO 2018, proc. 1457/15.0T8ACB-A.C1 (ECLI:PT:TRC:2018:1457.15.0T8ACB.A.C1.78), com o sumário:
I - O contrato de arrendamento (o documento), com fiança, acompanhado da notificação do arrendatário, prevista no artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) – Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto –, não constituem título executivo contra o fiador (assim como não o constituiria a notificação, nos mesmos termos, feita ao fiador).
II - A notificação do arrendatário prevista no artigo 14.º-A do NRAU, além da função de liquidação (até àquele momento), ainda tem uma finalidade relevante que é a de constituir uma derradeira interpelação do arrendatário devedor para que proceda ao pagamento, sob pena de execução.

Na fundamentação:
“A disposição legal que prevê a constituição do título executivo em questão nestes autos é o artigo 14.º-A (Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas) da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto), cujo teor é o seguinte:
«O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário».
Vejamos então se o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação do arrendatário, nos termos previstos nesta norma, constituem título executivo relativamente aos fiadores.

Em sentido negativo pode argumentar-se do seguinte modo:
(I) Se o artigo 14.º-A da
Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, exige a notificação do arrendatário para que se constitua em relação a ele o título executivo, então por identidade de razão e enquanto condição de exequibilidade do título, a mesma notificação deve ser exigida e feita também aos fiadores ( Neste sentido Acórdão do S.T.J. de 26-11-2014, no processo 1442/12.4TCLRS-B (Granja da Fonseca), mas no domínio do artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redação anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, cujo texto era o seguinte: «O contrato de arrendamento é título executivo para a ação de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida».
No mesmo sentido Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge. Arrendamento Urbano - Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª Edição (revista, atualizada e aumentada), Lisboa, 2007, pág. 30. Delgado Carvalho, Acção executiva para pagamento de quantia certa, Quid Iuris, 2016, pág. 511.).

(II) A criação do título executivo prevista no mencionado artigo 14.º-A foi pensada apenas para o arrendatário.
Invoca-se o risco da fiança;
O eventual desconhecimento pelo fiador da situação de mora; A especial fragilidade da posição do garante (fiador) e a possibilidade de multiplicação de ações noutros casos previstos no NRAU.
O n.º 2 do artigo 15.º do NRAU insere-se num normativo destinado, essencialmente, a proteger os interesses do senhorio perante o arrendatário, sendo esse o contexto da lei, expresso no amplo leque de casos do n.º 1 ( Neste sentido, Fernando de
Gravato Morais. Cadernos de Direito Privado, Julho/Setembro 2009, n.º 27, CEJUR, pág. 57 e Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 76.).
(III) Considerando que as normas que preveem a criação dos títulos executivos dispensam a existência de processo judicial prévio, então devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo ir além da sua literalidade ( Neste sentido
Rui Pinto. Manual de Execução de Despejo, a páginas 1164 a 1165, que apenas admite a formação de título executivo em relação ao arrendatário, mas não quanto ao fiador, mesmo que seja notificado.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-04-2014, no processo 869/13.9YYPRT (Aristides Rodrigues de Almeida), «I - O título executivo previsto no artigo 14.º-A do NRAU, aprovado
pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14.08, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao respectivo fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao benefício da excussão prévia.
II - No caso de se entender que aquela norma permite a formação de título executivo contra o fiador do arrendatário, dever-se-á exigir, por imposição das regras da boa fé e por maioria de razão, que o contrato de arrendamento seja acompanhado de comprovativo da comunicação ao fiador do montante da rendas em dívida, em termos similares ao que a norma exige relativamente ao arrendatário».
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-11-2014, no processo 7211/13.7YYLSB-B (Carlos Marinho), «Ainda que se entenda que o princípio da tipicidade dos títulos executivos e as demais razões invocáveis no sentido da exclusão da formação de título contra os fiadores em contrato de arrendamento não afastam a possibilidade de tal formação, sempre se impõe concluir - particularmente face à natureza complexa ou composta do aludido título - que, sem comunicação aos fiadores, nunca se constitui contra estes o titulo executivo referido no n.º 2 do art. 15.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano e no artigo artigo 14.º-A aditado ao referido NRAU pela
Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto».).
Em sentido afirmativo, argumenta-se do seguinte modo:
(I) O legislador ao dispor que «O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário», previu um modo de formação do título executivo.
Ao não dizer contra quem podia ser acionado este título executivo assim formado, tem de se entender que ele pode ser
acionado contra todos aqueles que nos termos do contrato de locação se obrigaram perante o senhorio a pagar as rendas, incluindo, portanto o fiador.
A lei não exigiu igual notificação em relação ao fiador, por não ser necessária.
Por conseguinte, onde a lei não distingue também não deve distinguir o intérprete, salvo se existirem boas razões para distinguir, o que não é o caso
. Não é o caso porque a exigência da notificação do senhorio quanto às rendas em dívida tem por finalidade a liquidação extrajudicial da dívida que será objeto de execução.
Ora, é o arrendatário quem está melhor posicionado para controlar esta liquidação, já que sendo este o devedor deve saber se aquilo que o senhorio alega estar em dívida foi ou não foi efetivamente pago por si. Já o fiador não terá o conhecimento preciso desta situação porque não é ele quem paga a renda.

Por ser esta a situação real, a lei só exigiu e exige a notificação do arrendatário, não se mostrando necessária a interpelação do fiador ( Neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2011, no processo 515/10.2TBMAI-A (Rui Moura), «Demandando-se em acção executiva por falta de pagamento de renda o arrendatário e o fiador deste, é título executivo bastante também contra o fiador, o contrato de arrendamento e ainda o comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida, perante a redacção do artigo 15º, nº 2 do RAU».
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2013, no processo 8676/09.7TBMAI-A (Anabela Dias da Silva), «O contrato de arrendamento e comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida constituem título executivo tanto contra o arrendatário como contra os seus fiadores».).

II) O artigo 634.º do Código Civil determina que «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor».
Face a esta disposição legal, a notificação ao fiador da dívida do devedor não cumpre qualquer finalidade relevante e, por isso, não se deve exigir tal notificação como condição de exequibilidade do título ( Neste sentido, com voto de vencido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2016, no processo 16777/13.0T2SNT-A (Maria Teresa Pardal), «O título executivo para acção de pagamento de rendas de um contrato de arrendamento, constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação da quantia em dívida ao arrendatário, é também título executivo contra o fiador, sem que seja necessário comunicar-lhe previamente o montante em dívida como acontece com o arrendatário», onde são citados no mesmo sentido os seguintes acórdãos: «RL 22/10/2015, p. 4156/13 e decisão individual RL de 12/12/2008, p. 10790/2008 e acs RP 21/03/2013, p. 8676/09, 18/10/2011, p. 8436/09, 4/05/2010, p. 3913/08, 6/10/2009, p. 2789/09, 23/06/2009, p. 2378/07, 12/05/2009, p. 1358/07, todos em www.dgsi.pt)».).
Vejamos então que posição tomar face aos argumentos invocados.

Afigura-se que exigindo a lei apenas a notificação do arrendatário, a interpretação mais adequada ao texto da lei é aquela que entende que o título executivo se forma apenas em relação ao arrendatário.

Em primeiro lugar, pela razão invocada por Rui Pinto, acima mencionada, relativa à interpretação restritiva das normas que preveem a formação de títulos executivos, na medida em que estes permitem ultrapassar a fase do processo declarativo e com isto subtrair ao executado meios de defesa.
E isto é tanto mais relevante quando é certo que na forma sumária do processo executivo se procede à penhora antes da citação do executado – cfr. n.º 3 do artigo 855.º e n.º 2 e 3 do artigo 550.º, ambos do Código de Processo Civil.
E a generalidade dos processos executivos para cobrança de rendas seguirá esta forma processual.

É certo que, como ponderou o Prof. Alberto dos Reis, «Quando as circunstâncias são de molde a fazer crer que o direito de crédito existe realmente, quando o instrumento de obrigação se encontra revestido de formalidades que dão a garantia de que a execução movida com base nele não será injusta, atribui-se ao título eficácia executiva e poupa-se ao credor o dispêndio de actividade, tempo e dinheiro que representa o exercício da acção declarativa» ( Processo de Execução, I, 3.ª Edição, pág. 82.).
Será este o caso, pois na generalidade das hipóteses não há qualquer dificuldade em verificar se a renda foi ou não foi paga pelo arrendatário, principalmente quando é paga por transferência bancária.
As dúvidas relevantes existirão somente nos casos em que a renda não é paga por motivos que o arrendatário considera justificados.
Porém, como resulta do artigo 14.º-A do NRAU, o contrato de arrendamento e a fiança não constituem só por si título executivo, sendo ainda necessária a notificação do arrendatário com a comunicação das rendas em dívida.
Ora, repugna que o título executivo se forme em relação ao fiador sem que, após o contrato, exista em relação a ele algum outro facto que mostre ter-lhe sido exigido o pagamento, podendo partir-se logo para a penhora.
Com efeito, a notificação prevista no artigo 14.º-A do NRAU, além da função de liquidação (até àquele momento), ainda tem uma finalidade relevante que é a de constituir uma derradeira interpelação do arrendatário devedor para que proceda ao pagamento, sob pena de execução.

Por conseguinte, justifica-se que não se constitua título executivo contra o fiador porquanto este, após o contrato, não teve qualquer relação com o senhorio, pelo que seria injustificado confrontá-lo com a existência de uma penhora – na execução sob a forma de processo sumário – sem que, após o contrato, tenha tido qualquer intervenção na formação do título executivo.
Sendo também de excluir que se forme título executivo contra o fiador se porventura o senhorio também o notificou nos mesmos termos em que notificou o arrendatário.
Com efeito, a notificação ao fiador não está prevista na lei e não estando prevista na lei não pode o tribunal criá-la ou atribuir-lhe valor jurídico, pois estaria a construir uma norma fora dos casos em que o pode fazer.
Estaria a reconstruir (aumentando-lhe o alcance) a norma do artigo 14.º-A por interpretação extensiva ou a construir uma nova norma por analogia.
Na interpretação extensiva o intérprete pode ir até ao limite do sentido literal ( «Em nossa opinião deveria chamar-se restritiva a uma interpretação que limite rigorosamente o significado duma expressão ao núcleo da representação – que, por exemplo, entenda por “filhos” apenas os filhos naturais –, e “extensiva” a uma interpretação que, para além disso, se estenda até ao limite do sentido literal possível, até ao “domínio marginal” – que, por exemplo, inclua também os filhos adoptivos, os pupilos, os enteados e talvez até (assim se alcançaria, decerto, o limite) os cônjuges dos filhos. Ir além do domínio marginal mais latamente concebido só é, então, possível por via da analogia» - Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian,1978, pág. 399.).
Porém, onde se diz «notificação do arrendatário» não é possível inserir aí o fiador, porque o «fiador» não cabe na extensão do conceito «arrendatário», ou entender-se como «notificação do fiador», porque esta também não cabe no conceito «notificação do arrendatário».

Quanto à analogia, seria necessário mostrar a existência de uma lacuna e não se vê que exista lacuna alguma, pois não há no caso dos autos qualquer «litígio» (Karl Larenz, Ob. Cit., pág. 428.) carecido de resolução entre o senhorio e o fiador, que demande uma solução jurídica só alcançável através da aplicação de uma norma, por analogia, que prevê a criação de um título executivo.
Com efeito, no caso, o senhorio pode obter título executivo contra o fiador através do recurso à ação declarativa, a qual lhe permitirá obter uma sentença condenatória.
É certo que o legislador poderia ter facilitado a tarefa do senhorio se tivesse acrescentado no artigo 14.º-A do NRAU a notificação ao fiador, mas não o fez.
Por conseguinte, o tribunal não pode por si mesmo determinar que havendo notificação do fiador passa a existir título executivo contra este.
Assim, ou a notificação feita ao arrendatário passa a constituir título executivo contra arrendatário e fiador ou então só pode valer contra o arrendatário.
Pelas razões já indicadas, entende-se que a notificação prevista no artigo 14.º-A do NRAU só permite formar título executivo contra o arrendatário.
Concluiu-se, por conseguinte, que no presente caso não há título executivo em relação ao fiador.”
[3]

E ainda

d) Defendendo que há título executivo sem necessidade de notificação prévia ao fiador:
1. Ac. TRL de 14-03-2019, proc. 4957/18.7T8SNT-B.L1-6

Sumário (parcial)
4- O contrato de arrendamento acompanhado de notificação ao inquilino da liquidação de rendas em dívida constitui título executivo contra este e contra o fiador que se tenha vinculado naquele contrato.
5- O artº 14º-A do NRAU (anterior artº 15º nº 2) destinou-se a conferir ao senhorio um título executivo extrajudicial que lhe faculte a cobrança coerciva das rendas em dívida, sem necessidade de ter de instaurar, previamente, acção declarativa para obter título judicial bastante para esse efeito.
 6- O título executivo extrajudicial é o contrato de arrendamento complementado com a notificação de liquidação (necessária) das rendas em dívida.
7- O legislador, no artº 14º-A do NRAU não faz referência ao fiador, ao estabelecer um título executivo para cobrança coerciva de rendas, nem tinha de o fazer: a constituição de fiança não é obrigatória e desapareceu a figura fiança do locatário (ex - artº 655º do CC), passando a aplicar-se o regime geral da fiança: ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo –a renda corresponde a uma prestação pecuniária periódica (artº 1075º do CC) com vencimento a termo certo (artº 1039º nº 1 do CC) – não é necessária a interpelação do fiador pelo credor como requisito para despoletar a aplicação plena do regime do artº 634º do CC porque  a fiança cobre as consequências contratuais da mora do devedor.

Na fundamentação diz-se:
“O artº 14º-A do NRAU, aditado pela Lei 31/2012, de 14/08, com a epígrafe “Título para pagamento de rendas encargos e despesas”, estabelece: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que ocorram por conta do arrendatário.”
Este normativo teve uma versão anterior no artº 15º nº 2 do NRAU, na redacção inicial dada pela Lei 6/2006, de 27/02, com o seguinte teor: “O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
É fácil perceber que
com a nova redacção o legislador teve o cuidado de ser mais rigoroso, passando a utilizar a expressão “…título executivo para execução para pagamento de quantia certa…” em vez “…título executivo para acção de pagamento de renda…”. Além disso, ampliou o leque de prestações susceptíveis de constituírem causa debendi constantes do título: alargou-o aos encargos e despesas que corram por conta do arrendatário.
A interpretação deste artº 14º-A do NRAU tem causado discórdia na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de o título executivo formado à luz do preceito (e anteriormente do referido artº 15º nº 2) permitir a propositura de acção executiva também contra o fiador.
Podem enunciar-se três posições:
1ª- Uma que admite a constituição de título executivo sem necessidade de notificação do fiador;
2ª- Uma segunda, que limita a admissibilidade de constituição do título à notificação do fiador;
3ª- Uma terceira, que recusa a possibilidade de constituição de título executivo contra o fiador.
A primeira posição argumenta, essencialmente, que a única justificação para a notificação ao arrendatário é obrigar o exequente a proceder a uma liquidação prévia das rendas em dívida, não se justificando a interpelação ao fiador por ele responder pela obrigação principal independentemente de interpelação.
Exemplos da defesa desta posição, na jurisprudência, podem encontrar-se, entre outros nos acs. TRL. 12/12/2008 (Tomé Gomes), de 15/11/2012 (Ondina do Carmo Alves), de 10/12/2016 (Vaz Gomes), todos em www.dgsi.pt.
E, na doutrina, Menezes Leitão (Arrendamento Urbano, 6ª edição (2013), pág. 234).
A segunda posição
argumenta a necessidade de notificação do fiador para assim ser obtido, contra ele, título executivo.
Na doutrina, defendendo esta posição, vejam-se, Laurinda Gemas e outros (Arrendamento Urbano, 2ª edição, pág. 52).
A terceira posição usa vários argumentos para recusar a possibilidade de formação de título extrajudicial contra o fiador por dívida de rendas.
Assim,
Teixeira de Sousa (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, coordenação de Menezes Cordeiro, AAVV, 2014, pág. 406) argumenta que “O preceito apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente este está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição. Por isso o título executivo…não se estende ao fiador.”
Gravato Morais
(Falta de Pagamento de Renda no Arrendamento Urbano, pág. 79 e segs.) defende que “A norma não refere nenhuma orientação clara em nenhum dos sentidos (…) o legislador só terá pensado na pessoa do arrendatário (…) o fiador encontra-se numa posição mais fragilizada que o inquilino que pode por termo ao contrato a todo o tempo, o mesmo não sucedendo com o fiador (…) o fiador pode ser confrontado com uma acção executiva, na melhor das hipóteses, 13 a 14 meses após o incumprimento (…) nos casos em que de o senhorio exigir a renda acrescida da indemnização a situação é deveras injusta para o garante, pois o decurso de um largo período de tempo após a mora do arrendatário…oneraria aquele de um modo despropositado e iníquo”. Afasta, á partida, a possibilidade de aplicação do preceito embora admita, “em última via” a formação de título executivo contra o fiador mediante a notificação deste.
Rui Pinto (Manual da Execução e Despejo, 2013, pág. 1162 e segs.)
manifestando dúvidas, acaba por defender que não pode constituir-se título executivo extrajudicial contra o fiador, argumentando com a natureza restritiva das normas que prevêem categorias de títulos executivos; não poder a execução ser dirigida contra quem não consta do título e, a alteração legislativa de 2012 confirmará a intenção do legislador de não abranger outrem no âmbito subjectivo do título.
Cumpre tomar posição.

Adiantando desde já, referimos que concordamos com a referida primeira tese.
Na verdade, em primeiro lugar importa compreender que o normativo em questão, actual artº 14º-A e anterior artº 15º nº 2,
se destinou a conferir ao senhorio um título executivo extrajudicial que lhe faculte a cobrança coerciva das rendas em dívida, sem necessidade de ter de instaurar, previamente, acção declarativa para obter título judicial bastante para esse efeito. Pode assim dizer-se que o legislador teve preocupações de celeridade e de economia processual.
Em segundo lugar, repare-se que a técnica utilizada pelo legislador para “criar” os diversos títulos executivos extrajudiciais referidos no artº 15º do anterior NRAU é basicamente a mesma:
o título executivo é o contrato de arrendamento, complementado/acompanhado com diversos outros documentos consoante a obrigação exequenda e respectiva causa.
Percebe-se ainda a separação dos títulos executivos extrajudiciais mencionados no nº 1 e do que constava do nº 2 do artº 15º do anterior NRAU e agora mais vincada com o novo artº 14º-A: separar as execuções para entrega de coisa certa, da execução para pagamento de quantia certa, porque impossíveis de cumulação na mesma acção executiva (artº 53º nº 1, al. b) do CPC/95 e artº 709º nº 1, al. b) do CPC/13).
Por outro lado compreende-se a necessidade de prévia notificação ao inquilino dos valores em dívida: prende-se com a exigência de liquidação da obrigação exequenda, visto que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas coactivamente (artº 716º e 10º nº 1).
É evidente que o legislador não faz referência ao fiador ao estabelecer um título executivo para cobrança coerciva de rendas.
Impõe-se a pergunta: tinha de o fazer?
Não nos parece.
Primeiro, porque não é obrigatória a constituição de fiador nos contratos de arrendamento, embora seja comum.
Depois, porque o próprio legislador, deixou cair a figura do fiador do locatário que estava prevista no artº 655º do CC. Agora, aplica-se ao fiador, que se tenha vinculado em contrato de arrendamento, o regime geral da fiança (para desenvolvimentos, entre outros, Januário Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, pág. 310 e segs.).
E esse regime geral, no que respeita à vinculação como garante fidejussório, decorre do contrato de arrendamento.
Ora, como é sabido, ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo – recorde-se que a renda corresponde a uma prestação pecuniária periódica (artº 1075º do CC) com vencimento a termo certo (artº 1039º nº 1 do CC) – não é necessária a interpelação do fiador pelo credor como requisito para despoletar a aplicação plena do regime do artº 634º do CC: a fiança cobre as consequências contratuais da mora do devedor (Cf. Januário Gomes, A Assunção …cit., pág. 1251, Conclusão 234).
Além disso,
o título executivo extrajudicial é o contrato de arrendamento complementado com a notificação de liquidação necessária das rendas em dívida. A lei exige que essa liquidação pelo senhorio seja comunicada ao devedor, mas não exige – nem tinha de o fazer, como vimos – que seja comunicada ao fiador: ele está vinculado pelo contrato.
Não nos parece que possa servir de argumento a comunicação ser (somente) realizada ao arrendatário por ser ele quem está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e deduzir eventual oposição. Com efeito, no âmbito de obrigações sujeitas a prazo certo, não há, como vimos, necessidade de interpelação do fiador e, instaurada execução contra ele, tem a faculdade de invocar os meios de defesa próprios e aqueles que competem ao devedor (artº 637º nº 1 do CC); e, além disso, cumprindo a obrigação, fica sub-rogado nos direitos do credor na medida da satisfação efectuada (artº 644º). Portanto, o fiador não está (assim tão) desamparado em face do título que é o contrato complementado com a liquidação notificada ao inquilino.

O argumento de a “comunicação ao arrendatário confirmar a vontade legislativa de não abranger outrem no âmbito subjectivo do título” é, salvo o devido respeito, “reversível”: o legislador não mencionou a “necessidade de comunicação ao arrendatário” por ser desnecessária.
Finalmente, o argumento do numerus clausus dos títulos executivos.
Não se desconhece que
o artº 703º apresenta, no seu nº 1, uma enumeração taxativa de títulos executivos que podem servir de fundamento a uma acção executiva. O emprego do advérbio apenas, no proémio do mencionado preceito, não deixa margem para qualquer dúvida: só têm natureza de título executivo os constantes desse elenco, nullus titulus sine lege. A doutrina é unânime quanto a este carácter taxativo dos títulos executivos (cf. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, pág. 67 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo Executivo, &ª edição, pág. 19 e seg.; Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 22 e seg.; Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª edição, pág. 55 e seg.; Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6ª edição, pág. 46 e seg.; Rui Pinto, A Ação Executiva, pág. 145.).
E
essa taxatividade não admite alargamento por interpretação extensiva e muito menos por analogia. (Teixeira de Sousa, A acção Executiva Singular, cit., pág. 67 e seg.; Rui Pinto, A Ação Executiva, cit., pág. 145).
De entre o elenco das espécies de título executivo figura, na al. d) do nº 1 do artº 703º “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
Um desses títulos executivos, por força de disposição especial é, justamente, o título para pagamento de rendas previsto no artº 14º-A do NRAU, que é formado pelo contrato de arrendamento complementado pela notificação de liquidação ao inquilino.
O título assim formado tem exequibilidade extrínseca não só contra o inquilino mas também contra o fiador (Cf. Ac. TRL, de 15/11/2012 (Ondina do Carmo Alves)
www.dgsi.pt).
Esta interpretação, como vimos acima, não contraria a regra, nullus titulus sine lege.
Portanto e concluindo, o contrato de arrendamento acompanhado de notificação ao inquilino da liquidação de rendas em dívida constitui título executivo contra este e contra o fiador que se tenha vinculado naquele contrato.
Resta concluir que o recurso improcede, embora com diferente argumentação.”

Por seu turno, na doutrina a questão também tem sido analisada, como se dá nota pela síntese seguinte:

I - Defendendo que nunca há título executivo contra o fiador, exigindo-se a acção declarativa:
1. GRAVATO MORAISTítulo executivo para a acção de pagamento de renda, CADERNOS DE DIREITO PRIVADO, N.º 27 Julho/Setembro, pp. 57 e ss., em anotação ao acórdão da Relação do Porto de 12.5.2009, Processo n.º 1358/07;
2. RUI PINTO - MANUAL DA EXECUÇÃO E DESPEJO, Coimbra Editora, 1.ª Edição, pp. 1164 e 1165.
3. URBANO DIAS –, anotação, p. 3 e ss
4. Teixeira de Sousa - Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, coordenação de Menezes Cordeiro, AAVV, 2014, p. 406;

Os principais argumentos que sustentam esta orientação são os seguintes[4]:
i) “o legislador, ainda há pouco tempo, com as alterações ao NRAU pela mencionada Lei n.º 31/2012, ciente das divergências doutrinais e jurisprudências já então existentes, podia ter clarificado a questão, acrescentando que o título executivo formado a favor do senhorio contra o seu arrendatário era extensível ao fiador deste.”;
ii) “Porém, nada disse: o preceito só mudou de numeração, não de conteúdo. Se, na realidade, o legislador tivesse querido alargar o título ao fiador do arrendatário, tê-lo-ia feito e de forma clara para que não subsistissem dúvidas.”;
iii) “É pela análise do título executivo que se determina a espécie da prestação e da execução a que lhe corresponde (para entrega de coisa certa, para pagamento de quantia certa ou para prestação de facto, positivo ou negativo), o quantum debeatur e a legitimidade activa e passiva.”;
iv) “O artigo 10.º, n.º 5, do nCPC dispõe que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva” (correspondente ao revogado artigo 45.º, n.º 1).”;
v) “O que se pode dizer é que seria de todo aceitável, do ponto de vista da economia processual, que o legislador tivesse estendido o título executivo ao fiador do arrendatário, dispensando o senhorio de propor acção declarativa de condenação com vista a obtenção do mesmo título, por mor do incumprimento do arrendatário.”
vi) “É claro que, para tanto, necessário se tornava que do título executivo passasse a constar o fiador e necessariamente o comprovativo do conhecimento do montante em dívida por parte deste. Id est, da mesma forma que para o arrendatário o legislador “arranjou” título a favor do senhorio, deveria encontrar uma forma para constituição de título contra o fiador.”
vii) “Na maior parte dos casos, o fiador subscreve o contrato de arrendamento, nessa sua qualidade, mas a constituição da fiança também pode surgir em documento autónomo em relação ao contrato de arrendamento. O que significa que, nestes casos, sempre teria que fazer parte do título o contrato de fiança, para além, como é natural, do conhecimento da situação de incumprimento por parte dos arrendatários”.
viii) “A fiança pode ser prestada sem o conhecimento do devedor e até contra a vontade dele (artigo 628.º, n.º 2, do CC). O que significa que a situação de incumprimento dos arrendatários impõe a conclusão do conhecimento da situação por parte do fiador”.
ix) “Em reforço desta nossa posição, parece ter cabimento trazer à colação o disposto no artigo 15.º-B, n.º 2, alínea g), do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, que obriga, no âmbito do procedimento especial de despejo, que no respectivo requerimento seja formulado, inter alia, o pedido e, para o caso de pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas.”
x) “E, mais à frente, pode, ainda, ler-se: «Quando seja deduzido pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, este apenas pode ser deduzido contra os arrendatários e, tendo o arrendamento por objecto a casa de morada de família, pode ainda ser deduzido contra os respectivos cônjuges».”
xi) “A intenção restritiva vertida pelo legislador neste preceito, apenas permitindo que, no âmbito do procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou outras despesas em atraso seja deduzido contra os arrendatários ou, tendo o arrendamento por objecto a casa de morada de família, deva ser deduzido contra os respectivos cônjuges, permite concluir que estão afastados do seu âmbito de aplicação os fiadores dos arrendatários.”
xii) “As disposições constantes do NRAU que permitem a execução para pagamento de quantia certa contra o arrendatário, devedor de rendas, não se aplicam ao fiador. Contra este, o senhorio só terá título executivo caso obtenha sentença condenatória (artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do nCPC).”;

II - Defendendo que pode haver título executivo contra fiador desde que o senhorio proceda à necessária comunicação:
1. LAURINDA GEMAS/ ALBERTINA PEDROSO/ JOÃO CALDEIRA JORGE - ARRENDAMENTO URBANO, 3.ª EDIÇÃO, QUID JURIS, p. 70.
2. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A acção executiva Anotada e Comentada, p. 147;
3. gravato de morais, Falta de Pagamento de Renda no Arrendamento Urbano, p. 79, que afasta, à partida, a possibilidade de aplicação do preceito embora admita, “em última via” a formação de título executivo contra o fiador mediante a notificação deste

Os principais argumentos que sustentam esta orientação são os seguintes:

i)  - Nem na letra do preceito do NRAU(14.º A) nem nas razões para a criação deste título executivo, se vê qualquer motivo para afastar o fiador do seu âmbito, de acordo aliás com o disposto nos artºs 627, 631 e 634 do C.C. que consagra a responsabilidade do fiador de assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor;

ii) - Quando devedor principal e fiador estão ambos vinculados pelo contrato de arrendamento, tendo sido efectuada a comunicação ao fiador nos mesmos termos que a efectuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir o fiador deste título executivo, não se podendo considerar que é este a parte mais desprotegida, sem verdadeiro conhecimento ou controlo do cumprimento do contrato;

iii) Não restringindo a norma do NRAU o título ao arrendatário, deve entender-se que também existe título contra o fiador que tenha intervindo no contrato, assim se poupando a necessidade de instauração de uma acção declarativa contra o fiador;

III – Defendendo que há título executivo mesmo sem notificação ao fiador

Os principais argumentos que sustentam esta orientação são os seguintes:
i) A necessidade de prévia notificação ao inquilino dos valores em dívida: prende-se com a exigência de liquidação da obrigação exequenda, visto que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas coactivamente (artº 716º e 10º, nº 1);
ii) Há um numerus clausus dos títulos executivos - artº 703º CPC – e neles se inclui o contrato de arrendamento, por via da conjugação com o art.º 14ºA do NRAU.

Estando equacionada a situação legal, jurisprudencial e doutrinal, é agora altura de tomar posição, o que fazemos no sentido de considerar como mais adequada a interpretação já propugnada no acórdão do STJ de 2014.

Os argumentos aí apresentados afiguram-se perfeitamente lógicos e coerentes com a unidade do sistema jurídico; a posição indicada não envolve ultrapassagem dos limites impostos ao intérprete e ao julgador (art.º 9.º CC); insere-se num propósito de facilitar a posição do senhorio, sem deixar desprovido de protecção o fiador.

Em face do exposto, porque a decisão recorrida está em consonância com a fundamentação que este STJ utilizou na resolução do processo decidido em 2014, e porque os factos provados dão como demonstrado que:
i) No caso concreto, os senhorios/exequentes requereram a notificação judicial avulsa dos arrendatários - que foi realizada em 14/07/2011;
ii) Antes das alterações ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei 6/2006 de 27/02) introduzidas pela Lei 31/2012 dispunha o seu art. 15.º, n.º2:
«2 - 0 contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida».
iii) Os embargantes foram fiadores dos arrendatários, figurando a fiança no contrato de arrendamento.
iv) Os exequentes não notificaram os fiadores das rendas em atraso, nem da resolução do contrato de arrendamento, muito embora o tenham feito em relação ao arrendatário.

Deve manter-se a decisão recorrida no sentido de considerar que não podia a execução avançar com os embargantes, por não terem sido notificados do montantes das rendas em atraso, ainda que a sua fiança integrasse o contrato de arrendamento a cujas rendas se reportava a execução, sem benefício de prévia excussão.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 17 de Novembro de 2020

Fátima Gomes (Relatora)

Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos Senhores Conselheiros que compõem este colectivo.

Dr Acácio Neves e Dr Fernando Samões

_______________
[1] Para além da já referida decisão singular, foi neste sentido o entendimento adoptado nos acórdãos da Relação de Lisboa de 17.06.2010, Relatora Fátima Galante e de 6/05/2014, Relatora Rosa Ribeiro Coelho; da Relação do Porto de 23.06.2009, Relator Cândido Castro de Lemos e de 6.10.2009, Relator Henrique Ataíde Rosa Antunes; e da Relação de Coimbra de 21.04.2009, Relatora Sílvia Pires, todos acessíveis em www.dgsi.pt
[2] Com anotação de URBANO DIAS, in Blog IPPC.
[3] Declaração de voto de desembargador: “Votei a decisão por, no caso, faltar a notificação dos fiadores, apenas tendo ocorrido a notificação do arrendatário a que alude o art.º 14.º-A do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08).
Assim, parece-me, em geral e com todo o respeito pela posição contrária, que o contrato de arrendamento, com fiança,
se acompanhado do comprovativo da notificação do arrendatário nos termos previstos naquela norma e, bem assim, da notificação dos fiadores, constituiria, em paridade, título executivo também relativamente aos fiadores.
Como refere Luís Menezes Leitão, em Arrendamento Urbano, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, ps. 220 e seg., “o fiador é igualmente parte no contrato de arrendamento, assumindo obrigação idêntica à do arrendatário relativamente ao pagamento da renda, e cobre as consequências da mora deste independentemente de interpelação (art. 634.º CC). Por outro lado, a lei não exige, para formação do título, que a comunicação seja efectuada igualmente ao fiador, pelo que naturalmente não estará o senhorio impedido de instaurar a acção executiva contra ambos”.
Parece, pois, não haver motivo de justiça substancial que permita/justifique dissociar, por regra, a posição dos fiadores relativamente ao arrendatário com fiança.
A tese contrária pareceria dificultar a posição do credor/senhorio (quando um tal título executivo de formação extrajudicial rápida serviria para facilitar a sua posição, uma vez privado do locado e das rendas), por ficar ele na posição de (ter de) intentar duas diversas ações judiciais, uma executiva contra o inquilino e outra declarativa condenatória contra o fiador (isto é, com base na mesma dívida, um obrigado pode estar a ser executado e o outro andar a discutir a obrigação em ação declarativa).
O que, de algum modo, pareceria estranho em termos de lógica/coerência do sistema.
A exigência de notificação também aos fiadores prende-se, a meu ver, com imperativos de boa-fé, a demandar informação e proporcionalidade (em paridade), sem
deficit face à posição do arrendatário, previamente à execução, atento o gravoso efeito intrusivo patrimonial desta (os fiadores, uma vez conhecedores da situação, poderão pagar para evitar a execução ou, não o fazendo, defender-se adequadamente em sede de oposição à execução).
[4] URBANO DIAS, anotação, p. 3 e ss.