Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
128/15.2YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: SUBSTITUIÇÃO
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
REGULAMENTO
JUIZ PRESIDENTE
JUIZ
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 03/31/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: ANULADA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. - ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA ( ATIVIDADE ADMINISTRATIVA ) / REGULAMENTO ADMINISTRATIVO / ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ).
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - TRIBUNAIS JUDICIAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA / ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO / SUBSTITUIÇÃO DOS MAGISTRADOS.
Doutrina:
- António Francisco de Sousa, “Código do Procedimento Administrativo” Anotado e Comentado, Quid Juris, 2009, 328.
- Colaço Antunes, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa, Almedina, 2006, 118 e ss., 133/134.
- Freitas do Amaral, Direito Administrativo, 1989, 36/37.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA), PRÉ-VIGENTE: - ARTIGO 120.º.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (NCPA), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 4/2015, DE 7 DE JANEIRO: - ARTIGOS 135.º, 148.º.
DECRETO-LEI N.º 4/2015, DE 7 DE JANEIRO: - ARTIGO 8.º, N.º1.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGOS 86.º, 94.º, N.º 3, AL. D), 98.º.
Sumário :

I - O acto administrativo (art. 120.º do CPA pré-vigente e art. 148.º do actual CPA) é definível como um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica, com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros. O acto destina-se a regular um caso ou situação concreta através da aplicação do ordenamento jurídico.
II - Ao invés de um regulamento administrativo – que tem uma dimensão normativa, geral e abstracta -, o acto administrativo é uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o caracter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular.
III - Existem, contudo, actos administrativos colectivos, plurais e gerais, caracterizando-se os primeiros por terem como destinatários um conjunto unificado de pessoas, os segundos por a decisão da administração ser igualmente aplicável a várias pessoas diferentes (actos plurais) e os terceiros por se aplicarem de imediato a um grupo inorgânico de pessoas, todas elas determinadas ou determináveis, razão pela qual a delimitação entre o individual e o geral não se faz a partir de um critério numérico.
IV - A designação de juízes de direito substitutos constitui uma atribuição dos juízes presidentes (art. 86.º e al. d) do n.º 3 do art. 94.º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26-08) que deve ser concretizada de acordo com lei e com as orientações genéricas do CSM e que se dirige a um grupo de pessoas identificadas ou identificáveis.
V - O acto decisório referido em IV deve, pelos motivos aí mencionados, ser tido como um acto administrativo e não como um regulamento, não podendo, assim, o CSM enjeitar o conhecimento da respectiva impugnação (art. 98.º da Lei n.º 62/2013) com base nessa errónea caracterização.
Decisão Texto Integral:                                  *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, juíza de direito, a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ... - Instância Local de ...., interpôs recurso contencioso da deliberação de 29 de Setembro de 2015, do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que decidiu rejeitar o recurso por si interposto de despacho proferido em 25 de Setembro de 2014 pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ..., que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ..., por irrecorribilidade daquela decisão.

No articulado apresentado a recorrente alegou[1]:

I – Objeto do recurso


O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 29 de setembro de 2015, que decidiu que “como o comando emitido pelo Senhor Juiz Presidente da Comarca ... não constitui acto administrativo, é manifesta a inadmissibilidade legal do meio utilizado para o seu autocontrolo administrativo, pois o recurso hierárquico cabe somente dos actos administrativos praticados pelo juiz presidente (artigo 98º da LOSJ), o que constitui causa de rejeição (artigo 173, b), do Código do Procedimento Administrativo) (cf. doc. 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos).

A A. é diretamente visada e lesada pela douta deliberação impugnada, pelo que tem legitimidade.

A A. encontra-se a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ...— Instância local de ... , tendo sido notificada do ato impugnado em 8 de outubro de 2015, pelo que está em tempo — cf. artigo 169º, nº 1, do EMJ.

O Tribunal é competente, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 1, do EMJ.

II — Da factualidade subjacente à douta deliberação impugnada


Em 25 de setembro de 2014, foi preferido despacho pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ... (cf. doc. 2 que se junta).

Em 6 de outubro de 2014, a A. apresentou junto do Conselho Superior de Magistratura, recurso do despacho acima identificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ) — cf. doc. 3 que se junta.

Por deliberação datada de 29 de setembro de 2015, veio o R. deliberar pela rejeição do recurso interposto (cf. doc. 1 já junto), sufragando, para tanto e em síntese, que:

«O presente recurso hierárquico encontra respaldo legal no artigo 98º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (…), doravante designada por “LOSJ”, ao dispor que cabe recurso para o Conselho Superior de Magistratura dos actos administrativos praticados pelo presidente do tribunal. Norma que tem de coonestar-se com as regras do Código do Procedimento Administrativo (CPA), designadamente com a definição de acto administrativo ínsita no artigo 120º. 
(…)
Nessa medida, para que um qualquer acto do juiz presidente do tribunal seja recorrível para o Conselho Superior da Magistratura tem de enformar uma natureza individual, referir-se a uma ou mais pessoas concretamente identificadas e destinar-se a regular uma determinada situação individual. Se, ao invés, esse acto tiver características de generalidade e abstracção, for dirigido a destinatários indeterminados e aplicável a situações imprecisas, então carece de natureza individual e concreta que o reconduziria a acto administrativo.
(…)
A norma jurídica é geral, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas, e é abstracta, define as situações de vida a que se aplica também por meio de conceitos ou categorias. Em contraponto, o acto administrativo é individual, reportando-se a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, e é concreto, visando regular uma certa situação bem caracterizada.
(…)
Centrados no comando dirigido pelo Exmo. Juiz Presidente do Tribunal da Comarca ... a todos os juízes da comarca, verifica-se que ele enforma de normas gerais e abstractas emitidas no exercício da função administrativa, com destinatários indeterminados e aplicável a situações de vida indeterminadas, de vigência sucessiva. Com efeito, os seus destinatários carecem de identificação nominativa, antes estão referidos aos lugares da estrutura judiciária do Tribunal Judicial da Comarca ... (…).
Ademais, o comando em causa não estabelece qualquer período temporal de vigência, e, por isso, os lugares podem ser ocupados pelos juízes que ali exercem funções à data da sua emissão como pelos outros que ali venham a ser colocados em futuros movimentos judiciai, bom como, transitoriamente, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que neles sejam destacados em substituição dos titulares ausentes do efectivo exercício de funções. Nessa perspectiva, sendo o comando suscpetível de aplicação a todos os juízes que exercem ou venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ..., o acto impugnado caracteriza-se pela generalidade e pela abstracção, porque vale para todas as situações que, durante a respectiva vigência, venham a ocorrer e que impliquem a convocação do regime de substituição de juízes em caso de faltas ou impedimentos”.


Salvo o devido respeito, cremos que o douto Acórdão do Conselho Plenário do R. enferma do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, pelo que o mesmo deve ser anulado e substituído por outro que, admitindo o recurso, aprecie a questão de mérito colocada à consideração e julgamento do R..

Senão vejamos

III – Do erro de Julgamento
i) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo


Na aferição do manifesto erro de erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo.

Vejamos:

10º

Por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76).
11º

Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66).
12º

Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550).
13º

Em suma, e conforme nos explicitam os autores identificados supra (cf. ob. cit., pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por:
a) Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária;
b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa;
c) Essa decisão ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares;
d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e
e) Incidir numa situação individual e concreta.
14º

Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
15º

Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss).
16º

Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79).
17º

Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.
18º

Ou seja, face às distinções alavancadas podemos, em síntese, afirmar que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e atos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
19º

Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstratos e os atos são comandos individuais e concretos, mas ambos são originados no exercício do poder jurídico-administrativo e ambos produzem efeitos jurídicos externos.
20º

Ora, a qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta.
21º

No concerne à distinção entre o que se considera ser geral e abstrato e o que se considera ser individual e concreto, a doutrina (vide, entre outros, Rogério Soares, ob. cit., p. 79 e ss., e Freitas do Amaral, Curso de Direito Admnistrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pp. 226 e ss) vem clarificando que os conceitos de geral e individual reconduzem-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis,
22º

enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento).
23º

Aqui chegados, vejamos se no caso em apreço o objeto do recurso assume a forma de ato ou de regulamento administrativo.

b) Do objeto do recurso hierárquico

24º

Sublinha o R., na douta deliberação impugnada que o recurso instituído no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de recurso hierárquico, cujos trâmites vêm definidos no CPA, porquanto, do referido preceito resulta que apenas os atos administrativos dos presidentes das Comarcas são suscetíveis de recurso.
25º

Nessa senda, conclui que o despacho recorrido não constitui qualquer ato administrativo (mas antes um regulamento), na medida em que tem uma natureza geral e abstrata, pelo que do mesmo não é admissível recurso hierárquico para o CSM.
26º

Salvo o devido respeito, face ao enquadramento que deixamos exposto no ponto anterior, cremos que a douta deliberação impugnada padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, estamos, efetivamente, in casu, na presença de um ato administrativo, ao contrário do propugnado pela deliberação impugnada.
27º

Na verdade, e como será bom de ver, resulta, desde logo, do conteúdo do despacho do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar na substituição dos juízes daquela comarca por faltas ou impedimentos.
28º

Segundo, é uma decisão que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquela comarca no que à matéria de substituições concerne.
29º

Terceiro, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos senhores juízes da comarca que o Exmo. Senhor Juiz Presidente encabeça.
30º

Quarto, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no tribunal judicial da comarca ....
31º

Ou seja, destinatários da decisão são os juízes que à data do despacho integravam aquela comarca e não todo e qualquer magistrado que viesse a ser colocado naquela comarca, instância e secção e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca, como parece evidenciar a douta deliberação impugnada quando afirma que os destinatários do comando são também os juízes que venham a integrar tais lugares no futuro.
32º

Tal conclusão resulta, aliás, do próprio conteúdo da decisão quando aí se afirma que “[f]oram ouvidos todos os juízes que integram o Tribunal e colhidos os seus contributos, tendo-se atendido às sugestões feitas para clarificação das regras relativas  à intervenção dos juízes do quadro complementar (…)” (cf. doc. 2 já junto),
33º

ou até mesmo do próprio procedimento que culminou na prolação do despacho recorrido, quando foi dada oportunidade aos Senhores Juízes que naquela data integravam as secções em questão de se pronunciarem sobre tais critérios de substituição.
34º

Ou seja, não se pode afirmar que o despacho recorrido valerá para juízes que venham a integrar a secção no futuro (e que, portanto, tem um carácter geral), porquanto o mesmo foi produzido tendo por base os contributos e os interesses (mal ou bem ponderados) dos juízes que à data da sua prolação integravam a comarca e não os interesses ou as pronúncias dos futuros mas indetermináveis juízes que possam vir a integrar os lugares do Tribunal Judicial da Comarca ....
35º

Por fim, também, pelo menos no entendimento da A., a decisão reporta a situação concreta e que se prende com os critérios da substituição dos juízes na comarca ... (e não a substituição dos juízes nos tribunais de comarca, seja ele qual for).
36º

Isto é, cremos que sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios de substituição em caso de falta ou impedimento) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos modifica, de forma imediata, os direitos dos juízes daquela comarca no que a essa matéria diz respeito, nomeadamente se se considerar as preocupações manifestadas por cada um dos interessados nas suas pronúncias.
37º

Assim, e quanto a nós, o despacho objeto de recurso só evidenciaria uma natureza abstrata se tivesse determinado, sem qualquer pronúncia dos senhores juízes que integrassem as várias secções/instâncias da comarca, que sempre que verificadas determinadas circunstâncias, as substituições de juízes seriam sempre fixadas de determinada forma e pelo presidente da Comarca.
38º

Salvo melhor opinião, só nesta hipótese se verificaria que os sujeitos não eram determinados nem determináveis e a abstração da situação regulada (ou seja, regulação para situação futura perante determinadas circunstâncias, sem saber, no entanto, onde, quando e por quem).
39º

De resto, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirmou em recentes deliberações do R. (também proferidas no dia 29 de setembro de 2015), o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção” (cf. deliberação do CSM, de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU).
40º

Mas mais: a natureza de ato administrativo do despacho recorrido é ainda mais evidente se considerarmos que o mesmo traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente do regime de substituições dos juízes na comarca ... na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado no 2º parágrafo do despacho recorrido.
41º

É, por isso, manifesto que o despacho objeto de recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de ato administrativo e não de regulamento como defendido pela douta deliberação impugnada, enquanto comando que define uma situação individual e concreta.
42º

Entendimento contrário é, aliás, inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
43º

À luz do que vai dito, ao decidir em sentido diverso, a douta deliberação impugnada padece do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, em clara violação, aliás, do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca.

IV — Do Pedido


Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta deliberação impugnada anulada e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca.
tudo com as devidas e legais consequências.


*

O Conselho Superior da Magistratura apresentou a resposta seguinte:


I. Enquadramento

Vem impugnada a deliberação do plenário do CSM de 29 de Setembro de 2015, que decidiu: "como o comando emitido pelo Senhor Juiz Presidente da Comarca ... não constitui ato administrativo, é manifesta a inadmissibilidade legal do meio utilizado para o seu autocontrolo administrativo, pois o recurso hierárquico cabe somente dos atos administrativos praticados pelo juiz presidente (artigo 98º da LOSJ), o que constitui causa de rejeição [artigo 173º, b), do Código do Procedimento Administrativo]”.


Nessa deliberação estava em causa a apreciação do recurso hierárquico interposto do despacho do Ex.mo Senhor Juiz Presidente do Tribunal ]udicial da Comarca ..., que definiu  os critérios a considerar na substituição dos juízes daquela comarca por faltas ou impedimentos.



Por isso, enjeitada a natureza de ato administrativo desse despacho, foi rejeitado o recurso hierárquico dele interposto, ao que se opõe contenciosamente a impugnante, atribuindo à deliberação erro de julgamento, por aquele despacho configurar um verdadeiro ato administrativo.



Aduz que se trata de um ato dirigido a todos os juízes da comarca em matéria de substituições, que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantêm uma relação jurídico-administrativa e que incide sobre uma situação individual, destinada aos juízes que, à data do despacho, integravam aquela comarca.

               

II. Fundamentos jurídico-administrativos



Sem imisção na problemática da impugnabilidade graciosa dos regulamentos emanados dos juízes presidentes dos tribunais de comarca, importa apenas avaliar, como fez a deliberação impugnada, da natureza jurídica do comando provindo do Ex.mo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ..., ao “definir os critérios de substituição de juízes nas suas faltas e impedimentos”, para concluir se praticou, ou não, um ato administrativo.



O artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)[2] definia os atos administrativos como “as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação concreta.”



Logo, para poder ser qualificado como ato administrativo, qualquer comando emitido pelo juiz presidente do tribunal de comarca, para além do conteúdo decisório, tem de revestir uma natureza individual, o mesmo é dizer, reportado a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, e concreta, isto é, que vise regular uma certa situação bem caracterizada.



Ao invés, se o comando decisório assumir as características de generalidade, por ter destinatários indeterminados, de abstração, por aplicável a situações indeterminadas, e de execução permanente (vigência sucessiva), enquadra uma natureza normativa.



De facto,“[O] acto administrativo define o Direito e, portanto, produz efeitos jurídicos no caso concreto e na situação individual”[3]. Corresponde, pois, ao ato que emana do poder de decisão de gestão pública unilateral com conteúdo não normativo, ou seja, individual e concreto.


10º

Reconhecendo que são diversificadas as conceções doutrinárias acerca do ato administrativo, no plano dos conceitos, nem sempre é fácil delimitar o ato administrativo e o regulamento, caracterizar os seus traços essenciais e recortar a sua natureza jurídica.


                                                             11º

Não obstante essas dificuldades, é inquestionável que os elementos essenciais do conceito de ato administrativo o reconduzem a um ato jurídico, unilateral, organicamente administrativo e que versa sobre uma situação individual e concreta.


12º

Elementos que, acoplados, geram a seguinte definição de ato administrativo: ato jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto[4].


13º

Como tal, o ato administrativo corresponde a uma conduta voluntária da administração pública em sentido orgânico ou subjetivo, provinda de um autor cuja declaração, no exercício do poder administrativo, é perfeita independentemente da vontade de outros sujeitos, de conteúdo individual e concreto, a significar que visa produzir os respetivos efeitos jurídicos num caso certo e concreto.


14º

Esta nota de reporte do ato administrativo a uma situação individual num caso concreto frisa, nitidamente, o contraste com os atos normativos, sempre revestidos de generalidade e abstração.


15º

Enquanto as características de ato geral ou individual dizem respeito aos destinatários, os requisitos de ato abstrato ou concreto referem-se às situações da vida que os comandos jurídicos visam regular, o que significa que não há ato administrativo que não verse sobre uma situação individual e sobre um caso concreto, ou seja, que não contenha a individualização do destinatário e a concretização do caso que regula[5].

16º

Em suma, a essência do ato administrativo é a produção de efeitos jurídicos num caso concreto, perante circunstâncias já verificadas e relativamente às quais se individualiza a conduta de pessoas determinadas ou a uma categoria perfeitamente determinada de indivíduos[6].


17º

Admite-se que a situação em causa gere alguma perplexidade qualificativa, porque os juízes a que o comando se dirige não estão nominativamente identificados, mas os seus destinatários são determináveis face aos elementos nele formulados.


18º

Contudo, o despacho do Senhor Juiz Presidente formula abstratamente circunstâncias que poderão ocorrer e que servirão de pressuposto a que o seu comando se aplique, em geral, a todos os juízes que venham a encontrar-se nesse circunstancialismo, o que o reconduz à natureza normativa. Ora, a generalidade da norma está na sua abstração, isto é, em ser formulada de tal modo que não se saiba quantas pessoas, nem quais, virão a ser abrangidas pelo seu comando.


19º

Opor-se-á que, no momento em que o comando foi publicitado, os juízes em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca ... estão perfeitamente determinados e enquadram as circunstâncias nesse momento verificadas, mas destinando-se o comando a vigorar sucessivamente por tempo indefinido ou por período tal que se torne aplicável a todos quantos, durante a sua vigência, possam achar-se nas circunstâncias previstas para caírem sob a respetiva alçada, a generalidade existe[7].


20º
A doutrina mais recente tende a considerar como critério decisivo da qualificação do ato administrativo a determinabilidade ou indeterminabilidade dos destinatários do comando, reconduzindo-se à figura do ato administrativo o comando cujos destinatários sejam determinados ou determináveis e à figura do regulamento o comando cujos destinatários não sejam determinados nem determináveis.

21º
Nessa medida, pende para reconduzir à figura do regulamento certos comandos que, embora destinados a ser objeto de aplicação concreta, têm, à partida, por destinatários uma pluralidade indeterminável de indivíduos, e à figura do ato administrativo os comandos de aplicação concreta que têm por destinatários um grupo circunscrito de pessoas que, embora não sejam por eles individualizadas, são determinadas ou determináveis[8].

22º

Vale por dizer que a generalidade das normas não decorre apenas do facto de os seus destinatários não serem por elas individualizados, mas também do facto de eles não serem determináveis à face do que nelas se dispõe, donde decorre que os comandos que não individualizem os seus destinatários, mas permitem que se proceda à respetiva determinação, correspondem à figura do ato administrativo[9].

23º

Contudo, não deixa de existir generalidade num ato jurídico pelo facto de os respetivos destinatários serem determináveis à face dele, pois exige-se que a ela se associe a abstração, de modo a que o comando não diga exclusivamente respeito à produção de um único efeito jurídico, no qual se esgote, mas seja passível de aplicação ao longo do tempo.
24º
A propósito, Mário Aroso de Almeida[10] conclui que o comando que, embora geral, por não individualizar os seus destinatários, não seja abstrato, não deve ser qualificado como regulamento, independentemente da questão de saber se os seus destinatários são ou não determináveis à face do ato. E como não se trata de um comando individual, mas geral, ele não corresponde ao conceito legal de ato administrativo (predito artigo 120º do CPA).


25º

O posicionamento desse administrativista parte da contraposição entre regulamento e ato administrativo e é na antítese do conceito de regulamento, entendido como ato normativo, integrado por disposições gerais e abstratas, que alcança a delimitação do ato administrativo como o comando cujas determinações não reúnam, cumulativamente, as características da generalidade e da abstração.


26º

Recentrados no despacho do Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ..., ele não identifica, itera-se, os seus destinatários de forma nominativa, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária do Tribunal Judicial, isto é, não afirma que o juiz x é substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo juiz y; antes refere que o juiz que ocupa o lugar de juiz x de uma qualquer das secções em que se desdobra o Tribunal é substituído pelo juiz que ocupa o lugar de juiz y da mesma secção.


27º

O despacho também não fixa um termo; mais propala que, na sua vigência, o regime de substituição se aplica a todos os juízes que ocupem aqueles lugares no ano judicial de 2014/2015 como a todos aqueles que neles vierem a ser colocados em movimentos judiciais futuros e nos subsequentes anos judiciais.

                                                                       28º
Ademais esses lugares podem também ser ocupados, de forma transitória, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que sejam destacados para substituir os titulares que, temporariamente, se não encontrem no efetivo exercício de funções.


29º

Trata-se, portanto, de um despacho que define um conjunto de regras de substituição de juízes, nas suas faltas e impedimentos, suscetível de aplicação a todos aqueles que exercem, por referência ao momento da publicitação, e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ..., donde a sua característica de generalidade.


30º

Comando que vale para todos as situações que, durante a respetiva vigência, venham a ocorrer e que importem que um juiz, por faltar ou estar impedido para a prática de um ato judicial, tenha de ser substituído por outro, a significar que se não esgota numa substituição concreta, antes assume vigência sucessiva.

31º

Considerações que rebatem os argumentos da impugnante expressos nos artigos 30º e 31º da petição, pois a decisão do Senhor Juiz Presidente, como se viu, não incide sobre uma situação individual, já que os seus destinatários não são apenas os juízes que efetivamente exercem funções nas diversas secções do Tribunal à data da sua prolação, mas todos aqueles que, futuramente, venham a integrar tais lugares.
32º

A decisão do Senhor Juiz Presidente tem, pois, uma natureza abstrata, convocável sempre que, em situações futuras, se torne necessário providenciar pela substituição de um juiz, assumindo, por isso, a natureza de uma regra que vale para todas as situações de falta e impedimento de juízes que ocorram na respetiva vigência e que se não esgota na aplicação aos casos concretos verificados no momento da sua prolação.


33º

Irrelevante para a qualificação do ato é a afirmação (artigos 32º a 34º da petição) de que o Senhor Juiz Presidente ouviu “todos os juízes que integram o Tribunal e colhidos os seus contributos, tendo-se atendido às sugestões feitas para clarificação das regras relativas à intervenção dos juízes do quadro complementar”, pois a oportunidade de pronúncia conferida aos juízes que, naquela data, integravam as diversas secções do Tribunal Judicial da Comarca não exclui a sua aplicação a todos aqueles que venham a integrar as secções no futuro, a patentear o seu carácter geral, e não individual, e a sua vigência sucessiva, inequivocamente resultantes do seu texto.


34º

Crê-se igualmente destituído de valia o argumento de que o carácter concreto da situação disciplinada ressuma de a regulação dos critérios de substituição em caso de falta ou impedimento dos juízes do Tribunal Judicial da Comarca ... se esgotar com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, por a consequente produção de efeitos modificar, de forma imediata, os direitos dos juízes daquela comarca quanto a essa matéria, “tendo apenas em vista as preocupações manifestadas por cada um dos interessados nas suas pronúncias” (artigo 35º a 38º da petição).


35º

Na verdade, a característica de abstrato ou concreto de um ato jurídico emanado da administração tem a ver com as situações da vida que os comandos jurídicos visam regular, mas é absolutamente alheia aos interesses e preocupações manifestados pelos interessados ouvidos, que mais não é do que uma manifestação do direito de participação dos administrados que, igualmente, se faz sentir ao nível da atividade regulamentar.

36º

             Por outro lado, prefigurar a necessária renovação do comando sempre que ocorresse uma alteração dos concretos juízes que compõem o quadro de magistrados, fosse em consequência de uma transferência, por ocasião de  movimento judicial, do destacamento de um juiz auxiliar ou da simples afetação de um juiz do Quadro Complementar, introduziria obstáculos à eficácia da gestão administrativa da comarca e sempre seria incompatível com a natureza normativa do ato, tendencialmente estável e reguladora de todas as situações de falta ou impedimento de um juiz, sem que a sua vigência sucessiva seja perturbada pelas alterações introduzidas no quadro de magistrados.


37º

Aliás, a convocada deliberação deste CSM, proferida processo nº 2014-478/OU, surge descontextualizada, porque o seu núcleo decisório é no sentido de que o despacho do Juiz Presidente que fixa o regime de turnos é suscetível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal, sendo, por isso, um comando geral, sem termo, com valia para todas as situações que venham a ocorrer, não se esgotando numa substituição concreta, e também um comando abstrato. E, por isso, conclui que não se trata de um ato administrativo, mas de um ato com dimensão normativa regulamentar, que não admite recurso para o CSM.


38º

Deliberação que até clarifica que a rejeição do recurso não significa um impedimento para os visados de fazer valer o seu desacordo quanto às medidas normativas adotadas, porque pode ser feito, de forma difusa ou concreta, através da impugnação para o CSM de qualquer ato administrativo que aplique a norma regulamentar ou através de uma petição dirigida ao mesmo órgão, no sentido da revogação de qualquer uma das medidas e da adoção de outra em substituição, nos termos do art.º 115.º do CPA.


39º

Linha de pensamento que enjeita a evocada inconstitucionalidade (artigo 42º da petição), pois afirma, ao contrário do que aduz a impugnante, a admissibilidade da via recursiva, administrativa e judicial, daquele ato do Senhor Juiz Presidente (apesar da sua natureza de regulamento interno, destinado a disciplinar a organização e funcionamento do Tribunal), de forma difusa ou concreta, em absoluta e clarificada assunção das garantias administrativas constitucionalmente conferidas aos administrados, mas também a garantia de tutela judicial efetiva que a impugnante afirma estar em causa.


Ante o exposto, sem prejuízo da superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros da secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, conclui-se que a deliberação impugnada não enferma do vício atribuído, pelo que estará votada ao insucesso a pretensão da impugnante.

*

A recorrente apresentou as alegações seguintes:

I — Intróito

I. Constitui objeto do presente recurso contencioso a anulação a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 29 de setembro de 2015, que decidiu rejeitar o recurso hierárquico apresentado pela A..

Pensa-se que o presente recurso merece provimento, conforme passaremos a demonstrar. Para tanto, fazem-se (II) breves considerações de direito, (III) terminando-se com as nossas conclusões.

II — Breves Considerações de direito


ii) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo

I. Na aferição do manifesto erro de erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo.

Assim, por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76). Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66).

Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550).

Em suma, e conforme nos explicitam os autores identificados supra (cf. ob. cit., pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por:
f) Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária;
g) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa;
h) Essa decisão ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares;
i) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e
j) Incidir numa situação individual e concreta.

Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

II. Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss).

Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79). Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.

III. Ou seja, face às distinções alavancadas podemos, em síntese, afirmar que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e atos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstratos e os atos são comandos individuais e concretos, mas ambos são originados no exercício do poder jurídico-administrativo e ambos produzem efeitos jurídicos externos.

Ora, a qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta.

No concerne à distinção entre o que se considera ser geral e abstrato e o que se considera ser individual e concreto, a doutrina (vide, entre outros, Rogério Soares, ob. cit., p. 79 e ss., e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pp. 226 e ss) vem clarificando que os conceitos de geral e individual reconduzem-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento).

Aqui chegados, vejamos se no caso em apreço o objeto do recurso assume a forma de ato ou de regulamento administrativo.

b) Do objeto do recurso hierárquico

I. Sublinha o R., na douta deliberação impugnada que o recurso instituído no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de recurso hierárquico, cujos trâmites vêm definidos no CPA, porquanto, do referido preceito resulta que apenas os atos administrativos dos presidentes das Comarcas são suscetíveis de recurso. Nessa senda, conclui que o despacho recorrido não constitui qualquer ato administrativo (mas antes um regulamento), na medida em que tem uma natureza geral e abstrata, pelo que do mesmo não é admissível recurso hierárquico para o CSM.

Salvo o devido respeito, face ao enquadramento que deixamos exposto no ponto anterior, cremos que a douta deliberação impugnada padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, estamos, efetivamente, in casu, na presença de um ato administrativo, ao contrário do propugnado pela deliberação impugnada.

II. Na verdade, e como será bom de ver, resulta, desde logo, do conteúdo do despacho do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar na substituição dos juízes daquela comarca por faltas ou impedimentos.

Segundo, é uma decisão que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquela comarca no que à matéria de substituições concerne.

Terceiro, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos senhores juízes da comarca que o Exmo. Senhor Juiz Presidente encabeça.

III. Quarto, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no tribunal judicial da comarca .... Ou seja, destinatários da decisão são os juízes que à data do despacho integravam aquela comarca e não todo e qualquer magistrado que viesse a ser colocado naquela comarca, instância e secção e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca, como parece evidenciar a douta deliberação impugnada quando afirma que os destinatários do comando são também os juízes que venham a integrar tais lugares no futuro.

Tal conclusão resulta, aliás, do próprio conteúdo do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca quando aí se afirma que “[f]oram ouvidos todos os juízes que integram o Tribunal e colhidos os seus contributos, tendo-se atendido às sugestões feitas para clarificação das regras relativas  à intervenção dos juízes do quadro complementar (…)” (cf. doc. 2 já junto), ou até mesmo do próprio procedimento que culminou na prolação do despacho recorrido, quando foi dada oportunidade aos Senhores Juízes que naquela data integravam as secções em questão de se pronunciarem sobre tais critérios de substituição.

Não se pode, por isso, afirmar que o despacho recorrido valerá para juízes que venham a integrar a secção no futuro (e que, portanto, tem um carácter geral), porquanto o mesmo foi produzido tendo por base os contributos e os interesses (mal ou bem ponderados) dos juízes que à data da sua prolação integravam a comarca e não os interesses ou as pronúncias dos futuros mas indetermináveis juízes que possam vir a integrar os lugares do Tribunal Judicial da Comarca ....

IV. Por fim, também, pelo menos no entendimento da A., a decisão reporta a situação concreta e que se prende com os critérios da substituição dos juízes na comarca ... (e não a substituição dos juízes nos tribunais de comarca, seja ele qual for).

Isto é, cremos que sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios de substituição em caso de falta ou impedimento) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos modifica, de forma imediata, os direitos dos juízes daquela comarca no que a essa matéria diz respeito, nomeadamente se se considerar as preocupações manifestadas por cada um dos interessados nas suas pronúncias.

Assim, e quanto a nós, o despacho objeto de recurso só evidenciaria uma natureza abstrata se tivesse determinado, sem qualquer pronúncia dos senhores juízes que integrassem as várias secções/instâncias da comarca, que sempre que verificadas determinadas circunstâncias, as substituições de juízes seriam sempre fixadas de determinada forma e pelo presidente da Comarca. Salvo melhor opinião, só nesta hipótese se verificaria que os sujeitos não eram determinados nem determináveis e a abstração da situação regulada (ou seja, regulação para situação futura perante determinadas circunstâncias, sem saber, no entanto, onde, quando e por quem).

De resto, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirmou em recentes deliberações do R. (também proferidas no dia 29 de setembro de 2015), o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção” (cf. deliberação do CSM, de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU).

V. Mas mais: a natureza de ato administrativo do despacho recorrido é ainda mais evidente se considerarmos que o mesmo traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente do regime de substituições dos juízes na comarca ... na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado no 2º parágrafo do despacho recorrido.

É, por isso, manifesto que o despacho objeto de recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de ato administrativo e não de regulamento como defendido pela douta deliberação impugnada, enquanto comando que define uma situação individual e concreta. Entendimento contrário é, aliás, inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

À luz do que vai dito, ao decidir em sentido diverso, a douta deliberação impugnada padece do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, em clara violação, aliás, do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca.

III — Conclusões


(i) A qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta, ou seja, reconduz-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento);
(ii) Resulta do conteúdo do despacho do Exmo. Senhor Presidente da Comarca ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar na substituição dos juízes daquela comarca por motivo de falta ou impedimento, decisão essa que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes da comarca ...;
(iii) De resto, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantêm uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos juízes da comarca ... que o Exmo. Senhor Juiz Presidente encabeça;
(iv) Por outro lado, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no tribunal da comarca ... (e que sobre o despacho reclamado se pronunciaram) e não qualquer magistrado que aí viesse a ser colocado e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca;
(v) Por fim, sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios de preenchimento/fixação dos turnos de férias) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos modifica, de forma imediata, os direitos dos juízes daquela comarca no que em matéria de substituições por faltas ou impedimentos diz respeito, nomeadamente se se considerar as preocupações manifestadas por cada um dos interessados nas suas pronúncias;
(vi) Aliás, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirma na douta deliberação do R. de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU, o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção”;
(vii) Acresce que a natureza de ato administrativo do despacho recorrido é ainda mais evidente se considerarmos que o mesmo traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente do regime de substituições dos juízes na comarca ... na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme é sublinhado no 2º parágrafo do despacho recorrido;
(viii) A douta deliberação impugnada padece, por isso, de manifesto erro de julgamento, em clara violação do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca, sendo entendimento contrário inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

*

São do seguinte teor as alegações apresentadas pelo Conselho Superior da Magistratura:


A impugnante persiste no argumentário em que funda o requerimento inicial para defender que o comando emitido pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... constitui um ato administrativo e não um regulamento.



Apela à distinção entre ato administrativo e regulamento e, ancorando-se nos ensinamentos de Rogério Soares e Freitas do Amaral, considera que o ato administrativo corresponde a uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, como manifestação de um ato jurídico unilateral de um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que produz efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.



Proposição que se não questiona e que corresponde à definição de ato administrativo ínsita ao artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo decreto-lei n.º 442/1991, de 15 de Novembro, vigente aquando da prolação do despacho posto em crise.



Questão diversa é o entendimento deste CSM quanto à essência do ato do Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... que, por não produzir efeitos jurídicos num caso concreto e numa situação individual, não pode qualificar-se como ato administrativo nem ser objeto de recurso hierárquico para este CSM.



Aquele ato antes corresponde a um comando decisório com características de generalidade, por serem indeterminados os seus destinatários, e de abstração, por ser aplicável a situações nele definidas, mas não concretamente estabelecidas, em execução permanente ou vigência sucessiva, e, portanto, preenchendo uma natureza regulamentar.



Embora aceitando as características que a impugnante atribui ao ato administrativo e a alegação de que a qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se/ numa análise casuística aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta, a verdade é que o comando em causa se não reporta a situações individuais e a casos concretos.



Dificuldades pressentidas pela alegante, que declara (ponto III) que os “destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no tribunal judicial da comarca ...”.


Raciocínio vicioso, porque o comando não se destina apenas aos juízes que exerciam funções naquela comarca à data da sua prolação, mas visa todos os juízes que venham a encontrar-se no circunstancialismo no mesmo definido, assim reconduzido ao seu cariz geral e abstrato – não individual nem concreto - porque formulada sem que se saiba quais e quantos destinatários virão a ser abrangidos pela sua previsão.



Assertiva desse juízo é a sua vigência sucessiva, pois o comando vigorará sucessivamente por tempo indefinido ou, ao menos, por alargado período - enquanto vigorar - para que se aplique a todos os juízes que venham a preencher as condições nele previstas.


10º

Nem a audição de todos os juízes da comarca e/ou acolhimento das sugestões efetuadas alteram aquela afirmação. A audição traduz uma manifestação do direito de participação dos administrados, também verificada ao nível da atividade regulamentar, mas não tem a virtualidade de transformar em individuais e concretas as situações da vida que atinge.


11º

O facto de os Senhores juízes em exercício se terem pronunciado sobre o eventual regime de substituição em caso de faltas e impedimentos, ao contrário do que defende a alegante, não implica que a previsão do comando abranja apenas os juízes que, na data da sua emissão, integravam as várias secções das instâncias da comarca. Tal como se afirmou, não obstante essa pronúncia por aqueles juízes, o comando dirige-se a todos os juízes que inteirem o circunstancialismo nele definido, apesar de não terem sido chamados a participar na sua formação.

12º

Daí a natureza regulamentar daquele comando. É objeto de aplicação a todos quantos incorporem as condições nele plasmadas – a concretude das situações previstas não suprime a abstração da aplicação - e os seus destinatários são constituídos por uma pluralidade indeterminável de indivíduos, ou seja, por todos aqueles que venham a integrar as circunstâncias definidas.

Iterando o demais alegado na resposta, conclui-se:

1. O comando emitido pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... quanto ao regime de substituição em caso de faltas e impedimentos dos juízes não produz efeitos jurídicos no caso concreto e na situação individual e, por isso, não pode qualificar-se como ato administrativo.

2. Não se destina apenas aos juízes que exerciam funções naquela comarca à data da sua prolação, mas visa todos os juízes que venham a preencher o circunstancialismo no mesmo definido, genericamente formulado, sem que se saiba quais e quantos destinatários virão a ser abrangidos.

3. Comando que é de execução permanente ou vigência sucessiva, e que assume, portanto, uma natureza normativa, o que exclui a interposição de recurso hierárquico para este CSM, conforme consagrado no artigo 98º da LOSJ.


Sem prejuízo da superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros da secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, renova-se a improcedência da impugnação.


*

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:


1. A questão que se suscita no presente recurso contencioso é a de saber qual a natureza jurídica do despacho, de 25 de Setembro de 2014, do Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca ..., que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ... em caso de faltas e impedimentos: acto ou regulamento administrativo?

2. Defende a senhora Juiz recorrente que o despacho, objecto de recurso para o CSM, que veio a ser rejeitado pelo acto objecto do presente recurso contencioso, do Senhor Juiz Presidente da comarca ... que definiu as regras de substituição do Juízes do Tribunal da Comarca ... configura um acto administrativo, dele cabendo, consequentemente, recurso para o Conselho Superior da Magistratura, de conformidade com o disposto no artigo 98º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário - LOSJ), preceito nos termos do qual “cabe recurso para o Conselho Superior da Magistratura (…) dos atos administrativos praticados pelo presidente do tribunal”.

Respaldada em abundante doutrina sobre a caracterização de uma e outra figuras e respectiva distinção, defende a recorrente, em síntese, que se trata de um acto administrativo, hierarquicamente recorrível, porquanto:

- se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, uma ordem precisa sobre os critérios a considerar na substituição de juízes daquela comarca por falta e impedimentos;

- trata-se de uma decisão proferida no âmbito dos poderes-deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhe são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquela comarca no que às substituições concerne; 

- trata-se, também, de uma decisão que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente os senhores juízes da comarca de que o autor do acto é Presidente, finalmente,

- trata-se de uma decisão que incide sobre uma situação individual, sendo os seus destinatários concretamente determináveis, sendo destinatários do despacho todos os juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no tribunal judicial da comarca ....

3. Contrapõe o recorrido, Conselho Superior da Magistratura, igualmente respaldado em abundante doutrina, que o despacho em reveste a natureza jurídica de um regulamento administrativo: trata-se de um comando geral e abstracto destinado a vigorar por tempo indefinido, ou por período tal que se torne aplicável a todos quantos, durante a sua vigência, possam achar-se nas circunstâncias previstas sob a respectiva alçada, sendo, portanto, um comando, que embora quando foi editado tivesse um universo determinável ou determinado de destinatários, se reveste de generalidade, e conteúdo normativo, passível de aplicação ao longo do tempo a todos quantos, durante a sua vigência, possam achar-se nas circunstâncias previstas para a sua aplicação.

4. A delimitação conceptual das duas figuras jurídicas em confronto, acto administrativo versus regulamento administrativo, está claramente delineada pelos recorrentes: na definição que lhe é dada pelo artigo 120º do anterior Código de Procedimento Administrativo (CPA)[11], correspondente ao artigo 148º do actual CPA[12], são actos administrativos as decisões dos órgãos da administração que, ao abrigo de normas de direito público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

Por seu turno, o regulamento, é definido pela generalidade da doutrina, e actualmente pelo artigo 135º do CPA, como uma norma jurídica de carácter geral e execução permanente, de grau hierarquicamente inferior ao dos actos legislativos, dimanada de uma autoridade administrativa sobre matéria própria da sua competência”[13].

5. De acordo com a doutrina e a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Administrativo, os traços diferenciadores entre as duas figuras jurídicas, são os seguintes:

- o acto normativo caracteriza-se pela generalidade e pela abstracção;

- a generalidade deriva da indeterminação e indeterminabilidade dos destinatários do acto, significando que a norma não tem, por natureza, destinatário ou destinatários determinados, concretamente mencionados ou mencionáveis;

-  a abstracção resulta da circunstância de o acto constituir uma previsão de uma situação objectiva, que, como tal, se não esgota numa única aplicação, antes volta a aplicar-se sempre que no caso concreto concorram os elementos típicos dessa previsão, significando que se disciplina não um caso ou hipótese determinada, mas um número indeterminado de casos, uma pluralidade de hipóteses reais que venham a verificar-se no futuro [ a vigência sucessiva que lhe mantêm o carácter de regra abstracta[14]], ao passo que o acto administrativo versa sobre determinada relação jurídica e define com força obrigatória, no uso de poderes de autoridade, o seu regime jurídico. Tem carácter concreto e esgota-se com a realização desse objectivo.

Em síntese, o acto normativo goza dos atributos, cumulativos, de generalidade e abstracção, diferenciando-se, assim do acto administrativo que visa a produção de efeitos jurídicos num caso concreto.

Segundo o Professor Freitas do Amaral, a propósito do artigo 120º do CPA[15], a ideia do legislador “foi a de encontrar um conceito operativo para delimitação do âmbito de aplicação material do CPA” conceito esse que, segundo o mesmo autor, e a jurisprudência do STA, erigiu a individualidade, isto é a aplicação a sujeito(s) determinado(s) como o elemento chave da noção e, do mesmo passo, como critério para distinguir entre acto administrativo e acto normativo, de molde que, sempre que haja generalidade, isto é aplicação a um grupo indeterminado de cidadãos, ainda que determináveis, mas, portanto, sem definição de situações individuais, o comando deve considerar-se como ato normativo e não como acto administrativo.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, abordando a problemática dos actos plurais, perfilha, há muito, idêntica abordagem[16]. Assim, no acórdão do Pleno de 16.12.1999, Procº nº 38606, afirmou-se, que “tal possibilidade [a identificação dos destinatários dos efeitos do acto através de referência a categorias abstractas mas incluídas num grupo relativamente restrito] ficou prejudicada a partir da entrada em vigor do CPA, cujo artigo 120º impõe, como elemento essencial do acto administrativo, a produção de “efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Exigência que de modo algum é compatível com a identificação dos destinatários do acto através de categorias abstractas como são aquelas que designam cargos da função pública, independentemente do número de interessados que nelas possam ser incluídos. A identificação adequada dos destinatários (artº 123º, do mesmo diploma), obriga, pois a uma referência pessoal”.

Acrescentando, no acórdão do Pleno de 7.6.2006, Procº nº 01257/05, que:

“(…) do disposto no art. 120º do CPA decorre que o acto singular (que se aplica apenas a uma situação concreta determinada), se não for, em simultâneo, individual (se não definir situações individuais) não é sinónimo de acto administrativo e, portanto, não equivale a acto não normativo. Temos, portanto, que, nos despachos em causa, coexistem características de acto administrativo – a singularidade – e de acto normativo – a generalidade. Nestes casos de actos mistos de difícil qualificação – actos gerais e concretos - impõe-se que o intérprete, na opção por um dos sentidos possíveis - acto administrativo/acto normativo - acolha a vontade do legislador (art. 9º, nº 1 C. Civil). E esta indica, com clareza, que a generalidade, entendida como definição de destinatários por meio de conceitos ou categorias abstractas, sem individualização de pessoas, foi erigida como elemento essencial do conceito de acto normativo (vide, neste sentido, Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, pp. 170 e segs.). Sendo assim, a dúvida haverá de resolver-se em favor da normatividade. Este é um critério operativo de raiz legal, que serve o valor da segurança, evitando o vazio nas situações mais problemáticas que não se encaixam nem na noção de acto administrativo nem no conceito tradicional de regulamento (que apelava à verificação simultânea de generalidade e abstracção ou vigência sucessiva) e que não implica o desfavorecimento intolerável do valor da protecção judicial dos destinatários, uma vez que deixa em aberto, conforme a natureza do acto normativo, ou a possibilidade de impugnação por via directa ou a impugnação por via incidental, nos recursos contenciosos a interpor dos actos de aplicação.”

O acto normativo caracteriza-se, pois, pela concorrência das notas da generalidade e da abstracção, traduzindo-se a primeira na indeterminação dos respectivos destinatários, que não são identificados no respectivo texto, e a segunda que se não esgote num único acto de aplicação e seja antes susceptível de ser aplicada num número indeterminado de casos”.

6. No caso sub judice o despacho do Sr. Juiz Presidente do Tribunal da Comarca ... que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ... em caso de faltas e impedimentos, sendo um comando decisório, proferido no exercício da função administrativa, destinado a todos os juízes que exerçam funções na comarca ..., seja, um universo de magistrado actualmente determinável, regula, para o futuro, e sem limitação temporal, uma determinada situação que, não individualizando os magistrados mas os lugares que ocupam na estrutura do tribunal, se aplica a todos os magistrados que estão, ou venham a estar colocados naquela comarca – no que se caracteriza por uma situação de incerteza do tempo e da pessoa a quem será aplicável, o que lhe confere generalidade -, sempre que ocorram os elementos típicos dessa previsão, não se esgotando numa única aplicação, sendo antes dotado da vigência sucessiva referida pelo Prof. Marcelo Caetano, que lhe mantém o carácter de regra abstracta, é de qualificar como regulamento e não como acto administativo, - natureza à qual nada adianta a circunstância de terem sido ouvidos os juízes que integram o tribunal -, insusceptível, como tal, de ser sindicado pela via graciosa do recurso hierárquico contemplado no artigo 98º da LOSJ, o que, como decidiu a deliberação recorrida, determina a sua rejeição de conformidade com o disposto no artº 173º, al. b) do (anterior) CPA, correspondente ao artº 196º, al. a) do actual CPA.

7. Entendimento que, salvo o devido respeito, em nada colide com o direito ao recurso posto que quer o acto administrativo que aplique norma regulamentar é contenciosamente impugnável, nos termos gerais, quer a própria legalidade do regulamento é susceptível de ser sindicada, graciosa e contenciosamente, de conformidade com o disposto no artigo 147º do CPA e, judicialmente, através do meio previsto nos artigos 72º e seguintes do CPTA.


III

Termos em que, em conclusão, se emite parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantido o acto recorrido, por não enfermar do vício que lhe vem imputado.

*


Cumpre apreciar.

Delimitando o objecto do recurso constata-se que a juíza de direito recorrente visa com a presente impugnação a anulação de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, que entendeu rejeitar recurso que interpôs de despacho prolatado pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ..., homologado por decisão proferida pelo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que definiu a forma de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ..., sob o entendimento de que aquela decisão é irrecorrível.

Em conformidade com a fundamentação do pedido formulado pela recorrente e a resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura a questão ora submetida à apreciação deste Supremo Tribunal, tendo subjacente, obviamente, a decisão que definiu a forma de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ..., é a de saber se esta deve ser considerada e qualificada como um acto administrativo ou, ao invés, assume dimensão de norma regulamentar, consabido que a rejeição, por irrecorribilidade, do recurso em causa, se estribou na natureza regulamentar daquela decisão, sob o entendimento de que se consubstancia numa determinação ou comando geral e abstracto, com vigência sucessiva, ou seja, de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal da Comarca .... Contrapõe a recorrente que a decisão em apreço constitui um acto administrativo, uma vez que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, uma ordem precisa sobre a substituição dos juízes no Tribunal da Comarca ..., comando decisório proferido no âmbito dos poderes-deveres do presidente da comarca, ao abrigo de competência que lhe é própria, após audição de todos os juízes em exercício de funções na comarca, comando que produz efeitos na situação jurídica dos juízes daquele tribunal, ou seja, de juízes concreta e individualmente identificados ou identificáveis[17].

Começando por nos debruçar sobre o conceito legal de acto administrativo verificamos que de acordo com o artigo 120º, do Código de Procedimento Administrativo pré-vigente (em vigor à data das decisões consideradas irrecorríveis), consideram-se actos administrativos as decisões de órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Por sua vez, textua o artigo 148º, do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro (em vigor à data da deliberação recorrida), que consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Este último normativo corresponde, pois, ao artigo 120º da versão anterior, com eliminação da sua definição do elemento orgânico e com especificação de que os efeitos jurídicos produzidos, resultantes de decisões emanadas ao abrigo do poder jurídico-administrativo, são externos[18].

Em matéria de definição de regulamento administrativo certo é que enquanto o Código de Procedimento Administrativo pré-vigente era omisso, o actual Código de Procedimento Administrativo, consagrando pela primeira vez o respectivo conceito, estabelece no seu artigo 135º que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos[19], concretizando o entendimento praticamente unânime, há muito assumido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.

Tendo em vista a definição legal de acto administrativo, dir-se-á que o acto administrativo se trata de um acto jurídico unilateral, orgânica e materialmente administrativo, que visa a produção de efeitos jurídicos externos sobre uma situação individual e concreta. Constitui pois, essencialmente, um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica, com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros[20].

Em contraposição com o regulamento administrativo, cuja matriz se consubstancia na sua dimensão normativa, geral e abstracta, o acto administrativo apresenta-se como uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o caracter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular.

No que tange à individualidade do acto há, no entanto, que ter em atenção a existência de actos administrativos colectivos, plurais e gerais, isto é, de actos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas (actos colectivos), de actos em que a administração toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes (actos plurais) e de actos que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de pessoas, todas elas determinadas ou determináveis (actos gerais), razão pela qual a delimitação de individual face a geral não se faz a partir de um critério numérico. Como refere António Francisco de Sousa[21]: «O carácter individual não exige que se trate de uma única pessoa. Pode tratar-se de um grupo de pessoas especificamente identificadas.

Também se verifica “carácter individual” quando, em vez de uma única pessoa, o acto tem por destinatário um único círculo, determinado ou determinável, de pessoas, isto é, quando os destinatários formam um grupo de pessoas identificadas ou identificáveis. Por conseguinte, a delimitação do individual face ao geral não se faz a partir do critério numérico, mas a partir da existência objectiva de um grupo fechado de destinatários».

No que concerne à natureza concreta do acto ela decorre da circunstância de o mesmo se destinar a regular uma situação ou caso concreto, através da aplicação do ordenamento jurídico.

Das considerações tecidas pode e deve concluir-se que a diferenciação entre acto administrativo e regulamento administrativo assenta e manifesta-se na constatação de que o acto, ao contrário do regulamento (norma administrativa), não inova o ordenamento jurídico, antes o aplica. Por outro lado, o acto administrativo destina-se a regular uma situação individual e concreta, enquanto o regulamento administrativo (norma administrativa) tem uma dimensão de abstracção e generalidade[22].

Como refere Freitas do Amaral[23]:

«Por via de regra, a distinção é bem fácil de fazer, e reconduz-se à distinção entre norma jurídica e acto jurídico.

Tanto o regulamento como o acto administrativo são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão da Administração no exercício de um poder público de autoridade: mas o regulamento, como norma jurídica que é, é uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto administrativo, como acto jurídico que é, é uma decisão individual e concreta.

A norma jurídica é geral, isto é, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas; e é abstracta, isto é, define as situações de vida a que se aplica também por meio de conceitos ou categorias. Pelo contrário, o acto administrativo é individual, isto é, reporta-se a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas; e é concreto, isto é, visa regular uma certa situação bem caracterizada».

Balizados os conceitos de acto administrativo e de regulamento administrativo estamos em condições de tomar posição na específica questão que é submetida à apreciação deste Supremo Tribunal.

A substituição dos juízes de direito, nas suas faltas e impedimentos, encontra-se regulada no artigo 86º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, ao estabelecer sob a epígrafe de substituição dos juízes de direito e dos magistrados do Ministério Público:

«1. Os juízes de direito são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, por juiz ou juízes de direito da mesma comarca, por determinação do presidente do tribunal de comarca, de acordo com as orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura.

2. Nas secções com mais de um juiz as substituições ocorrem no seu seio.

3. As substituições do juízes de direito a exercerem funções nos tribunais de competência territorial alargada ocorrem no seu seio e, caso esta não seja possível, são substituídos por juízes a designar pelo Conselho Superior da Magistratura.

4. O disposto nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, aos magistrados do Ministério Público».

Em matéria de substituição de juízes de direito estabelece, ainda, a Lei de Organização do Sistema Judiciário ao indicar as competências do presidente do tribunal de comarca (alínea d) do n.º 3 do artigo 94º):

«3. O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais:

d) Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do titular ou do substituto designado, de acordo com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura».

Dos textos legais transcritos resulta que a substituição dos juízes de direito é regulada, de forma geral e abstracta, na Lei de Organização do Sistema Judiciário, atribuindo-se aos presidentes dos tribunais de comarca o poder-dever de, na respectiva comarca e em função de orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura, designarem os juízes substitutos, sendo que nas secções com mais de um juiz as substituições terão de ocorrer no seu seio. Por outro lado, a substituição dos juízes de direito a exercerem funções nos tribunais de competência territorial alargada ocorrem no seu seio, a menos que tal não seja possível, caso em que são substituídos por juízes a designar pelo Conselho Superior da Magistratura.

Consabido que a substituição dos juízes de direito encontra-se regulada na Lei de Organização do Sistema Judiciário, lei que estabelece a forma e o modo de substituição dos juízes, atribuindo aos presidentes dos tribunais de comarca o poder para a sua determinação/concretização, de acordo com as orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura, dúvidas não restam de que o acto decisório do presidente do tribunal de comarca que designa os juízes substitutos assume a natureza de acto administrativo.

Com efeito, trata-se de decisão que decorre de imposição legal, tomada em função de comandos estabelecidos na lei e de critérios previamente estabelecidos, concretamente pelo Conselho Superior da Magistratura, decisão que se dirige a um grupo de pessoas identificadas ou identificáveis, tendo em vista a definição de uma determinada e concreta situação, no caso vertente a substituição dos juízes em exercício de funções no Tribunal da Comarca ....

                                         *

Termos em que, na procedência do recurso, se anula a deliberação impugnada.

Custas pelo Conselho Superior da Magistratura, sendo o valor da acção o de € 30.000,01 e a taxa de justiça de 6 UC.

                                         *

Oliveira Mendes (Relator)

Martins de Sousa

João Trindade (Vencido de acordo com declaração anexa))

Pinto de Almeida

Silva Gonçalves (Vencido por entender que o despacho impugnado se integra num regulamento administrataivo)

Sebastião Póvoas (Presidente da Secção)


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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[2] Aprovado pelo decreto-lei n.º 442/1991, de 15 de Novembro, vigente aquando da prolação do despacho em causa.
[3] Marcelo Rebelo de Sousa, “Lições de Direito Administrativo”, Volume I, Lex, 1999, pág. 77.
[4] Diogo Freitas do Amaral, Volume III, Lisboa, 1989, pág. 66.
[5] Diogo Freitas do Amaral, ibidem, págs. 85 e 86.
[6] Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, Volume I, Almedina, Coimbra, 1980, págs. 435 a 436.
[7] Marcello caetano, ibidem, pág. 436.

[8] Mário Aroso de Almeida, Regulamentos, Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares, Coimbra: Almedina, 2012, págs. 80 e 81.
[9] Mário Aroso de Almeida, ibidem, págs. 83 e 84.
[10] Ob. e loc. cit.
[11] Aprovado pelo D.L.nº 442/91, de 15.11, com as alterações do D.L. nº 6/96, de 31.1.
[12] Aprovado pelo D. L. nº 4/2015, de 7.1.
[13] Prof. Sérvulo Correia, “Noções de Direito Administrativo, Vol. I, p. 95, Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2002, Vol. II, p. 151/152.
[14] Cf. ProF. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 10ª ed., p. 437.
[15] Prof. Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, 5ª edição, 2005.
[16] Cf., entre outros, Acs. de  3.11.2004, Procº 0678/04, 7.7.2004, Procº 01011/02,  7.6.2006, Procº 0125/05, e de 12.4.2007, Procº 0755/06.
[17] - O artigo 98º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), de acordo com o comando constitucional constante do n.º 4 do artigo 268º, segundo o qual é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas, estabelece que cabe recurso para o Conselho Superior da Magistratura, a interpor no prazo de 20 dias úteis, dos actos administrativos praticados pelo presidente do tribunal.
[18] - Segundo estatui o artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que aprovou o Código de Procedimento Administrativo vigente, o disposto nas partes I e II, no capítulo III do título I da parte III e na parte IV do Código aplica-se aos procedimentos administrativos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo as restantes disposições do Código aplicáveis apenas aos procedimentos administrativos que se iniciem após a entrada em vigor do presente decreto-lei, sendo certo que o acabado de transcrever artigo 148º encontra-se inserido na secção I do capítulo II da parte IV, o que significa ser aplicável ao presente procedimento.
[19] - Este preceito encontra-se inserido na secção I do capítulo I da parte IV do respectivo Código, pelo que é aplicável ao presente procedimento.
[20] - Cf. Colaço Antunes, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa  (Almedina – 2006), 118 e ss.
[21] - Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado (Quid Juris – 2009), 328.
[22] - Cf. Colaço Antunes, Ibidem, 133/134.
[23] - Direito Administrativo (1989), 36/37.




Voto de Vencido

A recorrente defende que o despacho proferido em 25 de Setembro de 2014 pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca dos Açores configura um acto administrativo e como tal susceptível de recurso nos termos do art. 98.º do LOSJ.

Ao invés, o recorrido considera que o recurso hierárquico interposto pelas recorrentes é inadmissível, por aquele configurar um regulamento e não um acto administrativo.

Conforme resulta da factualidade provada, o despacho em análise, foi proferido ao abrigo do disposto nos artºs. 86.º e 94.º, n.º 3, al. d) da Lei da Organização do Sistema Judiciário (doravante designada por LOSJ).

Vejamos os artigos em causa no contexto em que se inserem.

O art. 92.º da LOSJ trata da figura do Juiz presidente, determinando que:

“1 - Em cada tribunal de comarca existe um presidente.

2 - O presidente do tribunal é nomeado, por escolha, pelo Conselho Superior da Magistratura, em comissão de serviço, pelo período de três anos, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, de entre juízes que cumpram os seguintes requisitos:

a) Exerçam funções efetivas como juízes desembargadores e possuam classificação de Muito bom em anterior classificação de serviço; ou

b) Exerçam funções efetivas como juízes de direito, possuam 15 anos de serviço nos tribunais e última classificação de serviço de Muito bom.

3 - A comissão de serviço pode não dar lugar à abertura de vaga e pode ser cessada a qualquer momento, mediante deliberação fundamentada do Conselho Superior da Magistratura.”

Sob o título Organização e funcionamento, temos o art. 85.º que trata do funcionamento dos tribunais, estabelecendo que no seu nº 3 que “Quando a lei de processo determinar o impedimento do juiz, este é substituído nos termos do artigo seguinte”.

Por sua vez o art. 86.º define o regime de Substituição dos juízes de direito e dos magistrados do Ministério Público, da seguinte forma:

“1 - Os juízes de direito são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, por juiz ou juízes de direito da mesma comarca, por determinação do presidente do tribunal de comarca, de acordo com as orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura.

2 - Nas secções com mais de um juiz as substituições ocorrem no seu seio.

3 - As substituições dos juízes de direito a exercerem funções nos tribunais de competência territorial alargada ocorrem no seu seio e, caso esta não seja possível, são substituídos por juízes a designar pelo Conselho Superior da Magistratura. (…)”

O artigo 94.º enuncia “as competências do Juiz Presidente” da seguinte forma:

“1 - Sem prejuízo da autonomia do Ministério Público e do poder de delegação, o presidente do tribunal possui competências de representação e direção, de gestão processual, administrativas e funcionais.

2 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências de representação e direção:

a) Representar e dirigir o tribunal;

b) Acompanhar a realização dos objetivos fixados para os serviços judiciais do tribunal;

c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados dos serviços judiciais da comarca;

d) Adotar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça;

e) Pronunciar-se, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias à comarca pelo Conselho Superior da Magistratura;

f) Pronunciar-se, sempre que seja ponderada pelo Conselho dos Oficiais de Justiça a realização de sindicâncias relativamente aos serviços judiciais e à secretaria;

g) Elaborar um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta.

3 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais:

a) Dar posse aos juízes e ao administrador judiciário;

b) Elaborar os mapas de turnos e de férias dos juízes e submetê-los a aprovação do Conselho Superior da Magistratura;

c) Exercer a ação disciplinar sobre os oficiais de justiça, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, ordenar a instauração de processo disciplinar, com exceção daqueles a que se reporta a alínea k) do n.º 1 do artigo 101.º;

d) Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do titular ou do substituto designado, de acordo com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura (1).;

e) Assegurar a frequência equilibrada de ações de formação pelos juízes do tribunal, em articulação com o Conselho Superior da Magistratura;

f) Participar no processo de avaliação dos oficiais de justiça, nos termos da legislação específica aplicável, com exceção daqueles a que se reporta a alínea l) do n.º 1 do artigo 101.º.

4 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências de gestão processual, que exerce com observância do disposto nos artigos 90.º e 91.º:

a) Implementar métodos de trabalho e objetivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições que, nessa matéria, prossegue o Conselho Superior da Magistratura, designadamente na fixação dos indicadores do volume processual adequado;

b) Acompanhar e avaliar a atividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos, tomando por referência as reclamações ou as respostas a questionários de satisfação;

c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e promovendo as medidas que se justifiquem;

d) Promover a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais;

e) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a criação e extinção de outros graus de especialização nas unidades de processos, designadamente para as pequenas causas;

f) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafetação de juízes, respeitado o princípio da especialização dos magistrados, a outra secção da mesma comarca ou a afetação de processos, para tramitação e decisão, a outro juiz que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços;

g) Propor ao Conselho Superior da Magistratura o exercício de funções de juízes em mais de uma secção da mesma comarca, respeitado o princípio da especialização dos magistrados, ponderadas as necessidades do serviço e o volume processual existente;

h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso aos quadros complementares de juízes.

5 - A competência prevista no número anterior quanto às matérias referidas na alínea d) não prejudica o disposto em legislação específica quanto à adoção de mecanismos de agilização processual pelo presidente do tribunal ou pelo juiz.

6 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências administrativas:

a) Elaborar os planos anuais e plurianuais de atividades e relatórios de atividades;

b) Elaborar os regulamentos internos dos serviços judiciais da comarca, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador e o administrador judiciário;

c) Participar na conceção e execução das medidas de organização e modernização dos tribunais;

d) Planear, no âmbito da magistratura judicial, as necessidades de recursos humanos.

7 - O presidente do tribunal exerce ainda as competências que lhe forem delegadas pelo Conselho Superior da Magistratura.

8 - Para efeitos de acompanhamento da atividade do tribunal, incluindo os elementos relativos à duração dos processos e à produtividade, são disponibilizados dados informatizados do sistema judicial, no respeito pela proteção dos dados pessoais.”

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tem-se pronunciado sobre esta problemática, perfilhando o entendimento professado pelos primeiros Autores acima citados.

Vejamos, a título de exemplo, alguma desta jurisprudência:

Acórdão do STA de 24-01-2012, proferido no Proc n.º 0851/11(2) , onde se lê “ (…) pois como resulta do preceituado no art. 120.º do CPA, «consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta». No caso, para além do decidido quanto ao beneficiário A.., o despacho referido nada pretendeu decidir relativamente à situação concreta de qualquer outro beneficiário, mas apenas visou, como decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito dos seus poderes de cognição, «definir procedimentos de actuação e de interpretação a serem de futuro seguidos pelos serviços em relação aos pedidos de actualização de pensão formulados». Assim, não sendo o despacho referido um acto administrativo quanto ao decidido para além do que respeita àquele beneficiário identificado, por não ter visado configurar, só por si, qualquer outra situação individual e concreta, está afastada a possibilidade de se estar, na parte que não se refere àquele beneficiário, perante um acto administrativo constitutivo de direitos para efeitos das restrições à revogabilidade de actos deste tipo, previstas no art. 140.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CPA.”

Acórdão do STA de 12-01-2012, Proc. n.º 0714/10 (3) , em que se escreveu que: “O facto do acto administrativo ter um destinatário concreto, perfeitamente identificado, cuja situação individual visa regular é, assim, um dos seus elementos essenciais, característica que o distingue dos actos normativos já que estes se destinam a regulamentar a situação de um universo geral e abstracto de destinatários. A generalidade e abstracção dos seus destinatários funciona, assim, como elemento distintivo do acto normativo, essencial na construção deste conceito, e, se assim é, podemos afirmar que se a imposição se dirige a um grupo genérico e indeterminado de pessoas, ainda que determináveis, mas sem definição das suas situações individuais, ter-se-á de concluir que a mesma tem características de acto normativo e não de acto administrativo (Neste sentido vd. Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, pp. 170 e segs.) e, entre muitos outros Acórdãos deste STA de 3/11/2004 (rec. n.º 678/04), de 29/03/2006 (rec. 1105/05) e diversa jurisprudência nele citada.)”.

Acórdão do STA de 19-05-2011, Proc n.º 0113/10 (4), em que se decidiu que “Assim, para efeitos de sujeição à jurisdição administrativa, o que efectivamente releva hoje é que o acto seja praticado no exercício da função administrativa e ao abrigo de normas de direito administrativo, visando a definição de uma situação concreta, independentemente do seu autor. Com efeito, segundo a doutrina e a jurisprudência maioritárias, o acto administrativo visa sempre a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, exigindo, portanto, a identificação ou individualização do(s) seu(s) destinatário(s), assim se distinguindo do acto normativo, que se caracteriza pela generalidade e abstracção, pelo que os seus destinatários integram-se em conceitos ou categorias abstractas e, portanto, sem individualização de pessoas (Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, III, p.36 e segs., Rogério Soares, Direito Administrativo, 81, Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, e o mesmo autor e outros, CPTA anotado, p.550, e, entre outros, os acs. STA de 25.06.98, rec.43.023, de 03.11.04, rec. 678/04, de 07.06.06 (Pleno), rec. 1257/05, de 26.10.2006, rec. 255/06 e de 08.07.2009, rec. 687/07) . Referindo-se ao conceito de acto administrativo contido no artº120º do CPT, diz-nos o Prof. Freitas do Amaral e outros que « A ideia do legislador foi a de encontrar um conceito operativo para delimitação do âmbito material de aplicação do CPA, conceito esse que erigiu a individualidade, isto é, a aplicação a sujeito(s) determinado(s) como elemento chave da noção e, do mesmo passo, como critério para distinguir entre acto administrativo e acto normativo, de molde que sempre que haja generalidade, isto é, aplicação a um grupo indeterminado de cidadãos, ainda que determináveis, mas, portanto, sem definição de situações individuais, o comando deve considerar-se como acto normativo e não como acto administrativo» (Cf. in Código de Procedimento Administrativo, Almedina, 1ª Edição, p.188) . E como já decidiu este STA, em casos de actos mistos de difícil qualificação (actos gerais e concretos), a dúvida deve ser resolvida a favor da normatividade. (Cf. os já citados acórdãos do Pleno de 07.06.2006, 1257/05 e da 1ª Secção do STA de 03.11.2004, rec. 678/04)”.

Acórdão do STA de 21-05-2008, Proc n.º 0162/07 (5) , no qual se decidiu que: “A jurisprudência deste STA, em harmonia com a doutrina, tem vindo a entender, desde há muito, que a distinção entre acto administrativo e normativo deve fazer-se através da apreciação das características da generalidade e abstracção (v. entre muitos outros, acordãos do Pleno de 7.5.96, proc. 26.010, de 15.01.97, proc. 32.091, de 10.2.99. proc. 30.672, de 14.10.99. proc. 30.543, in Ap. ao D.R. de 10.08.98, pág. 348 e segs, de 28.5.99, pág. 85 e segs, de 4.05.2001, pág. 257 e segs, de 21.06.2001, pág. 1071 e segs). A generalidade da norma reporta-se à definição dos seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas; a abstracção significa, no caso, a definição das situações da vida a que se aplica a norma também por meio de conceitos ou categorias.

O acto administrativo, ao invés, é individual, isto é, “ reporta-se a uma pessoa ou algumas pessoas especificamente identificadas; e é concreto, isto é, visa regular uma certa situação bem caracterizada” (Freitas do Amaral, Direito Administrativo III vol. pág. 36). No caso em apreço, o acto publicitado no edital dirige-se aos moradores do Bairro do …, não contendo qualquer individualização concreta dos respectivos destinatários. Estes são definidos através de uma categoria abstracta.

Por outro lado, as estatuições contidas no referido Edital, e, concretamente, as julgadas ilegais pela sentença recorrida, reportam-se a situações da vida definidas, também, através de conceitos ou categorias. Estamos, pois, perante um regulamento e não perante um acto administrativo, ao contrário do sustentado pelo Recorrente.”

Na nossa opinião, é de perfilhar o entendimento que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência do STA (que, a título de exemplo, acima se enunciou), e, entre outros, pelos Profs. Freitas de Amaral e Mário Aroso de Almeida, quanto ao conceito de generalidade.

Com efeito, a generalidade do comando desponta da circunstância de os seus destinatários não serem individualizados e apenas surgirem definidos por referência a conceitos ou categorias genéricas/universais, nomeadamente a uma categoria de pessoas, ainda que seja, objectivamente, possível determiná-los.

Em face da definição legal constante do art. 120° do CPA, propendemos a considerar que a individualização do destinatário passou a ser tida como um elemento essencial do acto administrativo, não podendo considerar-se como tal um acto que não contenha, em si mesmo, a individualização do seu destinatário.

É certo que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa (6) defende que, por os destinatários serem determináveis, os actos gerais são também actos individuais.

Na esteira do defendido por Mário Aroso de Almeida, consideramos que este entendimento se afigura ambíguo sobre o que é geral e o que é individual, porque é pacífica na doutrina a qualificação como actos administrativos gerais – tratam-se de comandos de aplicação concreta que têm como destinatários um grupo circunscrito de pessoas não concretamente individualizados, mas determinável – sendo que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa os qualifica como actos gerais. Contudo defende que também são actos individuais.

Nesta perspectiva, afigura-se-nos confusa e duvidosa a posição de Marcelo Rebelo de Sousa ao sustentar que o acto (administrativo) geral possui a característica da “individualidade”.

Tanto se trata de um entendimento de Marcelo Rebelo de Sousa que se presta a ambiguidades, que Luis Cabral de Moncada (7) - utilizando o mesmo exemplo citado por Marcelo Rebelo de Sousa (8) - quanto ao conceito de acto administrativo geral (produtores de leite de uma ilha) - conclui que aquele comando não pode ser visto como acto administrativo porque apesar de tratar uma situação concreta não tem a característica da individualidade.

Nesta senda, partilhamos da posição preconizada por Mário Aroso de Almeida segundo a qual o acto administrativo geral – que, por estar necessariamente referido a uma situação concreta permite a identificação dos destinatários (que serão sempre determináveis, face a essa situação concreta) – “mesmo quando é geral, o acto concreto dirige-se, por definição, a um universo delimitado de destinatários”(9)., sendo que, contudo, tal elemento não lhe retira a característica da generalidade.

Por tudo o que atrás expusemos, consideramos que o traço distintivo do acto normativo e do acto administrativo está nas características de “generalidade e de “abstracção de que o primeiro se reveste e que, respectivamente, consistem na:

- indeterminação dos seus destinatários e a sua definição por intermédio de conceitos ou categorias universais sem individualização de pessoas, ainda que determináveis à face dele - característica da generalidade.

- previsão hipotética de uma situação objectiva, que não se esgota numa única aplicação isto é, a susceptibilidade de aplicação da hipótese a um número inconcreto de casos - característica da abstracção.

A abstracção da norma caracteriza-se pela susceptibilidade de aplicação das formulações abstractamente aí contidas a um número indeterminado de casos. A abstracção significa que se disciplina não um caso ou hipótese determinada, mas um número indeterminado de casos, uma pluralidade de hipóteses reais que venham a verificar-se no futuro.

Ao invés, o acto administrativo é sempre uma decisão individual (individualização do(s) destinatário(s)) e concreta (a decisão esgota os seus efeitos com uma única aplicação, carecendo de qualquer razão de ser como previsão hipotética de situações futuras) (10).

Tendo por referência os conceitos atrás referidos de regulamento e acto administrativo e os binómios generalidade/abstracção e individual/concreto, regressemos ao caso concreto, sendo que a análise da qualificação jurídica dos comandos é sempre feita casuisticamente.

O despacho ora em causa relativo às substituições dos juízes, em caso de impedimentos ou falta dos mesmos, não identifica os seus destinatários de forma nominativa ou individualizada, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária que é o Tribunal Judicial da Comarcados Açores.

Por outras palavras, o regime de substituições, por faltas e impedimentos, não se faz por referência nominativa e individual aos juízes de direito que são o Juiz 1 e o Juiz 2 mas sim por referência ao lugar que ocupam (no lugar do Juiz 1, do Juiz 2 de cada secção (cível, criminal, etc.)) no Tribunal.

Conforme refere o recorrido, os comandos não determinam que o juiz A. seja substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo juiz B., mas antes que o juiz que ocupa o lugar de juiz 1 de uma das secções em que se desdobra o Tribunal seja substituído pelo juiz que ocupa o lugar de juiz 2 da mesma secção.

Ou seja, o despacho em causa não foi formulado com base na consideração individualizada dos respectivos juízes titulares António e/ou Belmira, e/ou juízes colocados como auxiliares Carlos e Daniel e/ou Juízes do quadro complementar Elsa ou Fernando.
Por isso e bom rigor, este despacho aplica-se não só aos juízes que à data da sua entrada em vigor estavam a ocupar os lugares de cada secção, mas também a todos aqueles que os venham a ocupar, por força de posteriores movimentos judiciais

Ora, tendo em conta que os destinatários do comando são indeterminados (não individualizados), sendo, por isso, susceptível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarcados Açores, o comando do Exm. Sr. Juiz Presidente é geral, isto é, possui a característica da generalidade e não da individualidade.


Vejamos se aquele comando possui igualmente a característica da abstracção.
No despacho em causa, disciplinou-se um regime de substituições, para situações de faltas ou impedimentos de juízes. Recorreu-se a um conceito genérico de faltas ou impedimentos, não se definindo concretamente que tipo de faltas ou tipos de impedimento estão em causa.
O regime de substituições opera para situações de faltas ou impedimentos de juízes, sempre que estas se verificarem, isto é, não se esgota no momento em que entra em vigor.
O regime de substituições aplicar-se-á sempre que ocorra uma falta ou impedimento de um Juiz (portanto, a uma pluralidade de situações), ou seja, sempre que se venha a verificar, no futuro, uma falta ou um impedimento de um Juiz, opera o regime de substituições (definido no despacho), independentemente das causas da falta ou do impedimento.
Conforme defende o recorrido “o dito comando é válido para todas as situações que, durante a respectiva vigência, venham a ocorrer e que importem que um juiz, por faltar ou estar impedido para a prática de um acto (seja qual for a causa que o determine), tenha de ser substituído por outro, não se esgotando numa substituição concreta, o que permite qualificá-lo como abstracto e de vigência sucessiva.”
Ao contrário do defendido pela recorrente, os destinatários daquele comando são não só os magistrados que à data do despacho estavam colocados no Tribunal da Comarca dos Açores, mas também todos aqueles que venham a ser colocados naquele Tribunal por força de movimentos judiciais posteriores. Assim o comando não esgota a sua aplicação no momento em que é proferido e notificado aos juízes que estavam colocados naquele Tribunal. Pelo contrário, aqueles comandos têm aplicação para situações futuras, ao longo do tempo, repetindo-se tantas vezes quantas forem necessários para fazer face a faltas ou impedimentos de juízes.
A abstracção significa, no caso, a definição de situações de vida por meio de conceitos ou categorias – substituições por faltas ou impedimentos de juiz - que valem para todas as situações de falta ou impedimentos, independentemente da sua causa e qualquer que seja a previsão legal em que tenham acolhimento.
O comando, ora em causa, pretende aplicar-se não a uma situação já identificada e particularizada de impedimento ou falta, mas antes em todas as situações em que ocorra falta ou impedimento (seja qual for a sua natureza) de um Juiz, o que evidencia bem a sua natureza abstracta (11)
Cumpre, por seu turno, referir que no caso em apreciação, não estamos perante uma situação enquadrável no conceito de acto administrativo geral, porque desde logo não estamos perante uma situação concreta, mas sim abstracta (12)

Por tudo o que se expôs, concluímos que o despacho do Juiz Presidente do Tribunal da Comarca dos Açores , contém comandos/normas gerais e abstractas.

Conforme refere Mário Aroso de Almeida (13) “Dá-se o nome de regulamento aos actos normativos, isto é, aos atos jurídicos contendo normas que são emanadas no exercício da função administrativa.” E Freitas do Amaral (14) “os regulamentos administrativos são normas jurídicas emanadas por uma autoridade administrativa, no desempenho do poder administrativo (…)”.

Daí que devamos responder à questão a resolver com a afirmação de que o despacho em causa se enquadra na figura do regulamento, e não na figura de acto administrativo, na medida em que contém:
- normas jurídicas (15) regras de conduta gerais e abstractas – sobre substituições dos juízes em caso de impedimento e falta destes.

- que foram emanadas no exercício da função administrativa - as normas foram emanadas pela Exm. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca dos Açores(art. 92.º da LOSJ), no exercício das suas funções administrativa-funcionais (16) - de acordo com o art. 86.º da LOSJ - sendo que inclusive aquelas normas gerais e abstractas, estão em plena sintonia com a orientação genérica do CSM de 27-05-2014, no segmento da salvaguarda do princípio do juiz natural pelo estabelecimento de regras gerais de predeterminação do juiz substituto, prévias à necessidade de a fazer operar quanto a casos concretos.

Entendemos que os Juízes Presidentes dos Tribunais de Comarca tem poderes para emitir normas regulamentares relativamente ao regime de substituições em caso de impedimento e faltas de juízes, dispondo de norma habilitante para o efeito - de acordo com o art. 112.º n.º 7 da CRP (17) - nos termos do art. 86.º da LOSJ (18)

É que o art. 86.º, n.º1 da LOSJ dispõe que os juízes de direito são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, por determinação do presidente do tribunal de comarca.

Pese embora esta expressão «por determinação» possa sugerir a ideia de comando/ordem dirigida em concreto a um juiz e, nesta senda, entender-se que sobre esta matéria, o legislador quis subtrair do Juiz Presidente poderes para emitir comandos gerais e abstractos, somos, todavia, do entendimento que a expressão - «a substituição se efectuará por determinação do Juiz presidente» - utilizada pelo legislador no art. 86.º, n.º 1 da LOSJ tem a amplitude de atribuir o poder (administrativo-funcional) ao Juiz Presidente de elaborar uma determinação geral e abstracta de substituições dos juízes, em caso de impedimento ou falta dos mesmos.

Uma vez que qualificado o despacho em causa, cumpre agora determinar se bem andou o recorrido em recusar o conhecimento da impugnação do dito regulamento.

Dispõe o artigo 98.º da LOSJ sob a epígrafe «recurso» que “Cabe recurso para o Conselho Superior da Magistratura, a interpor no prazo de 20 dias úteis, dos atos administrativos praticados pelo presidente do tribunal.”
O despacho redigido pelo Juiz Presidente, conforme acima referimos, não se integra na qualificação de acto administrativo, pelo que não é susceptível de recurso hierárquico nos termos do art. 98.º da LOSJ.

De acordo com o art. 173.º, al. b) do CPA “O recurso deve ser rejeitado nos casos seguintes: quando o acto impugnado não seja susceptível de recurso.”

Desta feita, o acto em causa, na medida em que configura um regulamento e não um acto administrativo, não é susceptível de recurso hierárquico para o CSM, nos termos do art. 98.º da LOSJ.
Nessa medida, nenhum vício padece a deliberação recorrida por ter rejeitado o recurso interposto pelas recorrentes.

Cumpre salientar que, conforme bem refere o recorrido, a interpretação de que o despacho do Juiz Presidente é um regulamento e nessa medida insusceptível de recurso nos termos do art. 98.º da LOSJ, em nada viola o direito ao recurso (seja ele contencioso ou hierárquico), instituído nos artºs. 20.º, n.º1 e 268., n.º4 da Constituição da Republica Portuguesa, na medida em que a Recorrente sempre podem fazer valer os seus direitos contra o mesmo.
Na verdade, a recorrente sempre poderão impugnar o acto administrativo de nomeação que lhes seja dirigido, praticado pela Juiz Presidente e que aplique a(s) norma(s) regulamentar(es), nos termos dos arts. 94º, n.º 3, al. d) e 98.º da LOSJ, colocando em causa a ilegalidade ou inconstitucionalidade das normas regulamentares.
Por sua vez, da deliberação do CSM que decide sobre aquele acto administrativo de nomeação, há a possibilidade de recurso para o STJ nos termos do art. 168.º do EMJ.
E podem ainda os interessados nos termos do art. 52.º da Constituição da República Portuguesa e do art. 115.º do CPA, apresentar junto do CSM uma petição a solicitar a modificação ou a revogação de alguma ou de todas as normas regulamentares, sendo que, da deliberação do CSM que recair sobre essa petição, há a possibilidade de recurso para o STJ..
Pelo exposto, é salvaguardado o direito ao recurso (impugnação graciosa e impugnação judicial) sobre as normas regulamentares, inexistindo a invocada inconstitucionalidade.
Pelo exposto, é salvaguardado o direito ao recurso (impugnação graciosa e impugnação judicial) sobre as normas regulamentares, inexistindo inconstitucionalidade.

Por tudo o exposto julgaria improcedente o recurso.

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(1) Negrito nosso

(2) Acessível in www.dgsi.pt

(3) Acessível in www.dgsi.pt

(4) Acessível in www.dgsi.pt

(5) Acessível in www.dgsi.pt

(6) que actos delimitados através de utilização de características genéricas e por isso indeterminados, mas determináveis no contexto em que os actos em causa são praticados, embora sejam actos gerais são também actos individuais e, por isso actos administrativos”.

(7) In «Código do Procedimento Administrativo Anotado», Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 527.

(8) Na ob. cit. pág. 76

(9) In «O novo regime do processo nos tribunais administrativos», 2004,Almedina, pág. 159

(10)  Veja-se, neste sentido, Acórdão do STA de 22-04-2004, Proc. 0933/02, acessível in www.dgsi.pt: “I - O acto normativo caracteriza-se pela verificação cumulativa dos requisitos da generalidade e da abstracção, enquanto o acto administrativo visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. II - Constitui acto administrativo o Despacho conjunto que estabelece os critérios para a integração nas categorias da função pública dos trabalhadores das extintas casas de cultura e juventude, com a publicação em anexo da lista provisória resultante da aplicação dos aludidos critérios; de facto, os funcionários a quem as determinações do referido despacho se aplicam estão concretamente determinados ab initio, constando de lista normativa publicada e esgotam-se com uma única aplicação, embora com pluralidade de destinatários concretos.”        


(11) Cf. Afonso Rodrigues Queiró in «Direito Administrativo», Vol. I, Coimbra, 1976, pág. 414 segundo o qual abstracção significa que regulam ou disciplinam não um caso ou hipótese determinada, concreta ou particular, mas um número indeterminado de casos, uma pluralidade de hipóteses reais que venham a verificar-se no futuro. “(…)Enquanto os regulamentos possuem “uma pretensão imanente de duração” (Forsthoff) e não se consomem na sua primeira aplicação, voltando a aplicar-se de cada vez que a situação abstractamente prevista se verifique”..

(12) Cf. refere Carlos Blanco Morais in ob. cit., pág. 5 “Os regulamentos são normas jurídicas gerais e abstratas. Daqui resulta o reconhecimento, a contrario sensu, de que há em direito público normas jurídicas, desprovidas de generalidade e abstração (como é o caso de leis-medida) bem como o entendimento, segundo o qual não são regulamentos para efeitos de aplicação do CPA, os atos administrativos gerais ou os regulamentos desprovidos de aplicação permanente.”.

(13) In ob. cit, pág. 79.

(14) In «Direito Administrativo», Vol. III, Lisboa, 1989, pág. 13.

(15) V. Freitas do Amaral in ob. cit. pág. 14 “regras de conduta da vida social, dotadas das características da generalidade e da abstração.” -

(16) V. Afonso Rodrigues Queiró in ob. cit., pág. 101: “função administrativa é uma função que em parte é realizada, directamente, pelo Estado e noutra parte é realizada por comunidades territoriais menores, formadas justamente, no quadro mais amplo da comunidade personificada no Estado, para gerirem interesses colectivos ou comuns locais. Estes interesses não são irrelevantes ou indiferentes em relação aos interesses gerais de toda a comunidade nacional, e são, de algum modo, simultaneamente, interesses públicos gerais, cabendo ao Estado controlar a sua prossecução por parte das comunidades locais autónomas.”

(17 ) Nos termos do artigo 115.º, n.º 7, da CRP “os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”. Como refere Mário Aroso de Almeida in ob. cit. pág. 100 “O art. 112.º, n.º 7 da CRP admite a emanação de regulamentos apenas precedidos de uma pura norma de produção normativa, isto é, de uma lei que se limite a atribuir aos órgãos que os emanem (competência subjectiva) a competência para introduzirem disciplina normativa de conteúdo inovador sobre determinada matéria (competência objectiva)”.

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(João Trindade)