Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
559/18.6T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR CRUZ RODRIGUES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PODERES DA RELAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
QUESTÃO NOVA
FACTOS CONCLUSIVOS
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
Data do Acordão: 09/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil), estando-lhe vedado sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador.

II - São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada ou tarifada).

III – Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.

IV – As patologias ocorridas no plano da decisão de facto não configuram nenhuma das nulidades da sentença, previstas no artigo 615º do CPC.

V - A Relação, no julgamento da matéria de facto que lhe cumpre efectuar, nos termos do artigo 607º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, por remissão do nº 2 do seu artigo 663º, nº 2, e no uso do poder-dever conferido pelo artigo 662º, nº 1, daquele Código, não está sujeita às alegações das partes, podendo alterar, no condicionalismo previsto nas ditas normas a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1ª instância, desde que funde a decisão nos factos alegados pelas partes.

VI - A responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: (i) um comportamento culposo da sua parte; (ii) a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho.

VII - A responsabilidade agravada do empregador com fundamento na violação de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; (ii) que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada.

VIII – A ausência de normas concretas que especificamente regulem a actividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade de imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa.

IX - No âmbito da vigência da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho recai, necessariamente, sobre o empregador do sinistrado, ainda que os factos integradores da violação dos dispositivos relativos à segurança, higiene e saúde no trabalho sejam imputáveis a um terceiro.

Decisão Texto Integral:



Proc.º nº 559/18.6T8VIS.C1.S1
4ª Secção
LCR/JG/CM

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Relatório

1. AA, BB, CC, e DD instauraram acção emergente de acidente de trabalho contra:

a) “Sergidezoito Unipessoal, Lda”;

b) “Liberty Seguros, S.A”;
c) “Sonae Arauco Portugal,  S.A.”,

d) “Centrogases, Lda”,

Pedindo a condenação das Rés a:

I – Solidariamente as rés “Sergidezoito Unipessoal, Lda”, e ”Liberty Seguros S.A.” no pagamento dos valores seguintes:

À autora AA:

a) - Pensão anual e vitalícia no valor de €2.746,00 até perfazer a idade de reforma por velhice, e no valor de €3.661,34 a partir daquela idade, a pagar em 14 prestações mensais, até ao terceiro dia de cada mês, no valor correspondente a 1/14 da pensão anual, sendo os correspondentes subsídios de férias e de Natal pagos em junho e novembro, atualizável nos termos legais, sendo devida a partir do dia 30.01.2018.

b) - Subsídio por morte no valor de €5.661,48, sendo devido a pagamento em 30.01.2018.

c) - Subsídio por despesas de funeral no valor de €1.887,16, sendo devido a pagamento em 30.01.2018.

d) - Juros de mora contados à taxa legal, sobre as quantias atrás referidas, contados desde as datas de vencimento até integral e efetivo pagamento.

e) - Despesas referentes a duas deslocações efetuadas ao Tribunal para realização e tentativa de conciliação no valor de €20,00.

À autora BB:

f) - Despesas referentes a duas deslocações efetuadas ao Tribunal para realização de tentativa de conciliação no valor de €20,00.

Ao autor CC:

g) - Despesas referentes a duas deslocações efetuadas ao Tribunal para realização de tentativa de conciliação no valor de €20,00.

II – Solidariamente as rés “Sergidezoito Unipessoal, Lda”, “Sonae Arauco S.A.” e “Centrogases Lda”. no pagamento dos valores seguintes:

À autora AA:

h) - €30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano moral sofrido em consequência da morte do sinistrado GG, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de proferimento da sentença até integral e efetivo pagamento.

Aos autores AA, BB, CC e DD:

i) €70.000,00 (setenta mil euros) a título de perda do direito à vida do sinistrado GG, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de proferimento da sentença até integral e efetivo pagamento.

Para tanto alegaram, em síntese, que seu falecido marido e pai foi vítima de um acidente de trabalho, de que lhe resultou a morte, em 29.1.2018, quando trabalhava para a Ré Sergidezoito, desempenhando as funções de trabalhador de limpeza, auferindo o salário mensal de € 580,00, acrescido de subsídio de férias e de Natal de igual montante e de subsídio de refeição no valor diário de € 4,27, tudo no montante anual de € 9.153,34.

A Ré Sergidezoito, tem como actividade a limpeza geral de edifícios, prestando unicamente serviços à Ré Sonae Arauco, fazendo limpeza industrial, retirada de lixo, limpeza de resíduos e de máquinas após manutenção.

Na referida data, cerca das 12h00 a empresa Centrogases, deu ordens ao seu trabalhador FF, ajudante de motorista para, nas instalações da Sonae Arauco, proceder ao carregamento para uma viatura de garrafas de gás e proceder ao seu transporte, sendo que EE, funcionário da Sonae indicou quais as garrafas a transportar e contactou o gerente da Ré Sergidezoito, pedindo a indicação de dois trabalhadores para ajudar na tarefa de transporte das garrafas, tendo este indicado o falecido GG e HH.

A operação de transporte das garrafas das instalações para o veículo automóvel foi efectuada pelo referido FF, o falecido GG e o HH, sem que tivesse sido supervisionada ou orientada por ninguém, os quais rolavam as garrafas na posição de pé até à viatura, num trajecto de cerca de 10 metros, levantavam-nas e colocavam na viatura, onde eram acondicionadas na posição de deitadas. No total das garrafas só duas tinham capacete de protecção, tendo os capacetes das restantes ardido durante o incêndio das instalações fabris ocorrido em 15-10-2017.

No decurso de tal operação, quando o falecido GG e o FF, se encontravam em cima do veículo automóvel a acondicionar as garrafas de gás árgon, a válvula da garrafa que estavam a acondicionar disparou, e a garrafa que não tinha capacete de protecção levantou, projectando-se e embatendo no referido GG que foi arremessado ao chão e sofreu as lesões que lhe vieram a causar a morte.

O acidente ocorreu por não terem sido cumpridas as regras de segurança, uma vez que inexistia nessa data avaliação dos riscos dos procedimentos de carga e descarga das garrafas de gás árgon, e manual de procedimentos de manuseamento e transporte de recipientes sob pressão. A tarefa de transporte e carga de garrafas de gás árgon, não era habitualmente desempenhada pelo sinistrado, nem fazia parte das suas funções, nem lhe tinha sido dada formação para o exercício de tal tarefa. Não foi assegurado pelas Rés Sergidezoito, Sonae Arauco e Centrogases, por qualquer forma, a segurança e saúde no desempenho das referidas tarefas pelo sinistrado, tendo o acidente ocorrido por falta de observância das regras de segurança e saúde no trabalho, pelo que os Autores têm direito a ser indemnizados pelas Réus das quantias peticionadas. Sendo a Ré seguradora também responsável pelo pagamento das quantias nos termos peticionados, atento o contrato de seguro celebrado entre a mesma e a Ré Sergidezoito, que transferiu para a seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado.

2. Citadas todas as Rés apresentaram contestação.

A Ré “Centrogases, Lda”, além do mais, invocou que não ocupa a posição de entidade empregadora, nem de seu representante, nem foi contratada pela empregadora do sinistrado, nem empresa utilizadora de mão de obra, não podendo, por isso a mesma ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer quantia no âmbito da presente acção emergente de acidente de trabalho, sendo como tal parte ilegítima.

Também a Ré “Sonae Arauco Portugal, S.A.”, para além de invocar a incompetência material do tribunal, invocou que não mantinha qualquer relação contratual com o sinistrado, sendo um terceiro face à relação de trabalho mantida entre o sinistrado e a Ré Sergidezoito, pelo que nenhuma responsabilidade tem na reparação dos danos em causa nos autos emergentes de acidente de trabalho.

A Ré “Liberty Seguros,S.A.” apesar de aceitar a existência de um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho celebrado com a Ré Sergidezoito, invocou que as tarefas que o sinistrado estava a realizar no momento do acidente não se encontram abrangidas pela garantia do seguro, não sendo por isso a mesma responsável pela reparação do acidente, mas caso assim não se considere, o acidente ocorreu devido a inobservância das regras de segurança, por culpa da entidade patronal do sinistrado, pelo que a sua responsabilidade será apenas pelo pagamento das prestações normais previstas na LAT, sem prejuízo do seu direito de regresso.

Por sua vez, a Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda”, invocou também a sua ilegitimidade passiva, invocando que havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora pelo que é esta a responsável pela reparação do acidente. Alegou ainda que as tarefas realizadas pelo sinistrado se encontravam abrangidas pelo contrato de seguro e que não teve qualquer culpa ou responsabilidade na produção do acidente.

3. Os Autores apresentaram resposta às contestações apresentadas pelas Rés pugnando pela sua legitimidade e responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas nos termos alegados na petição inicial.

4. Foi proferido despacho saneador, no qual foram absolvidas da instância, por ilegitimidade as Rés “Sonae Arauto Portugal, S.A.” e “Centrogases, Lda”, se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda” e a excepção de incompetência material do Tribunal, prosseguindo os autos quanto às Rés “Sergidezoito Unipessoal, Lda” e “Liberty Seguros, S.A.”

5. Por sentença de 3.7.2020 foi a acção julgada parcialmente procedente, absolvida a ré ”Liberty Seguros, S.A.” dos pedidos, e condenada a ré “Segizezoito Unipessoal, Lda” a pagar os seguintes valores:

À Autora AA

a) a pensão anual e vitalícia no montante de € 9.153,34 (nove mil cento e cinquenta e três euros e trinta e quatro cêntimos) devida desde 30-01-2018, actualizada para € 9.299,79 (nove mil duzentos e noventa e nove euros e setenta e nove cêntimos) a partir de 01-01-2019, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, em 14 prestações mensais de igual montante cada, sendo os subsídios de férias e de Natal pagos nos meses de Junho e Novembro, acrescida de

juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento. No valor das pensões devidas será deduzido o valor das pensões provisórias pagas pela Ré seguradora.

b) a quantia de € 5.661,48 (cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos) a título de subsídio por morte acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 30-01-2018 até efectivo e integral pagamento.

c) a quantia de € 1.887,16 (mil oitocentos e oitenta e sete euros e dezasseis cêntimos) a título de subsídio de despesas de funeral, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde 30-01-2018 até integral pagamento.

d) a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela mesma em consequência da morte do sinistrado GG, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento.

Aos Autores AA, BB, CC e DD.

a) a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais por perda do direito à vida do sinistrado GG, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento.

Em conformidade com o disposto no artº 123º do CPT foi também determinado que a Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda” indemnize a Ré Liberty Seguros, Compañia de Seguros Y Resseguros, S.A, Sucursal em Portugal pelo valor das indemnizações que a mesma pagou à Autora AA a título de pensões provisórias, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do respectivo pagamento mensal até efectivo e integral pagamento.

6. Inconformada com a decisão dela interpôs recurso a Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda.”, impugnando a decisão relativa à matéria de facto, e de direito, questionando a verificação dos pressupostos da responsabilidade agravada

7. Por acórdão de 15.1.2020 o Tribunal da Relação, conhecendo da impugnação da decisão em matéria de facto julgou-a parcialmente procedente, alterando a redacção de dois pontos da matéria de facto provada, e eliminando, oficiosamente, outros pontos que considerou conclusivos, vindo a final a julgar o recurso parcialmente procedente, em síntese condenando a Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda.” a pagar à A. AA (viúva) uma pensão anual e vitalícia até perfazer a idade da reforma por velhice, no montante de € 2 746,00, devida desde 10.1.2018, actualizada para € 2 789,94, a partir de .1.1.209, e a partir da data da reforma por velhice ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, a pensão de € 3 661,34, € 5 661,48 a título de subsídio por morte e € 1 887,16 de subsídio de funeral, absolvendo a Ré dos restantes pedidos contra ela formulados.

8. Deste acórdão interpõem os autores e a Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda” revista.

Os autores, insurgindo-se, além do mais, contra a alteração da matéria de facto, invocam nas suas alegações a nulidade do acórdão e sustentam que o acidente se ficou a dever à violação culposa de regras de segurança por parte da entidade empregadora “Sergidezoito Unipessoal, Lda.”, pugnando pela condenação desta no pagamento das prestações previstas no artigo 18º da LAT, formulando a final as seguintes conclusões:

“a) A reapreciação da decisão tomada pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, deve ser circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorretamente julgados e que concretamente impugna.

b) O objeto do recurso, encontra-se delimitado pelas conclusões da recorrida (1. Se a sentença é nula; 2. Se há lugar à alteração da matéria de facto, concretamente, quanto aos factos provados na sentença a quo constantes dos pontos 12, 26, 29, 33 e 47, e; 3. Se o acidente correu em virtude da inobservância de regras de segurança por parte da empregadora).

c) Não ocorre excesso de pronuncia se a Relação ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutros pontos da matéria de facto, sendo irrelevante se esta foi impugnada no recurso interposto.

No caso, não podia o Tribunal da Relação eliminar a matéria de facto assente nos pontos 34, 35 e 54 da sentença por não existir contradição com o teor da redação introduzida nos pontos 26 e 29 pela decisão recorrida.

Acresce que, tal matéria não é conclusiva, e de direito, antes matéria de facto com sentido vulgar e corrente, e consequência da violação das regras de segurança elencadas de forma precisa e coerente nos pontos 28 a 32 da sentença.

d) O Tribunal da Relação ao eliminar tais questões factuais da douta sentença de primeira instância, quando tal julgamento não foi impugnado pela recorrida nas suas conclusões de recurso excedeu os seus poderes de cognição, violando as regras impostas pelos artigos 635.º, n.ºs 3 a 5, e 639.º, n.ºs 1e 2 do CPC.

e) Consequentemente, o douto acórdão proferido está viciado de nulidade processual insuprível, por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, que deve ser verificada e declarada, com todas as consequências legais.

f) Na sentença constam expressamente as regras concretas que no manuseamento e transporte das garfas foram violadas, no caso nos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 51, 52 e 53.

g) Consta igualmente dos pontos 55 e 56 da matéria de facto provada que o acidente teria sido evitado se as botijas de gás estivessem devidamente acondicionadas, nomeadamente colocadas sobre grades específicas, com capacete/tulipa de proteção, cintadas em grupo, e se o transporte fosse efetuado por pessoas com formação para desenvolver tal tarefa.

h) Decorre da matéria de facto provada nos pontos 26, 27, 29, 31, 32, 33 e 50 que a recorrida Sergidezoito não cuidou de verificar as condições de segurança em que eram realizados pelo sinistrado os trabalhos de transporte e carregamento das garrafas de ar comprimido, nomeadamente de gás árgon, permitindo a sua realização sem avaliação dos riscos específicos associados à tarefa, não elaborou qualquer relatório de avaliação dos riscos, não ministrou ao sinistrado formação, nem lhe transmitiu quaisquer instruções, ou conhecimentos sobre a forma de manuseamento / transporte das sobreditas tarefas.

i) Finalmente, decorre da matéria de facto provada nos pontos 4, 12 e 49 da sentença que a recorrida Segidezoito Lda. indicou GG para efetuar as tarefas de transporte e manuseamento das garrafas de gás que provocaram o sinistro, tarefas que não estavam incluídas nas funções para o qual foi contratado, e exercia.

j) Encontram-se assim provadas as regras de segurança violadas no transporte e manuseamento das garrafas de gás árgon, que a recorrida não cumpriu, o incumprimento culposo da sua obrigação de analisar os riscos inerentes à execução de tal tarefa, não ter ministrado qualquer formação ou transmitido conhecimentos ao sinistrado, ter dado ordens para que este executasse a tarefa, não obstante não fazer parte das suas funções e nunca a ter desempenhado, e que o acidente teria sido evitado se as garrafas estivessem devidamente acondicionadas e dispusessem de capacete/tulipa e o transporte tivesse sido executado por pessoa com formação específica para desenvolver tal tarefa.

k) O acidente ficou-se a dever à violação culposa das regras de segurança, que se impunham no desempenho da função que determinou o sinistro, e que a incumbia à recorrente assegurar para proteção dos trabalhadores.

l) E, tendo ocorrido violação das regras de segurança o cálculo dos valores devidos aos recorrentes é determinado nos termos previstos no artigo 18.º da NLAT, sendo assim devido, além do demais (subsídio por morte e de funeral), o pagamento dos seguintes valores não considerados no acórdão de que se recorre:

- A AA pensão anual e vitalícia no montante de €9.153,34 devida desde 30-01-2018, atualizada para €9.299,79 a partir de 01 -01-2019, e atualizada para €9.364,89 a partir de 01.01.2020, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, em 14 prestações mensais de igual montante cada, sendo os subsídios de férias e de Natal pagos nos meses de Junho e Novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento.

No valor das pensões devidas será deduzido o valor das pensões provisórias pagas pela Ré seguradora.

- A AA a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela mesma em consequência da morte do sinistrado GG, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data da sentença até efetivo e integral pagamento.

- A AA, BB, CC e DD a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais por perda do direito à vida do sinistrado GG, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.”

m) Ao decidir-se pela forma constante do acórdão “a quo” violaram-se, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 607.º, n.ºs 4 e 5, 615.º n.º 1 alínea d), 635.º, n.ºs 3 a 5, 639.º, n.ºs 1e 2 e 662.º do CPC, 59.º, n.º 1 al. C) da CRP, 281.º n.º 2 do CT, 5.º, 15.º 2 20.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro”.

Por sua vez, a ré recorrente “Sergidezoito, Unipessoal, Lda.”, pugnando pela reapreciação da matéria de facto e pela condenação da seguradora “Liberty Seguros, S.A.”, termina a suas alegações com as seguintes conclusões:

“a) Interposto recurso da douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, viu a ora recorrente o mesmo julgado parcialmente procedente, resultando não se verificar violação, por banda da recorrente, das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, cuja observância teria provavelmente evitado a consumação do sinistro.

b) Não resultou demonstrada a verificação dos requisitos que implicam a responsabilização pela reparação de forma agravada da recorrente no acidente ocorrido, na qualidade de entidade empregadora.

c) Mais não se logrou estabelecer, como bem demonstra o Douto Tribunal da Relação, o nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente.

d) Pois que não se verificam no caso em apreço os pressupostos plasmados no artigo 18º da NLAT, não se observando uma qualquer conduta/ atuação ilícita e culposa da recorrente.

e) A responsabilidade pelo sinistro por ter sido transferida para a co-ré seguradora “Liberty Seguros, S.A.”, sempre deveria implicar a absolvição direta da recorrente e a inerente condenação da entidade seguradora!

f) Pois que atento o facto vertido em 12, designadamente, não resultou devidamente provado que a recorrente tivesse ordenado o manuseamento e o transporte de garrafas de gás árgon, mas apenas que lhe havia sido solicitada a cedência de dois dos seus colaboradores para o transporte de garrafas (sem que o seu tipo fosse especificado).

g) Do teor dos depoimentos transcritos em sede de recurso, devidamente analisados pelo Venerando Tribunal da Relação, resultou expresso que a testemunha EE, em cujo depoimento se baseou integralmente a 1ª instância na decisão proferida, apenas mencionou à recorrente o termo “cilindros”, sendo que, somente em momento ulterior, como consequência de perguntas diretas e encaminhadas referiu a testemunha ter expressamente aludido “garrafas de gás” o que não se coaduna com a realidade dos factos!

h) Termos nos quais se impõe reapreciação do ponto 12, pois que mal andou o Venerando Tribunal da Relação ao ter mantido integralmente o vertido no ponto 12 da matéria de facto dada por provada.

i) Por ser patente o erro de julgamento detetado em face da discrepância que não podemos olvidar entre os elementos de prova e a decisão sobre a matéria de facto, aliás, pelos Venerandos Juízes Desembargadores da Relação de Coimbra foi formulada nova e diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados.

j) Com o presente recurso, pretende a recorrente pugnar pela responsabilização da seguradora, co-ré “Liberty Seguros, S.A.”, por não resultar fundamentado o direito justificativo da sua absolvição.

k) A ora recorrente havia transferido, como aliás resulta devidamente provado, a responsabilidade, de forma válida e eficaz, para a co-ré entidade seguradora, não resultando devidamente provado, salvo o devido respeito, que tal atividade -transporte de meras garrafas enquanto resíduos – não se pudesse reconduzir à atividade abrangida pelo objeto do contrato de seguro.

l) Termos em que, sempre deveria ter sido condenada a entidade seguradora na reparação dos danos emergentes do sinistro em causa, ao invés de se impor a sua absolvição,

m) Atento o plasmado no n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, conjugado com o n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma legal, que prescreve que em caso de inobservância das regras sobre a higiene, segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade pelo direito à reparação do trabalhador cabe, a título principal e de forma agravada, à entidade empregadora, sendo o segurador somente responsável a título subsidiário pelas prestações normais decorrentes do referido regime, de forma não agravada.

n) Pugnando-se pela condenação da co-ré, entidade seguradora, “Liberty Seguros, S.A.”, no pagamento da pensão atribuída nos termos mencionados no Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

Entende-se assim terem sido violadas as normas previstas nos artigos 37 da LAT e artigos 615 e 666 do CPC”.

9. A ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda.” apresentou resposta às alegações dos autores sustentando a improcedência do recurso.

Por seu turno, a ré “Liberty Seguros Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal” apresentou contra-alegações ao recurso da ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda.”, que finalizou com as seguintes conclusões:

“1. O recurso ora interposto é legalmente inadmissível, porquanto se verifica situação de dupla conforme.

2. Não poderá, assim, a Recorrente impugnar o douto acórdão da Relação que confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, no que respeita à absolvição da Recorrida.

3. A Relação reapreciou a sentença recorrida à luz do enquadramento normativo e da motivação jurídica usada em 1.ª instância, e, ademais, não modificou a matéria de facto de forma relevante para essa motivação jurídica, de tal modo que na parte dispositiva da decisão se alcançou o mesmo resultado pretendido na acção quanto aos segmentos decisórios objecto do recurso e da apreciação de conformidade.

4. As decisões orientaram-se no mesmo sentido e as diferenças que possam apresentar do resultado da matéria de facto, não tiveram qualquer influência na fundamentação que levou à absolvição da Recorrida.

5. Ainda que o Tribunal da Relação tenha procedido à modificação da matéria de facto, tal não impede de forma alguma a verificação da dupla conforme, porquanto a mesma não implicou uma alteração da motivação jurídica e da decisão de mérito adoptada pela 1.ª instância, e por outro lado, obteve a Recorrente uma decisão mais favorável, impondo-se a rejeição do recurso por verificação de dupla conforme.

Caso assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá,

6. A Recorrente alega a existência de erro de julgamento quanto à confirmação da qualificação pelo Tribunal da Relação do ponto 12 da matéria de facto, como provado.

7. Fundamenta que a Relação considerou não existir culpa por parte da Recorrente pela produção do sinistro, pelo que estaria, por si só, estaria demonstrado que não teria conhecimento de que a tarefa para a qual foi solicitada a colaboração dos seus trabalhadores consistisse no manuseamento, transporte e carregamento de garrafas de gás árgon. Nada mais errado.

8. O Tribunal da Relação admitiu a existência de uma divergência entre o depoimento da Testemunha EE e o Depoimento do Legal Representante da Recorrente, mas concluiu não existirem elementos suficientes para discordar da convicção que foi formada pelo Tribunal da 1.ª instância, nomeadamente no que se refere ao conhecimento por parte da Entidade Empregadora de que se tratavam de garrafas de gás e não de outro tipo de garrafas.

9. É à 1.ª instância que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, sendo que as razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz da 1.ª instância, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.

10. A 1.ª instância considerou que o depoimento da Testemunha EE foi coerente e lógico, logrando convencer o Tribunal - ao contrário do depoimento do legal representante da Recorrente -, tendo o mesmo sido corroborado pelas testemunhas HH, II e JJ.

11. Em sede de impugnação da matéria de facto, a Recorrente não indicou provas, nomeadamente testemunhal, aptas a permitir uma qualificação diferente da que foi dada pelo Tribunal da 1.ª instância no tocante ao ponto 12.º da matéria de facto, estando, assim, a Relação impossibilitada de discordar da convicção formada por aquela.

12. Bem andou o Tribunal da Relação ao manter a decisão da 1.ª instância quanto à apreciação e convicção formada para dar por provado o ponto 12.º, inexistindo qualquer erro de julgamento. 13. Por outro lado, não se verificando nenhuma das circunstâncias excepcionais que permitam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão respeitante à matéria de facto apreciada e reapreciada, conclui-se, uma vez mais, pela inadmissibilidade do presente recurso, devendo o mesmo ser liminarmente rejeitado.

Ainda sem prescindir,

14. Alega a Recorrente que tendo o douto Acórdão adoptado entendimento de que o acidente não se deveu a conduta negligente ou culposa da Entidade Empregadora, ou que ainda que fosse de a admitir, que tal não reveste as características que permitam agravar a reparação infortunística nos termos do artigo 18.º da LAT, reconhecendo existir apenas uma violação de um dever genérico de cuidado, equivale a desresponsabilizar a Recorrente pela produção do acidente ocorrido e pela sua reparação.

15. O seguro contratado não cobria tais riscos, porquanto a actividade realizada pelo Sinistrado/Falecido no momento do acidente de trabalho e o respectivo risco não se encontrava garantida pela respectiva apólice, é claro e evidente que o mesmo é totalmente ineficaz para a tarefa que desenvolvia no momento do fatídico acidente.

16. A absolvição da Recorrida é absolutamente independente da culpa ou negligência que se poderá imputar à Entidade Empregadora, porquanto em nenhum dos casos, poderá ser a mesma responsável pela reparação infortunística deste acidente de trabalho.

17. A Recorrente incumpriu o dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela Recorrida, o que determina, consequentemente, a não assunção de responsabilidade por parte da Seguradora.

18. Como consequência de tal incumprimento, cabe à Recorrente, como bem decidiu a 1.ª e 2.ª instâncias, a responsabilidade pela reparação do acidente em causa nos autos, conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 79 da NLAT.

19. O douto Acórdão recorrido aplicou correctamente o direito ao caso em discussão, devendo ser mantido”.

10. Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido, quanto ao recurso da ré, de que o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não poder ser objecto de recurso de revista e de se verificar uma situação de dupla conforme, e da improcedência do recurso dos autores, parecer que, tendo sido notificado às partes, não foi objeto de resposta.

II

2 - Delimitação objectiva do recurso e regime jurídico aplicável

Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficioso, (artigo 608º, nº 2, do CPC), as questões jurídicas trazidas à apreciação deste Supremo Tribunal são, por ordem lógica do seu conhecimento, as seguintes:

 - Recurso da ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda”:

- da (in)admissibilidade do recurso da ré - tendo este por objecto as questões, de conhecimento dependente da admissibilidade do recurso, de erro de julgamento quanto à decisão em matéria de facto e da responsabilidade pela reparação do acidente - suscitada pela ré “Liberty Seguros Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal” e pelo Ministério Público.

- Recurso dos autores:
- da nulidade do acórdão, por ter conhecido de questões de que não podia conhecer, e de
                - saber se o acidente ocorreu por culpa, por violação de regras de segurança por parte da empregadora, que se reconduz à questão da responsabilidade agravada desta.

Os presentes autos respeitam a ação emergente de acidente de trabalho.
O sinistro ocorreu em 29.1.2018, tendo sido participado em 31.1.2018.
O acórdão recorrido foi proferido em 15.1.2021.
Assim sendo, são aplicáveis:
- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;
- O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, 295/2009, de 13 de Outubro, que o republicou, e pelas Leis nºs 63/2013, de 27 de Agosto, 55/2017, de 17 de Julho e 107/2019, de 9 de Setembro.
- A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
- O Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho aprovado pela Lei nº 102/2009, de 10.9, na redacção dada pela Lei nº 3/2014, de 28.1.

III

3. Fundamentação de facto

A matéria de facto provada, com as alterações assinaladas introduzidas pelo acórdão recorrido, é a seguinte:

1- GG, nascido em 00 de ... de 1958 faleceu no dia 00 de ... de 2018.

2- O referido GG faleceu no estado de casado com a Autora AA, nascida a 00-00-1956.

3- O referido GG deixou a suceder-lhe como únicos herdeiros a Autora AA, sua esposa e os filhos, ora Autores, DD, nascido em 00-00-1982, CC, nascido em 00 de .. de 1984 e BB, nascida em 00-00-1990.

4- Em 29-01-2018 o referido GG era funcionário da Ré Sergidezoito, Unipessoal, Lda, trabalhando por conta, sob a autoridade e direcção desta desempenhando as funções de trabalhador de limpeza, auferindo o salário mensal de € 580,00, acrescido de subsídio de férias e de Natal e subsídio de refeição no valor diário de € 4,27, no montante anual de € 9.153,34.

5- A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente ao referido GG, enquanto trabalhador da Ré Sergidezoito, Unipessoal, Lda encontrava-se transferida para a Ré seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 064/…/…, pela retribuição aludida no nº 4.

6- No dia referido dia 29-01-2018 o referido GG, nas instalações fabris da empresa Soane Arauto Portugal, S.A, sitas em Água Levada,  ….., foi vítima de um acidente que consistiu em ter sido embatido por uma botija que libertava gás.

7- Em consequência de tal acidente, o referido LL sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 116 a 121 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas, as quais foram causa directa, necessária e adequada da sua morte [al. G) da Matéria de facto assente].

8- Em data não concretamente apurada mas anterior a 29-01-2018, EE, funcionário de Sonae Arauco Portugal, SA, com a categoria profissional de operacional de segurança, transportou do interior das instalações fabris da sociedade Sonae Arauco Portugal, SA, sitas em Água-Levada,  ...., para o exterior, garrafas de gás árgon vazias ou quase vazias, utilizando dois capacetes de protecção de garrafas, que foram usados no transporte de todas as garrafas, sendo retiradas e colocadas para o transporte..

9- No referido dia 29-01-2018, cerca das 09:00 horas, cumprindo instruções da sua entidade patronal GG deslocou-se para as instalações fabris da empresa Sonae Arauco Portugal, SA, para desempenhar as funções inerentes à sua categoria de trabalhador de limpeza.

10- A Ré Sergidezoito, Lda tem como actividade a limpeza em geral de edifícios, prestando unicamente serviços para a Sonae Arauco, S.A., no âmbito de contrato de prestação de serviços celebrado entre tais sociedades, nomeadamente, fazendo limpeza industrial, retirada de lixo, limpeza de resíduos e de máquinas após manutenção.

11- Naquele dia 29.01.2018, cerca das 12:30 horas, a empresa Centrogases Lda., através do sócio gerente MM, deu ordens ao seu trabalhador FF, com a categoria profissional de ajudante de motorista, para nas identificadas instalações fabris de Sonae Arauco Portugal SA, proceder ao carregamento para uma viatura de garrafas de gás e posterior transporte.

12- EE, funcionário de Sonae Arauco, indicou as garrafas a transportar e contactou o gerente da Ré Sergidezoito Unipessoal, Lda., pedindo a indicação de dois trabalhadores para ajudar na tarefa de transporte de garrafas, tendo este indicado os seus trabalhadores GG e HH.

13- A operação de transporte das garrafas das instalações para veículo automóvel foi efetuada por FF, GG e HH, não tendo sido supervisionada nem orientada por ninguém.

14- Os quais rolavam as garrafas na posição de pé até à viatura, num trajecto de cerca de 2 metros, levantavam-nas e colocavam na viatura, e aí eram acondicionadas na posição deitadas.

15- No total das garrafas a carregar só duas tinham capacete de protecção, tendo os capacetes das restantes ardido durante o incêndio das instalações fabris ocorrido em 15.10.2017.

16- No momento do acidente aludido no nº 6 o referido GG encontrava-se em cima do veículo automóvel, acompanhado de FF, a acondicionar garrafa de gás árgon, a qual não tinha capacete de protecção, segurando FF no anel metálico da garrafa, e GG na parte de trás da garrafa.

17- Nesse momento a válvula disparou, a garrafa que não disponha de capacete de protecção levantou, num ângulo de cerca de 45%, projectando-se e embatendo em GG que foi arremessado ao solo, tendo sofrido as lesões que determinaram a sua morte.

18- A garrafa posteriormente embateu em palete situada no solo deslocou-se para a zona de suporte de tubos de ferro, onde ficou imobilizada.

19- Uma outra garrafa de gás árgon também libertou gás sendo projectada para a estrada junto aos separadores de betão.

20- A garrafa de gás que embateu no trabalhador sinistrado no momento do acidente, tinha como conteúdo UN 1006 árgon, do fabricante S…..., n.º …499/S..., com uma pressão de 200BAR, com um peso vazia de 88,5 KG, é propriedade da ré Sonae Arauco, e fazia parte do sistema de extinção automático.

21- A Sonae Arauco não possuía manual de utilização de garrafas de gás árgon, remetendo para informação constante na garrafa.

22- Na data do acidente inexistia avaliação de riscos dos procedimentos de carga e descarga das garrafas de gás árgon e manual de procedimentos de manuseamento e transporte de recipientes sobre pressão.

23- Existia unicamente avaliação de riscos de segurança e saúde no trabalho, efetuada em 2016 por Sonae Arauco, no qual não tinha procedido à avaliação dos riscos relativos à tarefa de transporte e carregamento de garrafas sob pressão.

24- A tarefa de transporte e carga de garrafas de gás árgon não era habitualmente desempenhada pelo sinistrado, nem fazia parte das suas funções.

25- A Ré Sergidezoito não ministrou ao sinistrado qualquer formação para o exercício da tarefa de manuseamento e transporte de garrafas pressurizadas.

26- A Ré Sergidezoito permitiu que os trabalhos efectuados fossem realizados sem haver uma avaliação específica de riscos associados àquela tarefa – redacção introduzida pelo Tribunal da Relação, quanto a este ponto e ao ponto 29 da matéria de facto provada.

Este ponto da matéria de facto tinha anteriormente a seguinte redacção:

A Ré Sergidezoito não cuidou de verificar as condições de segurança em que eram realizados os trabalhos de transporte e carregamento das garrafas de ar comprimido, nomeadamente de gás árgon, tendo permitido que os trabalhos efetuados fossem realizados sem haver uma avaliação específica de riscos associados àquela tarefa”.

27- Bem como, sem haver procedimentos de segurança para aquelas funções, permitindo que as garrafas de gás comprimido fossem transportadas sem qualquer bloqueio de segurança.

28- No manual de procedimento de segurança elaborado em 19.02.2018, a solicitação da Sonae Arauco, Portugal, S.A., consta que o transporte e manuseamento das garrafas de gás comprimido somente deve ser efetuado existindo bloqueio de segurança.

29- A Ré Sergidezoito permitiu que os trabalhos efectuados fossem realizados sem haver uma avaliação específica de riscos associados àquela tarefa – redação introduzida pelo tribunal da Relação.

A redacção anterior era a seguinte:

Pela Ré Sergidezoito não foi assegurada por qualquer forma a segurança e saúde no desempenho da referenciada tarefa pelo sinistrado”.

30- A Ré Sergidezoito tem serviços externos de segurança e saúde no trabalho, tendo como empresa prestadora dos mesmos, a sociedade C…..., Lda., que apresenta com regularidade os relatórios de avaliação e controlo de riscos dos postos de trabalho.

31- Nos relatórios de avaliação dos riscos não é feita qualquer referência ao transporte de garrafas de gás comprimido, uma vez que essa tarefa não é realizada, nem faz parte das funções dos trabalhadores da Sergidezoito, designadamente do sinistrado.

32- No transporte de garrafas de gás, os condutores devem ter formação para esse efeito e as válvulas das garrafas deverão estar fechadas durante todo o transporte e todo o equipamento deve estar desligado e deve ser colocado capacete de protecção da garrafa para se proceder ao transporte.

33- A Ré Sergidezoito não ministrou ao sinistrado GG formação, nem lhe transmitiu quaisquer instruções, ou conhecimentos sobre a forma de manuseamento / transporte garrafas de gás árgon, sendo que a tarefa de manuseamento e transporte de gás não fazia parte das suas funções.

34 - Eliminado pelo Tribunal da Relação

Era o seguinte o teor deste ponto da matéria de facto: O acidente sofrido pelo sinistrado ocorreu por falta de observância as regras de segurança aludidas nos nºs 28º e 32º, relativas à tarefa que o Autor executava.

35- Eliminado pelo Tribunal da Relação,

tendo anteriormente este ponto da matéria de facto o seguinte teor: Sendo que se fossem efectuados tais procedimentos de segurança o acidente não teria ocorrido.

36- Os autores AA, BB e CC compareceram nas instalações do Tribunal em …..., para estarem presentes nas tentativas de conciliação ocorridas em 24.01.2019 e 21.02.2019.

37- Em despesas com a realização do funeral do sinistrado a autora AA despendeu o valor de €1.900,00.

38- O falecido GG era pessoa saudável, prestigiado no desempenho do seu trabalho, respeitado e conceituado no meio social onde se inseria sendo pessoa afável, de bons tratos e modos e muito querido por aqueles que com ele privavam.

39- No plano familiar era feliz com a sua esposa e filhos, no que era retribuído, com quem mantinha relacionamento afectivo e de proximidade, sendo pessoa alegre e realizada quer no ponto pessoal, quer no profissional.

40- O falecido residia em …...,  …..., em comunhão de mesa e habitação com a esposa e os filhos CC e BB.

41- O falecido na altura vivia feliz e realizado, tendo a expectativa de viver por muitos anos.

42- A autora AA mantinha com o marido um relacionamento conjugal estável e feliz há 36 anos, tendo-lhe sido retirada a possibilidade de continuar a conviver e partilhar a felicidade com o marido até que ocorresse a sua morte por causas naturais.

43- A morte súbita, inesperada e brutal do marido constituiu para esta um golpe profundo, um desgosto intenso, uma dor extrema que perdurará ao longo dos anos por toda a sua vida.

44- A Ré Sergidezoito transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do falecido GG pela actividade de empregado de limpeza de apanha de lixo e detritos.

45- O transporte ou carregamento de botijas de gás árgon é uma tarefa muito específica, a qual só deverá ser executada por profissionais especializados e habituados ao manuseamento daqueles objectos.

46- Não estando aquela tarefa que o sinistrado se encontrava a executar no momento do acidente abrangida pela actividade objecto do contrato de seguro.

47- No dia do acidente o sinistrado estava a efectuar serviços de limpeza nas instalações da Sonae Arauto, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré Sergidezoito, mas esta determinou-lhe que fosse ajudar a pessoa que se encontrava nas instalações da Sonae a carregar garrafas de gás para uma carrinha.

48- Tendo o acidente ocorrido no decurso de tal tarefa quando o sinistrado se encontrava a ajudar o Sr. FF, funcionário da Centrogases, Lda.

49- O sinistrado no momento do acidente executada uma tarefa não incluída nas funções para as quais foi contratado pela Ré Sergidezoito.

50- Sendo que tal Ré não ministrou ao sinistrado qualquer formação sobre os procedimentos de segurança necessários para a executar.

51- As botijas de gás árgon que estavam a ser transportadas pelo falecido encontravam-se armazenadas ao ar livre, a maioria delas sem capacetes de segurança ou tulipas, em contacto directo com o chão, e sem estarem agrupadas e cintadas.

52- O que é aconselhado para armazenamento de botijas gás árgon em segurança.

53- Sendo essencial que as botijas sejam possuidoras de capacete/tulipa de protecção.

54- Eliminado pelo Tribunal da Relação

Anteriormente com o seguinte teor: Tendo o acidente ocorrido por falta de observância de tais regras de segurança, e por da Ré Sergidezoito não ter planeado convenientemente os trabalhos que o sinistrado se encontrava a realizar .

55- O acidente teria sido evitado se as botijas de gás árgon estivessem devidamente acondicionadas, nomeadamente colocadas sobre grades específicas, com capacete/tulipa de protecção e cintadas em grupo.

56- E, se o seu transporte fosse efectuado por pessoas com formação para desenvolver tal tarefa.

57- O transporte das garrafas de gás estava a cargo da Centrogases, Lda empresa especialmente licenciada para o efeito, sendo que era o funcionário desta empresa que coordenava a operação, tendo sido este quem manuseou a parte do anel metálico da garrafa que veio a provocar o acidente.

58- O funcionário da Centrogases, Lda, FF, tal como o sinistrado, não recebeu formação específica para o manuseamento de garrafas de gás árgon.

59- A verificação da existência das regras de segurança no manuseamento das garrafas de gás deveria ser efectuada por funcionário da Centrogases, Lda .

60- A Ré Sergidezoito desconhecia se estavam verificadas as regras de segurança para o manuseamento das garrafas de gás.

4. Fundamentação de direito

- Recurso da Ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda.”

Da admissibilidade da revista

Como fundamentos da presente revista invoca a recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao manter integralmente o ponto 12 da matéria de facto provada, que, em seu entender, deveria ter sido considerado não provado, por um lado, e, por outro, que “a co-ré entidade seguradora não foi responsabilizada, tendo sido absolvida, por se ter considerado, em sede de 1ª instância a responsabilização da recorrente, entidade empregadora, pela reparação agravada dos danos emergentes do acidente de trabalho que vitimou ou trabalhador da recorrente, fundamento que caiu no acórdão proferido e impõe decisão diversa”.

A recorrida “Liberty Seguros, S.A:” e o Ministério Público invocaram ambos a inadmissibilidade do recurso, quer quanto ao invocado erro de julgamento na decisão relativa à matéria de facto, por se tratar de matéria que não pode ser objecto de recurso de revista, quer, no segmento em que o recurso visa a decisão de mérito na parte em que esta, no entendimento embora de que a recorrente não é responsável pela violação de regras de segurança e, consequentemente pela reparação agravada prevista no artigo 18º da LAT, manteve a sua condenação nas prestações devidas em reparação do acidente, se verifica uma situação de dupla conforme.

Vejamos:

A recorrente insurge-se contra a decisão do acórdão recorrido em manter o ponto nº 12 da matéria de facto provada, em vez de o considerar como não provado, sustentando, em síntese, que não resultou provado que soubesse que a tarefa a desempenhar pelo sinistrado era a de transporte de gás árgon e que nunca tal foi determinado pela recorrente, invocando as passagens transcritas em sede de alegações pela recorrente.

A divergência assim invocada quanto ao decidido, tendo na realidade como pano de fundo e propósito questionar a responsabilidade, que a recorrente entende assistir à seguradora, pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho em causa, incide, e a tanto se reconduz, sobre a apreciação pelo tribunal da Relação, na decisão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, de meios de prova sujeitos à livre apreciação do Tribunal por força do disposto no artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, dos quais, ao contrário do que vem invocado pela recorrente, concluiu que, não obstante a existência de depoimentos divergentes sobre o mesmo aspecto, não dispor de elementos suficientes que infirmem ou possam infirmar a convicção formada em 1ª instância, sendo essa divergência insusceptível de levar inequivocamente a uma decisão diferente, havendo, neste caso, que dar prevalência ao decidido em 1ª instância.

A divergência da recorrente quanto à apreciação da prova, submetida ao princípio da livre apreciação, pelo Tribunal da Relação não constitui fundamento de recurso de revista, por assim determinar o artigo 674º, nº 3, do Código de Processo Civil que, sob a epígrafe “fundamentos da revista”, dispõe que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Como tem sido repetidamente afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal, o  Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 46º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) e 682º do Código de Processo Civil, é um tribunal de revista que, salvo nos casos excepcionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, podendo ainda, o que aqui não está em causa, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto  (nº 3 do artigo 682º do CPC).

As excepções referidas consistem “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 2 do artigo 674º do C.P.C. (prova vinculada).

Daqui se segue que o sindicar o modo como a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer no âmbito do recurso de revista se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência ou se tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.

Significa isto, como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal[1], e citando o acórdão de 2.1.2017, Procº nº 3071/13.6TJVNF.G1.S1, que:

1 Como princípio – regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias não cabe no âmbito do recurso de revista.

2- O S.T.J. limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado.

3- São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

4- Em suma, o S.T.J. só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova”.
A discordância da recorrente relativamente à decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto ao ponto em causa da matéria de facto não se inscreve nestes apertados parâmetros em que é possível ao STJ sindicar o modo como a Relação fixou os factos materiais da causa.
Em consequência, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, quanto à primeira questão suscitada pela recorrente, conhecer do objecto do recurso, por inadmissibilidade deste.

A segunda questão suscitada pela recorrente é a da responsabilidade pela reparação das consequências do acidente, alegando a recorrente que para se ver desonerada da sua responsabilidade infortunística a co-ré seguradora sustentou que o acidente havia ocorrido por inobservância, pela recorrente, das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, pelo que,  tendo sido reconhecida pelo acórdão recorrido a inexistência de violação de regras de segurança que lhe fosse imputável, com a consequente inexistência de responsabilidade a título principal e de forma agravada da sua parte, é somente responsável pelo sinistro a seguradora para a qual havia transferido a sua responsabilidade por via do contrato de seguro celebrado, acrescentando a recorrente que não resultou provado que o transporte de meras garrafas enquanto resíduos não se pudesse reconduzir à actividade abrangida pelo objecto do contrato de seguro.

A sentença de 1ª instância, reconhecendo a existência de um acidente de trabalho, que teve como causa a inobservância de regras de segurança que imputou à recorrente, absolveu a recorrida seguradora do(s) pedido(s), por considerar a tarefa que a vítima desempenhava no momento do acidente não se encontrava abrangida pela actividade objecto do contrato de seguro, assim o afirmando: “resultou (…) provado que a actividade da Ré Sergidezoito é a limpeza geral em edifícios, nomeadamente fazendo limpeza industrial, retirada de lixo, limpeza de resíduos e de máquinas após a manutenção e transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho da vítima pela actividade de empregado de limpeza de apanha de lixo e detritos, não estando a tarefa que a vítima se encontrava a executar no momento abrangida pela actividade objecto do contrato de seguro (…)”, e mais à frente dizendo que “duvidas não restam que se mostra excluída a garantia decorrente do contrato de seguro celebrado entre as Rés, motivo pelo qual não pode a Ré seguradora ser responsável pela reparação do acidente Assim, a responsabilidade pela reparação do acidente em causa nos autos será da entidade patronal, a Ré Sergidezoito, Lda, responsabilidade esta que decorre do disposto no artº 79, nº 1 da NLAT, o que determina a absolvição da Ré seguradora dos pedidos contra ela formulados pelos Autores”.

Por sua vez sobre a questão o acórdão recorrido, depois de transcrever a parte pertinente da sentença de 1ª instância concluindo pela responsabilidade da ré Sergidezoito, Lda, decorrente do disposto no artigo 79º, nº 1, da LAT,  limitou-se a constatar que “a sentença decidiu, sem impugnação, que o acidente de trabalho dos autos não se encontrava coberto pelas garantias decorrentes do contrato de seguro celebrado entre a recorrente e a seguradora”, identificando como questão a decidir a de saber se a recorrente é responsável pela reparação de forma agravada.

Foi, pois, esta a questão, circunscrita à agravação da responsabilidade da entidade empregadora, que a Relação apreciou, vindo a julgar a apelação parcialmente procedente no entendimento de que o acidente não se pode imputar a conduta negligente ou culposa, tão pouco a violação de regras de segurança, por parte da recorrente, e, considerando a recorrente responsável pela reparação do acidente nos termos gerais (artigo 7º da LAT),  não de forma agravada, condenou-a nas prestações devidas aos beneficiários do sinistrado.

O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a responsabilidade da aqui recorrida seguradora constituindo tal questão agora, em sede de revista, e tanto mais que a matéria de facto se manteve no essencial sem alteração relevante para a decisão de mérito, questão nova que não pode ser conhecida por este Supremo Tribunal.

Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 7.7.2006, Procº nº 156/12.0TTCSC.L1.S1, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1 desta Secção Social.

Por isso, e quanto à questão suscitada pela recorrente, não sendo de conhecimento oficioso, não pode este Supremo Tribunal emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois que o objecto da apreciação efectuada no acórdão recorrido foi apenas o da verificação dos pressupostos da responsabilidade agravada contemplados no artigo 18º, nº 1, da LAT, e não a da abrangência ou não pelo contrato de seguro celebrado entre a recorrente e a seguradora da actividade desempenhada pelo sinistrado no momento do acidente, matéria, de resto, a que, além de outros, se refere o ponto 46 da matéria de facto provada, em que se afirma que não estava a tarefa que o sinistrado se encontra a executar no momento do acidente abrangida pela actividade objecto do contrato de seguro, que não foi impugnado pela recorrente.

Assim sendo, constituindo a matéria suscitada pela recorrente na motivação/conclusões do recurso, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada, não podendo consequentemente conhecer-se do objecto do recurso.

Em face do exposto, acorda-se em não conhecer do objecto do recurso da ré “Sergidezoito Unipessoal, Lda.”

- Recurso dos autores AA, BB, CC, e DD.

As questões suscitadas pelos autores, viúva e filhos do falecido sinistrado, no seu recurso são as da nulidade do acórdão, e a e de saber se o acidente ocorreu por culpa, por violação de regras de segurança por parte da empregadora, que se reconduz à questão da responsabilidade agravada desta.

- Da nulidade do acórdão recorrido

O Tribunal da Relação eliminou os pontos 34, 35 e 54 da matéria de facto provada, por os considerar conclusivo, com a seguinte fundamentação:
“(…) para que se preencha a previsão do artº 18º da LAT necessário se torna que se demonstre que entre a inobservância das regras de segurança e o evento infortunístico se possa estabelecer em nexo de causalidade.
Se o thema decidendum da acção, no todo ou em parte, estiver dependente e localizado no significado real de certas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, insusceptível de integrar a decisão sobre a matéria de facto.
Se pelo contrário, o objecto da acção não girar à volta da resposta exacta que se dê às afirmações feitas pela parte, tais expressões poderão ser integradas na matéria de facto, passível de pronúncia final do tribunal que efectue o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se dos textos legais.
Ora, dizer-se que “o acidente sofrido pelo sinistrado ocorreu por falta de observância das regras de segurança aludidas nos nºs 28º e 32º, relativas à tarefa que o Autor executava” (ponto 34); que “sendo que se fossem efectuados tais procedimentos de segurança o acidente não teria ocorrido” (ponto 35) e que “tendo o acidente ocorrido por falta de observância de tais regras de segurança, e por a Ré Sergidezoito não ter planeado convenientemente os trabalhos que o sinistrado se encontrava a realizar” (ponto 54), é resolver, sem mais, ou seja, sem necessidade de outras operações ou elementos, a questão da causalidade na sua formulação negativa consagrada no ordenamento jurídico Português.

Daí que essa matéria, de cariz marcadamente conclusivo e de direito, não possa, pelas razões atrás enunciadas constar do elenco da materialidade provada pelo que se decide eliminá-la, por não escrita”.

Invocam os recorrentes que a reapreciação da decisão tomada pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados e que concretamente impugna, pelo que, ao eliminar os pontos 34, 35 e 54 da matéria de facto provada que não foram impugnados o Tribunal da Relação excedeu os seus poderes de cognição, incorrendo o acórdão recorrido na nulidade contemplada no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.

A nulidade que vem assim invocada é a de excesso de pronúncia prevista na citada disposição legal, nulidade que resulta da violação do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual «(…) o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que o excesso de pronúncia se traduz na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.

Postula tal vício e nulidade, tal como as demais elencadas, taxativamente, na disposição do artigo 615º do Código de Processo Civil, a existência de uma sentença, isto é, uma decisão de mérito, o que se não compagina com a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação, que em si não é uma sentença mas a decisão, prévia à sentença em cuja fundamentação se integra, que fixa o acervo factual que constitui a base necessária à decisão de mérito, nem incide sobre as “questões a resolver” para os efeitos do artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou seja, os erros que eventualmente afectem a decisão em matéria de facto não configuram nenhum dos vícios (formais) integradores de nulidade da sentença, podendo antes, eventualmente, configurar erro de julgamento, estando, por isso, fora do conceito legal de vícios da sentença previstos no artigo 615º do CPC.

Por outro lado, constitui entendimento pacífico deste Supremo Tribunal que a Relação, no julgamento da matéria de facto que lhe cumpre efectuar, nos termos do artigo 607º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, por remissão do nº 2 do seu artigo 663º, nº 2, e no uso do poder-dever conferido pelo artigo 662º, nº 1, daquele Código, não está sujeita às alegações das partes, podendo alterar, no condicionalismo previsto nas ditas normas a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1ª instância, desde que funde a decisão nos factos alegados pelas partes.

Na vigência do Código de Processo Civil de 1961 firmou-se também jurisprudência, de que é exemplo o acórdão deste Supremo Tribunal de 24.2.2011, Procº nº 740/07.3TTALM.L1.S2., no sentido de que “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo à Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no nº 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, matéria em que também não está sujeita às alegações das partes”.

Tal entendimento, do qual, como tem sido afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal, decorre que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões, deve o mesmo ser eliminado[2], mantém no NCPC actualidade:

Como se afirmou no acórdão da Secção Social do Supremo tribunal de Justiça, de 22.4.2015, procº nº 822/08.4TTSNT.L1.S2, citando o acórdão de 14.01.2015, também desta Secção Social, proferido na Revista 488/11.4, «Dispunha concretamente o n.º 4 desta previsão [Leia-se: n.º 4 do art. 646.º do CPC de 1961], (que não foi mantida, ao menos em termos de direta correspondência, na disciplina homóloga da nova Codificação), que se têm por não escritas as repostas do Tribunal sobre questões de direito … e bem assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

Não se contempla/va a circunstância de se tratar - …como no caso se invoca – de matéria (respostas de facto) vaga, genérica e conclusiva.

Foi-se consolidando, porém, na produção jurisprudencial – …por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva –, o entendimento de que “…não porque tal preceito contemple expressamente a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas (…) porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.”.

Reportando-nos aos pontos de facto controvertidos – e tendo como aferidor diferencial a consabida distinção conceptual entre matéria/questão de facto e matéria/questão de direito –, importa saber se o que neles se contém encerra, em si, a resposta à questão, a sua solução jurídica. Na afirmativa, a proposição será conclusiva (na perspetiva dilucidada) se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo ser expurgada, por isso.

Não assim, no caso contrário».

No caso concreto dos autos, em que a questão essencial consistia em saber se o acidente ocorreu por culpa da entidade empregadora, por violação das regras de segurança, não pode deixar-se de reconhecer feição de síntese conclusiva às afirmações constantes dos pontos 34, 35 e 54 da matéria de facto provada, eliminadas pelo Tribunal da Relação, porquanto nelas se encontra já a resposta a questão controvertida objecto e a dirimir na apelação.

Improcede, assim, a nulidade invocada pelos recorrentes, do acórdão recorrido.

- Da responsabilidade agravada da entidade empregadora

Enquanto a sentença de 1ª instância, perfilhando o entendimento de que ocorrendo o acidente por violação de regras de segurança essa violação é imputável à entidade empregadora do trabalhador sinistrado mesmo existindo no local outras entidades a quem sejam impostas obrigações em tal matéria, sendo aquela a responsável pela reparação do acidente sem prejuízo de vir a ressarcir os seus prejuízos em acção própria a intentar contra essas entidades, concluiu que o acidente em causa nos autos ocorreu por violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora “Sergidezoito, Lda”, e bem assim que ao não adoptar os procedimentos que se impunham nas circunstâncias concretas, tendo capacidade para proceder de forma exigível, agiu a mesma com culpa, e pela responsabilidade agravada desta, nos termos do artigo 18º, nº 1, da LAT, o acórdão recorrido, diferentemente, considerou não ter ficado provado que o acidente tenha sido devido a conduta negligente ou culposa da entidade empregadora, pelo que concluiu que a ré era responsável pela reparação do acidente, mas não na forma agravada, não havendo consequentemente lugar à resssarcabilidade dos danos não patrimoniais, nem ao pagamento da pensão, nos termos fixados na sentença.

A decisão do acórdão recorrido ancorou-se nos seguintes fundamentos:
Para que se preencha o quadro normativo previsto no nº 1 do artº 18º da LAT (Lei 98/2009 de 04/09) é necessário que:
a) O acidente se fique a dever à culpa do empregador ou que seja consequência da inobservância de regras ou normas concretas sobre de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
Nestas situações, resulta um agravamento da responsabilidade, que se traduz no facto da responsabilidade pela indemnização incluir a totalidade dos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais), sofridos pelo trabalhador, nos termos gerais da responsabilidade civil, e a responsabilidade pela reparação infortunística cabe ao empregador.
Como uniformemente tem vindo a decidir o STJ, a diferença entre os dois fundamentos reside na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.
No entanto, no nosso entendimento, no que respeita à questão da culpa, é preciso ter em conta, que os acidentes acontecem, na quase totalidade da maioria dos casos, porque alguém fez algo que não devia ou omitiu algo que devia fazer; a isto acrescem circunstâncias imprevisíveis ou dificilmente previsíveis que alteram o curso dos acontecimentos. Mas isto não significa, designadamente em matéria de acidentes de trabalho, que se possa sempre falar em culpa, em culpa que fundamente o agravamento da pensão nos termos previstos no art.º 18.º nºs 1 e 4 da LAT.
Daí que, a única forma de culpa que a lei admite seja a da violação de regras de segurança pois que a falta de observância dessas regras é a omissão de um dever especial de cuidado.
Por isso, deve afastar-se, como fundamentador do agravamento da pensão, a violação de um dever genérico de cuidado. Esta faz parte do risco do trabalho, como do risco da vida, e é absorvida pela regulamentação desta responsabilidade por acidentes de trabalho como responsabilidade objectiva. A entender-se que a violação de um dever geral de cuidado, mesmo que não tenham sido violadas específicas disposições legais relativas à segurança no trabalho, permite imputar à entidade patronal, a título de culpa, o acidente, significa terminar com a responsabilidade objectiva nesta matéria. Não se pode tomar como bom, o raciocínio que simplisticamente se traduz na seguinte frase “há acidente, logo há culpa”!
Por outro lado, o ónus da alegação e da prova dos factos que constituem a violação das regras de segurança incumbe aos beneficiários do direito à reparação e à seguradora, por, relativamente aos primeiros, serem factos constitutivos do direito invocado [quando for solicitada/peticionada esta reparação especial - artigo 342º, n.º 1, do Código Civil] e por, relativamente à última, serem factos modificativos/extintivos da sua responsabilidade [quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade] – artigo 342º, n.º 2, do CC].
b) Se possa estabelecer um nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente.
Adoptando o nosso ordenamento jurídico a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, é necessário demonstrar, que se tivessem sido adoptadas as medidas de prevenção o acidente não teria ocorrido).
Nos termos dessa formulação a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
Como se lê no AC. STJ de 28-03-2007, procº 06S3956 “inwww.dgsi.pt/jstj, o artº 563º do Cód.Civil “consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa, não exigindo a exclusividade do facto condicionante do dano.
Neste contexto, é configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, do mesmo passo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeia um outro que suscite directamente o dano.
Apesar disso, o facto condicionante já não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção. É o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal”.
E a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu a este, pressupondo que o facto cuja causalidade se discute tenha sido uma das condições do dano, ou seja, que esse facto integre o processo causal que conduziu ao dano.
De acordo com a jurisprudência do STJ “a teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano.
Assim sendo o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto”. Ac  de 01.03.18 procº 750/15.7T8MTS.P1.S1.
Por último, cabe à seguradora (no caso desta ser a responsável pela reparação infortunística) ou ao sinistrado ou aos seus beneficiários o ónus da prova da existência do nexo de causalidade (adequada) entre a inobservância das regras de segurança e o acidente.
Em primeiro lugar, no caso em apreciação, conforme expressamente se dá como provado no ponto 59, a verificação da existência das regras de segurança no manuseamento das garrafas de gás deveria ser efectuada por funcionário da Centrogases, Lda e não pela ora recorrente.
As garrafas de gás Argon, propriedade da Sonae, encontravam-se vazias ou quase vazias, tendo sido o trabalhador da Sonae, EE, que as transportou do interior das instalações fabris para o exterior, sabendo que apenas duas delas disponham de capacete de protecção pois os outros capacetes tinham ardido num incêndio.
À data do acidente a Sonae Arauco não possuía manual de utilização de garrafas de gás Árgon, remetendo para informação constante na garrafa; inexistia avaliação de riscos dos procedimentos de carga e descarga das garrafas de gás Árgon e manual de procedimentos de manuseamento e transporte de recipientes sobre pressão, existindo unicamente avaliação de riscos de segurança e saúde no trabalho, efetuada em 2016 por Sonae Arauco, no qual não tinha procedido à avaliação dos riscos relativos à tarefa de transporte e carregamento de garrafas sob pressão.
depois do acidente, em 19.02.2018, é que com a elaboração do manual de procedimento de segurança a solicitação da Sonae Arauco, Portugal, S.A., consta que o transporte e manuseamento das garrafas de gás comprimido somente deve ser efetuado existindo bloqueio de segurança.
Neste quadro factual, quem tinha a obrigação de garantir as condições de segurança era, conforme se reconhece na sentença a Centrogases[3].
Ora, a recorrente apenas foi chamada para ajudar num carregamento ocasional de garrafas de gás que se encontravam vazias ou quase vazias.
É suposto que as condições de segurança no carregamento das garrafas tivessem sido asseguradas pela Centrogases ou pela Sonae Arauto, ou seja, no concreto circunstancialismo em que ocorreu o acidente, entendemos não ser exigível que a Sergidezoito estivesse obrigada a prever a perigosidade da operação, tanto mais que se tratava de garrafas vazias ou quase vazias; e ninguém está obrigado prever as imprudências ou as violações da lei por parte de outrem.
Por outro lado, a forma como as garrafas deviam ser manuseadas apenas constava da respectiva garrafa não podendo a recorrente, deste modo, conhecer ou estar obrigada a conhecer os riscos dos procedimentos de carga quando inexistia qualquer manual ou qualquer avaliação de riscos para esse efeito.
Assim, entendemos que o acidente não se pode imputar a conduta negligente ou culposa por parte da recorrente.
Mas ainda que se entenda o contrário, a culpa que possa ser assacada à recorrente não reveste as características que permitam agravar a reparação infortunística nos termos sobreditos.
É verdade que sobre a entidade empregadora impendem as obrigações que decorrem dos artº 281º do CT, e artºs 5º, 15º nºs 2 e 3 e artº 20º da Lei 102/09 de 10/09, particularmente a que a obriga a empregadora a ministrar formação adequada aos seus trabalhadores sobre higiene e segurança no trabalho.
Contudo, tais obrigações mais não passam do que obrigações gerais ou programáticas, consagrando as respectivas normas apenas princípios gerais sobre segurança e higiene no trabalho.
Consequentemente, ainda que, sem prescindir, alguma culpa pudesse ser imputada à recorrente, essa culpa apenas pode ser vista como a violação de um dever genérico de cuidado insusceptível de fazer operar o regime do artº 18º da LAT.
E, parece-nos claro, que nenhuma regra concreta sobre manuseamento, carregamento e transporte de garrafas de gás Árgon foi inobservada pela recorrente.
Acresce que, depois de expurgada a matéria de facto de juízos conclusivos e de direito, também não está demonstrado que se a recorrente tivesse dado formação ao sinistrado na área específica em causa, o acidente não teria ocorrido.
A recorrente é responsável pela reparação do acidente mas não de forma agravada o que, para além de mais, inviabiliza a ressarcibilidade por danos não patrimoniais”.

Foi, assim, em síntese, entendimento do acórdão recorrido que a única forma de culpa que fundamento o agravamento da pensão nos termos do artigo 18º, nºs 1 e 4, da LAT, é a violação das regras de segurança, sendo necessário que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente, e que no caso sub judice quem tinha obrigação de garantir as condições de segurança era a Centrogases ou a Sonae Arauco, não sendo exigível que a recorrida, chamada a ajudar num carregamento ocasional de garrafas de gás que se encontravam vazias ou quase vazias, estivesse obrigada a prever as imprudências ou as violações la lei por parte de outrem, pelo que o acidente não se pode imputar a conduta negligente ou culposa por parte da recorrida, sendo que nenhuma regra concreta sobre manuseamento, carregamento e transporte de gás árgon foi inobservado pela mesma.

Dissentindo de tal entendimento contrapõe os recorrentes nas suas alegações, além do mais, que se encontram provadas as regras de segurança violadas no transporte e manuseamento das garrafas de gás árgon.

Está em causa no presente recurso saber se a responsabilidade pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos é imputável à Ré empregadora, por culpa e/ou violação das normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da LAT – Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, tem consagração constitucional conforme resulta da alínea c) do nº 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, resultando igualmente da alínea f) do nº 1, do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

O Código de Trabalho de 2009, em coerência com a Lei Fundamental, veio consagrar no seu artigo 283º alguns princípios estruturantes do regime de reparação dos danos derivados de acidentes de trabalho, reafirmando no n.º 1 daquele artigo que «o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional» e determinando que «o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro», sendo certo que, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, «a garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei».

O regime de reparação dos acidentes de trabalho, em execução do disposto no artigo 284º do Código do Trabalho, veio a ser estabelecido pela Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais (LAT), entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010 e que por tal motivo define o regime jurídico à luz do qual é resolvido o presente litígio, uma vez que o acidente ocorreu no dia 29 de Janeiro de 2018.

O artigo 18º da Lei dos Acidentes de Trabalho dispõe o seguinte:

«Artigo 18.º
Actuação culposa do empregador

1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

2 – (…).
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.

4 – (…).
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.»

Resulta deste artigo um regime específico de reparação de acidentes de trabalho, quando os mesmos resultem de uma actuação culposa do empregador ou de outrem que o represente ou actue no seu interesse, nomeadamente, quando «sejam provocados pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra», ou quando resultem de uma actuação culposa materializada na «falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho».

A especificidade do regime reflecte-se também na dimensão da reparação estabelecida e na determinação dos seus destinatários.

Decorre, assim, do nº 1 desse preceito que a responsabilidade principal e agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos:

(i) um comportamento culposo da sua parte.

(ii) a violação, pelo mesmo empregador, de regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho.

Trata-se, em ambos os casos, de situações em que o acidente não decorreu dos riscos normais inerentes à actividade da empregadora, mas de actuação culposa, abrangendo esta o dolo ou mera culpa/negligência, que se traduz na omissão da diligência, dos deveres de cuidado que um bom pai de família teria observado, em face das circunstâncias do caso, a fim de evitar o facto antijurídico que provocou o dano ( artº 487º, nº 2, do C.C.)[4], ou de inobservância de regras de segurança, que se consubstancia a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei (culpa efectiva), residindo a diferença entre ambos na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal a responsabilidade agravada do empregador com fundamento na violação de regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho exige a verificação dos seguintes requisitos:

(i) Que exista uma violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, seja que a entidade empregadora se encontrava obrigada a observar determinadas regras de comportamento, que não respeitou e cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim omitindo o cuidado exigível a um empregador normal;

(ii) Que essa violação seja causal do acidente, que o evento seja consequência directa e necessária da violação da norma de segurança, ou seja, que foi o desrespeito dessas regras de segurança que originou o acidente, ou, dito de outro modo, que o efeito danoso tenha resultado do facto, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo[5].

Sobre este fundamento da responsabilidade agravada da violação de regras de segurança contemplada no artigo 18º, nº 1, da LAT e o entendimento de que o mesmo exige a existência, efectiva, de normas legais e/ou regulamentares que, concreta e especificamente, regulem o  exercício da actividade em causa, afirmou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.6.2013, Procº nº 3592/04.8TTLSB.L2.S1., que a ausência de normas concretas que especificamente regulem a actividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade da imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa.

Foi esse o caminho empreendido pela sentença de 1ª instância ao enunciar a obrigação geral do empregador imposta pelo artigo 281, nº 2, do Código do Trabalho de 2009, e os princípios de prevenção estabelecidos nos artigos 5º, 15º e 20º do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho aprovado pela Lei nº 102/2009, de 10.9, na redacção dada pela Lei nº 3/2014, de 28.1., vindo a concluir pela sua violação.

No caso sub judice decorre da matéria de facto provada que o acidente consistiu em o sinistrado ter sido embatido por uma garrafa de gás árgon, com o peso vazia de 88,5 Kg, que não dispunha de capacete de protecção, quando a válvula disparou, libertando gás, e a garrafa levantou, projetando-se e embatendo no sinistrado, o que sucedeu também com uma outra garrafa de gás que foi projectada para a estrada.
O acidente ocorreu quando o sinistrado cumpria ordens da sua entidade patronal, a ré Sergizedoito, que presta unicamente serviços próprios da sua actividade de limpeza geral de edifícios (limpeza industrial, retirada de lixo, limpeza de resíduos e de máquinas após manutenção) para a Sonae Arauco, S.A., que nesse dia acedera a pedido desta para indicar dois trabalhadores para ajudar no transporte de garrafas de gás e seu carregamento numa viatura ao serviço da Centrogases, Lda”, empresa especialmente licenciada para o transporte das garrafas de gás,  não estando tal tarefa incluída nas funções habituais do sinistrado e para a qual não lhe foi ministrada formação.
Resulta também que na ocorrência a operação de transporte das garrafas das instalações para a viatura foi desempenhada pelo sinistrado, um outro trabalhador da ré Sergidezoito e um trabalhador da “Centrogases, Lda”, com a categoria de ajudante de motorista, não tendo sido supervisionada nem orientada por ninguém.
Provado resultou que o transporte ou carregamento de botijas de gás árgon é uma tarefa muito específica que só deverá ser executada por profissionais especializados e habituados ao manuseamento daqueles objectos, sendo essencial que as botijas sejam possuidoras de capacete/tulipa de protecção, devendo o transporte e manuseamento das garrafas de gás comprimido ser somente efectuado existindo bloqueio de segurança.
Provado ainda que no transporte de garrafas de gás, os condutores devem ter formação para esse efeito e as válvulas devem estar fechadas durante todo o transporte e todo o equipamento deve estar desligado e deve ser colocado capacete de protecção da garrafa para se proceder ao transporte.
Provado que no total das garrafas de gás a carregar só duas tinham capacete de protecção, tendo os restantes ardido durante o incêndio das instalações fabris ocorrido em 15.7.2017.
Resultou também provado que o acidente teria sido evitado se as botijas de gás árgon estivessem devidamente acondicionadas, nomeadamente colocadas sobre grades específicas, com capacete/tulipa de protecção e cintadas em grupo, e se o transporte fosse efectuado por pessoa com formação para desenvolver tal tarefa.
Provado ficou que a ré Sergidezoito não ministrou ao sinistrado qualquer formação para o exercício da tarefa de manuseamento e transporte de garrafa pressurizadas e que permitiu que os trabalhos efectuados fossem realizados sem haver uma avaliação específica de riscos associados àquela tarefa, bem como, sem haver procedimentos de segurança para aquelas funções, permitindo que as garrafas de gás comprimido fossem transportadas sem qualquer bloqueio de segurança.

Da matéria fáctica assim elencada dúvidas não restam que o acidente ocorreu porque, além de não estar devidamente acondicionada, a garrafa de gás que embateu no sinistrado, provocando-lhe as lesões que foram causa determinante da sua morte, não tinha capacete de protecção, ao arrepio daquelas, e de regras que decorrem até do senso comum, do bonus pater famílias suposto pela ordem jurídica, regras de segurança, tendo a operação de manuseamento e transporte das garrafas de gás sido efectuada com violação dessas mesmas regras.

Não deixando de impressionar, por revelador quanto a este aspecto, o que do ponto 8 da matéria de facto prova, onde se afirma que em data anterior ao acidente o funcionário da Sonae Arauco, operacional de segurança, transportou do interior das instalações fabris as garrafas de gás utilizando dois capacetes de protecção de garrafas, que foram usados no transporte de todas as garrafas, sendo retiradas e colocadas para o transporte, resulta, denotando a previsibilidade da existência de riscos, e formas de os evitar, no efectuar dessa operação e exercício dessa actividade, pouco relevando para o efeito que só após o acidente tenha sido elaborado um manual de procedimento de segurança.

E sendo esses riscos reais e previsíveis a ré, sabendo qual era a tarefa que o sinistrado ia efectuar, permitiu que o sinistrado a fosse executar sem curar de saber, como se lhe impunha, se estavam reunidas as condições para que a mesma fosse executada com segurança, omitindo esse dever de cuidado que sobre si impendia.

Especificamente quanto ao fundamento contemplado na 2ª parte do artigo 18º, nº 1, da LAT, a circunstância, provada, de ser a Centrogases a empresa que tinha a obrigação de garantir as condições de segurança, ou esta ou a Arauco, como se refere no acórdão recorrido, e de a ré empregadora não ter o domínio do facto causador do evento, como foi o caso, não afasta a sua responsabilidade pela reparação, agravada, dos danos emergentes do acidente, nos termos do artigo 18º, nº 1, da LAT.

Sobre a questão, que releva da atribuição da responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho sofridos por trabalhadores que no momento do acidente executavam serviço a entidade diferente da sua entidade patronal, motivados por violação das normas de segurança que à mesma não são directamente imputáveis, tem sido entendimento deste Supremo Tribunal que a responsabilidade recai necessariamente sobre a empregadora do sinistrado.

Segundo tal entendimento à responsabilidade do empregador, uma vez constatada a existência de um comportamento violador de regras ou directrizes relativas a segurança, higiene e saúde no trabalho, não obsta a circunstância de essa omissão poder ser, porventura, assacada a um terceiro.

A lei é clara e objectiva nesse âmbito: é ao empregador que, em caso de violação das regras sobre a segurança, a higiene e a saúde no trabalho, cabe reparar os danos provindos do acidente de trabalho de que haja sido vítima o trabalhador ao seu serviço – artigo 18.º, nºs 1 e 3, da LAT - sem prejuízo do direito de regresso que lhe assista quando essa violação seja imputável a um terceiro (artigo 17º, nºs 1 e 4, da LAT). 

Com efeito, o vínculo obrigacional do qual emergem os direitos previstos na LAT estabelece-se entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade empregadora ou (e) a seguradora, por outro, entroncando esta concepção nas teorias do risco económico ou do risco profissional, de acordo com as quais quem beneficia da actividade prestacional do trabalhador e conforma a sua laboração, através de um vínculo – real ou potencial – de autoridade/subordinação jurídica e económica, deve igualmente assumir a responsabilidade pela reparação dos sinistros que com ele ocorram.

Assim, resulta claro que, ainda que os factos integradores da violação dos dispositivos relativos à segurança, higiene e saúde no trabalho sejam imputáveis a um terceiro – que se assuma, no circunstancialismo de tempo e lugar em que ocorre o evento danoso, como dono das instalações e equipamentos onde o trabalho é prestado ou coordenador das tarefas a executar – a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho recai, necessariamente, sobre o empregador do sinistrado, por força da inexistência de vínculo jurídico entre o trabalhador e esse terceiro.

Como se afirmou no acórdão anteriormente citado de 19.6.2013, Procº nº 3529/04.8TTLSB.L2.S1. que vimos seguindo de perto: 

“(…) importa concluir que é sobre a empregadora do sinistrado que recai o “risco de autoridade”, sendo esta, por isso, a primeira responsável pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador, mesmo em situações de responsabilidade agravada, por violação das regras de segurança, que sejam imputáveis a terceiro face à relação laboral.

O empregador não se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente os seus trabalhadores exercem actividade, limitando-se a confiar no cumprimento dessas obrigações a terceiros ou a confiar que nada sucederá.

Daí que, o facto de a responsabilidade pela definição e observância das regras de segurança incumbir a um terceiro, não exima o empregador da sua responsabilidade infortunística perante os seus trabalhadores”.

Como também se afirmou no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 6/2013, de 6.12.2013, proferido no Procº nº 28909.0TTSTB-A.S1, publicado no Dário da República, 1ª Série, nº 45, de 5.3.2013, “(…) deve continuar a ter-se presente, tal como se referiu no acórdão desta secção de 27 de Janeiro de 2003, proferido na revista n.º 3775, Pº 03S3775, que «é de considerar que, ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a um terceiro (que responderá por tal perante as entidades fiscalizadoras competentes ou até em face da entidade patronal, na sede própria), continua a ser a entidade patronal - que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador -, a responsável directa perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho».

Em suma, é de concluir que o acidente ocorreu devido a violação de regras de segurança, e que a responsabilidade pela reparação do mesmo cabe à entidade empregadora do sinistrado, sem prejuízo do direito de regresso que lhe possa assistir contra os responsáveis referidos nos artigos 17º, nºs 1 e 4 da LAT, impondo-se, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, com a repristinação, da decisão de 1ª instância, havendo apenas que proceder à actualização, por força da Portaria nº 278/2020, de 4.12., do valor da  pensão devida à A. AA para €9364,89 a partir de 1.1.2020.

IV - DECISÃO

Pelo exposto, concedendo a revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, ficando a prevalecer, nos seus precisos termos, a decisão da 1ª instância, sendo o valor da pensão fixada à A. AA actualizado para €9364,89 a partir de 1.1.2020.


As custas das revistas e da apelação ficam a cargo da ré, repristinando-se igualmente o decidido na 1ª instância quanto a custas.

Custas das revistas, e da apelação, pela Ré/recorrente e recorrida “Sergidezoito Unipessoal, Lda”.
Anexa-se sumário do acórdão.



Lisboa, 15 de Janeiro de 2021


Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)


Júlio Manuel Vieira Gomes

Joaquim António Chambel Mourisco

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[1] Cf., entre outros, acórdãos. STJ de 14.1.2021, Procº nº 644/12.8TBCTX.L1.S1, , 12.2.2019, Procº nº 882/14.9TJVNF-H, 12.7.2018, Procº nº 701/14.6TVLSB.L1.S1 , 26.9.2017, Procº nº 2545/11.8TVLSB.L1.S3, 18.5.2017, Procº nº 5164/07.0TTLSB-B.L1.S1, 29.10.2013, Procº nº 298/07.3TTPRT.P3.S1, 25.3.2009, Procº nº 09A530.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, Lex, 2ª edição, pág. 312.
Ou a Sonae Arauco contra a qual a ACT moveu procedimento contraordenacional que culminou na aplicação de uma coima de 15.000 com publicitação da decisão.
[4] Cf. acórdão STJ, de 36.4.2012, Procº nº 855/09.3TTMAI.P1.S1
[5] Cf. neste sentido, Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, página 389, citado no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.6.2013, Procº 3529/04.8TTLSB.L2.S1.