Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2841/16.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: REVISTA
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA
ALÇADA
VALOR DA CAUSA
VALOR DA SUCUMBÊNCIA
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO CIVIL / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Edição de 2002, p. 104;
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Ano 2017, Almedina, 4.ª Edição, p. 56 e ss.;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 418;
-Miguel Teixeira de Sousa, comentário ao Ac. do STJ, de 2/06/2015, in blogippc.bloguepot.pt., datado de 24/06//2015 (reforçado no comentário ao Ac. do STJ, de 16/06/2015, datado de 15/07/2015);
-Rui Medeiros e Jorge Miranda, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 449 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 79.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA D), 671.º, N.º 3 E 672.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-12-2013, PROCESSO N.º 108/10.4TTALM.L1.S1;
- DE 19-02-2014, PROCESSO N.º 2657/10.5TTLSB.L1-A.S1;
- DE 14-01-2015, PROCESSO N.º 479/13.0TTPTM.E1.S1;
- DE 16-06-2015, PROCESSO N.º 926/05.1TTLSB.L1.S1;
- DE 29-10-2015, PROCESSO N.º 478/11.7TTVRL.G1-A.S1;
- DE 21-04-2016, PROCESSO N.º 332/13. 8TBHRT.L1.S1;
- DE 24-11-2016, PROCESSO N.º 1655/13.TJPRT.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 315/95, DE 26/6/95, IN DR, II SÉRIE, DE 28/10/95, P. 12917;
- ACÓRDÃO N.º 125/98;
- ACÓRDÃO N.º 72/99;
- ACÓRDÃO N.º 431/02;
- ACÓRDÃO N.º 106/06.
Sumário :
I – Em matéria de acções que visem a apreciação da legalidade e licitude de despedimentos a lei processual admite sempre recurso de apelação independentemente do valor da causa (cf. art. 79º do CPT). Trata-se de uma medida que, constituindo uma excepção à regra geral que decorre do art. 629º do CPC, visa assegurar o segundo grau de jurisdição atenta a natureza e o objecto de tais acções em que está em causa essencialmente a manutenção ou a extinção da relação jurídico-laboral. Por isso, nessas acções, numa primeira fase, é relativamente indiferente o valor que seja indicado pelas partes ou que seja fixado pelo Juiz, já que seja qual for o teor da decisão proferida a mesma é sempre impugnável para o Tribunal da Relação.

II – Porém, o preceito específico do foro laboral (o citado art. 79º) não afasta a aplicação de outras normas, designadamente as que regulam o modo de interposição dos recursos de revista e revista excepcional, as condições de admissibilidade do recurso e o prazo de interposição para esse efeito, nos termos dos arts. 629º, 671º, nº 3 e 672º, nº 1, todos do CPC.

III – A lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s)), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.

IV – No presente caso a Reclamante/Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, Coimbra e Guimarães (art. 629º, nº 2, alínea d), do CPC). Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…. Nessa medida, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do CPC, não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

V – O recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte, a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA,
na
SECÇÃO SOCIAL do SUPREMO TRIBUNAL de JUSTIÇA

I – 1. Autor: AA

Ré: BB, S.A.

A acção foi proposta porquanto o Autor, médico e Director dos Serviços de Imagiologia do ..., foi despedido pela Ré, tendo esta articulado, em sua defesa, que o despedimento ocorreu com fundamento em justa causa, nomeadamente por alegado incumprimento por parte do Autor do horário de trabalho e faltas injustificadas.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a acção pelas razões que constam dos autos.

3. O Autor, inconformado, interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido Acórdão confirmando na íntegra a sentença da 1.ª instância nos termos exarados a fls. 546 e segts, do 3º Vol.

4. Novamente inconformado, o Autor veio interpor recurso de revista excepcional, concluindo, em síntese, pela “existência de matéria com nítida relevância jurídica e interesse de particular relevância social”, acrescida de “contradição de julgados entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos da Relação”, pelo que “deverão ser consideradas e decididas tais questões para uma melhor aplicação do direito” – cf. fls. 566 e segts., do 3º Vol.

Contradição essa que, de acordo com a versão do Autor, seria entre o Acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 14 de Junho de 2017, a fls. 561, do 3º Vol., e outros Acórdãos, nomeadamente o Acórdão da Relação do Porto, de 13/02/2017, proferido no processo nº 3274/15.9T8VFR.P2, em situação que o Autor considera análoga à dos presentes autos, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 28/02/2013, proferido no processo nº 485/12.2TTCBR.C1 e o da Relação de Guimarães, de 03/07/2014, proferido no processo nº 4215/13.3TBBRG.G1.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa exarou o despacho constante de fls. 634, do 3º Vol., não admitindo o recurso como revista excepcional, por a lei exigir para a interposição de tal recurso que o mesmo só é admissível quando “se verifique que a causa tem valor superior à alçada da Relação”, o que não constitui o caso concreto pois foi fixado à causa o valor de € 2.000,00 – cf. fls. 418, do 2º Vol.

6. Irresignado com o conteúdo deste despacho de indeferimento do recurso, o Autor deduziu reclamação para o STJ, ao abrigo do disposto no nº 1, do art. 643º, do NCPC.

7. Estribou a reclamação nos seguintes fundamentos:


1. Sendo certo que o valor fixado à acção é de € 2.000,00, no presente caso é sempre admissível o recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência, uma vez que foi invocada a oposição de Acórdãos, entre o Acórdão recorrido e os que indica, proferidos por outros Tribunais da Relação, tanto no seu texto, como nas conclusões;
2. Pelo que, ao abrigo da alínea d), do nº 2, do art. 629º, do NCPC, o recurso é sempre admissível, pois ultrapassada se mostra a questão do valor da causa.

8. A reclamação foi indeferida por decisão da ora Relatora, datada de 30/Outubro/2017, tendo sido confirmado o despacho do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso interposto pelo Autor.


9. Notificado e não se conformando, requereu o Autor/Reclamante a intervenção da Conferência, com os fundamentos aduzidos a fls. 740 e segts, de onde ressalta a sua discordância centrada, em síntese, nas seguintes linhas argumentativas:


1. O que está em discussão é saber da admissibilidade, ou não, do recurso de revista excepcional, interposto pelo Recorrente/Autor para o STJ, tendo-se em consideração o valor do processo;
2. Reitera-se nesta reclamação para a Conferência os argumentos anteriores, com o fundamento de que é sempre admissível o recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, alínea d), do CPC;
3. Não se pode fazer uma interpretação restritiva dos direitos ao recurso, sob pena de afectar os direitos e garantias do Recorrente, sendo inconstitucional o facto de o valor da causa, nas acções de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, ser fixado pelo Juiz nos termos do disposto do art. 98º-P e aduzidos a fls. 743.

Conclui, assim, pedindo que seja alterado o despacho proferido pela presente Relatora e lavrado Acórdão que defira a sua reclamação e admita o recurso interposto.

10. Notificada a parte contrária não houve resposta.

11. Cumpre Apreciar e Decidir.

II – Enquadramento Fáctico-Jurídico:


1. Estamos em sede de apreciação de uma reclamação contra o despacho proferido de não admissão do recurso interposto pelo Autor com fundamento no facto de o valor processual se integrar na alçada da Relação e, assim, não ser admissível recurso de revista e/ou revista excepcional, nos termos do art. 629º, do CPC, aplicável ao foro laboral por via do art. 78º do CPT.

Em matéria de acções que visem a apreciação da legalidade e licitude de despedimentos a lei processual (art. 78º do CPT) admite sempre recurso de apelação independentemente do valor da causa.

Trata-se de uma medida que, constituindo uma excepção à regra geral que decorre do art. 629º do CPC, visa assegurar o segundo grau de jurisdição atenta a natureza e o objecto de tais acções em que está em causa essencialmente a manutenção ou a extinção da relação jurídico-laboral.

Por conseguinte, nessas acções, numa primeira fase, é relativamente indiferente o valor que seja indicado pelas partes ou que seja fixado pelo Juiz, já que, seja qual for o teor da decisão proferida, a mesma é sempre impugnável para a Relação.

Porém, como esta reclamação bem o demonstra, a questão do valor não é irrelevante ao longo de todo o processo, já que pode ter implicações futuras.

Por isso, o valor deve ser fixado pelo Tribunal seguindo o critério legal. E se acaso o valor que for fixado não respeitar os critérios previstos na lei, têm as partes o ónus de impugnar a respectiva decisão, para o que, aliás, contam com a regra especial do art. 629º, nº 2, al. b), do CPC, que admite sempre recurso nesta matéria quando a parte pretenda que se fixe um valor superior ao da alçada do Tribunal de que se recorre.

É essa cautela que permitirá, em situações como a que os autos revelam, que possa ser impugnada para o Supremo Tribunal de Justiça uma decisão da Relação.

Cautela que, conforme ressalta dos autos, não foi seguida no caso sub judice, porquanto o valor da causa foi fixado pela 1ª instância em € 2.000,00 e não foi objecto de impugnação pelas partes.

2. Por outro lado, e tal como foi vertido na decisão ora objecto de reclamação para a Conferência, outras razões legais impedem a admissão do recurso do Autor.

São elas:

3. Nos termos do art. 629.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), «(…) o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa». 

Daqui decorre que a lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.

O valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido, isto é, o benefício visado com a acção e com a reconvenção, dependendo a sua fixação dos critérios legalmente fixados para o efeito (cf. artigos 296.º e seguintes do NCPC).

Na data da propositura da acção a alçada dos Tribunais da Relação, em matéria cível, ascendia já a € 30.000,00 (cf. art. 44º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e com produção de efeitos a partir de 01.09.2013 e com referência a processos instaurados após essa data). Aqui igualmente aplicável no âmbito do processo laboral.

Atentos os termos em que foi fixado pela 1.ª instância (cf. fls. 418, do 2º Vol.), o valor da causa corresponde, como se disse, a € 2.000,00.

Ou seja, o valor da causa fixado nos presentes autos não é superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação.

O que, desde logo, ponderada esta vertente, determina o não recebimento do recurso.

Sendo certo que o valor atendível para quaisquer efeitos não pode deixar de ser aquele que foi fixado por decisão judicial que, nessa parte, transitou em julgado.

Neste contexto, uma vez que o referido valor se integra na alçada da Relação e não existe qualquer norma especial que confira à parte vencida o acesso excepcional ao Supremo Tribunal de Justiça independentemente desse valor da causa, não há forma de ultrapassar aquele obstáculo e admitir o recurso que o A. interpôs e que foi rejeitado com esse fundamento.

4. E o facto de se tratar de um recurso de revista excepcional não altera a conclusão a que se chegou nos pontos anteriores.

Desde logo porque o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na recente reforma ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível por existir uma situação de dupla conformidade de julgados, nos termos dos arts. 671º, nº 3 e 672º, nº 1, ambos do CPC.

Por conseguinte, a sua admissibilidade está dependente, antes de mais, das condições gerais de admissibilidade do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas, nos termos em que se enunciou, pelo nº 1 do art. 629º do CPC.

Não dispensa, pois, a verificação desses pressupostos gerais de admissão do recurso, para além de que deve inscrever-se num dos requisitos plasmados nas três alíneas do nº 1, do citado art. 672º, cuja apreciação liminar e aferição compete à Formação constituída nos termos instituídos pelo nº 3 da mesma norma do CPC.

Neste sentido se consolidou a Jurisprudência deste Supremo Tribunal, em inúmeros Acórdãos provenientes da Formação estabelecida no nº 3, do art. 672º, do CPC, em matéria cível, que podem ser consultados em www.dgsi.pt.

Da Secção Social do STJ citam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: de 18/12/2013, processo nº 108/10.4TTALM.L1.S1; de 14/01/2015, processo nº 479/13.0TTPTM.E1.S1; e de 21/4/2016, Processo nº 332/13. 8TBHRT.L1.S1.

Fixado, in casu, o valor da causa no montante já referido, que é inferior à alçada da Relação, tem de se concluir igualmente pela inadmissibilidade do recurso de revista excepcional.

5. Resulta do articulado apresentado pelo Autor Reclamante que este invocou a contradição entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos proferidos por diversas Relações, nos termos por nós aduzido no ponto 4. do Relatório deste Acórdão, argumentando que o recurso devia ser admitido nos termos da alínea d), do nº 2, do art. 629.º, do NCPC, porquanto considera que tendo alegado contradição entre Acórdãos são dispensáveis os requisitos quer do valor da causa, quer o valor da sucumbência, não relevando ambos para efeitos de admissibilidade do recurso.

Porém, não lhe assiste razão.

Com efeito, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do Novo Código de Processo Civil, não tem aplicação ao caso sub judice e, nessa medida, o recurso não pode ser admitido em virtude de o valor da causa não exceder o valor da alçada do Tribunal da Relação.

Explicitando.

6. Conforme já assinalámos, o valor da presente causa não é superior ao da alçada do Tribunal da Relação, pelo que o recurso só poderia ser admissível caso se verificasse alguma das situações a que alude o art. 629º, n.º 2, do NCPC, uma vez que se tem por adquirido que o caso dos autos não integra nenhuma das situações previstas no n.º 3 do mesmo normativo.

Ora, o art. 629.º, n.º 2, estabelece o seguinte:

«2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra Jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência com ele conforme.

As citadas alíneas a) a c) não têm aplicação no caso concreto, pelo que importa somente analisar e aferir do preenchimento da alínea d), do seu n.º 2, atentos os fundamentos do recurso interposto.

Por sua vez, a alínea d), consagra que:

«2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

(…)

d) Do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do Tribunal, salvo se tiver sido proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência com ele conforme».

No caso em apreço, a Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos, nomeadamente, com os proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, de Coimbra e de Guimarães.  

Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal….

Ora, in casu, não cabe recurso ordinário do Acórdão recorrido justamente porque o valor da acção não excede o valor da alçada do Tribunal da Relação.

O mesmo é dizer que a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do Novo Código de Processo Civil, não é aplicável ao caso concreto, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

7. Este normativo gerou algumas dificuldades de interpretação, ab initio, aquando da aprovação do Novo Código de Processo Civil, não obstante alguns Autores terem alertado, desde a sua publicação, para o facto de que a interpretação da norma não prescindia do valor da alçada do Tribunal.

E inclusivamente não se confunde com o art. 672º, nº 1, alínea c), do CPC, que permite a interposição do recurso de revista excepcional, desde que, naturalmente estejam preenchidos os respectivos pressupostos legais, e um dos quais constitui exactamente esse: a causa deve ter valor superior ao da alçada da Relação.

A este propósito, pode ler-se, em António Abrantes Geraldes, a seguinte explicitação sobre o sentido da norma em análise[1]:

Ao invés do que faria supor a integração da alínea no proémio do nº 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o segmento referente ao “motivo estranho à alçada do Tribunal”.

E complementa com uma referência de igual sentido corroborada por Miguel Teixeira de Sousa:

“Entendimento também acolhido por Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac. do STJ, de 2/06/2015, que pode ser consultado em blogippc.bloguepot.pt., datado de 24/06//2015 (reforçado no comentário ao Ac. do STJ, de 16/06/2015, datado de 15/07/2015), onde se refere, além do mais, que “o regime instituído no art. 629º, nº 2, al. d), não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar de a revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida na lei”.

De salientar que este entendimento tem sido sufragado pelo STJ, onde ainda, recentemente, citando-se a doutrina dos referidos Autores[2] se concluiu nos mesmos termos:

“I. A interpretação do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, mais conforme com a razão teleológica que lhe subjaz, com a unidade do sistema recursório de uniformização e como o factor histórico-evolutivo do instituto em referência é no sentido de que a admissibilidade irrestrita de recurso com o fundamento ali previsto se confina aos casos em que o recurso ordinário fosse admissível em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho”.[3]

Por conseguinte, o recurso interposto nos autos também não pode ser admitido à luz desta norma.

8. Dir-se-á também, que os argumentos que o Reclamante alinhou nesta reclamação para a Conferência, tendente a inverter a decisão proferida pela ora Relatora, não determinam uma modificação do resultado a que se chegou.

Com efeito, nem a lei ordinária nem a Constituição da República Portuguesa têm interferência decisiva para a decisão do caso, nem permitem que se conclua em sentido contrário ao aqui pugnado, nem a interpretação que se fez das normas citadas colide com qualquer princípio constitucional.

Não se contesta que a lei processual admite sempre o segundo grau de jurisdição, em sede recursória, em acções relacionadas com a apreciação da legalidade e licitude do despedimento individual – cf. art. 79º do CPT.

Mas esse preceito específico do foro laboral não afasta a aplicação de outras normas, designadamente as que regulam o modo de interposição do recurso de revista e revista excepcional, nos termos dos arts. 629º, 671º, nº 3 e 672º, nº 1, todos do CPC, as condições de admissibilidade de recurso e o prazo de interposição para esse efeito.

Daí que, no âmbito laboral, ainda que o valor da causa possa ser fixado a final pelo Juiz, nos termos do art. 98º, nº 2-P, do CPT, se se verificar que o valor foi fixado anteriormente pelo Juiz, aquando da prolação da sentença da 1ª instância, não tendo tal valor sido alterado depois disso, nem suscitada a alteração por nenhuma das partes, não pode o STJ atender, para efeitos de recurso, a outro valor que não àquele que se mostra já definitivamente fixado pelo Juiz da 1ª instância, porque transitado em julgado.

Neste sentido, vide também, o Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 29/10/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 478/11.7TTVRL.G1-A.S1, Relatado por Mário Belo Morgado e disponível em www.dgsi.pt.[4]

9. Salienta-se a este propósito que o próprio Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 315/95, de 26/6/95, publicado no D.R., II Série, de 28/10/95, págs. 12917 e segts, sufragou o entendimento de que:

(…) Mesmo nos casos em que sejam pedidas prestações vencidas e vincendas, tendo havido acordo expresso ou tácito das partes sobre o valor oferecido na petição (ou, acrescentamos nós, fixado pelo Juiz), (…) a esse valor é de atender para efeitos de fixação do valor processual da causa para efeitos de recurso directamente ligado aos valores de alçada – (sublinhado nosso).

Considerações que se mostram actuais, pese embora as alterações registadas em sede processual, conforme se extrai dos Acórdãos do STJ, desta Secção, citados supra.

Sendo de realçar nesta temática que é jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

 

Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (cf. Acórdão do TC nº 125/98). A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso (cf. Acs. do TC. nºs 72/99, 431/02 e 106/06) …” – (sublinhado nosso).[5]

Com efeito, “tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição.

A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil, apenas o contendo no âmbito do processo penal.

Todavia, como a Lei Fundamental prevê a existência de tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.

Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. (…)

Não se vislumbra, por isso, que a interpretação normativa efectivada no despacho reclamado ofenda aquele preceito constitucional”. [6]

10. Tão pouco nos parece defensável o argumento de que a decisão proferida e a fixação do valor da causa pelo Juiz, neste tipo de acções, nos termos do art. 98º-P do CPT, padece de inconstitucionalidade, tanto assim que tal alegação nem sequer se mostra devidamente fundamentada pelo Autor/Reclamante.

11. Soçobra, assim, com os presentes fundamentos e sem necessidade de mais considerações, a pretensão do Reclamante.



III – Decisão:

- Termos em que se acorda em indeferir a presente reclamação para a Conferência, confirmando-se o despacho proferido pela ora Relatora.

- Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.


Lisboa, 20 de Dezembro de 2017.


Ana Luísa Geraldes (Relatora)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

___________________
[1] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Ano 2017, Almedina, 4ª Edição, págs. 56 e segts. Sublinhado nosso.
[2] Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, bem como Amâncio Ferreira, em Manual dos Recursos em Processo Civil”, numa Edição de 2002, pág. 104, citados no Acórdão do STJ.
[3] Cf. Acórdão do STJ, da 2ª Secção Cível, datado de 24/11/2016, proferido no âmbito do processo nº 1655/13.TJPRT.P1.S1, Relatado por Tomé Gomes, e disponível em www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.
[4] Podendo ler-se no sumário deste Acórdão, do STJ, o seguinte:

“1. Em regra, o valor da causa deve ser fixado no tribunal de 1ª instância.

  2. Se o juiz não o fixar (no despacho saneador, na sentença ou no despacho que incida sobre o requerimento de interposição de recurso), deverá a parte nisso interessada arguir a correspondente nulidade, por omissão de pronúncia.
 3. Julgada improcedente a acção na 1.ª instância e tendo a Relação decidido em sentido contrário, a “utilidade económica do pedido” só neste momento fica definida.

4. Nada tendo o Tribunal da Relação decidido quanto ao valor da causa, a ser entendido pela reclamante que o deveria ter feito, não podia a mesma dispensar-se, como se dispensou, de arguir oportunamente a respectiva nulidade, por omissão de pronúncia”.
Cf. também, o Acórdão desta Secção, do STJ, datado de 16/06/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 926/05.1TTLSB.L1.S1, Relatado por Melo Lima, e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, cf. Rui Medeiros e Jorge Miranda, in “Constituição Portuguesa Anotada” – Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 449 e segts; Vide também, com igual interesse, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 418.
[6] Cf., neste sentido, o Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 19/2/2014, que aqui se transcreve na parte em que apreciou as inconstitucionalidades aí suscitadas, proferido no âmbito do processo nº 2657/10.5TTLSB.L1-A.S1, Relatado por Pinto Hespanhol, e disponível em www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.