Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S3793
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA
COZINHEIRO
FACTOS CONCLUSIVOS
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ20080924037934
Data do Acordão: 09/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - O Supremo Tribunal de Justiça não pode, em regra (ressalvadas as excepções previstas no nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil), alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, estando-lhe vedado sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa em que eventualmente tenha incorrido aquele tribunal.
II - Resultando dos factos apurados pelas instâncias – sobre os quais o Supremo não pode exercer censura –, em síntese, que o A. é portador de HIV positivo, que esta é uma doença infecto-contagiosa crónica que o torna inapto para o exercício das funções de cozinheiro, dado ter de manipular alimentos e de utilizar objectos cortantes e que o vírus respectivo existe no sangue, saliva, suor e nas lágrimas e pode ser transmitido no caso de haver derrame dos mesmos sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie, é de entender que se verifica uma impossibilidade superveniente (porque surgida posteriormente à contratação do A.) e definitiva de o A. prestar à R. as suas funções de cozinheiro.
“III - O art. 151.º do Código do Trabalho consagra um direito (faculdade) do empregador de impor ao trabalhador o exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada, não se vislumbrando possível extrair dele a consagração do dever do empregador de atribuir tais funções afins ou funcionalmente ligadas às contratadas, nem a obrigação de o empregador criar um posto de trabalho que não tenha a ver com a actividade contratada ou de que não precise – v.g., por ter trabalhador a exercer as respectivas funções – para ocupar o trabalhador que se incapacitou, em termos supervenientes e definitivos e por facto totalmente alheio à sua actividade profissional.”
 IV - Neste quadro, é de considerar que o contrato de trabalho que vinculava as partes, e no contexto do qual o autor exercia as funções de cozinheiro, caducou nos termos do artigo 387º, alínea b) do CT, por se verificar a “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho”.
V - Não reveste natureza conclusiva a resposta fáctica dada pelas instâncias de que, no hotel do empregador, “todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao autor”.
VI - A interpretação dos preceitos legais referidos nas proposições I) a IV), nos termos nelas enunciados, não incorre em violação dos artigos 13.º, 25.º, 26.º, 53.º e 58.º da Constituição da República.
VIII - Não afronta o princípio constitucional da igualdade a decisão que apreciou a factualidade provada (sem a poder alterar), enquadrando-a na previsão da al. b) do artigo 387º do CT, e concluiu pela verificação de uma situação de caducidade do contrato de trabalho, sem a mínima manifestação de discriminação em relação ao A. pelo facto de ser portador de HIV, apenas assim concluindo por se ter entendido que, no caso concreto e de acordo com a factualidade provada, tal afecção ditava a referida impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.
IX - Nenhuma discriminação desfavorável se fez aí ao A., em função da sua doença, em relação a outros trabalhadores, portadores ou não de igual ou diferente doença, e também eles impossibilitados, nos termos da citada alínea b), de prestar o trabalho aos respectivos empregadores.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O autor AA intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra a ré Sociedade Hoteleira de BB, SA, pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento promovido pela Ré e que esta fosse condenada a reintegrá-lo nas suas funções de cozinheiro, sem prejuízo da sua antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

Alegou para tal, em síntese:
Foi admitido como trabalhador da Ré em 4.4.97, com a categoria profissional de cafeteiro e, posteriormente, passou a exercer as funções de cozinheiro de 1ª, na cozinha do estabelecimento de indústria hoteleira denominada Hotel MM, na área de pratos quentes, cabendo-lhe substituir o chefe de cozinha CC nas ausências deste.
Em 17.10.02 ficou temporariamente incapacitado para o trabalho, por doença, tendo-lhe sido dada a respectiva baixa pela Segurança Social e esteve doente até 2.12.03, data em que foi considerado curado e apto para o serviço.
Na sequência da alta médica, apresentou-se ao serviço, vindo a ser submetido a exame médico nos serviços de Medicina no Trabalho da Ré.
Em 25.3.04, a Ré dirigiu-lhe uma carta comunicando-lhe a caducidade do contrato de trabalho, por inaptidão para o exercício das funções correspondentes à respectiva categoria profissional, o que é falso, pois encontra-se totalmente apto a exercer as funções de cozinheiro, o que determina a ilicitude do despedimento, com as inerentes consequências.

Contestou a Ré, impugnando factos da p.i. e alegando, em resumo:
Como cozinheiro, o Autor tem que reunir todas as condições e requisitos especiais, nomeadamente de saúde, que lhe permitam manusear alimentos, bem como manusear e utilizar os utensílios necessários ao desempenho da sua actividade, por forma a que o restaurante pudesse funcionar eficazmente.
Nunca teve conhecimento dos motivos de saúde que impossibilitaram o Autor de prestar o seu trabalho durante a baixa.
Quando o Autor se apresentou ao serviço, demonstrava sinais de grande debilidade física, não obstante informar a Ré que não tinha qualquer tipo de doença e que estava em óptimas condições de saúde.
Foi então solicitado ao Autor que se apresentasse ao médico para que se apurasse a sua situação clínica.
Após exames realizados, no âmbito da medicina do trabalho, foi, em 19.12.03, considerado pelo médico, Dr. FR, inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro.
Não tendo a possibilidade de atribuir outras funções ao Autor, uma vez que todas as categorias e funções estão completamente preenchidas por outros quadros de pessoal, informou o Autor que o contrato de trabalho se extinguia por caducidade, com o fundamento na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, física e juridicamente irreversível do Autor em prestar o seu trabalho nos termos contratualmente acordados.
Não sabia qual a patologia clínica que impossibilitava o Autor, de forma definitiva, a prestar o seu trabalho, só tendo agora conhecimento que o Autor é portador do vírus HIV, o que nunca lhe houvera sido comunicado, directa ou indirectamente, nem pelo próprio Autor. Tal facto, agora do seu conhecimento, contribui ainda mais para a impossibilidade do Autor prestar a sua actividade de cozinheiro, uma vez que, tem que manipular alimentos e utilizar objectos cortantes que, desse modo, poderão contagiar outros colegas que estejam a trabalhar na cozinha do hotel.
Atendendo à formação específica do pessoal inerente a um hotel de 4 estrelas e atendendo a que todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado para o exercício de determinadas funções, como recepcionistas, mandaretes, empregados de quarto, nunca poderia atribuir outras funções ao Autor.
O Autor deveria informar imediatamente a Ré que é portador de HIV, o que nunca fez, violando assim o dever de lealdade e de informação, por ter o dever de informar o seu estado de saúde, comportamento omissivo que é ilícito.
Concluiu pela improcedência da acção e pediu a condenação do Autor como litigante de má fé.

O A. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, defendendo a sua improcedência.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que absolveu a R. do pedido.
Dela apelou o A., tendo a Relação de Lisboa confirmado a sentença.


II – Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões:
1ª. O A. exercia funções de cozinheiro no Hotel MM, estabelecimento propriedade da R., na zona de pratos quentes;
2ª. O A. é portador do vírus VIH+, tendo o seu médico assistente emitido declarações datadas de 02.12.2003 e 09.12.2003, no sentido de que podia retomar a sua actividade normal, não apresentando qualquer perigo para os Colegas;
3ª. Os autos não contêm qualquer prova definitiva e irrefutável de que o A. constituísse um perigo concreto para os Colegas e de que esteja definitivamente inapto para o exercício da sua profissão, não se fundando o entendimento do médico Dr. FR em qualquer dado concreto, mas apenas em hipóteses, sendo certo que o conhecimento directo e habilitado, senão mais, tanto como o deste clínico, por parte do médico assistente do A., devia ter sido considerado pelo tribunal.
4ª. O A., apresenta uma carga viral indetectável, o que torna praticamente impossível o risco de contágio, tal como decorre da fundamentação da prova produzida na 1ª Instância por parte da Dra.HD, do Hospital Curry Cabral.
5ª. Desde a data em que teve alta até à data em que a R. fez caducar o contrato de trabalho do A., não existiu qualquer situação real ou potencial de contágio a Colegas de trabalho e/ou Clientes;
6ª. E as situações de hipotético risco de contágio referidas no Acórdão não têm o menor apoio nos factos provados, pois não se provou a descrição de funções do A., quais os alimentos que manipula e mesmo sequer que existam secreções do mesmo susceptíveis de propagar a infecção, uma vez que a carga viral do A. é indetectável, não se tendo feito prova que a saliva, suor ou lágrimas do Recorrente contenham o vírus.
7ª. Ao poder manipular alimentos (e o não dever é substancialmente diverso), afasta desde logo a possibilidade de caducidade do contrato de trabalho pois a impossibilidade não é absoluta;
8ª. A R. não fez qualquer prova concreta de que a prestação de trabalho do A. não podia ser realizada, mesmo que se rodeasse de cuidados em matéria de protecção pessoal;
9ª. Não existe memória ou conhecimento de qualquer caso de transmissão do vírus VIH através de Colegas de trabalho de cozinha ou através de alimentos, sendo irrelevante em termos epidemiológicos e, como tal, não é uma premissa cientificamente correcta;
10ª. Não existe qualquer prova nos autos que são frequentes, na cozinha da R., os cortes com facas e outros objectos; que, em consequência, há derrames de sangue sobre os alimentos, que o A. manipula alimentos crus, e que estes são consumidos pelos Clientes 2 a 3 minutos após terem sido confeccionados, assentando o douto Acórdão em bases cientificamente incorrectas, sem qualquer apoio nos conhecimentos médicos e científicos existentes e estando as teses do douto Acórdão contrariadas por documentos emanados das mais reputadas organizações (Center For Dieseases Control de Atlanta – Estados Unidos da América; Organização Mundial de Saúde; Conselho da Europa; Organização Internacional do Trabalho).
11ª. Face à ausência da mínima prova de um risco efectivo, concreto e objectivo de contágio, não existe factos que fundamentem a caducidade do contrato de trabalho promovida pela R.
12ª. Impunha-se à R. um esforço positivo na procura de uma ocupação/actividade e posto de trabalho para o A., o que não fez, tendo ocorrido um período de quatro meses em que o A. poderia ter recebido formação para ocupar outro posto de trabalho;
13ª. Na indústria hoteleira, e para mais tratando-se de um trabalhador que exercia funções para a R. há 9 anos, existem variadas profissões, designadamente todas as ligadas ao alojamento, que não envolvem nem elevada especialização técnica, nem riscos potenciais para terceiros;
14ª. A R. não fez qualquer prova de que não possuía qualquer actividade que o trabalhador pudesse executar - nenhum posto de trabalho e, muito menos, vaga aberta;
15ª. O procedimento da R. perante o A. é insuficiente para fazer proceder a caducidade invocada, já que impendia sobre a R. o dever e a iniciativa – concretizadas em factos, que não alegou – de proporcionar um posto de trabalho compatível com a sua capacidade de trabalho e não apenas uma vaga aberta;
16ª. A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artigos 13º, 25º, 26º, 53º e 58º da CRP, alínea b) do artigo 387º e, consequentemente, dos artigos 429º, 436º alínea b) e n.º 4 do artigo 437º, todos do Código do Trabalho (Lei 99/2003);
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e julgada procedente a acção.

A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista.

III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As instâncias entenderam que o contrato de trabalho que ligou as partes cessou por caducidade, nos termos da al. b) do art.º 387º do Código do Trabalho, devido a impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta do A. em prestar o trabalho, o que afasta a verificação do alegado despedimento ilícito pela R., com a consequente absolvição dos pedidos contra esta formulados.

Desse entendimento discorda o A., pelas razões sintetizadas nas conclusões da revista, em que defende que não se verificou a dita caducidade.

Sabido que o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), está em causa, na revista, a verificação ou não da cessação do contrato por caducidade, com as inerentes consequências.

As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1- O A. foi admitido ao serviço da R., em 4 de Abril de 1997, com a categoria profissional de cafeteiro.
2- Posteriormente passou a exercer as funções de cozinheiro de primeira.
3- O A. auferia ultimamente o vencimento mensal de € 1063,85, a que acresciam diuturnidades no valor de € 9.05, o que perfazia o montante total de € 1072,90.
4- O A. exercia funções na cozinha do estabelecimento de indústria hoteleira denominado HOTEL MM.
5- Tais funções eram exercidas na área de pratos quentes, cabendo-lhe substituir o chefe de cozinha CC nas ausências deste.
6- Em 17 de Outubro de 2002, o A. ficou temporariamente incapacitado para o trabalho por doença, tendo-lhe sido dada a respectiva baixa pela Segurança Social.
7- O A. esteve doente até 2 de Dezembro de 2003, data em que foi considerado curado e apto para o serviço.
8- O médico da empresa Dr. FR entregou ao A. um pedido de informação dirigido ao seu médico assistente, datado de 2-12-2003, nos seguintes termos: Caro Colega: O Sr. AA, de 52 anos de idade, funcionário da empresa Hotel MM, onde exerce a actividade de cozinheiro, esteve internado no Hospital Curry Cabral por Tuberculose Pulmonar «sic».
Por se tratar de trabalhador que manipula alimentos, solicito ao Ex.mo Colega o favor de me enviar cópia do relatório da alta hospitalar a fim de poder ser analisada a continuidade da prestação de serviço deste trabalhador,
9- O médico assistente do A. Dr. AG emitiu a declaração datada de 2-12-2003 nos seguintes termos: Caro Colega: O Sr. JM, 52, foi meu doente por Tuberculose disseminada HIV + tendo feito anti-bacilares durante um ano, sendo seguido em consulta de Infecto no Hospital Curry Cabral, tendo feito anti-rectro viral. Penso que poderá retomar a sua actividade laboral.
10- O médico assistente emitiu também a declaração datada de 9-12-2003 nos seguintes termos: Eu, abaixo assinado, AG, declaro que o Sr. JM, de 52 anos de idade, não apresenta qualquer perigo para os Colegas, podendo retomar a sua actividade profissional em pleno.
11- Em 25 de Fevereiro de 2004, o A. dirigiu à R. a carta cuja cópia está junta a fls. 14 e se dá por reproduzida.
12- Em 25 de Março de 2004 a R. dirigiu ao A., a carta cuja cópia está junta a fls. 15 e se dá por integralmente reproduzida, na qual se refere:
1. Segundo informação médica, V.Ex.a não está actualmente e a título definitivo, apto para o exercício de nenhuma das funções correspondentes à sua categoria profissional.
2. Não existe, por parte da entidade patronal, disponibilidade para recolocar V.Ex.a noutro tipo de tarefas e/ou posto de trabalho;
3. Face ao exposto e conforme o contemplado na alínea b) do art. 387º da Lei 99/2003 de 27 de Agosto, o contrato supra referido extingue-se por caducidade, com efeitos a partir da presente data, com base na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, física e juridicamente irreversível de V.Ex.a em prestar o seu trabalho nos termos contratualmente acordados.
13- A R. é uma sociedade comercial que é proprietária e explora o empreendimento turístico denominado actualmente Sana Park MM Hotel.
14- No exercício da sua actividade, a R. contratou o A. para que este exercesse, inicialmente, as funções de cafeteiro, estando posteriormente o A. a exercer as funções de cozinheiro de primeira.
15- Na sequência das funções e categoria do A., in casu, cozinheiro de primeira, incumbia ao A. preparar os alimentos e confeccioná-los por forma a serem objecto de consumo por parte dos inúmeros clientes do restaurante ínsito no empreendimento turístico supra referido.
16- Quando o A. se apresentou ao serviço em 2 de Dezembro de 2003 apresentava sinais de grande debilidade de saúde, que não lhe permitia desempenhar as suas funções.
17- Após exames médicos realizados ao A., no âmbito da medicina do trabalho, por parte do médico Senhor Dr. FR, em 19 de Dezembro de 2003, este considerou o A. inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro pelo que não pode manipular os alimentos, conforme consta do quadro de outras recomendações da ficha de aptidão nos termos da Portaria nº 1031/2002 de 10 de Agosto, cuja cópia está junta a fls. 50 e cujo teor se tem por reproduzido.
18- O A. é portador do vírus HIV positivo, doença infecto-contagiosa crónica, tendo sido afectado por tuberculose pulmonar disseminada durante o período em que esteve de baixa.
19- O A. nunca informou a R. que é portador do vírus HIV positivo.
20- No exercício das suas funções o A. tem que manipular alimentos e utilizar objectos cortantes.
21- O vírus HIV existe no sangue, na saliva, no suor e nas lágrimas.
22- O vírus HIV pode ser transmitido no caso de haver derrame de sangue, saliva, suor ou lágrimas sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie.
23- O Sana Park MM Hotel é um empreendimento turístico de 4 estrelas cujo pessoal tem formação específica.
24- No Sana Park MM Hotel todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao A..


IV – Conhecendo:
Há que começar por dizer, na linha da posição defendida no Parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, que, por não se verificar qualquer das hipóteses excepcionais previstas nos art.ºs 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2 do CPC -(1) em que o STJ pode actuar sobre a decisão da matéria de facto, é de a manter, sem prejuízo da apreciação de um ponto específico que será oportunamente mencionado.
Como se salienta, nesse Parecer, contrariamente ao que parece ser o entendimento do Recorrente, este Supremo Tribunal não pode sindicar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, ressalvada a aludida apreciação.
Como é sabido e resulta dos acima aludidos preceitos, a intervenção do Supremo Tribunal com vista ao apuramento da matéria de facto relevante é extremamente limitada, dado que, em regra, apenas conhece da matéria de direito.
No apontado quadro legal, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser, em regra, objecto de recurso de revista e a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo.
Só assim não sucederá quando o erro invocado pelo Recorrente na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa se fundar na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (segunda parte do nº 2 do artigo 722º do mesmo Código).
Salvo estas excepções, o Supremo, no que respeita à matéria de facto, apenas pode ordenar a remessa do processo ao tribunal recorrido, quando entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando entender que aquela decisão sofre de contradições que inviabilizam a decisão jurídica do pleito (artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil).
O Supremo pode também, no âmbito da previsão geral do n.º 4 do art.º 646º do CPC, considerar não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.
Ora, como justamente salienta também a Ex.ma Procuradora-Geral, perpassando a alegação do Recorrente verifica-se que toda a argumentação por ele expendida em torno da matéria de facto fixada pela Relação se dirige ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
Sendo, porém, que, no caso concreto, não se verifica nenhuma das excepções previstas na segunda parte do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil e daí que este Supremo Tribunal não disponha de fundamento para sindicar a decisão proferida pela Relação quanto à matéria de facto.
Acrescendo que não há também lugar à aplicação da previsão do n.º 3 do art.º 729º, por não ser caso de ampliar a decisão sobre a matéria de facto nem existirem contradições nessa decisão, que importe sanar.
Assim sendo, mantêm-se os factos dados como provados no acórdão recorrido – sem prejuízo da abordagem a fazer, oportunamente, sobre o ponto suscitado no Perecer do Mº Pº – com base nos quais será solucionada a questão em apreciação na presente revista.

O artigo 387º - (2) do Código do Trabalho dispõe que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho – alínea b).
Como se sublinhou no Parecer do Mº Pº, esta norma corresponde, sem alterações significativas, ao art.º 4º da anterior LCCT (Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27.02).
E, por isso, em princípio, mantêm-se actuais a doutrina e a jurisprudência firmadas no âmbito da vigência deste diploma.
E, nesse Parecer, faz-se, a propósito desse fundamento de caducidade do contrato de trabalho, uma útil e alargada resenha, doutrinal e jurisprudencial, culminada com a indicação da posição perfilhada seguida, que nos permitimos transcrever.
Lê-se aí, a propósito:
« Segundo Abílio Neto (“Despedimento e Contratação a Termo, Notas e Comentários”, 1997, pág. 676), a impossibilidade “será superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laboral e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu; será absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento do trabalho”.
Por sua vez, Morais Antunes e Ribeiro Guerra (“Despedimentos e Outros Formas da Cessação do Contrato de Trabalho” págs. 48-49), a propósito da questão de saber se a impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho por incapacidade resultante de acidente de trabalho ou doença determina a caducidade do contrato, escrevem: “relativamente às incapacidades permanentes entendemos que a incapacidade permanente parcial e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual não determinam, igualmente, a caducidade do contrato uma vez que a impossibilidade não tem carácter absoluto (…) desde que, nas situações de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, se verifique a integração do trabalhador em actividade compatível com a sua capacidade residual”.
Também este Supremo Tribunal tem decidido que a impossibilidade do trabalhador prestar o seu trabalho só opera a caducidade do contrato quando essa impossibilidade for superveniente, definitiva e total e não apenas parcial e daí que a cessação do contrato de trabalho por caducidade só ocorra quando o trabalhador, por doença ou acidente, ficar definitivamente impossibilitado de prestar o seu trabalho habitual ou qualquer outro, mas assim já não sucederá se a doença ou acidente importar apenas simples diminuição das qualidades do trabalhador, por forma a que lhe possam ser atribuídas outras tarefas compatíveis com a sua capacidade residual, situação em que já não ocorre necessariamente a caducidade do contrato (cfr. Acórdãos do STJ de 02.11.85, “Acórdãos Doutrinais”, nº 318, pág. 821; de 05.03.93, 02.01.95 e 28.06.95, “Colectânea de Jurisprudência-Acórdãos do STJ”, ano I, tomo II, pág. 274, ano III, tomo I, pág. 254 e tomo II, pág. 310; de 05.11.97, 23.05.01, 28.06.01 e de 27.04.05, processos nºs 115/97, 2956/00, 375/01 e 4565/04, da 4ª Secção).
Comentando a solução que nesta matéria tem sido adoptada pela jurisprudência, António Menezes Cordeiro (“Manual de Direito do Trabalho”, 1991, pág. 793) assinala que “a jurisprudência se mostra bastante exigente no tocante ao requisito da absolutidade; uma simples diminuição das qualidades do trabalhador, quando lhe possam ainda ser atribuídas outras tarefas, não conduz à caducidade. Haverá aqui uma manifestação, pela positiva, do princípio da igualdade, que permite favorecer os mais fracos”.
Já para Pedro Furtado Martins (“Cessação do Contrato de Trabalho”, pág. 33) a tese que tem prevalecido na jurisprudência, nos termos do qual a eficácia extintiva da impossibilidade depende da demonstração de uma incapacidade total para todo e qualquer trabalho, é totalmente inaceitável.
É que, segundo este Autor, a verificação da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade para prestar o trabalho depende da prévia delimitação da prestação laboral cuja viabilidade de execução se discute, não estando em causa saber se o trabalhador tem capacidade para desempenhar uma qualquer actividade profissional por conta de outrem, mas sim determinar se lhe é possível realizar a prestação contratual a que se obrigou, pois a impossibilidade de execução da prestação laboral reporta-se à actividade contratualmente devida, àquele conjunto de tarefas ou género de trabalho que é delimitado através da categoria profissional e daí que aquilo que interessa é determinar se o trabalhador se encontra em condições de executar a prestação a que se obrigou, tal como ela é definida através da categoria profissional e não outra que se encontra fora do programa contratual e cuja execução pressupõe a alteração desse programa, ou seja, uma modificação do contrato de trabalho.
E o citado Autor acrescenta “com a referência ao carácter absoluto da impossibilidade pretende-se afastar o simples agravamento da prestação ou a excessiva onerosidade do cumprimento, como causa de caducidade do contrato e não exigir a demonstração da inviabilidade de execução de toda e qualquer função ou actividade. Não basta pois o mero agravamento das condições de exercício da actividade contratada, nem a demonstração de que o trabalhador não pode executar algumas tarefas laterais que se compreendam na sua categoria profissional. É necessário que a impossibilidade atinja a globalidade da prestação devida (mas apenas desta prestação), pelo que a caducidade não ocorre quando a diminuição das qualidades do trabalhador permita que ainda lhe sejam distribuídas outras tarefas ou funções, “dentro do género de trabalho para que foi contratado” e que de algum modo realizem a prestação in obligatio e satisfaçam o interesse do credor”
E conclui o mesmo Autor: “verificada a impossibilidade definitiva para o trabalho devido, a cessação do vínculo laboral daí resultante só será evitada se se entender que o empregador está obrigado a propor a modificação da categoria, sob pena de não poder invocar a caducidade do contrato de trabalho. Ora, a verdade é que no nosso ordenamento uma tal obrigação tem carácter excepcional, só existindo quando for expressamente prevista. É o que sucede em matéria de acidentes de trabalho e nas situações de despedimento por inadaptação do trabalhador”.
Neste sentido pronuncia-se também Romano Martinez em “Direito do Trabalho”, 3ª edição, pág. 288.
Pela nossa parte, aderimos à solução que tem vindo a ser preconizada pela jurisprudência citada, segundo a qual a impossibilidade relevante e que conduz à caducidade do contrato de trabalho é a impossibilidade total e não apenas parcial, implicando esta última, se for caso disso, a modificação do contrato e não necessariamente a sua cessação por caducidade.
Como se pode ler no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 23.05.2001, “quando o trabalhador, em consequência de doença ou acidente vê diminuída a sua capacidade para o exercício da sua profissão a ponto de não poder continuar a desempenhá-la, mas podendo ainda ser-lhe distribuídas outras tarefas, não se está perante uma impossibilidade absoluta e definitiva, porque esta se tem de aferir em relação a todas as actividades existentes na empresa empregadora, não se verifica a caducidade do contrato”» (Fim de transcrição).

Com interesse, vem provada, nos autos, a seguinte factualidade:
O Autor exercia as funções de cozinheiro na cozinha do estabelecimento de indústria hoteleira denominado Hotel MM, propriedade da Ré, sendo tais funções exercidas na área de pratos quentes, cabendo-lhe substituir do Chefe de Cozinha, na ausência deste (factos 2, 4 e 5). Em 17 de Outubro de 2002, o Autor ficou temporariamente incapacitado para o trabalho por doença, tendo-lhe sido dada a respectiva baixa pela Segurança Social, doença que se prolongou até 02 de Dezembro de 2003, data em que foi considerado curado e apto para o serviço (factos 6 e 7). Com data de 02.12.2003, o médico da empresa Dr. FR entregou ao Autor um pedido de informação dirigido ao médico assistente do Autor Dr. AG, o qual emitiu a declaração datada de 02.12.2003 nos seguintes termos: “Caro Colega: O Sr. JM, de 52 anos de idade, foi um doente por Tuberculose disseminada HIV+ tendo feito anti-bacilares durante um ano, sendo seguido em consulta de Infecto no Hospital Curruy Cabral, tendo feito anti-rectro viral. Penso que poderá retomar a sua actividade laboral” (factos 8 e 9). O médico assistente emitiu também a declaração datada de 09.12.2003 nos seguintes termos: Eu abaixo assinado, AG, declaro que o Sr. JM, 52 anos de idade, não apresenta qualquer perigo para os Colegas, podendo retomar a sua actividade profissional em pleno (facto 10 - declarando, todavia, em julgamento o contrário, cfr. fls. 197). A Ré é uma sociedade comercial que é proprietária e explora o empreendimento turístico denominado actualmente SANA PARK MM HOTEL, tendo contratado o Autor para este exercer, inicialmente as funções de cafeteiro, estando posteriormente o Autor a exercer as funções de cozinheiro de primeira, no âmbito das quais competia ao Autor preparar os alimentos e confeccioná-los por forma a serem objecto de consumo por parte dos inúmeros clientes do restaurante ínsito no referido empreendimento turístico (factos 13, 14 e 15). Quando o Autor se apresentou ao serviço em 02 de Dezembro de 2003 apresentava sinais de grande debilidade de saúde, que não lhe permitia desempenhar as suas funções e após exames médicos realizados ao Autor, no âmbito da medicina de trabalho, por parte do médico Dr. FR, em 19 de Dezembro de 2003, este considerou o Autor inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro pelo que não pode manipular os alimentos, conforme consta do quadro de outras recomendações da ficha de aptidão nos termos da Portaria nº1031/02, de 10/08 (factos 16 e 17). O Autor é portador do vírus HIV positivo, doença infecto-contagiosa crónica, tendo sido afectado por tuberculose pulmonar disseminada durante o período em que esteve de baixa (facto 18). No exercício das suas funções, o Autor tem que manipular alimentos e utilizar objectos cortantes (facto 20). O vírus HIV existe no sangue, na saliva, no suor e nas lágrimas e pode ser transmitido no caso de haver derrame de sangue, saliva, suor ou lágrimas sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie (factos 21 e 22). O Sana Park MM Hotel é um empreendimento turístico de 4 estrelas cujo pessoal tem formação específica e no qual todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao Autor (factos 23 e 24). Em 25 de Março de 2004, a Ré dirigiu ao Autor a carta cuja cópia está junta a fls. 15, na qual lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, física e juridicamente irreversível de o Autor prestar o seu trabalho nos termos acordados” (facto 12).

Desses factos resulta, em síntese, que o A. é portador de HIV positivo e que esta é uma doença infecto-contagiosa crónica que o torna inapto para o exercício das funções de cozinheiro, dado ter de manipular alimentos e de utilizar objectos cortantes. E resulta também dos factos apurados pelas instâncias – sobre os quais, como vimos, este Supremo não pode exercer censura que o vírus HIV existe no sangue, saliva, suor e nas lágrimas e pode ser transmitido no caso de haver derrame dos mesmos sobre alimentos servidos em cru consumidos por quem tenha na boca uma ferida mucosa de qualquer espécie.
Neste quadro fáctico, é de entender, como fez o acórdão recorrido, que se verifica uma situação de potencial risco de contágio de clientes, por parte do A., atenta a apontada afecção de que é portador.
E tal situação é de enquadrar, como fizeram as instâncias, como uma impossibilidade superveniente (porque surgida posteriormente à contratação do A.) e definitiva de o A. prestar à R. as suas funções de cozinheiro - (3) – adiante veremos se essa impossibilidade definitiva se estende ou não a outras funções e respectivos reflexos.
Na verdade, não era exigível, em termos de normalidade e razoabilidade, que a R., que explora o Hotel no qual o A. trabalhava como cozinheiro, uma vez conhecedora de uma informação médica em que se afirma não poder o autor manipular alimentos e estar ele “inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro” o mantivesse no exercício dessas funções.

Duvidosa é a questão de saber se a dita impossibilidade reveste também a natureza de definitiva em relação a outras funções e a de absoluta, em termos de operar a caducidade do contrato de trabalho invocada pela R..
A este propósito, há que ponderar, actualmente, para além das acima transcritas posições doutrinárias e jurisprudenciais citadas no Parecer do Mº Pº – e, como, aliás, aí se veio a fazer também – o disposto nos art.ºs 123º, n.º 1 e 151º do Cód. do Trabalho.
Dispõe o primeiro dos aludidos preceitos:
“O empregador deve proporcionar ao trabalhador acções de formação profissional adequadas à sua qualificação”.
E preceitua o art.º 151º
1. – O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado.
2. – A actividade contratada, ainda que descrita por remissão para categoria profissional constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3. – Para efeitos do número anterior e salvo regime em contrário constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
4. – (…).
5. O empregador deve procurar atribuir a cada trabalhador, no âmbito da actividade para que foi contratado, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional”.
Deste art.º 151º resulta, como justamente refere a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto Parecer, “que a actividade contratada, ainda que descrita por remissão para uma categoria profissional constante de IRCT ou de regulamento interno, compreende também funções afins ou funcionalmente ligadas que serão, designadamente, as actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”.
É lícito retirar deste artigo uma precisão das funções (as afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada) cuja execução o empregador pode impor, unilateralmente, ao trabalhador, sem que isso envolva uma modificação ilegal ou ilícita do objecto contratual.
Mas não se nos afigura defensável que se possa retirar desse artigo a conclusão de que o trabalhador possa exigir que o empregador lhe atribua funções afins ou funcionalmente ligadas às que foram contratadas, caso se verifique a impossibilidade superveniente e definitiva de continuar a executar estas últimas e o empregador esteja em condições de lhe proporcionar aquelas outras.

Isto porque tal preceito se limita a consagrar um direito (faculdade) do empregador, não se vislumbrando possível extrair dele a consagração do dever de empregador de atribuir tais funções afins ou funcionalmente ligadas às contratadas.
Este enquadramento mostra-se equilibrado e ajusta-se a uma razoável ou aceitável repartição do risco pela incapacitação do trabalhador, cedendo perante previsões legais especiais, em domínios específicos, como os da incapacitação por acidente de trabalho ou doença profissional, e o de inadaptação superveniente ao posto de trabalho - (4), como, no domínio da LCCT, aponta Furtado Martins, na obra e local citado - (5) .
Convenhamos que se afigura excessivo obrigar o empregador a criar um posto de trabalho que não tenha a ver com a actividade contratada ou de que não precise – v.g., por ter trabalhador a exercer as respectivas funções – para ocupar o trabalhador que se incapacitou, em termos supervenientes e definitivos e por facto totalmente alheio à sua actividade profissional.

Enquadrada assim a questão, há que apurar a solução a dar ao caso dos autos.
Como vimos, resultou provado que a doença que afecta o A. não o impossibilita de realizar todo e qualquer trabalho, mas apenas o torna incapaz de exercer a sua actividade habitual, a de cozinheiro.
Como bem se sublinhou no Parecer do Ministério Público, “na ficha de aptidão subscrita pelo médico do trabalho, cuja cópia se mostra junta a fls. 50 dos autos, pode ler-se que o Autor “está inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro” e que “não pode manipular alimentos”, indicando-se, todavia, naquela mesma ficha outras funções que o Autor está apto a desempenhar, nomeadamente, as de “Bagageiro”, “Empregado de limpeza”, “Motorista”.
Daqui resulta que o Autor se encontra tão só incapacitado de desempenhar a sua actividade habitual – de cozinheiro –, podendo, contudo, desempenhar outra actividade que seja compatível com as limitações resultantes da doença que o afecta.
E, sendo assim, a questão que agora se coloca é a de saber se a Ré estava ou não obrigada a oferecer ao Autor uma actividade compatível com a diminuição das suas qualidades resultante da doença de que é portador”.
Ora, vem provado, a esse respeito, que o Sana Park MM Hotel é um empreendimento turístico cujo pessoal tem formação específica (facto 23) e no qual todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao Autor (facto 24).
Defende a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no seu Parecer, que a resposta ao facto 24 reveste natureza meramente conclusiva e que, como tal, é de considerar não escrita, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 646º do CPC.

Refere, a propósito:
« (...), para se poder concluir que no referido hotel “não existem vagas cujas funções possam ser atribuídas ao Autor”, era necessário que tivessem sido alegados e provados factos concretos que conduzissem a essa conclusão, designadamente, a dimensão do quadro de pessoal da Ré, o conjunto das categorias profissionais que integram esse quadro, o seu preenchimento integral e ainda o mapa do pessoal da Ré.
Com efeito, só perante a alegação e prova de factos concretos é que se poderia extrair a conclusão de que no hotel da Ré não existiam vagas cujas funções pudessem ser atribuídas ao Autor, prova essa que, “in casu”, não foi feita ».
Daí que, no Parecer se conclua que não vem demonstrada a impossibilidade definitiva e absoluta justificadora da caducidade do contrato de trabalho invocada pela R..

Vejamos:
Segundo o n.º 4 do art.º 646º do CPC, na parte que aqui interessa, “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre as questões de direito (...)”.
Abordando a distinção entre matéria de facto e matéria de direito -(6), ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª edição, pág. 206):
«a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
E Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 268 a 270) afirma que «(…) são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos(…)», sendo indiferente que a esse factos se possa chegar directamente ou através de regras gerais e abstractas (através das regras da experiência).
E acrescenta que são de equiparar a factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido, ou seja, os que contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum: neste caso, remata o referido autor, «(…) deverão tomar-se no sentido corrente ou comum, ou no próprio sentido em que a lei os tome, quando coincidente, desde que as partes não disputem sobre eles, podendo ainda figurar sempre na especificação e ainda no questionário quando não constituam o próprio objecto do quesito».
Na mesma linha, Manuel de Andrade (in Noções Elementares do Processo Civil, n.ºs 93 e 97) inclui na categoria dos factos tanto os acontecimentos (realidades do mundo exterior) como realidades puramente psicológicas (internas) ou eventos puramente virtuais ou hipotéticos.
Também Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª ed. n° 136) entendem que "dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírica ­sensível, directamente captável pelas percepções do homem ....), mas também eventos do foro interno, da vida psíquica ou emocional do indivíduo (v.g. a vontade real do declarante: art° 236°,2, do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário .... ; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria: art° 496°, 1, do Cód. cit.).
Acrescentam ainda que, embora a área dos factos (seleccionáveis para o questionário) cubra, principlamente, os eventos reais, também pode abranger as "ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto" (nexo causal - art° 563° do CC; lucros cessantes - art° 564° do CC; vontade hipotética ou conjectural das partes - art°s 2920 e 293° do CC). Tais juízos de facto traduzem realidades duma zona empírica que faz parte do thema probandum. Trata-se "da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos", que, esses sim, integram a esfera do direito.
Ora, entendemos, vistas essas noções, que a resposta consubstanciada no facto n.º 24 não é meramente conclusiva ou de direito nem pode, consequentemente, ser considerada não escrita e inatendível.
A resposta contém ou traduz, a nosso ver, um evidente sentido de facto, revelando dados ou ocorrências de vida real (“todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao A.”) e que, como tal, não pode ser censurado por este Supremo.
Não lhe retirando essa natureza, a circunstância de se estar, digamos, perante uma resposta ampla ou de síntese, que fez um “apanhado” de dados diversos, certamente equacionados e abordados em sede de julgamento.
Dela se retira, como o fizeram as instâncias, v.g. o acórdão recorrido, que a ré não tinha funções por preencher e nas quais pudesse colocar o A., fossem elas afins ou funcionalmente ligadas ou não às de cozinheiro, e ainda que proporcionasse formação específica ao A..
Tal situação abrangia, pois, também, as funções de “bagageiro”, “empregado de limpeza” e “motorista”, indicadas, a título exemplificativo, na ficha de aptidão de fls. 50, como sendo algumas das que o A. estaria apto a desempenhar.
E esse sentido fáctico mostra-se admissível, atendível e suficiente, não se mostrando exigível – o que, aliás, em termos de normalidade ou razoabilidade, se mostrava de muito difícil cumprimento – que a R. alegasse toda uma previsível vastíssima gama de factos referentes à dimensão do seu quadro de pessoal, com a indicação minuciosa dos postos de trabalho, categorias, carreiras, funções e situações contratuais concretas de cada um dos seus trabalhadores.

Do exposto resulta que a ré provou que não tinha funções disponíveis que pudesse atribuir ao A..
O que vale por dizer que – independentemente da posição que se perfilhe sobre a noção e conteúdo da figura da impossibilidade definitiva e absoluta para a prestação do trabalho, como requisito da caducidade do contrato de trabalho – sempre tal requisito é de ter como verificado, no caso dos autos.

É que, mesmo no quadro da posição mais favorável para o A., a R. logrou provar o facto impeditivo do direito por aquele invocado (art.º 342º, n.º 2 do CPC), traduzido em não dispor de funções que lhe pudesse atribuir.
É de concluir, assim, que, por verificada a impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta da prestação do A., nos termos sobreditos, ocorreu ema situação de caducidade do contrato de trabalho, ao abrigo do art.º 387º, b) do CT, que foi, legítima e eficazmente invocada pela ré, tendo operado a válida cessação do mesmo, o que afasta a verificação de despedimento sem justa causa do A., por parte da ré, e que era pressuposto essencial dos pedidos por ele formulados.

Cabe referir que a interpretação perfilhada no acórdão recorrido e a também ora aqui seguida – no essencial, concordantes – não incorrem em violação dos art.ºs 13º, 25º, 26º, 53º e 58º da Constituição da República, apontados pelo recorrente na conclusão 16ª da revista - (7):

Invoca, em síntese, o recorrente que, “mesmo que se provasse algum risco para os outros trabalhadores ou para terceiros, haveria medidas mais adequadas e menos violentadoras do direito à integridade física e moral (artigo 25º da CRP), do direito à intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, n.º 1, da CRP) e do direito a não ser discriminado (artigo 26º, n.º 1 da CRP) e do direito ao trabalho (artigo 58º da CRP)”.
Acrescentando que “os princípios constitucionais constantes dos artigos 53º e 58º da CRP obrigavam a um esforço positivo na procura de uma ocupação/actividade e posto de trabalho para o A.” por parte da R., o que, em seu entender, não aconteceu.
E salienta que constituem direitos fundamentais dos trabalhadores o direito ao trabalho e o direito à segurança no emprego.
Conhecendo:
Em lado algum do presente acórdão, bem como nas decisões das instâncias, se pôs em causa a natureza de direitos fundamentais – apontada pelo A., na alegação da revista – do direito ao trabalho e da garantia à segurança no emprego, previstos, respectivamente, nos art.ºs 58º e 53º da Constituição.
Mas há que ter presente que tal natureza não confere a esses direitos um carácter absoluto e total, não proibindo toda e qualquer cessação do contrato de trabalho, ainda que por iniciativa do empregador, como tem sido, pacificamente, entendido na própria jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Ou seja, no quadro da possibilidade de “despedimento com justa causa”, admitida no art.º 53º da Constituição e cuja noção é ampla, cabendo nela as várias figuras de cessação do contrato de trabalho previstas na lei (anteriormente, na denominada LCCT, aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27.02, e, actualmente, no Código do Trabalho), não há obstáculo constitucional à cessação por caducidade do contrato, ao abrigo do art.º 387º, b) do CT, o que, aliás, o próprio recorrente não questiona.
E não vislumbramos que o acórdão recorrido e a presente decisão hajam feito, em concreto, qualquer interpretação violadora ou contrária à Constituição, vg. dos preceitos referidos na conclusão 16ª da revista e acima referidos e transcritos.
Designadamente, não vemos que se haja afrontado, minimamente, o princípio da igualdade, previsto nos art.ºs 13º, criando qualquer discriminação injustificada pelo facto de o A. ser portador de HIV.
Em termos gerais e sintéticos, podemos dizer que tal princípio tem como escopo proibir o arbítrio.
Não proíbe, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional - (8).
A diferenciação de tratamento é legítima sempre que não se fundamente em razão de «...ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”, como se refere, exemplificativamente, no n.º 2 do art.º 13º, ou seja, sempre que se mostre razoável, racional e objectivamente fundada.
De acordo com o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira - I (9)., “o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do seu objectivo”.
Mas o princípio constitucional da igualdade não se limita a impor o tratamento igual de situações de facto iguais.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 335/94 -(10), tal princípio “postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)”.
Nesta senda, discorreu-se no Ac. do STJ de 7.11.2007 -(11) que o princípio da igualdade “reclama a dação de igual ou idêntica solução legal para situações iguais ou idênticas, reclamando, do mesmo passo, a adopção de soluções diversas quando as situações a contemplar sejam, elas mesmas, dissonantes”.
Ora, no caso em apreço, a presente decisão, à semelhança do que haviam feito as instâncias, apreciou a factualidade provada, enquadrando-a na previsão da al. b) do art.º 387º do CT e concluindo pela verificação da situação de caducidade do contrato de trabalho, face a uma qualificação da mesma como de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestação de trabalho pelo A. à R..
E essa subsunção foi efectuada, em termos técnico-jurídicos, sem a mínima manifestação de discriminação em relação ao A., assente no facto de ser portador de HIV.

Concluiu-se dessa forma por se ter entendido que, no caso concreto e de acordo com a factualidade provada, tal afecção ditava a referida impossibilidade.
Nenhuma discriminação desfavorável se fez aí ao A., em função da sua doença, em relação a outros trabalhadores, portadores ou não de igual ou diferente doença, e também eles impossibilitados, nos termos da citada alínea b), de prestar o trabalho aos respectivos empregadores.

Por outro lado, não se vislumbra, minimamente – nem, aliás, o A. o concretiza – em que medida a interpretação perfilhada no acórdão recorrido (e na presente decisão) possa traduzir qualquer ofensa do direito do A. à integridade pessoal (previsto no art.º 25º da Constituição) ou de outros direitos pessoais, v.g. o de protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (previstos no art.º 26º da Constituição).

Ou seja: não se verificam os obstáculos constitucionais apontados pelo A.– nem se vislumbram outros – à solução a que se chegou no sentido da caducidade do contrato de trabalho.
É, pois, de confirmar a decisão recorrida.


V – Assim, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.
Custas nas instâncias e na revista a cargo do A., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 24 de Setambro 2008


Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão

_______________________________________
(1) - Dispõem esses preceitos:
Art.º 729º: “1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º. 3. O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.
Art.º 722º: “1. (...). 2. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
(2) - À questão que está em apreço nos autos do modo de extinção do contrato de trabalho – se por caducidade se por despedimento sem justa causa – e dos respectivos efeitos é aplicável o regime do Código do Trabalho, como entenderam as instâncias, sem discordância das partes, já que a situação invocada pela R. para o efeito ocorreu após a data da sua entrada em vigor, verificada em 1 de Dezembro de 2003 (art.ºs 3º, n.º 1 e 8º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que aprovou o dito Código).
(3) - A impossibilidade referida é de considerar definitiva porque, face a uma evolução normal e previsível, não se mostrava que fosse viável, no futuro e em tempo útil ou razoável, que o A. visse eliminada a doença de que é portador e o consequente risco de contágio de que se falará adiante, nem que fosse exigível à R. aguardar uma eventual e, porventura, longínqua cura do A., mantendo-lhe o contrato como cozinheiro.
(4) - É, assim, que a alínea d) do n.º 1 do art.º 407º do CT estabelece que um dos requisitos de verificação cumulativa do despedimento por inadaptação é o de que “não exista na empresa outro posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do trabalhador” e o art.º 408º preceitua que “o trabalhador que, nos três meses anteriores à data do início do procedimento previsto no art.º 426º” – procedimento do empregador para despedimento por inadaptação – “tenha sido transferido para posto de trabalho em relação ao qual se verifique a inadaptação tem direito a reocupar o posto de trabalho anterior, com garantia da mesma retribuição base, salvo se este tiver sido extinto”.
- Neste sentido, vejam-se os recentes acórdãos desta 4ª Secção do STJ, de 19.12.2007, proferido na Revista n.º 3389/07, disponível em www.dgsi, Processo 07S3389, e de 10.09.2008, proferido na Revista n.º 12/08.
Pode ler-se no sumário do primeiro dos referidos arestos: “A impossibilidade não deixa de ser absoluta pelo facto de o trabalhador poder exercer outro tipo de funções, uma vez que a atribuição de novas funções passaria por uma alteração do contrato, a que a entidade empregadora não está obrigada, por não existir disposição legal que tal imponha”.
(5)Neste sentido, vejam-se os recentes acórdãos desta 4ª Secção do STJ, de 19.12.2007, proferido na Revista n.º 3389/07, disponível em www.dgsi, Processo 07S3389, e de 10.09.2008, proferido na Revista n.º 12/08.
Pode ler-se no sumário do primeiro dos referidos arestos: “A impossibilidade não deixa de ser absoluta pelo facto de o trabalhador poder exercer outro tipo de funções, uma vez que a atribuição de novas funções passaria por uma alteração do contrato, a que a entidade empregadora não está obrigada, por não existir disposição legal que tal imponha”.

(6) - Seguimos, de perto, a este propósito, a alusão feita à posição dos vários autores, os acórdãos desta 4ª Secção do STJ, de 14.12.2005, proferido no Recurso n.º 2337/05, e de 08.06.2006, no Recurso n.º 3374/05.
(7) - Dispõem esses preceitos, na parte que aqui interessa:
Art.º 13º (Princípio da igualdade) 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.
Art.º 25º (Direito à integridade pessoal) 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
Art.º 26º (Outros direitos pessoais) 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. 2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias”.
Art.º 53º (Segurança no emprego) É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.
Art.º 58º (Direito ao trabalho) 1. Todos têm direito ao trabalho. 2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) A execução de políticas de pleno emprego; b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores”.
(8) - Veja-se, neste sentido, entre outros, o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2008, de 12 de Março de 2008 (in DR, Iª série, de 08.03.22).
(9) - In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Almedina, 3ª edição, pág. 128.
(10) - In DR, II Série, de 30 de Agosto de 1994.
(11) - Proferido no Recurso n.º 1516/07, desta 4ª Secção, e contendo doutas referências de arestos do Tribunal Constitucional. )